Espa¸cos fuzzy e aspectos quˆ
anticos dos
buracos negros
Fortaleza
Espa¸cos fuzzy e aspectos quˆ
anticos dos
buracos negros
Tese submetida `a Coordena¸c˜ao do Curso de P´os-Gradua¸c˜ao em F´ısica, da Universidade Federal do Cear´a, como requisito parcial para a obten¸c˜ao do grau de Doutor em F´ısica
Orientador:
Ricardo Renan Landim de Carvalho
universidade federal do ceara - Departamento de F´ısica
Fortaleza
Espa¸cos fuzzy e aspectos quˆ
anticos dos
buracos negros
Tese submetida `a Coordena¸c˜ao do Curso de P´os-Gradua¸c˜ao em F´ısica, da Universidade Federal do Cear´a, como requisito parcial para a obten¸c˜ao do grau de Doutor em F´ısica
Aprovada em 30 de setembro de 2011
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Ricardo Renan Landim de Carvalho (Orientador)
UFC
Prof. Dr. Luis Paulo Collato Cefet - RJ - UnED Petr´opolis
Prof. Dr. Amilcar Rabelo Queiroz UNB
Prof. Dr. Carlos Alberto Santos de Almeida UFC
INTRODUC¸ ˜AO p. 9
1 BURACOS NEGROS p. 12
1.1 Introdu¸c˜ao . . . p. 12 1.2 As leis da mecˆanica dos buracos negros . . . p. 16 1.2.1 Prova da lei zero . . . p. 17 1.2.2 Prova da primeira lei . . . p. 18 1.2.3 Prova da segunda lei . . . p. 23 1.3 Segunda lei generalizada . . . p. 26 1.4 O efeito Hawking . . . p. 28 1.4.1 Produ¸c˜ao de part´ıculas em espa¸cos-tempo n˜ao estacion´arios . . p. 31 1.4.2 Produ¸c˜ao de part´ıculas por buracos negros . . . p. 32 1.5 Dois desafios: entropia e informa¸c˜ao . . . p. 40
2 ESPAC¸ OS FUZZY p. 41
2.1 Introdu¸c˜ao . . . p. 41 2.2 A esfera fuzzy . . . p. 44 2.3 Mudan¸ca de topologia para espa¸cos fuzzy . . . p. 45 2.3.1 Um prel´udio `as ´algebras de Hopf . . . p. 45 2.3.2 O grupo das ´algebras de convolu¸c˜ao . . . p. 49 2.3.3 O ∗-morfismo G∗ → S2
F . . . p. 51
3 MUDANC¸ A DE TOPOLOGIA DE ESPAC¸ OS FUZZY E A
TER-MODIN ˆAMICA DOS BURACOS NEGROS p. 59 3.1 Introdu¸c˜ao . . . p. 59 3.2 Mudan¸ca de topologia de espa¸cos fuzzy e a origem da termodinˆamica dos
buracos negros . . . p. 61 3.3 O ensemble de estados . . . p. 62 3.4 Evapora¸c˜ao dos buracos negros . . . p. 67 3.4.1 Entropia emitida por um buraco negro durante sua evapora¸c˜ao . p. 70
CONCLUS ˜AO p. 73
Apˆendice A -- Estrutura causal e diagramas de Penrose p. 75 A.1 Propriedades assint´oticas do espa¸co-tempo de Minkowski . . . p. 76 A.2 Diagrama de Penrose para a solu¸c˜ao de Kruskal . . . p. 78
INTRODUC
¸ ˜
AO
N˜ao seria um exagero dizermos que uma das predi¸c˜oes mais excitantes da teoria da relatividade geral ´e a de que buracos negros devam existir. Buracos negros s˜ao, por defini¸c˜ao, objetos dos quais nenhum corpo ou sinal f´ısico pode escapar, devido ao campo gravitacional fort´ıssimo produzido pelos mesmos. A prova de que tais objetos, de fato existem, e a an´alise de suas propriedades possuem uma significˆancia que vai al´em da astrof´ısica. De fato, o que est´a envolvido nesta situa¸c˜ao n˜ao ´e simplesmente a descoberta de mais um objeto astrof´ısico, mais sim, uma forma de sabermos se o nosso conhecimento a respeito de regimes onde os campos gravitacionais s˜ao extremamente fortes est´a correto. As pesquisas em f´ısica dos buracos negros ganharam um grande vigor a partir dos anos setenta quando um novo e inesperado resultado, obtido por Hawking, chamou a aten¸c˜ao dos f´ısicos para os buracos negros. Hawking chegou ao resultado de que, como resultado da instabilidade do v´acuo na presen¸ca do campo gravitacional produzido por um buraco negro, estes objetos s˜ao fontes de radia¸c˜ao quˆantica. Hawking mostrou, ent˜ao, que buracos negros possuem propriedades termodinˆamicas como temperatura e entropia. A descoberta de Hawking estimulou um grande n´umero de artigos analisando carac-ter´ısticas espec´ıficas de efeitos quˆanticos em buracos negros. Os resultados de Hawking, de fato, conseguiram estabelecer uma profunda conex˜ao entre a f´ısica de buracos negros e outras ´area da f´ısica, a princ´ıpio, bastante distantes da primeira, como termodinˆamica, teoria da informa¸c˜ao e teoria quˆantica de campos.
natureza dos poss´ıveis estados do buraco negro ´e obscura. Portanto, a origem da entro-pia dos buracos negros n˜ao ´e clara. Al´em disso, para justificar a designa¸c˜ao “entroentro-pia”, deveria-se explicar o porquˆe de a soma da entropia do buraco negro com a a entropia de sua vizinhan¸ca ser uma fun¸c˜ao n˜ao-decrescente do tempo, ou seja, o porquˆe dos buracos negros obedecem a uma segunda lei generalizada da termodinˆamica.
A situa¸c˜ao se torna ainda mais complicada se n´os considerarmos a natureza da ra-dia¸c˜ao emitida por um buraco negro em seu processo de evapora¸c˜ao. Desde que o ´unico produto resultante da evapora¸c˜ao de um buraco negro ´e a sua radia¸c˜ao, poder´ıamos espe-rar que alguma informa¸c˜ao a respeito do estado da mat´eria que colapsou em um buraco negro pudesse estar presente nela. Entretanto, Hawking mostrou, usando argumentos semicl´assicos que a radia¸c˜ao emitida por um buraco negro ´e t´ermica, ou seja n˜ao carrega nenhuma informa¸c˜ao `a respeito de sua fonte. Este resultado obtido por Hawking nos leva `a uma situa¸c˜ao problem´atica, desde que o mesmo implica que a mat´eria que formou o buraco negro evoluiu de um estado puro para um estado misto. Isto entra em contradi¸c˜ao com um dos conceitos fundamentais da mecˆanica quˆantica que ´e o conceito de unitarie-dade, o qual afirma que um estado puro s´o pode evoluir para outro estado puro, nunca para um estado misto [1–5]. Este impasse entre a f´ısica de buracos negros e a mecˆanica quˆantica ´e conhecido na literatura como paradoxo da perda de informa¸c˜ao por buracos negros.
Diversas propostas surgiram no sentido de resolver o problema da perda de informa¸c˜ao. Entre as mesmas, est´a a proposta de mudan¸ca de topologia, que ser´a usada por n´os nesta tese. A ideia dessa proposta ´e que, devido a flutua¸c˜oes quˆanticas do espa¸co-tempo, uma nova regi˜ao, topologicamente desconectada do nosso universo, poderia surgir no interior do buraco negro e que a informa¸c˜ao a respeito do estado quˆantico inicial do buraco negro poderia ser preservada nessa regi˜ao. Este cen´ario seria produzido durante o colapso gravitacional, ocasi˜ao em que uma regi˜ao com uma grande densidade de energia, onde efeitos de gravidade quˆantica se tornariam importantes, seria produzida.
even-tos, com as regras de sele¸c˜ao para essas transi¸c˜oes sendo fornecidas a partir das regras de sele¸c˜ao para o decaimento da esfera fuzzy. A partir da´ı, obteremos o espectro de ´area, assim como a entropia relacionada ao horizonte de eventos do buraco negro. Finalmente, mostraremos que o processo de evapora¸c˜ao de um buraco negro obedece a segunda lei generalizada da termodinˆamica. O problema da perda de informa¸c˜ao por buracos negros tamb´em ser´a discutido.
Os resultados obtidos nesta tese est˜ao presentes em dois artigos publicados ao longo da prepara¸c˜ao da mesma:
• C.A.S. Silva, Fuzzy spaces topology change as a possible solution to the black hole information loss paradox, Phys.Lett.B 677 (2009), 318-321.
