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O Reforço da Regressividade Tributária no Brasil

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Academic year: 2021

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ASSESSORIA EM FINANÇAS PÚBLICAS E ECONOMIA – PSDB/ITV

NOTA PARA DEBATE INTERNO (não reflete necessariamente a posição das instituições)

N°: 255/2009 Data: 25.11.09 Versão: 1

Tema: Tributação

Título: O Reforço da Regressividade Tributária no Brasil

Resumo: Há no Brasil, em muitos casos, uma diferença nem sempre sutil entre o discurso e a prática. Oficialmente, a postura do atual governo é a de defender uma carga tributária alinhada com uma das principais diretrizes dos programas sociais: não onerar as classes menos favorecidas. No entanto, na prática, a realidade é completamente diferente. Que a tributação no Brasil é regressiva já é sabido por todos. Porém, quando o governo passa a “reforçar” este princípio isso já se torna novidade.

O Reforço da Regressividade Tributária no Brasil

No Brasil, como em muitos países do mundo, a carga tributária é ampla e seus diferentes tipos de tributos incidem não apenas diretamente sobre a renda, mas também sobre os diversos produtos consumidos pela população. Fazendo uma simplificação bem eficiente, a primeira classe de impostos, que incide sobre a renda, é chamada de impostos diretos. Podem ter diferentes percentuais de acordo com os rendimentos do contribuinte. Um ótimo exemplo de imposto direto é o imposto de renda (IR). Já a segunda classe de impostos, que incide sobre os produtos consumidos – e que, portanto, não possuem mecanismos capazes de discriminar a classe de renda do consumidor –, são conhecidos como impostos indiretos. Ótimos exemplos de impostos indiretos são: o imposto sobre produtos industrializados (IPI); e o imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS).

Uma diferenciação parecida pode ser feita através da observação do impacto do imposto sobre a população. Um tributo é considerado regressivo se sua arrecadação representa uma parcela da renda maior das classes de menor renda do que das classes de maior renda. Grosso modo, isso significa que, quem ganha menos paga mais, em termos relativos. Os impostos indiretos geralmente acabam se encaixando neste perfil. Um tributo é considerado

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progressivo quando sua arrecadação representa uma parcela da renda maior das classes de maior renda do que das classes de menor renda. Ou seja, quem ganha mais paga mais, em termos relativos. Os impostos diretos são os mais próximos desta definição. Essa diferenciação é, talvez, mais importante que a primeira porque se sabe que o princípio importante em qualquer sistema tributário é o da equidade - ou da capacidade contributiva. Em outras palavras, o sistema tributário precisa levar em consideração que o estabelecimento da contribuição dos cidadãos para o financiamento das diversas funções do Estado deve ser compatível com a sua capacidade de contribuição.

Embora o Governo tenha batido recordes e mais recordes de arrecadação nos últimos anos, o objetivo da nota não é tratar de mudanças nas tarifas tributárias, mesmo porque esse tipo de análise acaba sendo atrapalhada pela implantação de impostos temporários – como a CPMF –, bem como pela prática de isenções. Para entender melhor, portanto, o impacto da carga tributária sobre as classes sociais mais ricas e mais pobres, a intenção é avaliar o desempenho da arrecadação do governo através, especialmente, da arrecadação da receita administrada por atividade nos últimos sete anos, que engloba os diversos tipos de impostos em diversas atividades econômicas sem distinção e, portanto, com absoluta isenção.

Dessa forma, o cerne da questão se transfere da preocupação com a miscelânea tributária e da discussão sobre a carga dos tributos e passa a transitar sobre os impactos desses tributos na população em suas diferentes classes de renda; nas atividades-chave da economia se transformando num entrave ao crescimento; e na discrepância entre o discurso oficial e o observado na prática.

A tabela abaixo representa o montante arrecadado e as percentuais de variação da arrecadação de algumas das principais atividades econômicas do país entre o primeiro semestre de 2002 e o primeiro semestre de 2009.

Arrecadação Tributária por Atividade

Atividades 1Sem 2009 1 Sem 2002

Variação 2009/02 R$ cor. R$ const. (IPCA) Acum. %aa Primário 595,491,405 599,091,207 -0.6% -0.1% Minério Ferro 935,197,981 390,211,771 139.7% 13.3%

