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A CONSTITUIÇÃO IDEAL (*) Marcelo Pimentel (**)

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Academic year: 2021

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A CONSTITUIÇÃO IDEAL (*)

Marcelo Pimentel (**)

Com raro orgulho, cruzo os umbrais desta Casa de tão nobres e ricas tradi­

ções, um dia marcante nesta minha laboriosa vida de servidor público que há quarenta anos se iniciou, nove dos quais como Magistrado, dezoito como Consultor Jurídico do Ministério do Trabalho, cerca de dez como Assistente, A sse sso r ou Oficial de Gabinete de Ministros da Justiça, dezoito como Delegado, A sse sso r ou Conselheiro em reuniões e conferências na OIT.

Nesse tão longo lapso de tempo, assisti ou mesmo participei, embora modes­

tamente, de marcantes fatos da vida nacional, inclusive da Constituinte de 1946 e agora outra, esta, sim, deixando-me entre inseguro e preocupado em razão dos imprevistos com que nos tem surpreendido.

Vim da augusta Faculdade de Direito das M inas Gerais, onde cursei os quatro anos iniciais da Universidade, levando-me uma conquista profissional paralela a correr para o Rio de Janeiro, onde, afinal, Iniciei a modesta carreira que me alçou ao Tribunal Superior do Trabalho e à vida pública com horizontes maiores.

Quis o destino que fosse testemunha ou partícipe de dois eventos marcantes da vida nacional. Na primeira Constituinte, como chefe da seção política do

"Estado de M inas", órgão dos Diários Associados, ou na Agência Meridional do Rio de Janeiro, como cronista, acompanhei, vivi a conquista política pós-ditadura getu­

liana e depois convivi, ao longo de quinze anos, com os notáveis políticos dos con­

gressos posteriores. Hoje, na posição de Presidente da Justiça do Trabalho, acom­

panho, vivo e sofro as agruras de uma Assem bléia que ainda anda meio perdida nos seus destinos e, realmente, não se encontrou nos seus objetivos.

Não sei bem se a Nação já se refez da decepção que foi o Anteprojeto da Com issão de Sistematização, como também não sei definir se o que se oferecia em termos de conquista social era realmente um progresso ou temerária aven­

tura em que se espicaçava o capital apavorado, o investidor, eliminando o capital estrangeiro, enfim, uma sortida de avanços tão arriscados que o capital, um eterno trânsfuga de situações perigosas, recolher-se-ia atemorizado, como se recolheu.

Vieram sugestões absolutamente revolucionárias para a nossa época nacional que parecia estar o capital posto à disposição da demagogia, do empirismo, da falta de visão futura, impondo-se-lhe uma coação que pararia o País, tolhendo o seu desenvolvimento, porque ninguém pode imaginar que, agregados tantos novos direitos aos trabalhadores, não se afrontaria a incipiente estrutura capita­

lista do País, num progressism o desavisado ou desvairado. Não que o proposto

(*) Conferência de abertura proferida no Curso Sobre Direito Constitucional do Trabalho, realizado pela Universidade de São Paulo.

( * *) O autor é Presidente do Tribunal Superior do Trabalho.

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seja de Inviabilidade irreversível. Claro que não. Inexequível para o Brasil de cento e vinte bilhões de dólares de dívida, Brasil de Indústria obsoleta, dos juros de quinhentos por cento ao ano, de incipiente exportação, de mendicância permanente de moeda forte, enfim, um País marcado pela imprevidência nos seus lampejos alucinados de construir cinqüenta em cinco anos, abandonando-se a previdência do progresso planejado pela visão megalomaníaca de ocupar os primeiros postos, sem retaguarda, na planilha das principais nações do mundo.

Felizmente, o bom senso afastou aquilo que seria mais desajustado da reali­

dade e, afinal, no Projeto do Deputado Bernardo Cabral, a prudência expurgou algo que se colocara naquela pauta reivindicatória, que mais parecia de dissídio coletivo, para deixar a questão, como Impõe a boa técnica, à legislação infracons­

titucional. A meu ver mesmo alguma coisa nem sequer aí deverá se situar. Penso que jornada de quarenta horas, hoje tão comum nos países mais avançados social e economicamente, pode ser conquistada através da negociação coletiva, chave de uma possibilidade de maior equilíbrio nas relações entre capitai e trabalho. No momento, o País precisa trabalhar, trabalhar, trabalhar muito, para sairmos do abissal da dívida impagável, tanto Interna quanto externamente. A s minidesvalo­

rizações permanentes representam apenas o fracasso da política de equilíbrio econômico, porque com ela se pretende o artificialismo de uma exportação sem sustentação técnica, eis que o parque Industrial não produz em termos compe­

titivos, embora o operário continue recebendo salários minguados e sendo vítima de uma insana e desenfreada instabilidade na sua vida profissional.

Retirou-se, também, da pauta dos direitos sociais, a estabilidade, que pode e deve ser conquistada com uma dosagem. Um período sem estabilidade, para começar, seguido de outro de estabilidade controlada pela Justiça do Trabalho (esta é a minha receita, ficando o restante, também, para a negociação).

Toda evolução segue um ritmo racional e lento no tempo. Nada se Impõe, porque a realidade rechaça. Um país não passa de subdesenvolvido a desenvol­

vido por decreto. Há de se respeitar o que seja o real, o lógico, de faticidade viável; não é exeqüível pensar-se em somar, distribuir direitos por conta alheia.

Quem vai pagar a conta pode se revoltar e simplesmente abandonar o empreendi­

mento ou partir para a automação, a robotização, limitando empregos, E precisamos de mais de 1.500.000 novos empregos por ano.

O empirismo nada constrói. O ideal é progredir socialmente, mas, jamais, aventurar-se, lançar-se ao Incognoscível, porque, no confronto entre o decretado e a realidade, esta pode se tornar o amargor da decadência.

O Projeto do Deputado Bernardo Cabral, que apareceu marcado pela suspeita de que houve alterações não autorizadas no texto inicial, através de manobras no computador, é de duração efêmera. Acredito que um texto corrigido, muito alte­

rado, deverá vir à luz dentro em pouco, já oferecendo uma segunda versão, na qual muita coisa vai desaparecer. Dos contatos que mantive com o relator, restou-me tal impressão.

Retirar-se do Anteprojeto da Constituição aquilo que lá colocaram, não repre­

senta retrocesso. Lembrou o eminente Ministro Cordeiro Guerra, em conferência,

que há "reacionários que se intitulam progressistas, e não reacionários, o que

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ocorre até mesmo na Igreja, onde há um verdadeiro Partido Clerical Radical, que finge harmonizar a negação de Deus com a fé católica e se horroriza com a escolha do Papa para o Arcebispo Primaz do Brasil, por recair num sacerdote humilde temente a D e u s”. Não se trata de discutir quem é o responsável pela defesa de todos os ditos avanços colocados no Anteprojeto. M ais Importante que tanta regra no arcabouço constitucional é perseguir a conciliação de forças, em princípio antagônicas, de Interesses contrapostos, se examinados sob um prisma egoístico, onde o detentor do capital pretende auferir o máximo do trabalhador pelo menor custo possível, enquanto este quer ganhar o máximo, dentro de suas próprias limitações, com um esforço cada vez menor. A missão árdua do Direito é conciliar essas ambições, garantindo o convívio pacífico entre elas, assegurando o bem-estar de empregados e empregadores, propiciando o indispensável entrela­

çamento de ambos, numa união profícua, cujo denominador comum será o enal­

tecimento da figura humana e a multiplicação das riquezas, com a indispensável produção dos bens necessários ao consumo diário de uma sociedade cada vez mais sofisticada e exigente nos seus hábitos.

Mas, não é fácil libertar o homem do egoísmo: as doutrinas e os progressos políticos pretendem continuar sem poder explicar o que faltou para dar certo, salvo o irrealismo e progressism o exagerados e desconformes com a época.

A liberdade poderia bastar, agregada à igualdade e fraternidade, como sentimen­

tos básicos, para a constituição de uma sociedade justa e feliz. Mas, o progresso conquista-se. Não se impõe, porque, nem sempre, desgraçadamente, o homem prati­

ca gestos belos, tão belos quanto os sonhos que idealiza ou as palavras que profere.

