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PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: o dinheiro das mulheres beneficiárias para além do valor utilitário.

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PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: o dinheiro das mulheres beneficiárias para além do valor

utilitário.

Patrícia Aguiar Tavares1

RESUMO: O objetivo deste trabalho consiste em trazer uma

reflexão teórica sobre o dinheiro das mulheres no Programa Bolsa Família sob uma perspectiva que supere a visão meramente monetária ou utilitarista, destacando os aspectos e impactos subjetivos envolvidos na abordagem dos programas sociais. Por meio de revisão bibliográfica e análise dos conhecimentos produzidos sobre o programa bolsa família e seu viés de gênero, serão apresentadas as teorias que visualizam o programa de transferência de renda para além de sua repercussão material.

Palavras-chave: Programa Bolsa-Família – Mulheres – Dinheiro ABSTRACT: The objective of this work is to bring a theoretical

reflection on women's money in the Bolsa Família Program from a perspective that surpasses the purely monetary or utilitarian view, highlighting the subjective aspects and impacts involved in the approach to social programs. Through the literature review and analysis of the knowledge produced on the Bolsa Família program and its gender bias, the theories that visualize the income transfer program beyond its material repercussion

Keywords: Bolsa-Família Program - Women - Money

1 INTRODUÇÃO

O discurso econômico clássico e contemporâneo possui princípios e postulados baseados no mercado abstrato, no individuo racional, livre, otimizador de preferências. Tal discurso, caracteriza-se por uma dimensão fortemente prescritiva e normativa. Em contraposição a esse modelo, os sociólogos estiveram preocupados em tentar demonstrar como essas concepções são produtos e estão enraizados no mundo social: nas crenças, valores, normas, gostos, relações sociais, estrutura social, instituições, cognição, cultura, política, dentre outros. (PEDROSO NETO, 2017a)

As práticas, os agentes, as estruturas, as instituições sociais e a ordem simbólica são elementos constitutivos da vida econômica e os fenômenos da vida econômica estão

1Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal do Maranhão, Assistente Social no Ministério Público

do Maranhão, Mestranda em Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal do Tocantins. E-mail: pat.agtav@gmail.com

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imersos nas redes sociais e cognitivas. Ou seja, os fatos da esfera que chamamos de econômica são fatos sociais, e, sendo assim, são “explicados por outros fatos sociais” (E. Durkheim, F. Simiand, P. Steiner). (PEDROSO NETO, 2017a)

No âmbito das discussões da sociologia, a pesquisadora Zelizer (2003) desenvolveu estudos sobre os “dinheiros especiais” das mulheres. A análise dessa temática, pode contribuir para compreender o Programa Bolsa família e o significado do dinheiro recebido pelas beneficiárias - que sobrevivem em contextos pobreza e extrema pobreza - dependentes de políticas sociais que lhes garantam uma renda mínima.

Ao analisar os critérios de elegibilidade das famílias, é possível identificar, que os mesmos, estão voltados eminentemente para o fator renda, com classificação das famílias em pobres e extremamente pobres. O cálculo realizado enfoca a renda per capita do grupo familiar. Trata-se de uma concepção reducionista, e com centralidade sob o valor monetário transferido, o critério renda é utilizado para incluir e dissociar famílias do PBF.

Além do critério de renda, chama atenção no âmbito da discussão sobre as políticas sociais, o fenômeno denominado de “feminização da pobreza”, peculiar da contemporaneidade, em que o quantitativo de pobres tem crescido de maneira exponencial. Essa pobreza se apresentaria como uma categoria sexuada, com dupla característica: sexo feminino e carência de recursos, que se expressa na mulher pobre. (LAVINAS, 1996). As políticas de combate à pobreza, sob esse viés, estão sendo implementados programas que dão ênfase as mulheres como beneficiárias.

Torna-se relevante apreender as particularidades existentes no Programa Bolsa Família, sob uma perspectiva que supere a visão exclusivamente monetária do dinheiro, com destaque para teorias que valorizem o caráter emancipador que pode ser gerado pela renda oriunda da transferência realizada pelo Programa, com observação sobre o impacto de ordem subjetiva na autonomia das mulheres beneficiárias e suas famílias.

O texto envolve as discussões sobre a sociologia econômica, a sociologia do dinheiro com destaque sobre os dinheiros especiais e por último o dinheiro das mulheres no âmbito do Programa Bolsa Família.