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Ind.Alimentos 8,294,137,259 4,568,690,390 81.5% 8.9% Vestuário 2,323,314,708 1,608,015,348 44.5% 5.4% Petróleo 14,125,783,960 13,875,692,401 1.8% 0.3% Petroquímica 20,424,490,398 19,095,565,355 7.0% 1.0% Equip.Maquinas 8,349,090,797 5,227,999,071 59.7% 6.9% Fabricação de Autos 4,848,742,510 4,169,023,389 16.3% 2.2% Ind.Automotiva 8,805,618,894 6,145,414,374 43.3% 5.3% Agua e Esgoto 1,979,669,678 634,669,669 211.9% 17.6% Ind.Ambiente 2,238,946,437 709,607,213 215.5% 17.8% Ind.Construção 6,458,973,573 2,477,224,742 160.7% 14.7% Com.Alimentos 1,506,102,231 1,275,747,209 18.1% 2.4% Comércio Total 25,884,822,155 16,608,692,060 55.9% 6.5% Telecomunicações 5,099,884,316 3,439,595,910 48.3% 5.8% Bancos 31,708,028,825 31,346,591,876 1.2% 0.2% Financeiro 52,941,910,831 57,036,155,355 -7.2% -1.1% Governo 9,724,985,968 6,729,618,671 44.5% 5.4% Ensino 1,957,064,540 1,344,358,504 45.6% 5.5% Saúde 2,505,421,079 1,743,729,746 43.7% 5.3% Demais 41,081,382,766 25,048,606,020 64.0% 7.3% Total 211,746,517,067 166,648,268,138 27.1% 3.5%

Fonte: Elaboração própria a partir de dados primários da SRF e do Bacen

Logo de início, é possível observar uma situação preocupante do ponto de vista distributivo, ainda que o atual governo insista em dizer o contrário: algumas atividades importantes cujos principais consumidores são os de baixa renda apresentaram um aumento expressivo na arrecadação entre 2002 e 2009; ao mesmo tempo, atividades cujos principais consumidores se encontram nas faixas mais altas de renda mantiveram um nível muito parecido de arrecadação nos últimos sete anos e alguns deles tiveram variação negativa, ou seja, apesar do crescimento da atividade a reboque do crescimento econômico, a arrecadação do governo foi menor que há sete anos atrás.

Segundo a pesquisa nacional de orçamento familiar (POF) de 2003, há claras diferenças entre os gastos do decil mais pobre (aqueles com renda até R$ 400) e os gastos do decil mais rico (aqueles com renda acima de R$ 6 mil), como mostra a tabela abaixo.

Perfil de Consumo das Famílias do 1º e do 10º Decil de Renda

Tipo de Despesa 1º Decil 10º Decil

Alimentação 32,68 9,04

Habitação 37,15 22,79

Vestuário 5,29 3,21

Transporte 8,15 17,26

Higiene e Cuidados Pessoais 2,40 1,10

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Educação 0,80 4,89

Recreação e Cultura 0,81 2,16

Fumo 1,14 0,23

Serviços Pessoais 0,64 0,81

Despesas Diversas 2,30 2,79

Outras Despesas Correntes 10,85 19,00

Aumento do Ativo 4,76 8,65

Diminuição do Passivo 1,98 2,47

Fonte: POF/IBGE.

O decil mais pobre destina 32,68% de toda a sua renda para o consumo de alimentos, enquanto este mesmo gasto no decil mais rico compromete apenas 9,04% da renda. Ainda assim, a arrecadação do governo com a indústria alimentícia subiu 81,5% entre 2002 e 2009, mais que o dobro do crescimento médio total (27,1%).

O mesmo movimento pode ser observado na composição das despesas importantes para as classes mais baixas, como habitação e vestuário (37,15% e 5,29% respectivamente). Para o decil mais rico, habitação representa 22,79% da renda destinada para as despesas correntes e 3,21% para despesas com vestuário. As despesas com habitação são especialmente importantes pois fazem parte delas alguns dos setores mais básicos e com maior variação da arrecadação do governo: água e esgotos (211,9%); coleta de resíduos (444,6%); energia elétrica (62,4%).

Se por um lado os dez por cento mais pobres foram prejudicados por essa composição, por outro lado, o decil mais rico se beneficiou se comparados os primeiros semestres de 2002 e 2009. Na estrutura de despesas dessa parcela mais rica, um item merece destaque: as despesas com transporte – gasto que representa 17,26% do total da renda do decil mais rico. Desse valor, aliás, 8,20% representam gastos com a compra de veículos e 3,40% são resultado dos gastos com gasolina para o próprio veículo. No entanto, do lado mais pobre da população, essas despesas abocanham percentuais muito mais baixos: 1,66% e 0,84%, respectivamente. Embora sejam gastos evidentemente mais importantes para a parcela mais rica da população, do ponto de vista da arrecadação do governo, no entanto, a fabricação de automóveis e veículos automotores teve um aumento de apenas 16,3% na arrecadação, enquanto a fabricação de produtos derivados do petróleo, dentre eles a gasolina, teve aumento acumulado de 1,8% do primeiro semestre de 2002 ao primeiro semestre de 2009.

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Além disso, outras atividades cuja participação no consumo está ligada mais diretamente ao decil mais rico da população, apesar do crescimento no período, representaram um acréscimo na arrecadação muito abaixo da média. Dentre elas se destacam o setor bancário (1,2%), petróleo (1,8%) e petroquímica (7,0%). Já com o setor financeiro, o governo amargou redução de 7,2% entre o primeiro semestre de 2002 e o primeiro semestre de 2009.