1
BURACOS NEGROS
1.1
Introdu¸c˜
ao
O termo buraco negro foi cunhado por Wheeler em 1967 embora o estudo te´orico destes objetos possua uma hist´oria mais antiga. De fato, a possibilidade de existˆencia de tais objetos foi primeiramente discutida por Michell e Laplace no contexto da teoria Newtoniana no final do s´eculo XVIII [6–8]. No contexto de relatividade geral, o problema surgiu apenas um ano ap´os a teoria ter sido desenvolvida, ou seja, ap´os Schwarzschild ter obtido a primeira solu¸c˜ao exata (esfericamente sim´etrica) das equa¸c˜oes de Einstein no v´acuo. Algo que tem de ser citado ´e que foi necess´ario mais que um ter¸co de s´eculo para que se chegasse, de fato, a uma compreens˜ao da situa¸c˜ao introduzida por Schwarzschild. Foram participantes deste esfor¸co Flamm (1916) [9], Weyl (1917) [10], Eddington (1924) [11], Lemaˆıtre (1933) [12], Einstein e Rosen (1935) [13], Synge(1950) [14], Finkelstein (1958) [15], Fronsdal (1959) [16], Szekeres (1960) [17] e Novikov (1963, 1964) [18,19]. Todo esse intervalo de tempo pode ter sido influenciado pela cren¸ca geral de que a natureza n˜ao poderia admitir a existˆencia de um corpo cujo tamanho fosse compar´avel ao seu raio gravitacional. Este ponto de vista foi compartilhado at´e mesmo por Einstein [7]. Isto apesar dos estudos de algumas propriedades de sistemas gravitacionais extremamente compactos terem sido estimulados, nos anos trinta, ap´os o trabalho de Chandrasekhar (1931) [20], e de Oppenheimer e Volkoff (1939) [21], os quais mostraram que ´e poss´ıvel a existˆencia de estrelas de nˆeutrons com um raio apenas algumas vezes maior do que o seu raio gravitacional. O colapso gravitacional de estrelas massivas que produzem buracos negros foi descrito, pela primeira vez, por Oppenheimer e Snyder (1939) [22].
rota¸c˜ao. Antes deste per´ıodo, os especialistas consideravam buracos negros como “objetos mortos”, o est´agio final da evolu¸c˜ao de estrelas massivas. As designa¸c˜oes “estrelas conge-ladas”, ou “estrelas colapsadas“, usadas pelos especialistas at´e o final dos anos sessenta, refletiam esta atitude.
Por volta da metade dos anos sessenta, uma nova perspectiva ganhou ascendˆencia no meio dos te´oricos de relatividade geral. Este ponto de vista come¸cou a ser desenvol-vido, historicamente, a partir do trabalho de Oppenheimer e Snyder (1939) [22], onde foi mostrado que um observador localizado sobre a superf´ıcie de uma estrela colapsante n˜ao perceberia nenhum tipo de “congelamento”, mas poderia registrar eventos que ocorrem tanto dentro como fora da regi˜ao delimitada pelo raio gravitacional. Este ponto de vista trouxe `a tona o fato de que um objeto formado depois do colapso gravitacional poderia ser considerado, em certo sentido, como um “buraco” no espa¸co tempo. Foi justamente neste per´ıodo que Wheeler (1968) [25] cunhou o nome “buraco negro”. Logo em seguida, este nome foi adotado com entusiasmo por toda comunidade cient´ıfica.
Os teoremas, que hoje chamamos de cl´assicos, os quais estabelecem que buracos ne-gros n˜ao possuem outros atributos externos, exceto sua massa, momento angular e carga el´etrica (Teorema No Hair), que buracos negros possuem uma singularidade em seu in-terior, e de que a sua ´area n˜ao pode diminuir, foram provados durante o per´ıodo citado acima. Estes e outros resultados tornaram poss´ıveis construir um entendimento qualita-tivo da forma¸c˜ao de um buraco negro, sua posterior evolu¸c˜ao, e sua intera¸c˜ao com mat´eria e campos f´ısicos cl´assicos. Muitos destes resultados foram sumarizados na conhecidas mo-nografias de Zel’dovich e Novikov [26–28], Misner, Thorne, e Wheeler (1973) [29], Hawking e Ellis (1973) [30], Thorne, Price e Macdonald (1986) [31], como, tamb´em, nas de Novikov e Frolov (1989) [32].
A descoberta de Hawking estimulou um grande n´umero de artigos analisando carac-ter´ısticas espec´ıficas de efeitos quˆanticos em buracos negros. Os resultados de Hawking, de fato, conseguiram estabelecer uma profunda conex˜ao entre a f´ısica de buracos negros e outras ´area da f´ısica, a princ´ıpio, bastante distantes da primeira, como termodinˆamica, teoria da informa¸c˜ao e teoria quˆantica de campos. Entretanto o car´ater t´ermico da ra-dia¸c˜ao Hawking possui uma consequˆencia f´ısica que chama a aten¸c˜ao. No processo f´ısico que leva `a forma¸c˜ao de um buraco negro, a informa¸c˜ao relacionada ao estado dos campos quˆanticos presentes no interior do buraco negro ´e perdida para observadores externos. Mesmo se no in´ıcio do processo ( antes do colapso gravitacional) o sistema que deu ori-gem ao buraco negro estivesse em um estado quˆantico puro, depois da forma¸c˜ao do buraco negro, fora do horizonte de eventos, o seu estado ser´a misto, sendo, dessa forma, descrito por uma matriz densidade, o que ´e proibido pela mecˆanica quˆantica. Os fundamentos de mecˆanica estat´ıstica relacionados `a f´ısica de buracos negros ainda permanecem um dos mais intrigantes problemas em f´ısica te´orica.
´
E, por outro lado, interessante citar que por volta de trinta a trinta e cinco anos atr´as, os buracos negros eram considerados como objetos ex´oticos, sendo a atitude geral da comunidade cient´ıfica (de fato daqueles que n˜ao trabalhavam no assunto), em rela¸c˜ao a estes objetos, bastante cautelosa. A situa¸c˜ao passa a mudar `a medida que mais e mais dados astrof´ısicos relacionados a buracos negros passam a surgir e `a medida que um maior desenvolvimento da teoria relacionada aos mesmos acontece, destacando-se os desenvolvimentos alcan¸cados por Hawking.
Em rela¸c˜ao `a comprova¸c˜ao observacional de buracos negros, muito embora n˜ao te-nhamos, at´e hoje, realizado uma detec¸c˜ao que garanta em cem por cento a existˆencia de buracos negros, v´arios objetos tem sido considerados pelos astrof´ısicos como fortes candi-datos a serem um deles. Ap´os a descoberta de pulsares (estrelas de nˆeutrons), astrof´ısicos come¸caram a levar a s´erio a perspectiva da detec¸c˜ao observacional de buracos negros. A an´alise da acre¸c˜ao de mat´eria ao redor de buracos negros isolados mostrou-se como um poderosa fonte de raios X [33–35]. O progresso da astronomia de raios X e os estudos usando sat´elites, que come¸caram na d´ecada de setenta, levaram `a descoberta de um bom n´umero de fontes de raios X. Foi, ent˜ao, proposta a hip´otese de que algumas destas fontes poderiam ser buracos negros em sistemas de estrelas bin´arios.
Existem, tamb´em, boas raz˜oes para se acreditar que o n´ucleo de possivelmente todas as gal´axias, como tamb´em quasares, possuam buracos negros massivos ou supermassi-vos [38–40]. Tamb´em, foram feitas descobertas nos anos noventa por astrˆonomos usando o telesc´opio Hubble [41,42], e outra por radioastrˆonomos [43], as quais forneceram evidˆencias claras da presen¸ca de enormes buracos negros nos centros das gal´axias. Em ambos os ca-sos, as observa¸c˜oes revelaram discos de g´as orbitando objetos centrais, sendo poss´ıvel se apresentar argumentos robustos de que estes objetos n˜ao possam ser outra coisa sen˜ao buracos negros supermassivos.
Muitos outros aspectos da f´ısica de buracos negros tamb´em se tornaram importan-tes para aplica¸c˜oes em astrof´ısica. A colis˜ao de um buraco negro com uma estrela de nˆeutrons, ou a coalescˆencia de dois buracos negros em sistemas bin´arios ´e uma potente fonte de radia¸c˜ao gravitacional, a qual pode ser potente o bastante para chegar at´e o nosso planeta e ser detectada pelo LIGO, LISA, entre outros. A detec¸c˜ao de ondas gravi-tacionais dessas fontes requer uma descri¸c˜ao detalhada do campo gravitacional do buraco negro durante a colis˜ao. Em princ´ıpio, isto abre not´aveis possibilidades de testarmos as teorias gravitacionais que temos hoje no limite de campos gravitacionais fortes. Para que consigamos este objetivo, entretanto, al´em da constru¸c˜ao de antenas gravitacionais, precisamos obter as solu¸c˜oes das equa¸c˜oes de relatividade geral que descrevem este tipo de situa¸c˜ao. At´e agora, n˜ao possu´ımos ferramentas anal´ıticas para cumprir esta tarefa. Sob estas condi¸c˜oes, torna-se importante o estudo num´erico do problema da colis˜ao de buracos negros.
H´a um bom n´umero de artigos de revis˜ao que sumarizam os principais resultados em f´ısica de buracos negros desenvolvidos durante as d´ecadas de setenta e oitenta. Podemos citar como referˆencia os trabalhos de Penrose [44], Carter [45, 46], Sexl [47], Israel [48], Markov [52, 53], De Witt [54], Bekenstein [55], Flolov e Novikov [56], Townsend [57], Jacobson [58, 59]. ´E, tamb´em, interessante a leitura do artigo de revis˜ao por Israel [7], o qual descreve a evolu¸c˜ao hist´orica do conceito de buraco negro.