2. SOCIOLOGIA ECONÔMICA E DINHEIROS ESPECIAIS

Como forma de melhor compreender os estudos realizados em torno do dinheiro e seus usos especiais, cumpre resgatar as análises teóricas e conceituais relacionadas a sociologia econômica. Para Max Weber (1949) a sociologia econômica se volta para o estudo

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do setor econômico no meio social, para a forma de atuação exercida por esses fenômenos sobre a sociedade e ainda pela maneira como a sociedade os influencia.

Ou seja, os fenômenos econômicos por sua própria base estrutural, são também sociais, assentados total ou parcialmente na estrutura social. Sob a óptica dos sociólogos da economia, as determinações sociais que acompanham o homem, como idade e gênero, dentre outros, não podem ser ignoradas. Nesse sentido, a disciplina de sociologia direciona seu estudo aos fatos, processos e estruturas do universo econômico presente na sociedade e o faz por parâmetro conceitos e princípios de ordem epistemológica, teórica e metodológicos oriundos das ciências sociais. (HIRSCH, MICHAELS e FRIEDMAN, 2003; SWEDBERG, 2004;).

Tanto os sociólogos quanto os economistas estão preocupados com problemas que perpassam o território intelectual um do outro. Há interesses em comum entre as disciplinas da ciência social, o que não exclui o fato histórico de serem tradições intelectuais radicalmente diferentes, com disparidades de cunho metodológico e meta-teórico. Desse modo qualquer comparação entre sociologia e a economia é redutora, pois nenhum dos campos são coesos. (HIRSCH, MICHAELS e FRIEDMAN, 2003).

Para os sociólogos, o comportamento materialista não é a única motivação do comportamento humano. Eles estudam as várias motivações socialmente aprendidas e transformáveis que fazem os indivíduos a escolherem algo: “As preferências e as ações são influenciadas pela forma como as pessoas entendem e valorizam – através da socialização e da aculturação – os diferentes aspectos do mundo que as rodeia” (HIRSCH, MICHAELS e FRIEDMAN, 2003, p. 109).

Uma das principais críticas direcionadas a economia, concentra-se em sua apresentação como um modelo único e simples, e que por essa razão não têm necessidade de se relacionar com dados empíricos, visando a obtenção de um modelo limpo. Com esse objetivo “são utilizados dados secundários altamente abstratos, com modelos elegantes, de modo a prever, demonstrar e ‘explicar’ o comportamento humano”. (HIRSCH, MICHAELS e FRIEDMAN, 2003, p. 110).

As abordagens no âmbito da sociologia econômica estão pulverizadas em diferentes temáticas e dispõe de autores clássicos que servem de referência para novos estudos, a exemplo de Marx Weber; Durkheim; Polanyi; Parsons/Smelser.

Segundo Swedberg (2004) na década de 1990 ocorre uma expansão em torno dos estudos em sociologia econômica, com redimensionamento para novos tópicos e continuidade de teorias consideradas antigas. No entanto, determinadas áreas não obtiveram a atenção merecida e os estudos não avançaram, a exemplo da relação estabelecida entre

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gênero e economia. Esse assunto, no contexto dos estudos de sociologia econômica, conquista destaque por meio das pesquisas elaboradas por Viviana Zelizer, em que a autora aborda sobre os diversos tipos de dinheiros e moedas.

Os motivos para o desinteresse dos pesquisadores em relação a temática podem estar associados ao fato da “maioria dos sociólogos econômicos nos Estados Unidos e na Europa é constituída por homens; outra pode ter a ver com a prevalência entre os sociólogos econômicos de modos de pensar também bastante difundidos entres os economistas.” (SWEDBERG, 2004, p. 24).

Os estudos realizados por Zelizer (2003) conseguem expor os relacionamentos pessoais presentes na movimentação de moedas, com um olhar que ultrapassa a lógica mercantil de análise vigente. “Do ponto de vista da pesquisa social, essa obra serve de referência para um conjunto de trabalhos que buscam se apropriar da análise da vida econômica a partir de uma ótica feminista (ou das relações de gênero).” (LOPES, JUNIOR, 2002, p. 55). Na visão dos economistas neoclássicos, domina o pensamento teórico que reforça o papel secundário da mulher na sociedade e na economia

[...] Não raro, a abordagem dominante na análise econômica assume como pressupostos elaborações que tratam o ser masculino como racional e com maior interesse na “realização pessoal”, ao passo que a mulher é assumida como estando mais vinculada ao “lugar” e às emoções e, portanto, mais motivada para, nos re-arranjos domésticos impulsionados por mudanças produzidas no mercado, dedicar-se às atividades de cuidado das crianças e da casa. (LOPES, JUNIOR, 2002, p. 56).