Vou sempre repetir o que já chega a lugar comum de que a luta de sempre, a nossa luta, é contra a exploração do pobre pelo rico.

Suprimir a pobreza, erradicá-la definitivamente, substituí-la por um mundo novo e feliz, é o anseio utópico de todos. Já se pensou que a livre empresa seria o obstáculo para a realização da justiça social. A s sociedades coletivistas, totali­

tárias, igualitárias foram execradas nesse mister de nivelar por cima. Não conse­

guiram, e alguns já buscam rumos que se agregam a fórmulas capitalistas, embora Incipientes. Se alguns deles conseguiram minorar os índices de pobreza, certo que a liberdade e o desenvolvimento foram sacrificados. Mas, pouquíssim os espe­

ram alcançar ainda no coletivismo o conforto mínimo que outros, sem tantos sacri­

fícios, já obtiveram. O retrocesso e a estagnação econômica têm sido o alto preço pago, subprodutos evidentes de qualquer sociedade totalitária, onde a vontade popular fica subjugada a princípios políticos coletivos, redendo-se, também, a um aparato bélico que sustenta tal sistema, obrigando os desenvolvidos a manterem outro igualmente, para defesa de sua segurança.

A valorização do trabalho humano, no plano jurídico, vai sendo realizada, interna e externamente. O Brasil evolui, a despeito de tantas dificuldades, inclu­

sive no campo dos conflitos sociais. Até mesmo por essa evidência podemos concluir que houve sensível evolução no relacionamento entre as partes sociais, não raro em função da permanente assistência da Justiça do Trabalho que, no vácuo de medidas legislativas mais eficazes e atuais, tem criado algo novo, espe­

cialmente com relação ao trabalhador rural, que começa a ter, através de nossas

sentenças e acórdãos, acesso contínuo a novas conquistas importantes nas rela-

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ções de trabalho, criando, na realidade, para eles um direito novo. Alguns segm en­

tos de trabalhadores conseguiram, outrossim, sensível aumento de ganho real, conquistas que os tiraram da marginalização, em alguns casos.

A ssiste o mundo à travessia de uma era de conturbações políticas. Até m es­

mo de intensa perplexidade, fracassando os regimes de economia de mercado na sua tarefa de realizar, satisfatoriamente, a justiça social, ante a impossibilidade de se alcançar uma fórmula ideal para a distribuição das riquezas. Por mais para­

doxal que se possa afigurar, nos países de economia dirigida, depara-se com a impotência na dinamização do crescimento econômico, fazendo com que inexista riqueza a ser distribuída.

Essa disparidade registrada nas economias dos diversos países do

m u n d o

invia­

biliza uma proposta universal que possa representar uma solução genérica para todos os problemas, mesmo porque os interesses tendem a se individualizar.

O s ricos dinamizam egocentricamente a sua

fo rtu n a , c a ta lis a n d o os p a rco s

recursos dos pobres, condenados, assim, à eterna condição de miserabilidade.

Nos países em desenvolvimento, pressionados por uma divida atroz, a angus­

tiante idéia da recessão ou da estagnação apavora.

Nos países desenvolvidos e no nosso, pretenciosamente assemelhado àque­

les, propugna-se por uma redução da jornada de trabalho para quarenta horas semanais. Para nós e para outros sediados igualmente no quase mísero Terceiro Mundo, o assom broso é a desqualificação da mão-de-obra, enfraquecedora da pro­

dução, figurando ao lado da dramática escassez de capital. Impingem-nos os credores a contingência da consecução de superávit contra tudo e contra todos, que

nos

achacam, enquanto que os países ricos gozam do privilégio de planejar até seus déficits comerciais.

Necessitamos do capital alienígena e muitas vezes os ricos se valem

de ssa

situação para aqui o colocar de modo espoliativo, protegendo apenas seus inte­

resses, legando ao desprezo uma infinidade de outros, gerando, assim, um quadro de incerteza e insegurança político-social.

A todos esses percalços se agrega, como sói acontecer entre nós, o mono­

pólio estatal de larga faixa da economia, em adição ao peso das incipientes estru­

turas tradicionais, contrastando com a vontade manifesta dos governos de privati­

zarem a economia.

No Brasil, as conseqüências dessa incerteza são mais drásticas, por se chocarem na tentativa de obtenção de um modelo econômico intermediário entre a economia de mercado e a dirigida, cujos limites ninguém ousou ainda definir, nem na Velha, nem na Nova República. E essa miscelânea culmina no Projeto da Nova Constituição Federal, na incapacidade inclusive de se discernir claramente os limites do regime político a ser proposto. Talvez o que se quis não se disse, e o que se disse realmente não se quer. O Projeto parece ser um desafio à sociedade, mais que uma proposta de Constituição — toda a polêmica possível ali está.

Pode ser até que a nossa mistura, economia de mercado e a dirigida, tenha

propiciado o alto desenvolvimento que encanta e entusiasma, mas que não nos

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liv ro u da renda p e r c a p ita m e n diga, in fe r io r à do s n o sso s v iz in h o s p la tin o s , is s o para não e s ta b e le c e r co m p a ra çõ e s com q u a lq u e r do s p a íses da Europa, p o r m ais p o b re que seja, sa lvo a A lb â n ia , p a ra d ig m a de in d ig ê n c ia p o lític a .

F e ita essa in va sã o na área e co n ô m ica , q u e ro apenas re s s a lta r as m in h a s p re o cu p a çõ e s com o e xce sso de re iv in d ic a ç õ e s que se c o lo c o u no A n te p ro je to , re p u d ia d a s pe lo P ro je to B ern ard o C a bra l, m as o b je to , ainda, de in te n s o lo b b y.

Não p re c is o re a firm a r que não sou c o n tra as c o n q u is ta s s o c ia is , c o m o q u a lq u e r um a d e m a is. Porém , a do sag em é que se Im põe. A s c o n q u is ta s d e ve m s e r n e g o ­ cia da s, c o m o fo rm a de p re s e rv a r a in ic ia tiv a e m p re s a ria l tã o n e ce ssá ria , g e ra ­ d o ra de e m p re g o s, p rin c íp io b á s ic o da so cie d a d e org a n iza d a e sua e v id e n te e p rim a c ia l p re o cu p a çã o .

M a s, se o P ro je to B ern ard o C a bra l e lim in o u a q u e le s d ire ito s s o c ia is que o p ro g re s s is m o e n x e rto u , o que a d otou , a fin a l?

A s C o n s titu iç õ e s pa ssara m , no p re s e n te sé c u lo , a in tro d u z ir d is p o s iç õ e s re la tiv a s ao D ire ito do T raba lh o, p re c is a m e n te p o rq u e o a p a re lh o le g a l e o J u d i­

c iá rio se a p re s e n ta ra m im p o te n te s para a e fe tiv a re a liza çã o dos d ir e ito s fu n d a ­ m e n ta is do s tra b a lh a d o re s , se ja no plan o in d iv id u a l, se ja no c o le tiv o , das c o a lizõ e s q u e se co n ve n c io n o u ch a m a r de s in d ic a to s , fe d e ra ç õ e s e c o n fe d e ra ç õ e s .

A id é ia de que a p rim a zia h ie rá rq u ic a e a no bre za m a io r da C o n s titu iç ã o a sse ­ g u ra ria m re s p a ld o s u fic ie n te para a re a liza çã o dos d ir e ito s s o c ia is s o m e n te fa s c i­

nou a lg u n s id e a lis ta s , m as a p rá tic a re v e lo u que essa c a rta de d ir e ito s c o n s titu ­ c io n a is ou re p e tiu o que Já era c e d iç o na le g is la ç ã o e na n e g o cia çã o e n tre as p a rte s , ou p ro m e te u d ir e ito s que nunca se re a liz a ra m , p re c is a m e n te p o rq u e a Lei das le is não é a se d e ju ríd ic a adequada p a ra a c ria ç ã o de d ir e ito s in d iv id u a is . Sua d e se ja d a e s ta b ilid a d e é a lg o in c o m p a tív e l co m a e s p e c ific a ç ã o de d ir e ito s in d iv id u a is co m a p re c is ã o q u e se fa z n e c e s s á ria para a s s e g u ra r-lh e e fic á c ia p le n a e im e d ia ta . Daí, ta lv e z , p o r que é p e n s a m e n to de C o n s titu in te s re s p o n s á v e is , n e s ta a ltu ra , fa z e r co m qu e à p ro m u lg a ç ã o da C o n s titu iç ã o se su ce d a , im e d ia ta e p ro n ta m e n te , um a le g is la ç ã o in fra c o n s titu c io n a l que a g a sa lh e a lg u m a s das re iv in ­ d ic a ç õ e s o ra aind a p o s ta s no e sb o ço c o n s titu c io n a l e que, p e la sua in fe rio rid a d e h ie rá rq u ic a , não p o d e m a li p e rm a n e c e r.