1.2
As leis da mecˆ
anica dos buracos negros
Como vimos no resumo hist´orico apresentado na introdu¸c˜ao deste cap´ıtulo, a pes-quisa cient´ıfica em buracos negros ganhou um vigor especial a partir dos anos setenta. Isto se deu, principalmente, devido aos progressos obtidos por Hawking, entre outros, os quais conseguiram estabelecer uma profunda conex˜ao entre a f´ısica de buracos negros e outras ´areas da f´ısica, a princ´ıpio, bastante distantes da primeira, como termodinˆamica por exemplo. O estabelecimento dessa conex˜ao foi motivado pela observa¸c˜ao da analogia existente entre as leis cl´assicas da mecˆanica dos buracos negros, as quais s˜ao resultados de geometria diferencial e as leis da termodinˆamica. A mecˆanica cl´assica dos buracos negros pode ser sumarizada nos trˆes teoremas b´asicos a seguir:
Lei zero: Se o tensor momentum-energia Tµν obedece `a condi¸c˜ao dominante de energia,
ent˜ao a gravidade superficialκ´e constante sobre o horizonte de eventos futuro H+.1
Primeira lei: Seja um buraco negro estacion´ario de massaM, cargaQ, momento angular
J, e com gravidade superficial κ, potencial eletrost´atico φH e velocidade angular ΩH
definidos sobre o horizonte de eventos futuro H+. Se este buraco negro ´e perturbado de
forma que ele se transforme em um buraco negro com massa M +dM, carga Q+dQ e momento angular J+dJ, ent˜ao,
dM = κ
8πdA+ ΩHdJ+φHdQ . (1.1)
Segunda lei: estabelece que a ´area do horizonte de eventos de um buraco negro ´e uma fun¸c˜ao n˜ao-decrescente do tempo,
δA≥0 (1.2)
Al´em disso, a segunda lei estabelece que, quando dois buracos negros colidem e se fundem, a ´area do horizonte do buraco negro resultante ser´a sempre maior, ou igual, `a soma das ´areas dos dois horizontes originais.
1.2.1
Prova da lei zero
Para a prova do primeiro teorema, o qual leva o nome de lei zero da mecˆanica dos buracos negros, temos que o horizonte de eventos futuro H+ ´e um horizonte de Killing. Das
propriedades dos horizontes de Killing [57], isto significa que podemos tomar um campo vetorial de Killingξµ que seja normal a H+, de forma que, sobre o horizonte de eventos,
n´os tenhamos
Rµνξµξν = 0 (1.3)
e
ξ2 = 0 , (1.4)
onde Rµν ´e o tensor de Ricci.
As equa¸c˜oes de Einstein implicam que
0 = Tµνξµξν |H+
= Jµξµ|H+ (1.5)
onde J = (−Tµνξν)∂µ ´e tangente a H+.
Segue-se, ent˜ao, que J pode ser expandido em termos de uma base de vetores tangentes aH+.
J =aξ+b1η(1)+b2η(2) , sobre H+. (1.6)
Entretanto, desde que ξ·η(i) = 0, J ´e tipo-espa¸co ou nulo (para b
1 = b2 = 0). Por
outro lado,J deveria ser tipo-tempo ou nulo pela condi¸c˜ao dominante de energia. Assim, a condi¸c˜ao dominante de energia implica que J ∝ξ e, portanto
0 = ξ[σJσ]|H+=ξ[σTλ σ]ξλ |H+
= ξ[σ∂σ]κ|H+ (1.7)
Isto implica que
∂σκ ∝ ξσ (1.8)
⇒t·∂κ = 0 (1.9)
para todot pertencente ao espa¸co tangente a H+ e, portanto,κ ´e constante sobre H+.
1.2.2
Prova da primeira lei
Para a prova do segundo teorema, o qual ´e designado como a primeira lei da mecˆanica dos buracos negros, considere uma hipersuperf´ıcie tipo-espa¸co Σ, no espa¸co-tempo esta-cion´ario exterior ao buraco negro, com um de seus limites,H sobre o horizonte de eventos futuro e um outro limite emi0, como mostra a figura (1). A superf´ıcieH ´e uma 2-esfera,
a qual pode ser considerada como a fronteira do buraco negro.
Figura 1:
Temos que as trˆes grandezas que caracterizam um buraco negro, ou seja, sua massa, seu momento angular e a sua carga s˜ao definidas pelas seguintes integrais [57]
M =− 1 8π
I
∞
dSµν∇µkν ; J =
1 16π
I
∞
Q= 1 16π
I
∂V
dSµν∇µξν ; (1.11)
ondedSµν ´e o elemento de ´area de∂Σ (a fronteira de Σ),kν,mν eξν s˜ao campos vetoriais
de Killing associados `a energia, ao momento angular e `a carga do sistema.
Usando a lei de Gauss e as equa¸c˜oes de Einstein, podemos escrever a integral para a massa M do buraco negro como
M = 1
8π
Z
Σ
dSµ∇ν∇µkν +
1 16π
I
H
dSµν∇µkν
= − 1
4π
Z
Σ
dSµRµνkν−
1 8π
I
H
dSµν∇µkν
=− Z
Σ
dSµ(2Tνµkν−T kµ)−
1 8π
I
H
dSµν∇µkν
(1.12)
De forma semelhante, o momento angular e a carga podem ser escritos, respectiva-mente, como
J =
Z
Σ
dSµ(Tνµmν −
1 2T m
µ) + 1
16π
I
H
dSµν∇µmν
Q =
Z
Σ
dSµ(Tνµξν−
1 2T ξ
µ) + 1
16π
I
H
dSµν∇µξν (1.13)
Ainda, considerando o caso do espa¸co-tempo de um buraco negro estacion´ario e axi-sim´etrico, temos que ´e satisfeita a propriedade de ortogonalidade “t−φ”, o que garante que o horizonte de eventos ´e um horizonte de Killing. Neste caso, a normaliza¸c˜ao do campo vetorial de Killingξµ´e fixada por requerermos que
ξµ=kµ+ ΩHmµ (1.14)
Dessa forma, considerando que o ´unico campo f´ısico existente seja o campo eletro-magn´etico, de forma que gµνT
M = −2 Z
Σ
dSµTνµ(F)ξν −
1 8π
I
H
dSµν∇µξν (1.15)
+ 2ΩH
Z
Σ
dSµTνµ(F)mν +
1 16π
I
H
dSµν∇µmν
= −2
Z
Σ
dSµTνµ(F)ξν −
1 8π
I
H
dSµν∇µξν+ 2ΩHJ . (1.16)
Al´em disso, temos que
dSµν = (ξµnν −ξνnµ)dA (1.17)
onde nµ ´e tal que n·ξ =−1
Com isso, a segunda integral acima pode ser escrita como
− 1
8π
I
H
dSµν∇µξν = −
1 4π
I
H
dA(ξµnν −ξνnµ)∇µξν
= − 1
4π
I
H
dA(ξ· ∇ξ)νnν +
1 4π
I
H
dA(ξνnµ∇µξν). (1.18)
Temos, ainda, que
ξνnµ∇µξν = nµ
0
z }| {
∇µ(ξνξν)−ξνnµ∇µξν
= −ξνnµ∇µξν → ξνnµ∇µξν = 0,
e, portanto, a segunda integral em (1.18) se anula e n´os ficamos com
−81π
I
H
dSµν∇µξν = −
1 4π
I
H
dA(ξ· ∇ξ)ν | {z }
= − κ 4π
I
H
dA(ξ·n
|{z}
−1
)
= κ
4πA (1.19)
onde A´e a ´area do horizonte H. Temos, ainda, que
−2 Z
Σ
dSµTνµ(F)ξν =φHQ (1.20)
onde Q ´e a carga el´etrica l´ıquida do buraco negro e φH ´e o potencial eletrost´atico
co-rotacional.
Assim, chegamos, finalmente `a seguinte express˜ao:
M = κA
4π + 2ΩHJ +φHQ , (1.21)
a qual ´e conhecida como f´ormula de Smarr.
Temos, agora queAeJ possuem dimens˜ao de massa ao quadrado, enquanto Q possui dimens˜ao de massa. Dessa forma, pelo teorema de Euler para fun¸c˜oes homogˆeneas,
1
2M = A
∂M ∂A +J
∂M ∂J +
1 2Q
∂M ∂Q
= κ
8πA+ ΩHJ+
1
2φHQ , (1.22)
A∂M ∂A −
κ
8π
+J∂M ∂J −ΩH
+ 1
2Q
∂M
∂Q −φH
= 0. (1.23)
Sendo A, J, e Qindependentes, teremos
∂M ∂A =
κ
8π ; ∂M
∂J = ΩH ; ∂M
∂Q =φH . (1.24)
O que nos d´a
dM = ∂M
∂AdA+ ∂M
∂J dJ + ∂M
∂QdQ
= κ
8πdA+ ΩHdJ+φHdQ (1.25)
1.2.3
Prova da segunda lei
Para a prova do terceiro teorema, o qual leva o nome de segunda lei da mecˆanica dos buracos negros, consideremos a uni˜ao de todos os horizontes de eventos futuros ˙J−(ℑ+),
em um espa¸co-tempo assintoticamente plano. Vamos dividir os geradores de geod´esicas nulas sobre ˙J−(
ℑ+) em um grande n´umero de feixes infinitesimais, sendo cada um
iden-tificado por um n´umerok, como mostra a figura:
Figura 2:
1) Teorema de Penrose A uni˜ao de todos os horizontes futuros ˙J−(
ℑ+) ´e gerada
por geod´esicas nulas que n˜ao possuem pontos finais no futuro. De forma mais precisa:
• Os geradores de ˙J−(ℑ+) s˜ao geod´esicas nulas, as quais ( pelo menos para um
lapso finito do parˆametro afim) permanecem em ˙J−(ℑ+).