Em sua obra intitulada “the social meaning of money: “special monies”, Zelizer (1989) discute o rendimento das mulheres como ganhos subsidiários e direcionados ao pagamento de despesas familiares. Em contraposição, o dinheiro dos homens era destinado a custear despesas de maior visibilidade, como alimentação e moradia. A desvalorização em relação ao dinheiro das mulheres, resulta de uma prática social histórica, que se reproduziu no decorrer do tempo e impacta com veemência as relações de gênero atuais.

Pouco se discute as características sociais do dinheiro, a literatura e bibliografia sociológica costumam direcionar seus estudos as moedas primitivas. A discussão sobre o dinheiro tem sido reservada aos intelectuais economistas. Isso faz com que vigore uma concepção de dinheiro, de inclinação utilitarista, com defesa da ideia de que as transações de mercado são livres de influências sociais e culturais.

No entanto, há demonstrações práticas de que o dinheiro é uma ferramenta no mercado econômico, adquirindo significados especiais definidos por relações de poder, papéis de gênero, relações sociais, idade. Sob uma perspectiva marxista, o dinheiro foi aos poucos se transformando numa mercadoria impessoal associada a uma racionalidade instrumental

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que permite converter outras mercadorias, sejam bens, serviços, produtos, relações, etc em valor monetário. (ZELIZER, 2003).

Na concepção desenvolvida por Zelizer (2003), existem múltiplas formas de dinheiros, “dinheiros especiais”, que definem e são definidos por normas formais e informais, envolvidos por símbolos, que se estruturam e conferem significado a determinadas relações sociais por meio de processos culturais, sociais, estruturais e históricos que lhe estão associados.

A análise histórica demonstra havia, portanto, uma clara distinção entre o dinheiro do marido e dos filhos de utilização individual e o dinheiro da mulher, reservado para o coletivo familiar. A diferenciação do dinheiro das mulheres e dos homens, estava também muito associada aos seus processos de obtenção e, consequentemente, de utilização. O dinheiro obtido pela mulher através de trabalhos e negócios domésticos se distinguia do dinheiro obtido pelo marido, sendo este visualizado como verdadeiro instrumento de sustento da família. (ZELIZER 2003).

Nesse sentido, é necessário levar em consideração que “cada tipo especial de dinheiro ser moldado por redes distintas de relações sociais e sistemas diferentes de significados. Nenhum dinheiro, incluindo o dinheiro de mercado, escapa a estas influências extra-econômicas”. (ZELIZER, 2003, p. 157). Há uma diferenciação em termos de quantidades e qualidades que o caracterizam. A ele são atribuídos diferentes significados e ainda usos distintos e específicos, a exemplo do que ocorre com o dinheiro das mulheres no Programa Bolsa Família.

3. O DINHEIRO DAS MULHERES NO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA

O Programa Bolsa Família2 é gerenciado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS)3 e beneficiam famílias pobres4 e extremamente pobres5. Nesse sentido, são observadas a renda per capita familiar e composição familiar (se há crianças, adolescentes, jovens, mulheres grávidas ou nutrizes).

2Foi instituído pelo Governo Federal, por meio da Lei nº 10.836, de 09 de janeiro de 2003 regulamentado pelo

Decreto nº 5.209, de 17 de setembro de 2004, alterado pelo Decreto nº 6. 157 de 16 de julho de 2007.

3 Entre as mudanças implementadas pelo Governo Michel Temer em 2016, está a fusão do Ministério do

Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), com o Ministério do Desenvolvimento Agrário. O nome do novo ministério passa a ser Desenvolvimento Social e Agrário, conforme disposto na Lei nº 13.341, de 29 de setembro de 2016. No governo Bolsonaro, por meio da medida provisória nº 870/2019, o Ministério foi extinto e suas atribuições foram delegadas ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

4Com renda per capita familiar mensal no valor de R$ 85,01 a R$ 170,00 5 Com renda per capita familiar mensal no valor de até R$ 89,00

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O recurso repassado às famílias varia conforme o número de membros que compõem o grupo familiar, a idade de cada um deles e a renda declarada junto ao Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (Cadúnico). Para que ocorra o recebimento mensal do benefício pelas famílias, há condicionalidades a serem cumpridas, como por exemplo, frequência escolar e o uso de serviços de saúde materno-infantil.