M as, p ro s s e g u in d o no m eu ra c io c ín io : a o u tra id é ia , de que a C o n s titu iç ã o re a liz a ria a lib e rd a d e s in d ic a l, nada m a is é qu e um a v is ã o d is to r c ida da re a lid a d e tra b a lh is ta que c o s tu m a e s ta r s e m p re à fr e n te da le i, cab en do -n os c u id a r, apenas, para q u e não e s te ja c o n tra a le i e, m e n o s a ind a, c o n tra a C o n s titu iç ã o . Um a C o n s titu iç ã o po de fa z e r a m a is e n fá tic a d e c la ra ç ã o da lib e rd a d e s in d ic a l se m que e s ta se re a liz e na p rá tic a . Se a v o n ta d e n a cio n a l não é s u fic ie n te m e n te fo r te para c o m p e lir o s p o d e re s c o n s titu íd o s a re co n h e ce re m -n a co m o s im p le s a p lic a ­ ção do p rin c íp io m a io r da lib e rd a d e de a sso cia çã o , m u ito m e n o s a le tra da C o n s titu iç ã o p o d e rá fa z e r o m ila g re . A lib e rd a d e de a sso cia çã o é re c o n h e c id a a to d o s o s cid a d ã o s, em to d a s as C o n s titu iç õ e s d e m o c rá tic a s , não se sab en do p o rq u e de va s e r tid a c o m o e xce p c io n a n d o a lib e rd a d e de se a s s o c ia r para e fe ito da n e g o cia çã o c o le tiv a .

O que d e s e jo a firm a r, c o m o te n h o f e ito re ite ra d a m e n te em d is c u rs o s e co n ­ fe rê n c ia s re c e n te s , é qu e, nas b e ira s do s é c u lo X X I, ch e g a a s e r rid íc u lo p re te n -

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der ou esperar que a Constituição, por si só, seja suficiente para assegurar a liberdade sindical. Ela já foi conquistada e, realmente, nesta altura, contra a C ons­

tituição. Vejam-se as Centrais Sindicais. Se algo está faltando ou atrapalhando, não é a falta de uma norma constitucional ou legal, mas o excesso de tais nor­

mas. Vivemos o regime monista na área sindical: um só sindicato em cada base territorial. No entanto, por simples tolerância administrativa, estão aí três Centrais Sindicais que até possuem hoje representantes em Conselhos do Governo. A tole­

rância administrativa ou atos de hierarquia legal limitadíssimos criaram, incenti­

varam, reconheceram, enfim, puseram no mundo jurídico, sem base legal, todas essas entidades.

E o pluralismo sindical vai-se tornando evidente, pois as notícias são diárias das negociações com grupos de empregados, à margem do poder sindical, inclu­

sive os notórios comandos de greve, de campanha salarial, etc., poder sindical que a lei e a Constituição pretendem regularizar, institucionalizando uma “organi­

zação sindical que já vai nascendo caduca".

A democracia nasce na alma do povo e isto vai acontecendo no Brasil de hoje, meio desordenadamente, mas com uma consciência de liberdade jamais vista ou sentida, nem quando Juscelino Kubitschek veio de Minas Gerais para ensinar democracia. O povo vem despertando para a vida democrática, talvez tangido pelos longos períodos de autoritarismo. Não foi nenhuma campanha polí­

tica que lhe incutiu isto. Talvez seja a consequência da experiência que vem vivendo que amadureceu as consciências. O brasileiro de hoje sabe, pensa, pon­

dera e é capaz de discernir onde se situa sua vontade e aspiração.

O s radicais, os intolerantes, os arbitrários, os revoltosos, os desajustados dê todos os tipos e matizes vão esgotando o seu ódio destrutivo e o País vai res­

pirando, aliviado, numa crescente prática da democracia, ainda que aqui e ali ameaçada, sempre inquietada por renovados rumores de crises pelos pescadores de águas turvas. Na realidade, a crise é um fato, uma expressão democrática, queiram ou não alguns tê-la corno instrumento de revolta. Conviver com ela, saber equacioná-la, tolerá-la, superá-la, é prova de maturidade democrática. E isto vamos fazendo, apesar de, lamentavelmente, termos que reconhecer que é crise demais, aparentemente sem condutores que saibam pôr-lhe cobro.

Ela é o campo fértil ao confronto das idéias e negociações. Estamos vivendo a crise da organização constitucional, decorrente, Inclusive, da miscigenação de idéias, classes sociais, níveis culturais que as urnas empurraram para o Con­

gresso, talvez, realmente, pela primeira vez, mostrando a verdadeira estratifica­

ção social do País. E sse s Constituintes, no meu modo de ver, representam, efeti­

vamente, a amálgama popular brasileira. Daí termos, no momento, indiscutivel­

mente, uma crise de idéias, não uma crise político-institucional: todas as tendên­

cias Ideológicas estão em Brasília, na Assembléia! Todos podem fazer suas sugestões, por mais aberrantes que sejam. M esm o estas terão seus apoiadores.

Há um enorme, desgastante e oneroso esforço — e que continuará sendo feito — para sopesar sugestões e aspirações dos diferentes segmentos da sociedade brasileira. E aí se situa a crise a que me refiro — o núcleo da crise: separar, joeirar, peneirar tudo, inclusive as inéditas emendas populares, para, afinal, apa­

recer o que será o texto constitucional. Claro que ninguém há de concordar com

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as limitações que se impuseram quanto ao tempo de elaboração. Até parece que a Constituinte seria a panacéia para todos os males e sua imediata promulgação, o barco salvador da vida nacional.

Não se pode negar aos autores dos textos já divulgados em todos os documentos a honestidade, lealdade e competência com que procuraram reunir tendências tão conflitantes. O esforço de tentar eliminar tais colisões é que trouxe aos textos apresentados conflitos definidos como contradições, algumas chocantes até para os que possuem luzes jurídicas ou bom senso reconhecido.

Mas, por certo, Bernardo Cabral e seus colegas da Sistematização seriam cha­

mados de arbitrários, traidores do povo e dos seus companheiros Constituintes que lhe ofereceram esse mandato, se não tivessem feito o esforço de tentar refletir, no texto, as tendências dominantes, mesmo que contraditórias. Que assusta, assusta. Mas, a democracia avança mesmo é quando as idéias estão postas em uma mesa de discussão e a palavra continua livre. O que ocorreu foi o lamentável sistema de trabalho adotado, sem parâmetros ou documentos bá­

sicos, o que levou ao paradoxo de situações a que foram levados os constituintes.

Confesso que me atordou, que me surpreendeu, que neguei valor ao que se fez, mas passei a aceitar como um passo sociológico e politicamente defensável.

Um trabalho dessa profundidade merecia maior meditação, ainda mais quando se nota tão divergente panorama ideológico. A pressa de concluir não se justi­

fica e até aceito que a pressão dos acontecimentos fará ultrapassar a data fatal, 15 de novembro, sem que tenhamos acordado em torno de todos os temas ques­

tionáveis. Parece intuitivo que, se o mandato presidencial ou qualquer outra das teses, está impedindo a rapidez, que se o retire da pauta, resolva-se este caso e se deixe a Constituinte concentrar-se no restante. Até aqui se tem aceitado as imperfeições, até justificado o procedimento que permitiu um texto contraditório, mas, insistir-se no erro, representa uma imperdoável e condenável omissão que a História, por certo, julgará com rigor. A existência de um dia “D " perfeitamente ultrapassável não justifica que se cultuem imperfeições. Alguém precisa pedir mais tempo, promover-se um novo calendário para a Constituinte, porque os enten­

dimentos estão sendo atropelados pelo prazo, como se este fosse o importante, não a estruturação política nacional, fazendo temer pela excelência do trabalho, que melhor seria alcançada se a afoiteza fosse proibida, qualquer que seja o motivo.