• (Teorema) Quando percorrido na dire¸c˜ao do passado, um gerador poder´a, mas n˜ao necessariamente, deixar ˙J−(ℑ+). Cada evento em que isso ocorre
´e chamado de “c´austica” de ˙J−(ℑ+). Quando geradores deixam ˙J−(ℑ+) os
mesmos entram em J−(
ℑ+) (o passado causal de ℑ+).
• Uma vez que um gerador, sendo percorrido na dire¸c˜ao do futuro, entra em ˙
J−(ℑ+), a partir deJ−(ℑ+), o mesmo nunca mais poder´a deixar ˙J−(ℑ+), nem
poder´a intersectar outro gerador. Geradores podem intersectar-se somente em c´austicas, ao entrarem em ˙J−(
ℑ+).
• Por cada evento que n˜ao seja uma c´austica em ˙J−(
ℑ+) passa um e somente
um gerador ( a menos da normaliza¸c˜ao do parˆametro afim).
2) Teorema “focussing”A ´areaaK da se¸c˜ao transversal de um feixe de geradores,
a qual independe da velocidade do observador, muda de evento a evento ao longo do feixe de forma que:
d2a1/2
K
dλ2
k
≤0 (1.26)
se a condi¸c˜ao fraca de energia ´e v´alida. Aqui λk ´e o parˆametro afim ao longo do
A partir desses dois resultados, vamos agora supor que a grandeza da
1/2
K
dλk seja negativa
em algum evento p ao longo do feixe de geradores. Ent˜ao, de acordo com o teorema “focussing”, da
1/2
K
dλk sempre se manter´a negativa para todos os outros eventos sobre o feixe,
desde que a sua varia¸c˜ao ´e negativa. Assim, ap´os um lapso do parˆametro afim dado por
∆λk ≤
a1/2
k −da1k/2/dλk
, em p (1.27)
a1k/2 ir´a a zero.
No ponto em que a1k/2 zera, geod´esicas adjacentes no feixe cruzam-se dando origem a eventos em ˙J−(
ℑ+) atrav´es dos quais passam mais de um gerador, o que viola o teorema
de Penrose. Dessa forma, ou a suposi¸c˜ao de que da
1/2
K
dλk ´e negativa est´a errada, ou ent˜ao esta
grandeza permanece negativa, mas antes que os geradores tenham a chance de cruzarem-se, os mesmos encontram uma singularidade e deixam de existir.
Para provar a segunda lei da mecˆanica dos buracos negros, ´e necess´ario assumir que nenhuma singularidade pode ser encontrada pelos geradores de ˙J−(ℑ+), de forma que da1K/2
dλk
n˜ao possa ser negativa. Isto corresponde `a hip´otese do censor c´osmico [60], que diz que n˜ao existem singularidades nuas, admitindo assim que o nosso universo ´e previs´ıvel, o que n˜ao seria poss´ıvel com a presen¸ca desse tipo de singularidade, desde que n˜ao conhecemos as leis que as governam. Assumindo, assim, a hip´otese do censor c´osmico, temos que da
1/2
K
dλk
´e n˜ao-negativa ao longo de todo o feixe k.
Este resultado nos diz que a ´area da se¸c˜ao transversal de cada feixe de geradores nunca decresce, ao percorrermos o mesmo na dire¸c˜ao do futuro. Desde que novos feixes podem ser criados, mas os antigos nunca podem ser destru´ıdos `a medida que se move na dire¸c˜ao do futuro, a ´area total da se¸c˜ao transversal de ˙J−(ℑ+) n˜ao pode decrescer quando
1.3
Segunda lei generalizada
Efeitos quˆanticos, que discutiremos na pr´oxima se¸c˜ao, podem violar as condi¸c˜oes de aplicabilidade do teorema de ´area de Hawking. Dessa forma, a evapora¸c˜ao quˆantica reduz a ´area de um buraco negro, e a desigualdade (1.2) ´e violada. Por outro lado, a radia¸c˜ao de um buraco negro possui car´ater t´ermico, de forma que a evapora¸c˜ao do mesmo ´e acompanhada de um aumento da entropia no espa¸co ao redor do buraco negro. Assim, algu´em ainda poderia esperar que uma entropia generalizada, definida pela soma da entropiaSBH do buraco negro com a entropia SM da radia¸c˜ao e da mat´eria na parte
externa ao buraco negroS =SBH+SM, nunca decrescesse.
De fato, n´os notamos que a taxa de aumento da massa e da entropia da mat´eria na regi˜ao exterior ao buraco negro, medida pelo rel´ogio de um observador distante, devido a irradia¸c˜ao de uma part´ıcula sem massa de spin s, pode ser escrita na forma
dMM
dt =
dMH
dt =
1
4σshsΣsθ
4 , (1.28)
dSM
dt =
1
3σsBshsΣsθ
3 , (1.29)
onde hs ´e o n´umero de polariza¸c˜oes do campo; σs = π2/30 para bosons e 7π2/240 para
f´ermions; Σs ´e a se¸c˜ao transversal efetiva do buraco negro; θ ´e a temperatura sobre o
horizonte de eventos, eBs ´e um coeficiente adimensional da ordem da unidade.
Por outro lado, a mudan¸ca na entropia SH de um buraco negro sem rota¸c˜ao ´e
relaci-onada com a sua massaM pela express˜ao:
dSH =θ−1dMH (1.30)
Comparando as express˜oes acima, n´os podemos encontrar [61]
R=−dS
M
dSH =
4
Resultados num´ericos demonstraram que o coeficienteBs ´e sempre maior que 3/4 [61, 62]
e, portanto, a soma da entropia de um buraco negro com a entropia de sua vizinhan¸ca cresce quando o mesmo emite radia¸c˜ao.
Pode-se mostrar [61] que se h´a radia¸c˜ao de corpo negro a uma temperatura ˜θna regi˜ao exterior ao buraco negro, a entropia generalizada, mais uma vez, cresce exceto no caso em que ˜θ =θ. Neste caso especial, o aumento na entropia no espa¸co ao redor do buraco negro devido ao processo de evapora¸c˜ao ´e compensada, exatamente, pelo decr´escimo na entropia deste espa¸co devido `a acres¸c˜ao de radia¸c˜ao t´ermica para o interior do buraco negro.
Estes argumentos nos fornecem suficiente embasamento para assumir que a seguinte lei ´e v´alida:
Segunda lei generalizada: Em qualquer processo f´ısico envolvendo buracos negros, a entropia generalizada S =SBH+SM nunca decresce.
A segunda lei generalizada coloca, sob o mesmo patamar as diferentes quantidades
SM relacionada `a desordem em um sistema f´ısico composto por mat´eria e radia¸c˜ao usuais
e SH, a qual ´e uma caracter´ıstica geom´etrica do buraco negro. Esta rela¸c˜ao possui o
mesmo esp´ırito das equa¸c˜oes de Einsten, as quais relacionam caracter´ısticas da mat´eria com as caracter´ısticas geom´etricas do espa¸co-tempo.
Vemos, ent˜ao, que os teoremas descrevendo as intera¸c˜oes de buracos negros, os quais s˜ao resultados de geometria diferencial, s˜ao formalmente idˆenticos `as leis da termodinˆamica, se identificamos a gravidade superficial de um buraco negro κ a um m´ultiplo da tempe-ratura T e a ´area do horizonte com a entropia S.
Somos incondicionalmente tentados, ent˜ao, a perguntar se esta identifica¸c˜ao ´e mais que formal. Tal conjectura, obviamente, requereria uma mudan¸ca dr´astica no significado das caracter´ısticas geom´etricas de um buraco negro. Temos que temperatura ´e uma medida da energia m´edia de um sistema com uma grande quantidade de graus de liberdade, da ordem de 1023. Por outro lado, entropia mede o n´umero de configura¸c˜oes microsc´opicas dos
temperatura e entropia, ent˜ao o mesmo deve emitir radia¸c˜ao. Esta ideia encontra um grande problema com a pr´opria defini¸c˜ao de um buraco negro, que, como citamos acima, ´e um objeto de onde nada pode sair.
N˜ao obstante, em 1973, Bekenstein [63] sugeriu que, de fato, deveria-se estabelecer uma conex˜ao f´ısica entre as leis da mecˆanica dos buracos negros e as leis da termodinˆamica. Em 1975, Hawking publicou um c´alculo que mostra que buracos negros podem, de fato, irradiar. Na pr´oxima se¸c˜ao, mostraremos o c´alculo feito por Hawking. Em seguida, discutiremos os problemas que ainda est˜ao em aberto no estabelecimento da conex˜ao entre a f´ısica de buracos negros e outras ´areas da f´ısica como a termodinˆamica e a mecˆanica quˆantica.
1.4
O efeito Hawking
Os c´alculos feitos por Hawking se baseiam em um tratamento semicl´assico da gra-vita¸c˜ao. A ideia b´asica desse tipo de tratamento ´e que, em regimes de energias bem mais baixas que as encontradas na escala de Planck, podemos, com boa aproxima¸c˜ao tratar os campos de mat´eria quanticamente, conservando o espa¸co-tempo cl´assico.
Para considerarmos uma teoria quˆantica de campos em um espa¸co curvo cl´assico, vamos concentrar nossa aten¸c˜ao na descri¸c˜ao de um campo escalar que, classicamente, satisfaz a equa¸c˜ao de onda:
gµν∇µ∇νφ= 0. (1.32)
Uma forma padr˜ao de implementar a quantiza¸c˜ao canˆonica desse campo ´e escolher uma base completa fω de solu¸c˜oes da equa¸c˜ao de campo (1.32), no espa¸co-tempo com
m´etricagµν. Como consequˆencia da equa¸c˜ao de onda a base formada pelas fun¸c˜oes fω ´e
ortonormal, (fω, fω′) = δ(ω−ω′), em rela¸c˜ao ao produto interno 2
(f, h) = −i
Z
Σ
d3x√−g(fh˙∗
−f h˙ ∗), (1.33)
onde a integral ´e tomada sobre uma superf´ıcie de Cauchy Σ, e o ponto denota a derivada temporal.