Do ponto de vista da regressividade dos impostos praticados, a situação poderia estar ainda pior não fosse a extinção da contribuição provisória sobre movimentação financeira (CPMF). Por ter uma alíquota fixa que incide sobre o valor financeiro movimentado no sistema bancário, proporcionalmente as camadas mais baixas de renda acabam pagando mais impostos que as mais altas. Enquanto a primeira movimenta boa parte ou toda a sua renda por conta das necessidades de consumo e baixíssima capacidade de poupança, as camadas mais ricas movimentam apenas uma pequena parcela de sua renda para suprir suas necessidades. No primeiro semestre de 2002 a arrecadação da CPMF foi de mais de R$ 9 bilhões, enquanto no mesmo período em 2009 esse valor foi residual, beirando os R$ 97 milhões. Se descontarmos o valor da arrecadação com essa contribuição no primeiro semestre de 2002 e compararmos o total líquido arrecadado com o mesmo período de 2009 - também sem CPMF -, o valor acumulado da arrecadação do governo teria um aumento não de 27,1%, como visto na tabela, mas de 34,5%. A diferença saiu, proporcionalmente, mais da contribuição dos mais pobres que da classe dos mais ricos.

O Ipea, aliás, constatou no comunicado da presidência n° 22, publicado em 30 de julho de 2009, a presença de altíssima regressividade em 2004, projetando situação parecida para 2008.

Distribuição da Carga Tributária Bruta segundo faixa de salário mínimo

Renda Mensal Familiar Carga Tributária Bruta – 2004 Carga Tributária Bruta – 2008*

até 2 SM 48,8 53,9 2 a 3 38,0 41,9 3 a 5 33,9 37,4 5 a 6 32,0 35,3 6 a 8 31,7 35,0 8 a 10 31,7 35,0

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10 a 15 30,5 33,7

15 a 20 28,4 31,3

20 a 30 28,7 31,7

mais de 30 SM 26,3 29,0

CTB, segundo CFP/DIMAC 32,8 36,2

*previsão, mantendo as proporções de 2004. Fonte: Ipea - Comunicado da Presidência n° 22.

Fontes primárias: Carga Tributária por faixas de renda, 2004: Zockun et alli (2007); Carga Tributária Bruta 2004 e 2008: CFP/DIMAC/IPEA; Carga Tributária por faixas de renda, 2008 e Dias Destinados ao Pagamento de Tributos.

Segundo a publicação do Ipea, o decil mais pobre da população destina 22,7% de toda a sua renda para o pagamento de tributos. A situação é ainda mais grave quando se faz a mesma divisão levando em consideração o salário mínimo: as famílias que receberam até dois salários-mínimos pagaram 48,8% de sua renda em tributos em 2004; por outro lado, as famílias que receberam mais de 30 salários-mínimos destinaram pouco mais de 26% de sua renda em impostos. É muito clara a tendência de declínio na parcela da renda abocanhada pelos tributos conforme se caminha dos mais pobres para os mais ricos, caracterizando uma regressividade preocupante.

Em 2008, as previsões apontam um caminho igualmente preocupante. Com o cálculo da carga tributária brasileira de 2008 chegando a 36,2%, um exercício de raciocínio simples seria imaginar que a regressividade no período não piorou nem recuou. Portanto, mantidas as proporções de 2004, em 2008 as famílias que ganharam até dois salários mínimos podem ter pago algo em torno de 54% em impostos, enquanto aquelas que ganharam mais de 30 salários mínimos devem ter contribuído com cerca de 29%. Se as previsões para 2008 já não eram nada animadoras, 2009 deve ser um ano ainda pior para os mais pobres em termos de parcela da renda consumida em impostos por conta da crise econômica.

Para finalizar, com o abrandamento da crise alguns setores da economia têm apresentado sinais de recuperação já em 2009. No entanto, a participação do governo nesse processo poderia ter sido maior. Setores importantes como mineração - apesar de ter sofrido duras críticas do próprio governo recentemente - e máquinas e equipamentos contribuíram mais que a média com o aumento na arrecadação acumulada do governo: 139,7%; e 59,7%, respectivamente. Outros exemplos de setores importantes com

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aumento expressivo de participação no aumento da arrecadação são: obras de infra-estrutura (217,5%); armazenamento, carga e descarga (201,9%); organização do transporte de carga (580,4%); siderurgia (152,9%); dentre outras atividades que têm, por natureza, uma grande capacidade de geração de empregos e de contribuir sensivelmente para alavancar o crescimento econômico, mas que muitas vezes encontram no excesso de tributação um desestímulo ao investimento, alimentando o surgimento de gargalos.

A conclusão é simples, clara e objetiva: o discurso está muito distante da prática, especialmente quando se refere a não regressividade dos impostos.

Referências

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