Preocupa-me tudo o que acontece. Primeiro, como testemunha da história constitucional, eis que vi e vivi parcialmente a feitura da Carta de 1946; teste­

munhei as mutações importantes oriundas da Revolução; segui, como jornalista, a longa jornada política do País; como estudante do Direito do Trabalho, longa caminhada que desemboca na minha subida à curul presidencial do Tribunal Su ­ perior do Trabalho, onde os fados obrigam-me a insistir junto aos Constituintes pela linha de orientação que mais interessa à Justiça que dirijo.

Fiz conferências sobre o trabalho constitucional. Escrevi uma série de artigos, publicados no Correio Braziliense, a respeito do Anteprojeto; escrevi dezenas de cartas a Constituintes; ofereci emendas a Bernardo Cabral, José Ignácio Ferreira e outros. O quanto escrevi parece que ofereceu resultado, porque consegui, inclu­

sive, eliminar da Justiça do Trabalho, já tremendamente sobrecarregada, a compe-

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tência para julgar acidentes do trabalho. O trabalho espelha muito do que sugeri.

Mas, não consegui tudo. A exemplo do que fazia o eminente político brasileiro José Américo de Almeida, tenho dado os mesmos gritos de advertência, não raro até com certa agressividade impertinente. Quero que me ouçam, porque não peço por mim, mas por uma instituição que está sendo sacrificada.

0 nosso panorama atual não é alentador. Estamos com algumas Juntas mar­

cando audiências com até um ano de atraso. Temos acima de 28.000 processos no Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, 9.000 no Tribunal Superior do Trabalho, citando apenas os dois como amostra. E sses números, apesar do insano trabalho dos ministros, por exemplo, que recebem em torno de setenta processos por semana, não baixam razoavelmente. O resíduo não se extinguirá, apesar dos 22 a 25.000 processos que o Tribunal Superior do Trabalho julgará neste ano.

Pois bem. Pouco nos dão de novo. O Projeto Bernardo Cabral oferece-nos vinte e cinco ministros, evidente erro, porque impossível será fazermos cinco Turmas.

Mas, já me entendi com S.Ex.ª para elevar o total a vinte e sete, o que, parece-me, será feito.

Vão transferir para a Justiça do Trabalho uma competência mais ampla e parte do que está hoje afeto ao Tribunal Federal de Recursos vem para nós:

União, empresas públicas, sociedades de economia mista, etc. Tudo isto, com a mesma estrutura da primeira instância. Nada novo.

Tenho pensamento próprio sobre o que seria para mim a C onstituição ideal.

No campo trabalhista deveria desenhar um quadro mais limitado em que se faria:

1 — discriminar os direitos fundamentais, estabelecendo que os demais se­

riam objeto de lei, de negociação coletiva ou de decisão normativa, tornando, assim, com poucas palavras, claro que a negociação coletiva poderia tudo o que não contrariasse a Constituição, ou fosse pertinente à relação de trabalho;

II — garantir o direito de associação também para fins trabalhistas, sem qualquer limitação legal, a não ser quanto ao respeito aos princípios da Consti­

tuição e à liberdade de todos para constituírem as associações que desejarem;

III — garantir o direito de greve, mediante o voto da maioria dos trabalhado­

res e ressalvando, ao Ministério Público e à própria Justiça do Trabalho, o dever de promover sentença que lhe ponha fim, em nome do interesse público; e

IV — assegurar a intervenção do poder normativo da Justiça do Trabalho, por iniciativa do Ministério Público, das partes em conflito, conjuntamente (o que equivale a eleger a Justiça do Trabalho como árbitro), ou da própria Justiça do Trabalho; e determinar que a Justiça do Trabalho possa escolher entre exercer, amplamente, o poder normativo ou determinar às partes o comportamento que julgar adequado, como, por exemplo, o retorno à negociação ou o fim da greve sob sanções à parte infratora.

A Justiça do Trabalho só poderá se responsabilizar pela sua eficiência, cele­

ridade e prestimosidade se a Constituição estipular que o poder normativo é

inerente à sua própria finalidade. Especializada como é, deve reter o direito de

acompanhar a realidade social, sua dinâmica evolutiva permanente, correndo atrás

do fato social de maneira a atender às reivindicações, o que é inviável através da

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legislação ordinária, sempre dependente de um tempo relativamente longo de tramitação parlamentar.

Para que se tenha uma idéia de quanto é desnecessário insistir em liberdade sindical na Constituição, chamo atenção para o art. 6.°, do Substitutivo Bernardo Cabral, no seu parágrafo 52:

“É plena a liberdade de associação, exceto a de caráter paramilitar, não sendo exigida autorização estatal para a fundação de associações vedada a interferência do Estado no seu funcionamento".

É amplo e democrático e dispensa qualquer complemento. Se só as associa­

ções de caráter paramilitar não têm liberdade de se constituir, é óbvio que as associações sindicais aí estão autorizadas pela Constituição, sem qualquer inter­

ferência do Poder Público.

O s parágrafos seguintes do mesmo artigo 6.” são suficientes para a liberdade sindical:

" § 53 — A s associações não poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas, exceto em conseqüência de decisão judicial transitada

em

julgado.

§ 54 — Ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer asso­

ciado.

§ 55 — A s entidades associativas, quando expressamente autorizadas, pos­

suem legitimidade para representar seus filiados em juízo ou fora dele”.

O que falta definir é, pois, como as associações de caráter sindical ficarão autorizadas a representar seus filiados e a legitimidade dos instrumentos de ne­

gociação coletiva.

O poder normativo da Justiça do Trabalho já é, realmente, uma interferência do Estado na liberdade sindical, mas aí ressalta o interesse público, que é maior que o interesse de parte do todo, como tal a coletividade de trabalhadores.

Paradoxalmente, porém, o artigo 9. estabelece que é "livre a associação pro­

fissional ou sindical", como se o 6.° já não o assegurasse. O artigo 9.° não tem finalidade. Outrossim, a proposição, no sentido de que a "lei definirá as condi­

ções para o registro perante o Poder Público e para sua representação nas con­

venções coletivas", deveria constar do artigo 6.° e não do 9.°, porque às asso­

ciações não se deve exigir registro especial, diferente das demais associações.

E não foi exigido registro das demais associações no artigo 6.°, o que é um erro até para efeito estatístico.

Importante é apenas situar o objeto do registro, isto é, apenas para represen­

tação na convenção coletiva. Conseqüentemente, o que os §§ 1° e 2° do artigo 9.°

dizem é uma tautologia: a “lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato” (o caput fala em associação profissional, o que é mais genérico e melhor coincidindo aí com a orientação da OIT: associações de traba­

lhadores e empregadores); é vedada a interferência do Poder Público na "orga­

nização sindical" (terceira nomenclatura para a mesma associação de trabalhado­

res e empregadores). É mais do que óbvio a partir do artigo 6 º, Se todos podem

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o rg a n iz a r liv re m e n te a s s o cia çõ e s, não há in te rfe rê n c ia do Poder P ú b lico , não se e x ig in d o a u to riza çõ e s. A re p e tiç ã o q u a n to a s in d ic a to s é, q u an do nada, s u s p e ita .

O s parágrafos 3.° e 4.° do artigo 9.° são impertinentes, porque envolvem ma­

téria do estatuto do sindicato que vai para a Constituição, negando a liberdade de organização que acaba de ser afirmada:

"§ 3° — A assembléia geral fixará a contribuição da categoria, que deverá ser descontada em folha, para custeio das atividades da entidade.

§ 4.° — A lei não obrigará a filiação a sindicatos e ninguém será obrigado a manter a filiação".

O parágrafo 5.° contém em si mesmo a demonstração de sua natureza não constitucional: havendo mais de um sindicato na categoria e na localidade, a lei deverá resolver o problema da representatividade.

O parágrafo 7.° do artigo 9.° é a negação da liberdade de associação tão defendida, apregoada e festejada: concede a prerrogativa ao sindicato (as asso ­ ciações de trabalhadores do artigo 9.º aqui se reduzem a sindicatos) para partici­

par, obrigatoriamente, das negociações de acordos salariais. Foi-se por terra toda a proclamação da liberdade de associação e de negociação: o famoso sindicato único (o que vai resultar do parágrafo 5.°) está protegido na Constituição e os trabalhadores não podem organizar coisa alguma; terão que ser representados pelo que já existe. Falta coerência no texto, que pode e deve ser comprimido, para não dizer o que não deve, pois o previsto no artigo 6.° é mais que suficiente.