O campo quˆantico φ pode ser expandido, nessa base, como :
2No espa¸co de Minkowiski. A escolha padr˜ao, feita nesse caso, ´e a base de fun¸c˜oes {f
ω, fω∗}, onde fω= (2ω)−1e−i(ωt−k·x) eω= +
√
φ = Z
dω(aωfω+a†ωf
∗
ω), (1.34)
onde os coeficientes na expans˜ao, aω e a†ω, s˜ao operadores3.
As rela¸c˜oes de comuta¸c˜ao canˆonicas para o campo escalar, ent˜ao, implicam as seguin-tes rela¸c˜oes de comuta¸c˜ao para os operadoresaω e a†ω:
[aω′, a†ω] = δ(ω′−ω) (1.35)
[aω′, aω] = [a
†
ω′, a
†
ω] = 0
O v´acuo, ou estado de mais baixa energia, o qual denotamos por |0i, ´e o estado que ´e aniquilado por todos os operadores aω,
aω |0i= 0, ∀ ω >0. (1.36)
O espa¸co de Hilbert ´e o espa¸co de Fock constru´ıdo a partir da aplica¸c˜ao arbitr´aria dos operadores de cria¸c˜ao a†
ω a |0i e, portanto, tem como base o conjunto
{|0i, a†
ω |0i, a†ωa
†
ω′ |0i, ...} (1.37)
O operador n´umero ´e definido como
Nω =a†ωaω (1.38)
de forma que
h0|(aω)†nNω(aω)n|0i=n (1.39)
Um detalhe importante para as nossas discuss˜oes ´e que a base (1.37) para o espa¸co de Hilbert ´e determinada pela escolha do v´acuo e a escolha do v´acuo, por sua vez, depende da escolha da base de fun¸c˜oes{fω}.
Poder´ıamos, ent˜ao, definir uma segunda base {pω, pω′} de solu¸c˜oes para a equa¸c˜ao
3Por simplicidade, estamos escrevendo, somente os autovalores de energia e suprimindo os outros
(1.32). O campo escalarφ ter´a, nessa nova base, a seguinte expans˜ao:
φ = Z
dω (bωpω+b†ωp
∗
ω). (1.40)
Com novos operadores de cria¸c˜ao e aniquila¸c˜ao satisfazendo `as rela¸c˜oes de comuta¸c˜ao usuais. A partir desses novos operadores, ´e definindo um novo estado de v´acuo e, a partir dele, um novo espa¸co de Fock.
A rela¸c˜ao entre as duas bases {fω} e{pω}´e fornecida pelas chamadas transforma¸c˜oes
de Bogoliubov
pω =
Z
dω′(α
ωω′fω′ +βωω′fω∗′) (1.41)
fω =
Z
dω′(α∗ω′ωpω′ −βω′ωp∗ω′) (1.42)
Temos que os coeficientes nessa expans˜ao, αωω′ e βωω′, chamados de coeficientes de
Bogoliubov, s˜ao fornecidos pelos produtos internos:
αωω′ = (pω, fω′) (1.43)
βωω′ = −(pω, fω∗′)
Os coeficientes de Bogoliubov satisfazem `a seguinte rela¸c˜ao, como uma consequˆencia da ortonormalidade das fun¸c˜oes de base,
Z
dω′(|αωω′ |2 − |βωω′ |2) = δ(ω−ω′) (1.44)
Al´em disso, temos a rela¸c˜ao entre os operadores aω e bω:
bω =
Z
dω′(α∗
1.4.1
Produ¸c˜
ao de part´ıculas em espa¸cos-tempo n˜
ao estacion´
arios
Algumas consequˆencias interessantes podem ser extra´ıdas da teoria desenvolvida na se¸c˜ao anterior. Considere, por exemplo, o espa¸co-tempo M = M−∪M0∪M+, descrito
na figura (3), o qual possui uma fase estacion´aria em instantes de tempo anteriores at1 e
posteriores a t2, passando por uma per´ıodo n˜ao-estacion´ario entre estes dois instantes.
t
2
t 1
M+ : espaço-tempo estacionário ( t > t 2 )
M - : espaço-tempo estacionário ( t < t 1) M
0 : métrica dependente do tempo
t
Figura 3:
Podemos expandir, emM−, um campo escalar, o qual ´e solu¸c˜ao da equa¸c˜ao de
Klein-Gordon (1.32), como na equa¸c˜ao (1.34)
φ = Z
dω(aωfω+aω†fω∗) em M−. (1.46)
As fun¸c˜oes fω s˜ao solu¸c˜oes da equa¸c˜ao de Klein-Gordon em M−, mas n˜ao em M, de
forma que a sua continua¸c˜ao atrav´es deM0ir´a conduzir a novas fun¸c˜oespω emM+. Assim
φ = Z
dω (bωpω+b†ωp∗ω), (1.47)
onde, do que vimos na se¸c˜ao anterior, temos que a rela¸c˜ao entre as bases para o campo escalar em M− e M+ ´e obtida atrav´es das transforma¸c˜oes de Bogoliubov (1.41) e (1.42).
Os operadores n´umero para o modo de frequˆencia ω s˜ao definidos em M− e M+,
respectivamente, como
N(M−)
Nω(M+) =b†ωbω. (1.49)
O estado sem part´ıculas emM−, o qual denotaremos por|0iM−, ´e tal queaω |0iM− =
0, ∀ ω. O n´umero de part´ıculas esperado para o modo de frequˆencia ω em M+ ´e ent˜ao,
usando (1.45)
h0|(Nω(M+))|0iM− = h0|(bω)
†n(b
ω)n|0iM− (1.50)
= Z
dω′ |βωω′ |2
Portanto, vemos que embora o estado de v´acuo em M− seja vazio, em geral ele ir´a
conter part´ıculas emM+.
1.4.2
Produ¸c˜
ao de part´ıculas por buracos negros
Sabemos, da teoria da relatividade geral, que um colapso gravitacional ir´a produzir um buraco negro. Este, rapidamente, ir´a assumir um estado de equil´ıbrio estacion´ario e axi-sim´etrico, caracterizado completamente por sua massa, carga el´etrica e momento angular. Durante a forma¸c˜ao do buraco negro, entretanto, o espa¸co-tempo associado a um corpo colapsante n˜ao ´e estacion´ario. Este ´e o ponto chave para que se espere a forma¸c˜ao de part´ıculas, por buracos negros: o fato de que durante o colapso gravitacional, o espa¸co-tempo ser caracterizado por uma m´etrica dependente do espa¸co-tempo.
Este fluxo de part´ıculas pode continuar em instantes posteriores ao colapso, desde que, devido `a dilata¸c˜ao temporal infinita no horizonte de um buraco negro, as part´ıculas criadas durante o colapso, podem demorar um tempo arbitrariamente longo para ser emitidas.
Em um instante de tempo no passado distante do in´ıcio colapso gravitacional, o espa¸co-tempo ´e do tipo Minkowski, exceto nas proximidades da estrela que dar´a origem ao buraco negro. Dessa forma, podemos assumir que os campos se encontram em um estado quˆantico, que chamaremos de |0iℑ−, em que ele n˜ao possui part´ıculas nas proximidades
de ℑ−. A estrela, ent˜ao, colapsa para formar o buraco negro. Mostraremos, agora que
pr´oximo a ℑ+, haver´a um fluxo t´ermico de part´ıculas, as quais chamaremos de radia¸c˜ao
Hawking.
Schwarzschild, o qual obedece `a equa¸c˜ao de campo (1.32). Vamos escrever uma base de fun¸c˜oes que defina estados de part´ıculas, em um instante de tempo no passado dis-tante do in´ıcio colapso gravitacional. Para isso, vamos escolher uma base ortonormal completa (fω, fω′) da equa¸c˜ao de onda (1.32) emℑ−, de forma que o campo escalar φseja
escrito, sobreℑ−, como:
φ = Z
dω(aωfω+a†ωf
∗
ω) (1.51)
e o estado de v´acuo|0iℑ− ´e tal que
aω |0iℑ− = 0 (1.52)
para todo ω >0. Notemos que este estado ´e aniquilado por aω em qualquer instante de
tempo.
No sentido de definir um conjunto completo de estados de part´ıculas em instantes posteriores ao colapso, precisamos definir modos tanto sobre ℑ+, como sobre o horizonte
de eventos H+, desde que ℑ+ n˜ao ´e em si uma superf´ıcie de Cauchy, mas H+Sℑ+ o ´e.
Dessa forma, o campo escalar passa a ser escrito como:
φ= Z
dω{pωbω+p∗ωb†ω+qωcω+qω∗c†ω} (1.53)
onde {pω} definem estados de part´ıculas sobre ℑ+, enquanto {qω} definem estados de
part´ıculas sobre H+.
Vamos examinar as solu¸c˜oes para a equa¸c˜ao de onda (1.32) em uma geometria do tipo Schwarzchild. Podemos escrever φ como o produto
φωlm(t.r∗, ω) =ψ(r∗)Ylm(Ω)e−iωt , (1.54)
onde r∗ = r+r
gln
r rg −1
´e a coordenada Tortoise, enquanto Ylm s˜ao os harmˆonicos
esf´ericos.