Para além do critério renda, é necessário que se analise a classe social e econômica, o local de residência (rural ou urbano), a região geográfica de localização, a situação de moradia, o acesso a serviços básicos, a etnia, a cor da pele, a ausência de acesso a serviços básicos, o gênero, a idade, a composição e a estrutura da família. (STREETEN, 1995, p. 30). Os benefícios de ordem não monetária, não são de fácil mensuração, pois diz respeito à subjetividade do sujeito, não se vincula diretamente a obtenção de bens materiais que podem ser estimados monetariamente. Nesse sentido, há que se perceber que diferentes e inúmeras são as aspirações dos sujeitos, e que nem todas podem ser contempladas pela via da legislação. No entanto, as políticas públicas podem contribuir para que condições e oportunidades sejam criadas nesse sentido. As aspirações podem estar relacionadas a

[...] boas condições de trabalho; a liberdade de escolher seu trabalho e as maneiras de sustentar-se; autodeterminação, segurança e respeito de si; não ser perseguido, não ser humilhado, não ser oprimido; não ter medo da violência e não ser explorado; a afirmação de valores religiosos e culturais tradicionais; empoderamento [empowerment], reconhecimento; ter tempo adequado para o lazer e formas satisfatórias de utilizá-lo; um sentimento de que sua vida e seu trabalho têm um sentido; a oportunidade de participar ativamente em grupos voluntários e em atividades sociais em uma sociedade civil pluralista. (STREETEN, 1995, p. 50).

Segundo Arroyo (2013) a caracterização dos (as) pobres como inferiores em moralidade, cultura e civilização tem sido uma justificativa histórica para hierarquizar etnias, raças, locais de origem e, desse modo, alocá-los (as) nas posições mais baixas da ordem social, econômica, política e cultural.

As instituições de modo ampliado, e as políticas públicas em sentido estrito, podem perpetuar a estigmatização e reprodução da pobreza ou ao contrário, contribuir para o empoderamento dos sujeitos frente às desigualdades e discriminações impostas. No processo de elaboração de políticas, merecem ser analisados com atenção “os papéis de heterogeneidade pessoais, diversidades ambientais, variações no clima social, diferenças de perspectivas relativas e distribuições na família”. (SEN, 2010, p. 148).

As capacidades dos indivíduos têm sido consideradas de modo secundário, às políticas públicas de transferência de renda, dentre elas, o Programa Bolsa Família, prioriza o critério renda para inclusão dos beneficiários. A autora Mauriel (2008), ao analisar o pensamento de Amartya Sen, conclui que

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Sua concepção sobre pobreza, desigualdade, fome, não tem seus fundamentos radicados nas mudanças estruturais, mas na observação dos “funcionamentos” das pessoas. Sen tenta o tempo todo demonstrar (e consegue dentro de sua estrutura de pensamento) que o enfoque das capacidades é mais importante como critério de análise das desvantagens do que o baixo nível de renda, argumentando que a renda é apenas instrumentalmente importante, pois o seu valor derivado depende de circunstâncias sociais e econômicas (isto é, estruturais), que estão fora do indivíduo. (MAURIEL, 2008, p. 124).

Os estudos realizados sobre o programa Bolsa Família, pouco tem priorizado suas análises a partir das teorias de gênero e sobre o impacto subjetivo que o valor disponibilizado consegue promover mudanças concretas na realidade vivenciada e na autonomia das beneficiárias. As discussões sobre o papel da mulher no âmbito do PBF, em sua maioria foram realizados localmente, em municípios ou comunidade, com abordagem quantitativa. As pesquisas realizadas nacionalmente, em sua maioria foram promovidas por órgãos vinculados ao governo, como o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e também priorizaram uma análise de dados de caráter quantitativo.

Não há consenso nas pesquisas realizadas sobre o programa bolsa família e o impacto para a modificação das relações de gênero estabelecidas. Para alguns autores (BARROS, 2012; SOUSA, 2013) o programa não conseguiu produzir mudanças nas relações de gênero, e consequentemente não propiciou autonomia às mulheres beneficiárias. (MOCELIN, 2011).

Para os que defendem o alcance de autonomia pelas mulheres, a partir de sua inserção no Programa e recebimento do valor mensal, afirmam que o poder de decisão e controle se limitou ao ambiente doméstico (privado), historicamente reservado ao segmento feminino. Pois, o dinheiro na maioria das vezes foi utilizado para gastos com alimentação, medicação, bens de pequeno valor, despesas do domicílio, dentre outros (RIOS, 2011).