O que o artigo 9.° quer é manter a viçosa estrutura sindical vigente, embora já caduca na prática. Faz lembrar o artigo 9.° que, em termos de liberdade de asso­

ciação que se pretende defender tanto, com abundante regulamentação, acaba­

ram por suprimi-la.

Entremos, porém, no aspecto delicado da greve.

O Anteprojeto da Com issão de Sistematização reconhecia o direito absoluto de greve (art. 18, V, b);

"b) é livre a greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportuni­

dade e o âmbito de interesses que deverão por melo dela defender, excluída a iniciativa de empregadores, não podendo a lei estabelecer outras exceções; ”.

Caberia aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade e os interesses a defender. Não havia quem conciliasse. Garantia-se que, eclodida a greve, persis­

tiria ela indefinidamente até que os próprios trabalhadores resolvessem sustar o movimento. Nem o Poder Judiciário poderia intervir, ele que tem capacidade de intervir até no Estado.

Ora, torna-se evidente o disparate da proposta. O todo social fica subjugado a interesses particulares, sem que se atenda ao princípio de que a legitimidade da greve há de ser apreciada sob prismas de legalidade como defesa dos inte­

resses maiores da sociedade.

A legislação em vigor contém excessos burocráticos para a eclosão do movi­

mento. Dispõe que, caso não se efetue a conciliação, instaurar-se-á o dissídio

coletivo, como caminho para solução do litígio (art. 23, da Lei 4.330/64). Não se

pode deixar ao alvedrio de uma das partes interessadas, e tão-somente a ela,

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o dispor de bem maior, que é o equilíbrio social, através do reconhecimento da prevalência do interesse universal que deve preponderar sobre os da minoria ou ainda quando a causa defendida é ilegítima ou injusta. Ademais, fica a cargo dos próprios trabalhadores grevistas, como se propõe, resguardar o funciona­

mento de atividades essenciais, o que clama aos céus pela aberração, pois quem é interessado é que vai decidir.

O arrojo do que se propunha no Anteprojeto levaria o País ao caos, porque não haveria empresário que coexistisse com o arbítrio de direções sindicais desa­

visadas, a todo instante promovendo paralisações sem qualquer tipo de punição.

A relatividade desse direito tem sido reconhecida, quase generalizadamente, pela doutrina. Não sei o que ocorre lá pelas cubatas africanas, mas, na França, Itália, Espanha, México, Venezuela, Colômbia, Peru, Panamá, etc., embora seja um direito constitucionalmente protegido, tem sentido relativo, com as limitações impostas por leis e regulamentos. A Constituição Francesa, por exemplo, contém, no seu preâmbulo, que o direito será exercido de acordo com o disposto em leis e regulamentos. Nos Estados Unidos, a greve pode ser suspensa quando afetar o interesse público. Ao que parece, são duas tradicionais democracias!

Claro que a greve deve respeitar os direitos maiores da sociedade como um todo e não levar à extinção a categoria empresarial, o que facilmente seria atingido se a continuidade do movimento, sem limitações e sem qualquer tipo de controle judicial, não encontrasse um poder coativo que a ela pusesse cobro ou fizesse retornar as partes à negociação.

O inciso V do art. 18 do texto anterior da Com issão de Sistematização (atual art. 17) trata da "manifestação coletiva", mas, na verdade, afora uma vaga referência à "manifestação coletiva em defesa de interesses grupais, associativos e sindicais", na alínea

a,

cuida mesmo é de greve; e este deveria ser o título do inciso, pois essa "manifestação coletiva” é por demais ampla para ganhar autorização constitucional às cegas.

Na alínea b, bastaria dizer que existe liberdade para o exercício da greve.

Ao acrescentar que os trabalhadores decidirão sobre a oportunidade e o âmbito de interesses do movimento, já se está querendo limitar a competência do Poder Judiciário para apreciar a legalidade de uma greve: a Constituição não pode atri­

buir aos trabalhadores um direito potestativo de determinar a licitude da própria parede. Isto é um absurdo jurídico e um suicídio político. Além disso, a alínea exclui, nebulosamente, a "iniciativa de empregadores”; parece referir-se à proi­

bição do "lock out". Ora, deixar de trabalhar e deixar fechada uma fábrica é direito de cada um. Se o exercício desse direito for abusivo e lesar gravemente o patrimônio de alguém, sem necessidade, é melhor deixar ao Poder Judiciário a decisão sobre a licitude ou não do procedimento de cada um e suas conseqüên­

cias. O exercício da liberdade não deve ser "ensinado" na Constituição. Deve ser aprendido no dia a dia das relações negociais e dos conflitos, decidindo o Judi­

ciário qual o bem maior a preservar. A Constituição não tem como resolver, antecipadamente, a sorte desses conflitos.

O artigo 10 do Projeto Bernardo Cabral repete o exagero que apontei; os

trabalhadores continuam sendo os juízes da "oportunidade" e do "âmbito de

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in te r e s s e s ” que a g re v e d e v e rá a lca n ça r. O s tra b a lh a d o re s p o d e rã o fa z e r g re v e c o n tra ou para tu d o e a C o n s titu iç ã o d iz q u e e le s são o s á rb itro s da c o n v e n iê n c ia d e q u a lq u e r p a ra lisa çã o . C o m o e stá , a g re v e po de d e rru b a r o P re s id e n te da Repú­

b lic a ou fe c h a r o C o n g re s s o N a cio n a l ou a J u s tiç a . Tudo s e rá p e rfe ita m e n te c o n s titu c io n a l!

Há e v id e n te im p ro p rie d a d e e fa lta d e v ig ilâ n c ia no te x to p ro p o s to , o qu e é d e p lo rá v e l, à v is ta da im p o rtâ n c ia d o d ir e ito qu e se q u e r a m p lia r. O te x to e n g lo b a um a in te rc a la d a em que se a firm a “ na fo rm a da le i" . M a s, q u a lq u e r le i q u e se fa ça , lim ita n d o o d ire ito , s e rá in c o n s titu c io n a l, p o rq u e não se p o d e rá t ir a r do s tra b a lh a d o re s o a rb ít r io que lh e s e s tá se n d o re c o n h e c id o .

L a m e n to q u e as m in h a s s u g e s tõ e s não te n h a m s id o le va d a s em c o n ta , no p a rtic u la r. M in h a id é ia é s im p le s : asse g u ra -se o d ir e ito de g re v e , p e rm itin d o -s e , p o ré m , qu e um T rib u n a l, em no m e d o in te re s s e p ú b lic o e p o r in ic ia tiv a da a u to ­ rid a d e , fa ç a cessá -la , co m a v o lta ao tra b a lh o ou à n e g o cia çã o . O in te re s s e p ú ­ b lic o de ve s e m p re fa la r m a is a lto d e qu e o p a rtic u la r da c a te g o ria . A J u s tiç a d e ve s e r o á r b itr o de c o n v e n iê n c ia s , o p o d e r m o d e ra d o r, o re c u rs o fin a l para que a paz v o lte a re in a r.

O que a le i o rd in á ria v ir ia a e x ig ir, o C o n s titu in te não se m o s tra m u ito p re o cu p a d o . É s u rp re e n d e n te ! Na re a lid a d e , e s tá se n d o c ria d o qu ase o d ir e ito a b so lu to .

O a rtig o 34, I, in s titu i o rig in a l c o m p e tê n c ia c o n c o rre n te da U n iã o e d o s Esta­

dos para le g is la r em m a té ria de tra b a lh o , e s c la re c e n d o o § 1.° do m e s m o a rtig o que, no “ â m b ito da le g is la ç ã o c o n c o rre n te , a c o m p e tê n c ia da U n ião lim ita r-s e -á a e s ta b e le c e r n o rm a s g e ra is ", o que é d iz e r tu d o , p o is a le i é a n o rm a g e ra l. O in ­ t u ito p a re ce s e r, e v id e n te m e n te , o d e a tr ib u ir à U n ião o e s ta b e le c im e n to de d ir e ­ triz e s g e ra is , e n q u a n to aos E stad os fic a a e s p e c ific a ç ã o do s d ir e ito s tra b a lh is ta s p ro p ria m e n te d ito s .