Dessa forma, a equa¸c˜ao (1.32) se reduz `a equa¸c˜ao radial
[∂t2−∂r2∗ +W(r)]ψ = 0, (1.55)
W(r) = (1−rg
r)( rg
r3 +
l(l+ 1)
r2 ). (1.56)
Podemos notar que
W(r)→
l(l+1)
r2 se r→ ∞, r∗ → ∞
er
∗
rg se r →r
g, r∗ → −∞,
de forma que, tanto no infinito, como nas proximidades do horizonte, as solu¸c˜oesφωlms˜ao
ondas planas emt±r∗, ou ondas planas emu=t
−r∗ ev =t+r∗. Estas solu¸c˜oes ser˜ao
usadas para definir as bases para o espa¸co de Hilbert.
Dessa forma, vamos considerar os estados sobre ℑ+ como as solu¸c˜oes da equa¸c˜ao de
onda com condi¸c˜oes de contorno tais que
pω(u, v)→e−iωu sobre ℑ+ (1.57)
onde u´e o parˆametro afim para geod´esicas nulas em ℑ+.
Estaremos, aqui interessados em encontrar uma forma para as fun¸c˜oes {fω}, as quais
formam uma base para o campo escalar em ℑ−. Para isso, vamos considerar uma
apro-xima¸c˜ao de ´otica geom´etrica na qual a linha mundo de uma part´ıcula pode ser interpre-tada como um raio de luzγ. Vamos ent˜ao, considerar a continua¸c˜ao desse mesmo raio na dire¸c˜ao do passado a partir de ℑ+.
O modo (1.57) propaga-se atrav´es do raio γ, o qual sai de ℑ+ ao longo de uma
geod´esica u = u1, passando pr´oximo ao horizonte do buraco negro H+. O raio passa
atrav´es da estrela colapsante e propaga-se na dire¸c˜ao de ℑ−, ao longo de uma geod´esica
v =v1, pr´oxima a v = 0 . 4
O raioγ est´a conectado aH+e a v = 0 atrav´es do vetorǫnacomǫpequeno e positivo.
Na parte do caminho em que o raio passa junto aH+, na´e tangente `as geod´esicas nulas,
as quais, sobreH+ s˜ao do tipo “ingoing”. A normaliza¸c˜ao ´e fixa pela condi¸c˜aonal
a =−1,
onde la ´e um gerador de geod´esicas nulas emH+.
Notemos que u assume um valor infinito nas proximidades do horizonte de eventos e, portanto, o mesmo n˜ao corresponde a uma boa coordenada a ser utilizada na situa¸c˜ao 4Consideraremos o instante de tempo v = 0 como o ´ultimo em que uma geod´esica nula pode deixar
ℑ−, passar pelo interior da estrela e encontrarℑ+. Raios que porventura saiam do interior da estrela em
\/\/\/\/\/\/\/\/\/\/\/\/\/\/\/\/ \/\/\/\/\/\/\/\/\/\/\/\/\/\/\/\/
I+
i
0
I -H+
U
0
U = - ε, u = - (1/κ) ln ε
Continuação, na direção do passado, da geodésica nula geradora de H+
v = 0
v = - ε v
raio de
luz
Figura 4:
que estamos analisando. Por outro lado,U =−e−κu´e finito sobre o horizonte de eventos,
de forma que vamos usar esta coordenada como parˆametro afim. Ao longo de γ,U =−ǫ
de forma que, a express˜ao (1.57) fica escrita como
pω →e
iω
κln(ǫ) emℑ+ (1.58)
Vamos tra¸car, agora, o raio γ atrav´es da estrela colapsante, com o mesmo sendo refletido, em seguida, na origem do sistema de coordenadas, seguindo, a partir dai, uma geod´esica nula de fase constantev <0 na dire¸c˜ao deℑ−. Sendoγ
H o gerador de geod´esicas
nulas de H+, temos que os vetoresn e l sofrem, simplesmente um trasporte paralelo, ao
longo da continua¸c˜ao deγH na dire¸c˜ao deℑ−. Considerando que esta mesma continua¸c˜ao
encontra ℑ− em v = 0, obteremos que as duas geod´esicas, v < 0 e v = 0, s˜ao, ainda,
conectadas pelo vetor ǫna e, desde que o espa¸co-tempo ´e aproximadamente plano nessa
regi˜ao, que
v =−ǫ=e−κu. (1.59)
desde que s˜ao aprisionados pelo buraco negro.
Dessa forma, como solu¸c˜ao da equa¸c˜ao (1.32) que tem, como condi¸c˜ao de contorno,
pω ∼e−iω em ℑ+, temos, sobre ℑ−,
fω(v)∼
0 se v >0
expiωκln(−v) se v <0. (1.60)
Antes de calcularmos o n´umero de part´ıculas produzidas pelo buraco negro e chegando a ℑ+, precisamos ter em mente que o potencial gravitacional em torno do buraco negro
pode provocar o espalhamento dessas mesmas part´ıculas. Um pacote de onda com pico em torno de uma frequˆencia ω que se propaga de ℑ− na dire¸c˜ao do horizonte de um
buraco negro eterno, pode ter uma fra¸c˜ao sua, 1−Γω, sendo espalhada pela curvatura
do espa¸co-tempo propagando-se, logo em seguida, para ℑ+, sem ter a sua frequˆencia
alterada. Uma outra parte, Γω, pode propagar-se paralelamente a H+, sendo absorvida
pelo buraco negro. ´E essa segunda fra¸c˜ao que est´a relacionada `a produ¸c˜ao de part´ıculas. Podemos, portanto, escrever fω =fω(1)+fω(2), onde os ´ındices (1) e (2) denotam as duas
partes do pacote de onda (espalhada e absorvida) descritas acima. Podemos definir, da mesma forma, as fun¸c˜oesqω epω. 5
Os coeficientes de Bogoliubov podem, ent˜ao, ser escritos como
αωω′ =α(1)ωω′+αωω(2)′ , βωω′ =βωω(2)′ (1.61)
Al´em disso, o coeficiente de espalhamento Γω ´e definido como
Γω =
Z
dω′(
|α(2)ωω′ |
2 − |β(2)
ωω′ |
2) (1.62)
No c´alculo do n´umero de part´ıculas produzidas por um buraco negro, deve-se ignorar a primeira componente da onda. Por simplicidade, no que se segue, vamos omitir os ´ındices (1) e (2).
Os coeficientes de Bogoliubov s˜ao dados por 5O coeficiente Γ
ω, obtido por calculo direto, ´e dado por:
Γω→
1 se ωM ≫1,
A
4πω
2 se ωM ≪1.
αωω′ = (pω, fω′)ℑ− =
1 2π√ωω′
Z 0
−∞
ω′− ω κv
eiω′veiωκln(−v) (1.63)
= 1
iπ√ωω′(iω ′
)−iωκΓ
1 +iω
κ
βωω′ =−iαω,−ω′ (1.64)
Tomemos, agora, a transformada de Fourier da fun¸c˜ao fω(v), definida pela equa¸c˜ao
(3.4.1)
˜
fω(−ω′) =
Z ∞ −∞
eiω′vfω(v)dv (1.65)
= Z 0
−∞
expniω′v+ iω
κ ln(−v)
o
dv
Consideremos a ramifica¸c˜ao da fun¸c˜ao logaritmo que aparece na express˜ao (1.65) como estando no eixo real de um plano complexo relacionado `a vari´avelv. Para ω′ >0, vamos
percorrer o contorno, mostrado na figura, em dire¸c˜ao `a parte negativa do eixo imagin´ario e, ent˜ao, tomarv =−ix(rota¸c˜ao de Wick). Com isso, n´os obtemos:
˜
fω(ω′) = −i
Z ∞
0
expn−ω′x+ iω
κ ln(xe
−iπ/2)odx (1.66)
= −expπω
2κ
Z ∞
0
expn−ω′x+ iω
κ ln(x)
o
dx
Para ω′ < 0, iremos percorrer o contorno, mostrado na figura, em dire¸c˜ao `a parte
positiva do eixo imagin´ario, tomando, ent˜ao,v =ix. Com isso, n´os obtemos:
˜
fω(ω′) = i
Z ∞
0
expnω′x+ iω
κ ln(xe
iπ/2)odx (1.67)
= exp−πω
2κ
Z ∞
0
expnω′x+ iω
κ ln(x)
o
dx
\/\/\/\/\/\/\/\/\/|
Branch cut
∞
∞ Contorno de integração Para ω' < 0.
Contorno de integração Para ω' > 0.
X
Figura 5:
˜
fω(−ω′) =−e
−πω
κ f˜ω(ω′). (1.68)
O resultado obtido acima nos diz que um modo de frequˆencia positiva ω em ℑ+
corres-ponde a um misto de modos positivos e negativos emℑ−.
Obtemos, ainda
βωω′ =−iαω(−ω′) =−exp
−πωκ αωω′ para ω′ >0 (1.69)
E da rela¸c˜ao (1.44) e (1.51), obtemos, ent˜ao, o n´umero de part´ıculas emitidas pelo buraco negro
hNω(ℑ+)i = Z
dω′ |βωω′ |2 =
Γω
e2πω/κ−1 (1.70)
onde Γω ´e o coeficiente de espalhamento.
