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A CONSTRUÇÃO DO SISTEMA ALFABÉTICO DE REPRESENTAÇÃO PELA CRIANÇA

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Academic year: 2021

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A CONSTRUÇÃO DO SISTEMA ALFABÉTICO DE REPRESENTAÇÃO PELA CRIANÇA

Professor(a), você sabe como aprendeu a ler e a escrever? E como as crianças aprendem? Em que momento elas aprendem? Por quais caminhos? Qual a melhor idade para serem alfabetizadas? Em que momento devemos fornecer informações às crianças sobre o nosso sistema de representação? A partir de que vamos ensiná-las? Devemos, em primeiro lugar, mostrar-lhes as letras? Como? Por meio do alfabeto ou de palavras significativas para elas? Como agir agora com o ingresso das crianças no ensino fundamental aos seis anos? Devemos esperar que elas já cheguem alfabetizadas? Ou, ao contrário, como terão mais tempo para aprender, não será preciso antecipar esse aprendizado? Essas e muitas outras perguntas devem estar preocupando tanto professores como pais de crianças de seis anos.

Em vários momentos desse programa, destacamos a importância de saber o que as crianças dominam, com relação à leitura e à escrita, quando entram na instituição escolar. Em outros artigos, afirmamos que as crianças não esperam nem pedem licença para aprender. Dissemos também que, para fazer intervenções adequadas e ajudar a criança nesse processo, o professor precisa entender como é que elas aprendem. As contribuições do construtivismo e da psicogênese da língua escrita nos ajudam a conhecer melhor esse processo.

O construtivismo é a teoria psicológica que mostra como a criança aprende; não é um método, nem propõe um método. A psicogênese da língua escrita, por sua vez, é a teoria que descreve a especificidade do caminho percorrido pela criança durante o aprendizado inicial da escrita, ou seja, da construção da base alfabética. Vygotsky tratou desse processo, o qual denominava “pré-história da linguagem escrita” e que, segundo ele, caracteriza as aquisições feitas pela criança antes do desenvolvimento de um trabalho intencional de alfabetização.

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Emília Ferreiro, Ana Teberosky e colaboradores, ao pesquisar como se dá o processo de reconstrução do sistema de representação da língua escrita pelas crianças, concluíram que quando elas têm acesso a essa linguagem, constroem hipóteses muito próprias sobre o que a escrita representa e como ela é representada, buscando compreender o nosso sistema alfabético de escrita.

Quando falamos em psicogênese, falamos da origem, da gênese da escrita no processo individual de cada criança. Essa construção ocorre a partir de hipóteses construídas nas interações que ela tem com a leitura e com a escrita, mediadas por outros sujeitos – adultos ou crianças com quem convive. Essas hipóteses são, portanto, construídas pelos aprendizes da escrita, em uma sociedade letrada, a partir das reflexões que eles fazem a partir da utilização da fala, de conhecimentos prévios e de novas informações fornecidas pelo meio, possibilitando assimilações e generalizações. Nesse processo, as crianças testam suas hipóteses e as reformulam quando percebem que essas não são suficientemente eficazes para explicar o novo objeto com o qual se deparam.

É assim, ativamente, que meninos e meninas, do Brasil e de outras partes do mundo onde a escrita é instrumento de uso social, vão se apropriando desse objeto e conquistando esse “passaporte” para a aquisição do conhecimento sistematizado e para uma ação mais autônoma no seu meio. Entretanto, para essa conquista, as crianças trilham um difícil caminho, cheio de idas e vindas, de avanços e de aparentes retrocessos, num grande esforço cognitivo, até o domínio de uma tecnologia que para ela é monopólio dos adultos ou de crianças mais experientes.

Os estudos sobre a psicogênese da língua escrita, ao desvendar a trajetória da criança nessa aprendizagem, evidenciaram e caracterizaram as diversas hipóteses das crianças, como veremos a seguir.