O ra, em fa c e do a rtig o 34, o a rtig o 162, que d is p õ e s o b re o p o d e r n o rm a tiv o da J u s tiç a do T raba lh o, c ria um d e sco m p a sso . Um a J u s tiç a F ede ral, co m o é a J u s tiç a d o T raba lh o, irá ju lg a r d is s íd io s c o le tiv o s e in d iv id u a is e n v o lv e n d o le g is ­ la çã o e s ta d u a l e fe d e ra l.

Q u a n to aos d is s íd io s c o le tiv o s , só ire m o s ju lg á -lo s se fo rm o s e le ito s pe la s p a rte s co m o á r b itr o (§ 1.” d o a rt. 162) ou se, re cu sa d a p e lo e m p re g a d o r a n e g o ­ cia çã o ou a rb itra g e m , o s in d ic a to do s tra b a lh a d o re s (s in d ic a to ú n ic o o u tra vez) a ju iz a r o d is s íd io .

É um a re d a çã o p re c o n c e itu o s a , p o is su p õ e qu e os tra b a lh a d o re s e sua s a s s o ­ c ia ç õ e s (s in d ic a to s ) e s tã o a cim a d o bem e do m a l, ja m a is se re cu sa n d o à ne­

g o cia çã o e à a rb itra g e m . Só o e m p re g a d o r é capaz d e fa z e r i s t o . . .

Está e v id e n te q u e o s is te m a a d o ta d o é e q u ívo co . Em p rim e iro lu g a r, p o r s u p o r que só o e m p re g a d o r o fe re c e re s is tê n c ia à ne go ciaçã o, qu ando, na re a lid a d e , ha ve n d o in s p ira ç ã o p o lític a , c e rta m e n te , o s e m p re g a d o s o fa rã o m a is a m iú d e . Em s e g u n d o lu g a r, não p re v ê o a ju iza m e n to , p e lo M in is té r io P úb lico ou, de o fíc io , p e la J u s tiç a do T ra b a lh o , do d is s íd io . Pelo m en os um a d e ssa s h ip ó te s e s de ve se r p re v is ta para que o Poder P ú b lico po ssa t e r ação capaz de c o lo c a r te rm o a um m o v im e n to g re v is ta , q u an do a s o cie d a d e e stá se n d o in ju s ta m e n te s a c rific a d a .

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Im p o rta n te , re a lm e n te , é q u e o d is s íd io não s e ja u n ic a m e n te aju iza d o p o r q u a lq u e r das p a rte s . A m eu v e r, m u ito m a is e s s e n c ia l, no re s g u a rd o do in te re s s e p ú b lic o , é q u e a J u s tiç a do T ra b a lh o a n a lis e e ju lg u e o c o m p o rta m e n to das p a rte s , p o rq u e s o m e n te a s s im ela p o de rá d e ix a r de ju lg a r. Fiz su g e s tã o , no m e u d is c u rs o de p o sse , no s e n tid o de q u e à J u s tiç a d o T ra b a lh o fo s s e re s e rv a d o o d ir e ito de p e n a liz a r um a das p a rte s , em fa v o r da q u e fo s s e p re ju d ic a d a , e de d e te rm in a r o re to rn o à n e g o cia çã o ou ao tra b a lh o . R e a firm o m e u p e n s a m e n to ag ora , p o is , se m um a d is p o s iç ã o a ssim , a J u s tiç a d o T ra b a lh o te r á s e m p re q u e ju lg a r o d is s íd io is to é, te rá q u e fa ze r, m u ita s veze s, a v o n ta d e d a q u e le qu e r e s is tiu à n e g o cia çã o e x a ta m e n te para a p re s s a r o d is s íd io .

M as, v o lte m o s à e s tra n h ís s im a c o m p e tê n c ia c o n c o rre n te d o a rtig o 34 do Pro je to .

A rig o r, não se tra ta de um c o n c u rs o de c o m p e tê n c ia s e n tr e - o s E stados e a União. Cada qual fic o u co m a sua área e s p e c ífic a e n e la não c o n c o rre m e n tre s i.

M as, há, e v id e n te m e n te , um a área c in z e n ta , sem p re c is a d e fin iç ã o , que se s itu a e n tre as e s fe ra s de c o m p e tê n c ia : a e s ta d u a l, am pla, e a fe d e ra l, que se c in g e às n o rm a s g e ra is (a rtig o 34, p a rá g ra fo 1.°), O ra, a área c in z e n ta — qu e m é q u e m — va i o c o rre r e x a ta m e n te em fu n çã o do m a io r a lca n ce in te r p r e ta tiv o q u e se q u is e r d a r às e x p re s s õ e s "n o rm a s g e ra is ". Se no rm a s n a c io n a is fo r e xp re s s ã o de g e ra is, e n tã o a U n ião pode tu d o e o Estado fic a rá c o n fin a d o a um a c o m p e tê n c ia re sid u a l.

O B ra sil é o País das in te rp re ta ç õ e s ! Todos sa b e m que aqui, ao se a n a lis a r um a lei recé m -saída , busca-se a fó rm u la de b u rlá -la, não de cu m p ri-la . N e s te caso , a n o rm a não a u to riza um a a m p litu d e do s e n tid o , p o is d iz qu e a c o m p e tê n c ia da U nião "lim ita r-s e -á a e s ta b e le c e r no rm a s g e r a is ” . A c o m p e tê n c ia é s e m p re de in te rp re ta ç ã o r e s tr ita e, no caso , a in te rp re ta ç ã o q u a n to à c o m p e tê n c ia da U n ião é e s trita , se n d o , v ia d e c o n s e q u ê n c ia , a m p la a d o Estado.

C re io que a U n iã o só p o d e rá e s ta b e le c e r p rin c íp io s g e ra is s o b re o s d ife re n te s c a p ítu lo s d o D ir e ito d o T rabalho, e s p e c ia lm e n te a q u ilo que n o rm a lm e n te co n c e rn e ao c o n tra to de tra b a lh o , m as, q u a n to a n o rm a s de tu te la , o s p rin c íp io s g e ra is s e rã o os e s ta b e le c id o s na C o n s titu iç ã o , c o m a re g u la m e n ta ç ã o q u e lh e s d e r a le i fe d e ra l.

P re ve jo e n o rm e c o n fu s ã o in te rp re ta tiv a s o b re o s lim ite s da c o m p e tê n c ia e e n te n d o d e s p ro v id o de q u a lq u e r p ro p ó s ito o a rtig o co m o c o lo ca d o , in c lu s iv e co m sua redação im p e rio s a .

P e rg un to , p o r e x e m p lo : a le g is la ç ã o fe d e ra l p o d e rá re g u la r a c e le b ra ç ã o do c o n tra to de tra b a lh o , sua su sp e n sã o e e x tin ç ã o ? A té aq ui, s e ria p o s s ív e l c o n s i­

d e ra r “ n o rm a s g e r a is ” as n o rm a s que re g e m , de m o d o a m p lo , to d o e q u a lq u e r c o n tra to de tra b a lh o . Q u a n d o se tra ta r, p o ré m , de e s ta b e le c e r d is p o s iç õ e s , ainda que g e rais, de p ro te ç ã o ao tra b a lh a d o r, e n tã o a e s p e c ific id a d e é a reg ra, b a sta n d o a te n ta r para o D ire ito C o m p a ra d o , on de se vê pa íse s que le g is la m s o b re a tu te la do tra b a lh a d o r (e de m odo d iv e rs ific a d o ) e a q u e le s que re m e te m a m a té ria à n e g o cia çã o c o le tiv a , p o r se tra ta r, a rig o r, do co n te ú d o e s p e c ífic o de cada c o n ­ tr a to de tra b a lh o , cuja v a ria b ilid a d e é e s s e n c ia l à lib e rd a d e c o n tra tu a l e ao d e se n ­ v o lv im e n to da n e g o cia çã o c o le tiv a . No ca so em exa m e, dada a no ssa tra d iç ã o le g ife ra n te , aos E sta d o s-m e m b ro s e s ta ria re c o n h e c id a a c o m p e tê n c ia pa ra le g is la r

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s o b re a tu te la do tra b a lh o , g e ra l ou e s p e c ia l (o b e d e cid a s, é c la ro , as n o rm a s c o n s titu c io n a is e a le g is la ç ã o fe d e ra l qu e as re g u la r).