A equa¸c˜ao (1.70) descreve o espectro de um corpo negro com temperatura
T =ℏ κ
onde κ= 1/4M para um buraco negro de Schwarzschild.
N´os conclu´ımos, portanto, que um buraco negro pode irradiar sua energia a uma temperatura dada por (1.71). Este resultado faz com que os teoremas da mecˆanica dos buracos negros e as leis da termodinˆamica passem a ter entre si muito mais que uma mera analogia.
Dos resultados acima, podemos, ainda, atribuir uma entropia ao buraco negro, a qual ´e dada por:
SBH =
A
4l2
P
(1.72)
Outro resultado interessante que queremos acrescentar aos nossos coment´arios, decorre da lei de Stephan. Para um buraco negro podemos escrever:
dE
dt ⋍−σAT
4
H,
σ= π
2k4
B
60ℏ3c2
, (1.73)
onde A ´e a ´area do horizonte de eventos. Usando o fato de que
E =M c2, kBTH ∼
ℏc3
GM. (1.74)
E, para um buraco negro de Schwarzchild
A= 4πM G c2
2
, (1.75)
n´os obtemos
dE dt ∼
ℏc4
G2M2 (1.76)
o que nos implica em um tempo de vida finito para o buraco negro:
τ ∼G
2
ℏc4
1.5
Dois desafios: entropia e informa¸c˜
ao
Os resultados obtidos acima nos levam a algumas quest˜oes interessantes. A pri-meira delas est´a relacionada `a entropia dos buracos negros. Temos que, em f´ısica es-tat´ıstica, entropia conta o n´umero de micro-estados acess´ıveis que podem ser ocupados por um sistema, onde todos os estados s˜ao tomados como tendo a mesma probabilidade de ocorrˆencia. Por outro lado, temos que buracos negros podem ser caracterizados completa-mente, por um observador externo, a partir de apenas trˆes parˆametros: sua massa, carga el´etrica e momento angular (teorema no hair). Qualquer informa¸c˜ao adicional desaparece, por tr´as do horizonte de eventos, aos olhos de um observador externo e, dessa forma, a natureza dos micro-estados do buraco negro torna-se obscura. Ent˜ao, qual ´e a origem da entropia de um buraco negro? Al´em disso, no sentido de justificarmos o nome entropia, precisamos, ainda responder o porquˆe da entropia do sistema formado pelo buraco negro e sua vizinhan¸ca ser uma fun¸c˜ao n˜ao-decrescente do tempo, ou seja, o porquˆe de os bu-racos negros obedecerem a uma segunda lei generalizada da termodinˆamica. Apesar de j´a terem surgido muitas possibilidades para a origem da entropia dos buracos negros (ver por exemplo [64, 65]), ainda n˜ao existe um consenso a respeito dessa quest˜ao.
2
ESPAC
¸ OS FUZZY
2.1
Introdu¸c˜
ao
Foi o pr´oprio desenvolvimento da mecˆanica quˆantica que levou, seus fundadores, mais notavelmente na figura de Heisenberg, a sugerir a associa¸c˜ao de uma estrutura n˜ao-comutativa `as coordenadas do espa¸co-tempo, em escalas de comprimentos muito pequenos. Foi Snyder [66,67] quem primeiro formalizou esta ideia em um artigo totalmente devotado ao assunto. Ele foi motivado pela necessidade de controlar as divergˆencias que empesta-vam certas teorias como a eletrodinˆamica, por exemplo. Esta ideia se mostrou superior `as sugest˜oes anteriores de regulariza¸c˜ao na rede, desde que mantinha a invariˆancia de Lorentz. Entretanto, esta sugest˜ao acabou sendo posteriormente ignorada, tendo sido o motivo principal disto o surgimento do procedimento de renormaliza¸c˜ao, o qual obteve grande sucesso por fazer predi¸c˜oes num´ericas acuradas dos valores dos observ´aveis f´ısicos em eletrodinˆamica quˆantica.
A ideia por tr´as da n˜ao-comutatividade do espa¸co-tempo est´a arraigada no pr´oprio esp´ırito da mecˆanica quˆantica. Um espa¸co de fase quˆantico ´e definido pelo procedimento de trocarmos as vari´aveis canˆonicas de momentum e posi¸c˜ao pµ e xµ por operadores
hermitianos ˆpµe ˆxµ, os quais satisfazem `as rela¸c˜oes de comuta¸c˜ao de Heisemberg [ˆxµ,pˆν] =
iℏδµν. Sob este procedimento, a no¸c˜ao de ponto no espa¸co de fase ´e perdida, de forma
que temos de substitu´ı-la pela ideia de “c´elulas de Planck”. Recuperamos o espa¸co de fase ordin´ario, quando fazemosℏ→0.
Foi von Neumann o primeiro a descrever tal “espa¸co quˆantico”, introduzindo o ape-lido de “pointless geometry”, referindo-se ao fato de que a no¸c˜ao de ponto n˜ao possui significado no espa¸co de fase devido ao princ´ıpio da incerteza de Heisemberg. Isto levou ao desenvolvimento das ´algebras de von Neumann e foi, essencialmente, o nascimento da “geometria n˜ao-comutativa”, referindo-se ao estudo de espa¸cos topol´ogicos cuja ´algebra comutativa de fun¸c˜oes C∗ ´e trocada por ´algebras n˜ao-comutativas [68–71]. Neste
(abandonando a no¸c˜ao de “ponto”), permitindo, portanto, ricas generaliza¸c˜oes.
Da mesma forma que acontece com a quantiza¸c˜ao do espa¸co de fase cl´assico, um espa¸co-tempo n˜ao-comutativo ´e obtido ao trocarmos as coordenadas do espa¸co-tempo xµ
por operadores hermitianos ˆxµ de uma ´algebra n˜ao-comutativa C∗ de fun¸c˜oes sobre o
espa¸co-tempo [68–71], os quais obedecem `a rela¸c˜ao de comuta¸c˜ao
[ˆxµ,xˆν] =iθµν (2.1)
O caso mais simples da equa¸c˜ao (2.1) ´e aquele em que θµν ´e uma matriz real
anti-sim´etrica constante D×D (D sendo a dimens˜ao do espa¸co-tempo), com dimens˜ao de comprimento ao quadrado. Desde que as coordenadas n˜ao comutam, elas n˜ao podem ser diagonalizadas simultaneamente e, portanto, o espa¸co-tempo cl´assico ´e substitu´ıdo por um espa¸co de Hilbert de estados.
Devido da existˆencia da rela¸c˜ao de incerteza
∆xµ∆xν ≥ 1
2|θ
µν
| (2.2)
pontos no espa¸co-tempo s˜ao substitu´ıdos por c´elulas de Planck de dimens˜ao dada pela ´area de Planck. Dessa forma, podemos interpretar as coordenadasxµ de uma variedade como
parˆametros macrosc´opicos obtidos por um “coarse-graining” sobre escalas menores que uma escala fundamental Λ∼√θ. Para descrever fenˆomenos em escalas da ordem deθ, as coordenadas xµ perdem o seu significado e devem ser trocadas por elementos de alguma
´algebra n˜ao-comutativa. A ideia de Snyder foi a de que se fosse encontrada uma descri¸c˜ao coerente para a estrutura do espa¸co-tempo em escalas de comprimento muito pequenas, onde a no¸c˜ao de ponto ´e perdida, ent˜ao as divergˆencias ultravioletas presentes na teoria quˆantica de campos poderiam ser eliminadas. Isto seria equivalente a aplicar um cutoff ultravioleta Λ nas integra¸c˜oes sobre o espa¸co dos momenta para calcular os diagramas de Feymann, levando implicitamente a uma escala de comprimento fundamental Λ−1, abaixo
da qual todos os fenˆomenos seriam ignorados. O que se acreditava, portanto, era que a forma mais simples, elegante e que respeitaria a invariˆancia de Lorentz de introduzir Λ, seria atrav´es do uso de um espa¸co n˜ao-comutativo.
´algebras C∗ arbitr´arias, e tamb´em para grupos quˆanticos e pseudo-grupos de matrizes.
Juntamente com a defini¸c˜ao de uma integra¸c˜ao generalizada [75], estes esfor¸cos levaram a descri¸c˜ao, em termos de ´algebras de operadores, de espa¸cos-tempo n˜ao-comutativos base-ada totalmente em ´algebras de fun¸c˜oes e possibilitou a defini¸c˜ao de teorias de Yang-Mills sobre uma larga classe de espa¸cos n˜ao-comutativos. Um exemplo concreto de f´ısica em um espa¸co-tempo n˜ao-comutativo ´e a teoria de Yang-Mills sobre um toro n˜ao-comutativo [75]. Por algum tempo, as aplica¸c˜oes f´ısicas foram baseadas em interpreta¸c˜oes geom´etricas do modelo padr˜ao, seus v´arios campos e constantes de acoplamento ( o conhecido modelo de Connes-Lott) [76–78]. Nessa mesma linha, outras teorias de campos quˆanticos tamb´em foram estudadas, como o modelo de Schwinger e teorias de calibre unificadas [79,80]). Gra-vidade foi, tamb´em, eventualmente introduzida neste contexto, no sentido da unifica¸c˜ao da mesma com as outras intera¸c˜oes [81–85]. A ideia central por tr´as disso foi o uso de uma forma modificada do mecanismo de Kaluza-Klein na qual dimens˜oes extras ocultas s˜ao substitu´ıdas por estruturas n˜ao-comutativas [86]. Por exemplo, nesta interpreta¸c˜ao do modelo padr˜ao [76–78], o campo de Higgs ´e um campo de calibre discreto Z2 sobre
um espa¸co n˜ao-comutativo, considerado como uma excita¸c˜ao do tipo Kaluza-Klein. Isto conduz a uma demostra¸c˜ao autom´atica do mecanismo de Higgs, independentemente de detalhes relacionados ao potencial de Higgs. Os parˆametros de entrada s˜ao as massas de todos os quarks e l´eptons, enquanto a massa de Higgs ´e uma predi¸c˜ao do modelo. Entre-tanto, esta abordagem encontrou muitas deficiˆencias e sucumbiu. Entre estas deficiˆencias, podemos destacar que as corre¸c˜oes radioativas quˆanticas n˜ao puderam ser incorporadas de forma a fornecer predi¸c˜oes satisfat´orias. Apesar de tudo isso, o modelo levou a um reavivamento das ideias de Snyder de que a relatividade geral cl´assica n˜ao funcionaria em escalas de comprimento muito pequenas, desde que, nessas escalas, o espa¸co-tempo n˜ao seria mais descrito por uma variedade diferenci´avel [87–89]. Nesta escala de compri-mento, flutua¸c˜oes de gravidade quˆantica (flutua¸c˜oes na m´etrica) se tornariam grandes e n˜ao poderiam ser ignoradas [90, 91]. Este tipo de regime poderia ocorrer, por exemplo, nas proximidades da singularidade de um buraco negro.