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Hipótese pré-silábica

Inicialmente, quando ainda não percebem que existe relação entre a escrita e os aspectos sonoros da fala, as crianças tentam estabelecer uma ligação entre a escrita e as características físicas ou psicológicas do objeto representado (realismo nominal). Nessa fase, recorrem a desenhos e a outros sinais gráficos, formulam a idéia de que a escrita seria uma espécie de desenho. Por exemplo, utilizam muitas letras para escrever trem, porque se trata de um meio de transporte grande, e poucas letras para escrever bicicleta, por ser um meio de transporte pequeno. Costumam também utilizar apenas as letras do próprio nome, mudando a sua ordem para escrever coisas diferentes, ou acreditam que não se pode ler ou escrever utilizando menos de duas letras. Criam, enfim, uma série de outras hipóteses, de caráter tanto quantitativo como qualitativo, visando compreender o que significa a escrita do adulto.

Nessa fase, a criança começa a compreender, aos poucos, a diferença entre desenhar e escrever, mas ainda não consegue compreender a natureza do nosso sistema alfabético, no qual a grafia representa o som, e não as idéias como nos sistemas ideográficos.

Hipótese silábica

A partir dos conflitos vivenciados nas tentativas de compreender tal sistema, a criança se dá conta da existência de uma relação entre a escrita e os aspectos sonoros da fala e percebe a sílaba como segmento da fala, mas acredita que cada letra representa graficamente uma sílaba.

Assim, cria a hipótese de que a cada som emitido na fala corresponde uma letra. Por exemplo, a criança usa três letras para escrever cavalo (CAO) ou quatro para escrever borboleta (BETV). Essa hipótese, denominada silábica, significa um grande avanço no processo de reconstrução desse sistema, pois ela já descobriu o que a escrita representa, faltando apenas compreender como ela é representada.

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Nessa fase, a criança pode escrever sem fazer a correspondência da letra convencional com o seu respectivo som, como por exemplo, escrever VTILO, para papagaio. Quando consegue estabelecer essa relação escrevendo, por exemplo, PAGIO, ela já está mais próxima do princípio alfabético.

Hipótese alfabética

A partir do contato com diversas situações de escrita, mediadas por outros sujeitos letrados, a criança continua o processo de construção de hipóteses sobre o sistema de representação, até chegar à percepção de que as palavras possuem unidades menores que as sílabas, os fonemas, e que a cada fonema corresponde um grafema. Entretanto, não é de um momento para o outro que a criança percebe todos os fonemas. Alguns demoram muito mais a serem percebidos, como por exemplo o R, no final das palavras, ou os sons nasalizados.

Nesse processo, a criança também vai se apropriando dos aspectos gráficos da linguagem escrita, isto é, das letras, do uso de maiúsculas e minúsculas, da pontuação, da segmentação, da orientação da escrita.

Assim, começa também a compreender as regras ortográficas e formular novas hipóteses.

Hipótese ortográfica

Quando a criança descobre que a base da escrita é fônica, a tendência é tentar reproduzir o som. Dessa maneira, é comum ela escrever, por exemplo, meninu ou tumati, porque pronuncia essas palavras dessa maneira.

No início, acredita que a sílaba é formada de apenas duas letras: uma consoante e uma vogal, como nas palavras macaco, cavalo etc. Para a criança, é como se a sílaba fosse um bloco de dois elementos. Ao se deparar com sílabas que não são constituídas dessa maneira, formula outras hipóteses para dar conta de escrevê-las.

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Por outro lado, como acredita que a escrita é uma reprodução da fala, não segmentam as palavras na frase – por exemplo, ocavalobebeagua.

Isso acontece porque ao falarmos essa separação não fica evidente.

Como se vê, aos poucos, as crianças formulam diversas hipóteses para entrar no complicado mundo da ortografia, apropriando-se das regularidades e das irregularidades da escrita. É um processo longo que depende muito das informações que recebem do mundo social e, sobretudo, das intervenções do adulto e das possibilidades de interação com pares mais experientes.

Para fazer intervenções adequadas e ajudar a criança nesse processo, o professor precisa saber como ela aprende e em que momento desse processo ela se encontra, além de conhecer as características do nosso sistema de representação.

Para aprofundar essas questões, uma boa sugestão é consultar as seguintes indicações bibliográficas:

SANTOS, Maria Lúcia. A expressão livre no aprendizado da língua portuguesa (Coleção Pensamento e Ação no Magistério). São Paulo:

Scipione, 2004.