S o b re a le g is la ç ã o s in d ic a l, p o r e x e m p lo , n in g u é m p o d e ria le g is la r, se m o fe ­ re c e r a lib e rd a d e e a a u to n o m ia da s a s s o cia çõ e s de c la sse .

V eja-se qu e, no in c is o XI d o m e s m o a rtig o 34, c o n fe riu -s e c o m p e tê n c ia co n ­ c o rre n te à U n iã o e aos E stad os p a ra le g is la re m s o b re “ p ro c e d im e n to s em m a té ria p ro c e s s u a l” . N o va m e n te e s ta m o s , em m a té ria p ro c e s s u a l, qu ase na m e sm a s itu a ­ ção d e s c rita para o d ir e ito m a te ria l do tra b a lh o , p o is o p ro c e d im e n to a b a rca o m a io r n ú m e ro de n o rm a s de u m a le g is la ç ã o ou c ó d ig o de p ro c e s s o . O p ro c e d i­

m e n to o rd in á rio , e sta n d o in c lu íd o n e ssa c o m p e tê n c ia c o n c o rre n te , s o m e n te se a U n iã o não le g is la r a re s p e ito é q u e se e n te n d e o Estado le g is la n d o .

O p a rá g ra fo 2 ° do a rtig o 34 d e ix a c la ro que a c o m p e tê n c ia c o n c o rre n te é s u p le m e n ta r. Para o s E sta d o s-m e m b ro s, e la só e x is te qu an do In e x is te n te le g is ­ la ção fe d e ra i.

C o m o se vê , c ria ra m um ara n ze l de e fe ito s te r r iv e lm e n te c o m p le x o s , a p to s a g e ra r c o n tro v é rs ia s in te rm in á v e is que a b a rro ta rã o os T rib u n a is já s a c rific a d o s , se m c o n ta r o s p ro b le m a s p o lític o s e e c o n ô m ic o s qu e re s u lta rã o d o in e v itá v e l d e s e jo do s E sta d o s-m e m b ro s d e e x e rc e re m a sua a u to n o m ia a tra v é s de le g is la ç ã o p ró p ria .

Q ua ndo se d e fe n d e u a e x tin ç ã o do T rib u n a l S u p e rio r d o T ra b a lh o — um p e ­ qu en o g ru p o de a d vo g a d o s o fe z p e ra n te a C o m is s ã o de O rg a n iza çã o d o s Pode­

re s — , a d v e rti de que h a v e ria a c ria ç ã o de ta n ta s n o rm a s de d ir e ito do tra b a lh o q u a n to s fo s s e m os T rib u n a is R e g io n a is. E ag ora la n ço a m e sm a a d v e rtê n c ia , po rq u e , na bu sca de a u to n o m ia , te re m o s m iría d e s de le is e s ta d u a is le g is la n d o s o b re te s e s que, c e rta m e n te , não raro , e s ta rã o fo ra de sua c o m p e tê n c ia .

D izia eu en tã o , a p ro p ó s ito das c o n s e q ü ê n cia s da fa lta de u n ifo rm id a d e da Ju risp ru d ê n cia , aqui tra n s m u d a d a s para o e xce sso de le is e s ta d u a is d iv e rg e n te s :

"É sa b id o que a J u s tiç a do T raba lh o e s tá d iv id id a , a tu a lm e n te , em q u in ze Regiões.

A le i tra b a lh is ta (qu e é le i fe d e ra l) s o fre , se g u id a m e n te , c o m o é in e v itá v e l, in te rp re ta ç õ e s d iv e rs a s de p a rte dos q u in ze T rib u n a is R e gio na is do T raba lh o em fu n c io n a m e n to no País.

Essa d iv e rg ê n c ia In te rp re ta tiv a , que a ju ris p ru d ê n c ia d ia ria m e n te c o n firm a , não po de d e ix a r de s e r u n ifo rm iz a d a .

Em rela çã o aos T rib u n a is de J u s tiç a dos E stados, nos caso s p re v is to s na C o n s titu iç ã o F ede ral, o C o le n d o S u p re m o T rib u n a l F ede ral, e xe rce , co m sa b e ­ d o ria , esse papel de s u p e rv is ã o e co o rd e n a çã o da ju ris p ru d ê n c ia na cio n a l.

Papel s im ila r d e se m p e n h a , em re la çã o aos T rib u n a is R e gio na is do Traba lh o, o T rib u n a l S u p e rio r. A s s im te m sid o , há quase m e io sé cu lo , com e x c e le n te s re s u lta d o s , e v ita n d o -s e p ro fu n d a s c o n tra d iç õ e s na ju ris p ru d ê n c ia do s T rib u ­ na is R e g io n a is do Trabalho.

Não é p o s s ív e l que um a le i tra b a lh is ta — de n a tu re za fe d e ra l — se ja ap lica d a p o r ó rg ã o s da J u s tiç a do T raba lh o — que ín te g ra o Poder J u d ic iá rio F ede ral — de duas, tr ê s ou q u a tro m a n e ira s d ive rsa s.

(15)

Admiti-lo será fomentar o caos nas relações de trabalho.

Quando uma empresa (e isso ocorre com todas as grandes empresas) tiver estabelecimentos, agências ou filiais em diversas circunscrições da Justiça do Trabalho, esse caos se transformará em catástrofe, porque empregados, nas mesmas condições, poderão ter direitos diversos perante o mesmo em­

pregador. O que ocorrerá, também, com a disseminação da competência legislativa pelos Estados-membros, sobre matéria trabalhista!

O papel uniformizador do Tribunal Superior do Trabalho — que é uma de suas grandes razões de ser, sobretudo depois que o Supremo Tribunal, na forma da Constituição, apenas julga recursos extraordinários trabalhistas em casos de violação constitucional — adquiriu tamanha importância, que nos atrevemos a dizer que trabalhadores e patrões não terão segurança, quanto ao que devem ou não devem fazer, se seus atos forem julgados, in extremis, no âmbito estadual dos Tribunais Regionais do Trabalho, pelo atrito dos jul­

gamentos proferidos. Nem se pode comparar os efeitos dos julgados da Justiça

C o m u m do s

Estados na aplicação do Direito Federal, como o Direito Civil e o Penal, por exemplo, com a ressonância social ampla e imediata das decisões trabalhistas na aplicação do Direito do Trabalho que alcançam repercussão nacional.

No Direito Civil e no Direito Penal, o interesse individual e restrito é a característica, com reflexos sociais menos contundentes.

No Direito do Trabalho, os jurisdicionados estão organizados em entidades representativas, com atuação nacional e interação permanente entre as diver­

sas Regiões do País, pressionando a ordem econômica e social em todos os sentidos, podendo afetar profundamente a economia e as finanças do País e até mesmo influir na mudança do modelo da sociedade (mais socializada ou mais conservadora quanto

a

livre iniciativa).

Como então comparar os jurisdicionados da Justiça do Trabalho com os juris­

dicionados da Justiça Comum dos Estados e da Federação?

Ê,

p o rta n to ,

do interesse nacional e

do

regime federativo, notadamente na fase atual da vida brasileira, que a interpretação do Direito do Trabalho se faça de forma harmónica, onde os interesses federativos sejam resguar­

dados para se evitar a criação de novos focos de disparidades regionais.

Por outro lado, a importância do Tribunal Superior do Trabalho avulta na área dos conflitos coletivos de trabalho.

Toca-se, aqui, em ponto delicado da vida brasileira.

Existem "políticas salariais” que a Justiça do Trabalho vem considerando e cumprindo, com exação e segurança, nem sempre as endossando ou com elas concordando.

Muitas vezes, em nome da uniformidade e da correção do julgamento, o Tri­

bunal Superior do Trabalho tem reformado decisões proferidas pelos Tribunais Regionais.

É muito mais fácil manter-se coerência, uniformidade e precisão — com se ­

gurança para todos — no julgamento dos dissídios coletivos quando o órgão

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de cúpula (Tribunal Superior do Trabalho), por v ia de recurso, exerce vigi­

lância Judicial sobre as decisões dos órgãos de hierarquia inferior (Tribunais Regionais do Trabalho). Ao contrário, se cada Tribunal Regional do Tra­

balho, como se pretende, viesse a ter autonomia absoluta, irrecorrível, no julgamento das ações coletivas, a disparidade do tratamento dispensado às classes obreiras e patronais seria inevitável.