determinada. Estes espa¸cos s˜ao ent˜ao rotulados por um parˆametro de n˜ao-comutatividade 1/N, de forma que o espa¸co cl´assico ´e recuperado quando tomamos o limite de N muito grande. Na pr´oxima se¸c˜ao, estudaremos um dos tipos mais simples de espa¸cos fuzzy que est´a sendo amplamente estudado na literatura, a qual ´e chamada de esfera fuzzy [92–98].
2.2
A esfera fuzzy
Esferas fuzzy s˜ao variedades compactas que s˜ao obtidas quando trocamos uma ´algebra comutativa de fun¸c˜oes definida sobre uma esfera usualS2por uma ´algebra n˜ao-comutativa
de matrizes.
Temos que qualquer fun¸c˜ao que seja definida sobre uma esfera usual pode ser expressa em termos de harmˆonicos esf´ericos Ylm como
f(x)|S2=
∞
X
l=0
l
X
m=−l
clmYlm(x), (2.3)
onde clm s˜ao coeficientes complexos. O produto dessas fun¸c˜oes ´e comutativo.
A introdu¸c˜ao da geometria n˜ao-comutativa ´e feita promovendo as coordenadas xµ
definidas sobre S2 a um car´ater de operador atrav´es da transforma¸c˜ao
xµ→xˆµ =kJˆµ , (2.4)
com
ˆ
xµxˆ
µ =r21, (2.5)
onde ˆJµ formam a representa¸c˜ao N-dimensional irredut´ıvel do grupo SU(2), enquanto r
´e o raio da esfera fuzzy, e
κ= √ r
N2−1 (2.6)
Dessa forma, n´os temos
ondeλ/, o qual exerce um papel an´alogo ao da constante de Planck em mecˆanica quˆantica, ´e dado por
λ/= 2 r
2
√
N2 −1 (2.8)
Esse procedimento introduz um cuttof N, sobre a expans˜ao (2.3), de forma que a mesma passa a ser escrita como:
f(x)|S2
F=
N
X
l=0
l
X
m=−l
clmYˆlm(x), (2.9)
onde ˆYlm(x) s˜ao, agora, matrizes.
Dessa forma, a fun¸c˜ao f(x) se torna uma matriz (N + 1)×(N + 1), de forma que o produto das mesmas se torna n˜ao-comutativo. O limite comutativo ´e obtido tomando -se
N → ∞.
Uma das caracter´ısticas mais interessantes da abordagem fuzzy reside no fato desse procedimento de quantiza¸c˜ao preservar as simetrias e as caracter´ısticas topol´ogicas da variedade. Isto ´e fundamental para uma outra caracter´ıstica interessante desses espa¸cos que ´e a sua rela¸c˜ao ´ıntima com ´algebras de Hopf, as quais ser˜ao introduzidas na pr´oxima se¸c˜ao. As ´algebras de Hopf nos servir˜ao para compor um processo de mudan¸ca de topologia para espa¸cos fuzzy, de onde partem as ideias b´asicas desta tese.
2.3
Mudan¸ca de topologia para espa¸cos fuzzy
2.3.1
Um prel´
udio `
as ´
algebras de Hopf
Nessa se¸c˜ao vamos introduzir os conceitos b´asicos para a defini¸c˜ao de uma ´algebra de Hopf.
Def ( ´Algebra) : Uma ´algebra A ´e definida como sendo o trio A = (A, M, u), onde A ´e um espa¸co vetorial,M :A⊗A→Aeu:C→A s˜ao morfismos de espa¸cos vetoriais, onde
M ´e chamado de produto eude unidade, satisfazendo a condi¸c˜ao dos seguintes diagramas serem comutativos, ondeC´e o corpo dos n´umeros complexos. 1,
A⊗ ⊗A A A⊗A
A⊗A A
Id ⊗ M
M ⊗ Id
M
M
Figura 6:
A⊗A
C⊗A A⊗C
A u ⊗ Id
~ ~
Id u
⊗
M
Figura 7:
Def (Co-´algebra) : Uma co-´algebra ´e definida pelo trio C = (C,∆, ε), onde C ´e um espa¸co vetorial, ∆ : C →C⊗C eε : C →Cs˜ao morfismos entre espa¸cos vetoriais tais que os seguintes diagramas sejam comutativos:
C C⊗C
C⊗C C⊗ ⊗C C Δ
Δ
Δ ⊗ Id
Id ⊗Δ
Figura 8:
M
~
Id ⊗ u ~
C⊗C
C⊗C C⊗C
C
ε Id
⊗
Figura 9:
Observemos que o sentido das setas foi, simplesmente, invertido. Nesta defini¸c˜ao ∆ ´e chamado de coproduto e ε de co-unidade.
Como exemplo, vamos considerar o espa¸co vetorial formado pelas matrizes de ordem
N, M at(N). Neste caso, o coproduto e a co-unidade s˜ao definidos como
∆(eij) = X
i≤p≤n
eip⊗epj (2.10)
ε(eij) =δij (2.11)
(eij)αβ =δαiδ j
β (2.12)
sendoeij, 1≤i, j ≤n, a base de M at
(n).
Def (Bi-´algebra): Uma bi-´algebra ´e um espa¸co vetorialH equipado com uma estrutura de ´algebra e de co-´algebra, de forma que os diagramas abaixo sejam comutativos, com
τ :H⊗H →H⊗H´e chamado de mapeamento “twist” definido porτ(h1⊗h2) =h2⊗h1,
∀h1,2 ∈H.
H⊗H H
H⊗ ⊗ ⊗H H H
M
Δ ⊗Δ
H⊗ ⊗ ⊗H H H H⊗H
M ⊗M
Id ⊗ττ⊗Id
Δ
Figura 10:
H H⊗ H
C⊗C
M
ε ⊗ε
C C
Id φ
ε
Figura 11:
C H
C⊗C
u
φ-1 Δ
H⊗H
u u ⊗
Figura 12:
C H
C
u
Id ε
Figura 13:
H H
H⊗H
u
Δ ε
H⊗H
Id S, S Id⊗ ⊗ C ε
Figura 14:
Def ( ´Algebra de Hopf ) Uma ´algebra de Hopf ´e uma bi-´algebra com um antipodo.
O exemplo mais simples de uma ´algebra de Hopf ´e a ´algebra de um grupo. Para a ´algebra de um grupo, define-se o coproduto ∆, a co-unidadeεe o antipodo S como segue:
∆(g) =g⊗g ; ε(g) = 1 ∈C (2.13)
S(g) = g−1 (2.14)
Pode-se verificar facilmente que ∆, ε e S, definidos acima, satisfazem `as condi¸c˜oes de consistˆencia derivadas da comutatividade dos diagramas que definem a estrutura da ´algebra de Hopf.
2.3.2
O grupo das ´
algebras de convolu¸c˜
ao
A ´algebra de grupo consiste das combina¸c˜oes lineares:
Z
SU(2)
dµ(g)α(g)g , (2.15)
de elementos g do grupo, sendo α uma fun¸c˜ao suave sobre o mesmo, enquanto dµ(g) ´e a medida de Haar sobre o grupo.
O produto da ´algebra ´e induzido pelo produto do grupo:
Z
SU(2)
dµ(g)α(g)g
Z
SU(2)
dµ(g′)β(g′)g′ =
Z
SU(2)
dµ(g) Z
SU(2)
dµ(g′)α(g)β(g′)gg′ (2.16)
o segundo membro de (2.16) pode ser escrito como:
Z
SU(2)
dµ(s)(α∗c β)(S)S (2.17)
onde ∗c ´e o produto de convolu¸c˜ao definido por:
(α∗cβ)(S) =
Z
SU(2)
dµ(g′)α(g)β(g−1S) (2.18)
A ´algebra de convolu¸c˜ao consiste em fun¸c˜oes suavesαdefinidas sobre G, com ∗c como
seu produto.
Usando, agora, o mapeamento
Z
SU(2)
dµ(g)α(g)g →α (2.19)
Temos que a equa¸c˜ao (2.16) torna-seα∗cβ, de forma que a ´algebra do grupo e a ´algebra