SEBER, Maria da Glória. A escrita infantil: o caminho da construção (Coleção Pensamento e Ação no Magistério). São Paulo: Scipione, 1997.

Aspectos fonológicos envolvidos no aprendizado da escrita Como vimos, um dos aspectos fundamentais do aprendizado da leitura e da escrita é a compreensão de que a língua é constituída de sons. Existe uma relação muito estreita entre os aspectos fonológicos e o aprendizado da leitura e da escrita. É, pois, muito importante desenvolver na criança a consciência fonológica, isto é, desenvolver a capacidade de refletir sobre a dimensão sonora da língua. É relevante esclarecer que não

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estamos falando em método fônico, mas em um trabalho com os aspectos sonoros do sistema alfabético de escrita.

Desde muito cedo, a criança tem a capacidade de ouvir e emitir uma infinidade de sons. Quando começa a falar, ela passa a fazer parte de um mundo em que as interações são mediadas predominantemente pela linguagem oral. À medida que se relaciona com os sujeitos de sua cultura e com os sons que eles emitem, ela seleciona alguns sons, restringindo esse repertório àquilo que permitirá o compartilhamento de significados com esses sujeitos. Dessa forma, os balbucios se tornam palavras que são compreendidas quando associadas aos objetos presentes. Nesse processo de construção de significados, a consciência do som que a criança tinha anteriormente vai se perdendo, à medida que ela se prende mais ao conteúdo da fala do que aos sons que emite ou ouve.

É dessa maneira também que nós, adultos, quando falamos, emitimos sons, sílabas, fonemas e palavras, juntamos fonemas em sílabas, sílabas em palavras e palavras em frases, prestando atenção apenas nas idéias, e não nos sons que emitimos. O mesmo acontece quando ouvimos: prestamos atenção apenas nos significados dos discursos, não nos sons de nossa fala.

Canções, poemas, parlendas, trava-línguas, cantigas de roda, quadrinhas, adivinhações, jogos e outras brincadeiras com a língua contribuem para tornar observável sua sonoridade, o que é muito importante na fase inicial de aprendizagem da leitura e da escrita. Além de constituírem situações lúdicas, são recursos para o desenvolvimento da consciência fonológica, pois apresentam rimas, aliterações, possibilidades de trabalhar a segmentação das palavras e de organizá-las numa seqüência com sentido e significado.

Na convivência constante com textos como esses, as crianças se apropriam da dimensão sonora da escrita e percebem, cada vez mais, a relação entre o que falamos e o que escrevemos, entre a quantidade e a qualidade das letras necessárias à escrita, reconhecem o valor posicional das letras nas palavras e a relação entre grafemas e fonemas. Assim,

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desenvolvem a consciência fonológica e se aproximam do sistema convencional ortográfico, com suas regularidades e irregularidades.

A intervenção da escola

Muitas crianças de seis anos, ao ingressar no ensino fundamental, já percorreram grande parte dessa trajetória, seja por terem vivenciado na família inúmeras situações de uso da linguagem escrita, seja porque freqüentaram instituições de educação infantil em que o uso da escrita fazia parte do cotidiano. De qualquer forma, é importante ter claro que o meio social é fator decisivo nesse processo – embora saibamos que inúmeras crianças brasileiras tenham um cotidiano no qual a leitura e a escrita não estejam tão presentes. Nesse sentido, vale relembrar o que já foi tratado em artigos anteriores: é preciso que a criança sinta necessidade e desejo de aprender. Cabe à escola, mais do que ensinar, propor situações que possibilitem esse aprendizado.

O grande mérito dos trabalhos da psicolingüística foi exatamente mudar o foco da alfabetização: em vez de pensar no que devemos ensinar, procurar entender como as crianças aprendem. Uma constatação importante desses estudos é que as crianças, ao elaborar e reelaborar suas hipóteses, cometem muitos erros. Mas são erros, como já afirmamos em outros artigos, considerados construtivos, momentos importantes no processo de aprendizagem, pois permitem à criança pensar e experimentar o que pensam, agindo sobre o objeto de conhecimento, a escrita, e fazendo inúmeras tentativas.