Isso nos parece terrivelmente injusto.

Do mesmo modo, as "políticas salariais" poderiam ser postas em risco.

E isso nos parece incrivelmente perigoso, em hora de crise econômica.

A s causas trabalhistas ajuizadas contra Estados e Municípios são de compe­

tência da Justiça do Trabalho.

Se não existir um órgão central, com competência, por via de recurso, para uniformizar os julgamentos locais, os riscos acima indicados atingirão tanto os empregados e empregadores da área privada, quanto das áreas municipais e estaduais.

Municípios de um mesmo Estado, Estados da mesma Federação poderão

— perguntamos nós — ficar sujeitos a jurisprudências divergentes, a respeito de leis federais que lhes sejam aplicáveis?

Ou será muito mais razoável manter-se a possibilidade de um reexame unifor­

mizador, por parte do Tribunal Superior do Trabalho?

E AS CAUSAS CONTRA A UNIÃO?

Quando, há vários anos, se fez o chamado “Diagnóstico do Poder Judiciário", o Supremo Tribunal propôs (com a concordância do Tribunal Superior do Tra­

balho e do Tribunal Federal de Recursos) que as causas trabalhistas contra a União, autarquias e empresas públicas federais voltassem à competência da Justiça do Trabalho, reduzida, neste ponto, pela Emenda Constitucional n.° 1, de 1969.

É muito provável — há sintomas nesse sentido — que essa orientação re­

nasça na elaboração da futura Carta Constitucional.

Teremos, nesse caso, os interesses trabalhistas da União (assim como de suas autarquias e empresas públicas) julgados, em derradeira instância, no âmbito regional.

Isso não nos parece aconselhável. A União poderá ficar jungida a decisões contraditórias entre si, com grave perturbação para o serviço público".

Fácil é concluir que a chamada competência concorrente é supletiva e não concorrente. Como se vê, ainda aqui, nem sempre o legislador usa o vocábulo adequado...

Certo que se pode ter como exequível essa competência sobre o direito material. Tenho minhas reservas quanto à conveniência, como salientei ante­

riormente.

Sou favorável a menos leis e mais negociação e penso realmente que a for­

mulação da Com issão de Sistematização vai estimular a proliferação de leis

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e s ta d u a is do tra b a lh o , com p re ju íz o in e v itá v e l para que se n e g o cie , v e íc u lo m e lh o r que a le i para c o n c ilia r os in te re s s e s c o n c o rre n te s .

De q u a lq u e r fo rm a , p o ré m , d e ixo c la ro que p ro c u re i e x p o r ao R e la to r e a a lg u n s m e m b ro s da C o m issã o de S is te m a tiz a ç ã o o m eu te m o r q u a n to ao que se fo rm u lo u e a m in h a c o n v ic ç ã o de que os re s u lta d o s s e rã o a b s o lu ta m e n te n e g a tiv o s , s u g e rin d o se ja essa p ro p o s ta e xp u rg a d a do te x to fin a l.

No te rre n o do d ir e ito p ro c e s s u a l, e n tre ta n to , e x is tin d o um a le g is la ç ã o fe d e ra l p re d o m in a n te (aind a que s o b re re g ra s m ais g e ra is ) e um a J u s tiç a do Traba lh o, qu e é fe d e ra l, a c o m p e tê n c ia e sta d u a l para le g is la r s o b re p ro c e d im e n to não faz q u a lq u e r s e n tid o . E, s o b re o d ir e ito in s tru m e n ta l, o que se p ro p õ e é o re to rn o a ép o ca s q u e p re c e d e ra m a 1939, qu an do cada E sta d o -m e m b ro d isp u n h a de seu p ró p rio C ó d ig o de P ro c e s s o ! Parece s e r um dos m u ito s e q u ívo co s do te x to . Q uem p ro p ô s, p o r c e rto , e s ta ria p e nsa nd o em um a J u s tiç a do T raba lh o e sta d u a l e um a le g is la ç ã o do tra b a lh o , s u b s ta n tiv a , e x c lu s iv a m e n te e sta d u a l. C o m o is to não apa­

re ce u no P ro je to , vê-se que há um a in c o m p a tib ilid a d e e n tre os a rtig o s 157 e 162, to rn a n d o -s e a p ro p o s ta In a c e itá v e l.

M as, apenas para e fe ito de a rg u m e n ta çã o , a c e ita ria que a J u s tiç a do T raba lh o fo s s e e sta d u a l, com le g is la ç ã o e sta d u a l, re s p e ita d o s os d ire ito s fu n d a m e n ta is e x p re s s o s na le g is la ç ã o fe d e ra l. V eja-se, só pe la su p o s iç ã o , co m o tu d o se d e s a r­

ru m a ria e p e rg u n ta -se , d e sd e lo g o , o c u s to a b su rd o da in o va çã o s u rre a lis ta . Na fa lta de um T rib u n a l S u p e rio r do T raba lh o, a m a té ria te r ia que ir ao S u­

p re m o T rib u n a l F ederal ou ao no vo S u p e rio r T rib u n a l de J u s tiç a , para que os d ire ito s tra b a lh is ta s não s u rg is s e m c o m o d ir e ito s m e n o re s na C o n s titu iç ã o , d e s ­ m e re c e d o re s da m e sm a p ro te ç ã o ju r is d ic io n a l dada aos d e m a is d ire ito s . A qu a n ­ tid a d e de p ro c e s s o s tra b a lh is ta s e v id e n c ia o q u a n to é im p ra tic á v e l essa a lte rn a ­ tiv a pensa da , m as não e xe cu ta d a , no P ro je to B e rn a rd o C a b ra l.

M e s m o que h o u ve sse um a J u s tiç a E stadual d o T ra b a lh o (e o n d e o s E stados b u s c a ria m re c u rs o s pa ra s u s te n tá -la ? ), e is to só p o d e ria o c o rre r se h o u v e s s e um a le g is la ç ã o s u b s ta n tiv a e sta d u a l d o tra b a lh o , o T rib u n a l S u p e rio r d o T ra b a lh o te r ia qu e c o n tin u a r e x is tin d o co m a c o m p e tê n c ia u n ific a d o ra q u e te m ou , d o c o n trá rio , e ssa c o m p e tê n c ia te r ia que s e r a trib u íd a ao S u p re m o T rib u n a l F e d e ra l, o que s e ria d e s a s tro s o , no m o m e n to em que a e le se p ro c u ra da r um a m a io r c o m p e tê n c ia para as q u e s tõ e s ju ríd ic a s re le v a n te s , s o b re tu d o no plan o c o n s titu c io n a l.

O nde h o u v e r le i fe d e ra l em a p lica çã o , um T rib u n a l F e d e ra l d e ve rá e x a m in a r o re c u rs o . Do c o n trá rio , a p ró p ria s u p re m a c ia da U n iã o e de suas le is e s ta ria em jo g o e, ainda, um bem da u n id a d e n a cio n a l, que e x ig e a p a c ific a ç ã o da d iv e rg ê n c ia ju ríd ic a p o r um trib u n a l s u p e rio r.

E stou c o n v e n c id o de q u e a m a n u te n çã o da J u s tiç a F e d e ra l do T ra b a lh o é o o b je tiv o d o P ro je to , a p e sa r d e s s e s e s c o rre g õ e s s o b re m a té ria p ro c e s s u a l e co n ­ c o rrê n c ia le g is la tiv a s o b re D ir e ito d o T raba lh o. Daí to rn a r-s e d e s p ic ie n d o p ro s s e ­ g u ir em a n á lis e s so b h ip o té tic o te m a .

No q u e to c a à c o m p o s iç ã o do T rib u n a l S u p e rio r do T raba lh o, p ro põ e-se e levá -la ao q u a n tita tiv o de v in te e c in c o m in is tro s . C o m o se to rn a im p o s s ív e l c o m p o r c in c o tu rm a s com e sse to ta l, s o lic ite i ao D e p u ta d o B e rn a rd o C a bra l que a m p lia s s e o n ú m e ro p a ra v in te e s e te . É o q u e a g u a rd o no n o vo te x to .

Referências

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