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UM URSO QUE IMPÕE RESPEITO

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Academic year: 2021

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Texto

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avia na floresta uma cabana, modesta morada de lenhadores. Nessa cabana, moravam um velhinho e uma velhinha que eram irmãos, mas pouco amigos. Por aqui começa esta história.

Desconfio que não estou a dizer a verdade toda. Talvez os dois irmãos fossem amigos, lá muito no fundo dos seus corações de velhos rabugentos, mas quem os visse e ouvisse a enfrenesiarem-se constantemente por dá cá aquela palha, tal não diria. A velhinha, então, era a mais abespinhada. Mal o irmão entrava em casa e fechava a porta, começava a bulha.

– Estou farta de te recomendar, Gregório Epifanov, para não entrares sem primeiro bater à porta. Assustas o gato, assustas-me a mim e abalas a casa com essas botifarras.

Porque não te descalças à porta?

UM URSO QUE IMPÕE

RESPEITO

António Torrado

escreveu e

Cristina Malaquias ilustrou

H

(2)

– Porque já sei, mana Agripina, que estás à espera que eu venha com o carrego de gravetos para te acender o lume.

Se eu tivesse a certeza de vir encontrar a casa aquecida, a sopa a fumegar e o chá a ferver na chaleira, decalçava-me à porta, pois claro! Mas que encontro afinal: cinzas frias na lareira e uma velha a um canto, enrolada em cobertores, a resmungar, com voz de bruxa...

A mana Agripina saltava do seu canto e espetava o dedo agudo, diante do nariz do irmão:

-– Bruxa? Eu? E tu o que és? Um velho urso paspalhão a sonhar com palácios e criados de nariz no chão. Julgas que sou tua criada, julgas?

– Nem eu sou teu criado e trago-te este baraço de lenha para aqueceres a ceia, velha rezingona.

Ela virava-lhe as costas e voltava para o seu canto, resmungando:

– Passo bem sem ceia. Se queres comer o caldo, come-o frio ou aquece tu o lume. Não estou para me maçar com ursos velhos!

Assim viviam os dois manos. Assim passavam os serões.

De manhã, chovesse ou fizesse sol, havia sempre tempestade na cabana.

– Levanta-te, urso preguiçoso! – gritava a velha Agripina, sacudindo a cama do irmão.

– Deixa-me em paz, velha ruim. Passo dia a trabalhar.

Portanto, tenho direito de dormir o que me apetece e o que o meu corpo pede – respondia-lhe o velho, com a cabeça escondida nos cobertores.

– Isso são desculpas de urso. Se te não levantas já, vou ao poço, encho a selha e despejo-ta pela cabeça abaixo – ameaçava a velha.

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© APENA – APDD – Cofinanciado pelo POSI e pela Presidência do Conselho de Ministros

(3)

Gregório Epifanov levantava-se, pegava no machado e ia-se embora, sem dar os bons-dias nem comer as sopas da manhã.

Um dia, Gregório Epifanov encontrou o urso da floresta.

Não era a primeira vez que urso e lenhador se encontravam. Das outras vezes, empunhando o machado, enfrentara o bicho e obrigara-o a fugir de quem era mais valente. Outros tempos...

Agora, Gregório Epifanov sentia-se velho demais para lutar. O machado caiu-lhe das mãos e os joelhos dobraram- -se... Rendia-se antes do combate. O urso que decidisse o que queria fazer dele.

– Não quero nada de ti – disse-lhe o urso. – Estás muito fraco para que possas medir forças comigo. Como te deixaste envelhecer desta maneira, homem?

Gregório Epifanov murmurou:

– Os anos, uns em cima dos outros, pesam-me nos ombros. A neve de muitos invernos caiu-me na cabeça e embranqueceu-me os cabelos. De tanto mastigar pão duro, caíram-me os dentes. Os trabalhos custosos e as moléstias chuparam-me a carne e curtiram-me a pele. Assim envelheci.

Ficaram a conversar como bons amigos. A certa altura, o velho lenhador lamentou-se do mau génio da irmã que não parava de dizer que ele não valia nada e que estava sempre a tratá-lo de urso paspalhão.

– E isso ofende-te? – perguntou-lhe o urso.

Pois claro que se ofendia. Se não fosse ele, a miséria na choupana ainda seria maior. Com o que ele ganhava a vender lenha, ambos comiam. Além de que não era um urso, era um homem.

(4)

Então o urso teve uma ideia. Chegou o focinho à orelha do lenhador e segredou-lhe o seu plano. Foi uma risota!

Na manhã seguinte, repetiu-se a cena de todos os dias.

Com os modos de sempre, a velha Agripina abanou a cama, onde, muito enrolado nos cobertores, o irmão dormia.

– Levanta-te, urso madraceiro – gritava ela. – Levanta-te que são horas de te pores a andar.

Voltado para a parede, o irmão não dava resposta.

– Ah, sim!? Então deixa estar que hoje é que vais saber como é fria a água do poço – disse a velha.

Dito e feito. Encheu a selha, carregou com ela e despejou-a em cima da cama do infeliz Gregório Epifanov, gralhando o que se segue:

– Prova desta água, urso paspalhão, mandrião e resmungão, a ver se te emendas!

Espalharam-se os cobertores e da cama saltou não o lenhador mas um urso, um urso autêntico que se pôs a correr atrás da velha, pela casa fora. Ela, aterrorizada, tropeçou na selha, caiu, levantou-se, fugiu, sentindo sempre as garras do urso quase a tocarem-lhe.

– Quem me acode! – gritava ela que metia pena.

Valeu-lhe o irmão que entrou, nesse instante, na cabana, empunhando um machado. Arremedou-se, ali, uma luta que mais parecia uma dança... O urso fez de conta que estava cheio de medo e, fingindo uma grande aflição, fugiu para a floresta donde viera.

A partir desse dia, a velha Agripina passou a tratar o mano com melhores modos. Fora uma ou outra rabugice, os dois irmãos começaram a dar-se muito bem e voltaram a ser bons amigos. As sementes de amizade, escondidas no fundo dos seus corações cansados, estavam a dar flores...

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© APENA – APDD – Cofinanciado pelo POSI e pela Presidência do Conselho de Ministros

(5)

Gregório Epifanov nunca mais se esqueceu do urso que lhe prestara tão bons serviços. Sempre que pode, deixa ficar, na cavidade aberta num velho tronco, um boião de mel que se destina ao seu amigo. Parece que os ursos são muito gulosos.

FIM

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