O recebimento do benefício do programa, pode afetar o tratamento dispensado a mulher, pelos membros do grupo familiar, principalmente em relação aquelas que assumem no ambiente doméstico, o papel de chefes de família. (MARIANO E CARLOTO 2013). Ou poderia ainda, gerar maior poder de compra entre as mulheres, o que não significa que se sintam com maior independência ou mais respeitadas pelos familiares, com os quais reside. (SILVA, M. 2012).

Na maioria das vezes, a mulher detém a posse do cartão de benefício (BARROS, 2012; SILVA, A., 2012), tendo acesso ao dinheiro e decidindo sobre a aplicação do dinheiro recebido (MOCELIN, 2011; BARROS, 2012; SILVA, A., 2012). A titularidade do benefício destinada a mulher, pode acarretar excessiva carga de responsabilidade com o grupo familiar, pois além de receber o benefício, deverá cumprir as condicionalidades exigidas pelo programa. (SILVA, M. 2012).

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Em relação ao dinheiro recebido pelo programa proporcionar maior poder a mulher, SILVA (2012) entende que antes de receber o benefício, a mulher já detinha o poder de decisão em relação ao uso doméstico do dinheiro, resultado de uma responsabilidade instituída anteriormente no cuidado com as crianças e a casa. Receber o benefício, pode ter gerado um aumento do consumo das famílias, o que não significa que tenha havido ampliação quanto as habilidades das mulheres no momento de realizarem melhores escolhas de vida. (NADÚ, SIMÃO, FONSECA, 2013)

Em pesquisas promovidas por Rios (2011) e Freitas (2011) há relatos de mulheres beneficiárias que obtiveram mais liberdade proporcionada pela inserção da família no Programa Bolsa Família. Isso representaria, de forma não tão expressiva, uma modificação dos padrões de gênero instituídos socialmente. Porém, no decorrer dos estudos ficou evidenciado que o poder de decisão das mulheres esteve atrelado a questões alimentícias e de vestuário, em outros assuntos não conseguiram estabelecer poder de decisão.

O dinheiro do benefício é utilizado pela maioria das beneficiárias, para suprir necessidades e despesas da casa e dos filhos (MOCELIN, 2011; RIOS, 2011; BARROS, 2012; SILVA, A., 2012; MORTON, 2013), servindo para complementar a renda do grupo familiar, colaborando para redução da fome (RIOS, 2011). Nesse sentido, o dinheiro não consegue, portanto, atingir atividades que contribuam para formação ou capacitação da mulher.

Há uma clara limitação do programa, em gerar de fato uma autonomia nas mulheres, mas a atribuição da titularidade do benefício provoca impactos de ordem social, financeira e simbólica para as mesmas. Pois para o recebimento, há exigência da apresentação de documentação cível junto ao Cadastro Único, o que as obriga a obter Registro Geral de Identidade, Cadastro de Pessoa Física. (ABREU, 2012).

A lei n. 10.836 de 09 de janeiro de 2004 que regulamenta o Programa Bolsa Família, define em seu art. 2 § 14 que “o pagamento dos benefícios previstos nesta lei será feito preferencialmente à mulher.” (BRASIL, 2004). Mesmo existindo homens que recebem o benefício, as mulheres beneficiárias representam maioria, “o pagamento do benefício por meio de cartão magnético pessoal e a priorização dada à mulher como titular deste cartão – hoje, 93% dos titulares são mulheres (CAMPELLO, NERI, 2013).

O cumprimento das condicionalidades está direcionado as mulheres beneficiárias (FREITAS, 2011), o que pode contribuir para o reforço das questões de gênero, além de absorver o tempo livre que poderia ser utilizado para seu desenvolvimento. (GOMES, 2011). A reafirmação dos papéis atribuídos socialmente: mãe, cuidadora e responsabilidade pela família, resulta em sobrecarga para as mulheres e desfavorece seu empoderamento (GOMES, 2011; MIRANDA, 2013).

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A atribuição da responsabilidade pelo cumprimento das condicionalidades do programa, constitui uma tarefa a mais, além daquelas tradicionalmente difundidas pela sociedade. Em paralelo a esse fato, ocorre uma grande invisibilidade dos homens no que diz respeito a assumir as responsabilidades familiares. (BARROS, 2012). Esse dado demonstra como analisa Zelizer (2003) que os circuitos econômicos estão permeados por significações morais, constantemente ignorados quando da realização de pesquisas sobre o Programa Bolsa Família, com priorização de dados quantitativos e estatísticos.