Para a psicogênese, o que aparentemente é um erro, na verdade, é um esforço que envolve uma atividade constante e permite alargar o campo de conhecimento lingüístico das crianças. Assim, elas pensam sobre seu objeto de conhecimento e, por aproximações sucessivas, descobrem as chaves do mundo da leitura e da escrita.

Esse não é um caminho linear, e ao trilhá-lo o aprendiz vivencia inúmeros conflitos cognitivos; ao se deparar com as diversas dificuldades

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para a compreensão desse objeto, ele entra numa situação de desequilíbrio. O equilíbrio só é restabelecido quando a criança encontra uma explicação satisfatória para o fenômeno que tenta compreender.

Para que as crianças possam construir suas hipóteses e refletir sobre elas, é fundamental que o professor as ouça, questione sobre as suas escritas e, sobretudo, proporcione um ambiente alfabetizador e de letramento, povoado de diferentes tipos de textos. Além disso, é preciso criar situações em que as crianças possam interagir com a diversidade de textos que circula em nossa sociedade e tenham a oportunidade de trocar idéias entre si, de ouvir as hipóteses das demais crianças e pensar sobre elas.

A Editora Scipione tem alguns livros infantis que podem contribuir para a aprendizagem das crianças e um trabalho intencional do(a) professor(a) no momento de ingresso na escola regular.

A coleção Do arco-da-velha – Sílvio Romero, organizada por Maria Viana e ilustrada por Rosinha Campos, é um excelente material para colocar as crianças em contato com os aspectos fonológicos e construtivos da escrita. Os livros Quadrinhas brasileiras, Bão-ba-la-lão e outras parlendas e O cravo e a rosa e outros cantos são livros que reúnem quadrinhas, parlendas e cantos populares recolhidos por Sílvio Romero e podem ser trabalhados de forma lúdica, desde os primeiros momentos da criança na escola.

Alguns livros da coleção Do-ré-mi-fá, como Grande ou pequena, de Beatriz Meirelles, podem ser lidos pelo professor e/ou pelas crianças, tanto para exploração do conteúdo literário, como para chamar a atenção das crianças para as rimas e aliterações presentes no texto.

O caçador de palavras, de Lalau e Laurabeatriz, pode ser usado pelo professor para criar brincadeiras e jogos com as palavras mais significativas no contexto em que se encontram.

Ao longo deste artigo, falamos muito de trabalho com textos significativos para as crianças. O professor deve buscar elementos que façam parte do universo infantil. Nessa fase, os nomes das crianças são

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bastante significativos. A partir do nome próprio dos alunos, é possível trabalhar com as letras do alfabeto, com as sílabas e mesmo com grande parte das dificuldades ortográficas. Também pode ser um bom momento para apresentar a eles os livros de imagens de Nelson Cruz, cuja única palavra escrita é o nome dos personagens/títulos: Mateus, Leonardo e Noel. Esses livros permitem um trabalho de construção de texto a partir das imagens e das hipóteses das crianças e de suas maneiras singulares de escrita.

Bibliografia

BATISTA, Antonio Augusto Gomes e outros. Coleção Instrumentos de Alfabetização. Belo Horizonte: Ceale/FaE/UFMG, 2005.

FARIA, Vitória Líbia Barreto de e SALLES, Fátima “A linguagem escrita nas propostas pedagógicas de educação infantil”. In: Revista do professor. Belo Horizonte: Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais, nº 11, dez./2003.

FERREIRO, Emilia. e TEBERROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.

LOPES, Karina Rizek; MENDES, Roseana Pereira; FARIA, Vitória Líbia Barreto de (Orgs.). Livro de estudo: módulo IV (Coleção Proinfantil). Brasília:

MEC/Secretaria de Educação Básica/Secretaria de Educação à Distância, 2006.

TEBEROSKY, Ana. Aprendendo a escrever: perspectivas psicológicas e implicações educacionais. São Paulo: Ática, 1994.

MEC. Ensino fundamental de nove anos – Orientações Gerais. Disponível

no site do

MEC:http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Ensfund/noveanorienger.pdf. Acesso em 17 jul 2007.

MEC. Ensino fundamental de nove anos – Orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade. Disponível no site do MEC:

http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Ensfund/ensifund9anobasefinal.pdf. Acesso em 17 jul 2007.

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