Eger e Damo (2014) afirmam que o dinheiro do PBF “é um tipo de dinheiro carregado de marcadores de classe, gênero e geracional, bem como de significados, moralidades, classificações e expectativas socialmente construídas que são tensionadas constantemente” (Eger e Damo, 2014: 259).

Para Gomes (2011), um dos objetivos do programa seria auxiliar as famílias no cumprimento das condicionalidades, não tendo um viés punitivo. No entanto, o não cumprimento sucessivo das condicionalidades estabelecidas, ocasiona o bloqueio do benefício e em seguida o cancelamento, caracterizando assim, uma punição a beneficiária e sua família.

O Estado por meio das políticas sociais, sujeita e obriga as mulheres pobres, gerando efeitos negativos sobre o tempo e o trabalho femininos, dificultando seu acesso ao mercado de trabalho, ou ainda, em atividades voltadas a sua qualificação profissional. (MARIANO E CARLOTO, 2009). Nesse sentido, o Programa Bolsa Família se apresenta de maneira contraditória

Por um lado, delegar mais responsabilidades a essas mulheres pode reforçar a desigual divisão do trabalho doméstico, sobrecarregá-las em suas históricas funções sociais e sugerir que assim o PBF acentua as desigualdades entre os gêneros. Por outro lado, o acesso à renda, ter um dinheiro próprio e que poderão escolher como gastá-lo, pode iniciar um processo de desestabilização das hierarquias de poder internalizadas nas famílias [...](CRUZ, 2014, p. 14).

O principal objetivo do Programa consiste em diminuir a pobreza daqueles em situação de pobreza ou extrema pobreza, mas pode também exercer influência nas relações de gênero, à medida que contribui para as mulheres obterem renda e administrá-la âmbito familiar e doméstico. A renda proporcionada as mulheres beneficiárias, constitui dimensão importante, mas não é suficiente para retirá-la da posição de subalternidade imposta socialmente. (SILVA, A. 2012).

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Neste artigo buscou-se evidenciar o Programa Bolsa Família sob uma perspectiva que supere a visão monetária de distribuição de renda, por meio das abordagens teóricas que analisam o impacto resultante do recebimento do benefício na autonomia das mulheres, para além do caráter utilitário, monetário. Pois, atualmente vigora os critérios de elegibilidade das famílias preponderantemente concentrados no cálculo da renda per capita familiar, resultando em uma classificação direcionada aos pobres e extremamente pobres e no reforço de relações de gênero desiguais, em que a mulher assume a responsabilidade pela administração doméstica do dinheiro que sustentará o grupo família.

O pensamento de Amartya Sen está centrado na defesa da liberdade do sujeito. Sob essa perspectiva, as escolhas dos meios de vida, são influenciadas pelas capacidades proporcionadas ao indivíduo. A política pública ou a direção política pode contribuir para o aumento e expansão das capacidades participativas de um povo. Ampliar as liberdades substanciais dos beneficiários do Programa Bolsa Família, significa aumentar a qualidade de vida, não somente por meio do aumento da renda per capita.

Na elaboração e execução de políticas públicas, torna-se de fundamental importância levar em consideração, os papéis de heterogeneidade pessoais, diversidades ambientais, variações no clima social, diferenças de perspectivas relativas e distribuições na família. Nesse sentido, Viviana Zelizer analisa a importância subjetiva atribuída ao dinheiro das mulheres, sob uma perspectiva de gênero, reconhecendo que no decorrer da história, este foi um dinheiro categorizado como de segunda categoria.

A renda constitui apenas um elemento de análise, há que se considerar que os indivíduos estão sujeitos a uma estrutura social, econômica e política baseada no sistema de produção capitalista, expostos a fomes coletivas, pouco acesso a serviços públicos de saúde e educação, desigualdade de gênero, sociedades não democráticas. Todos os condicionantes citados, atingem negativamente o desenvolvimento dos indivíduos. Sob essa ótica, o dinheiro ultrapassa a lógica mercantil e não está livre das influências estruturais e conjunturais impostas socialmente, adquirindo significados que ultrapassam o valor monetário.

No entanto, as pesquisas sobre o Programa Bolsa Família, têm sido desenvolvidas de modo a priorizar o viés quantitativo, em detrimento da análise sobre o impacto subjetivo na vida das beneficiárias e de suas famílias.

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