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Segurança pública e democracia: uma análise acerca da relação entre homicídios e qualidade democrática.

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA POLÍTICA

Segurança Pública e Democracia

Uma análise acerca da relação entre homicídios e qualidade democrática

THAINNÁ AMORIM PINTO

CAMPINA GRANDE/PB 2019

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THAINNÁ AMORIM PINTO

Segurança Pública e Democracia

Uma análise acerca da relação entre homicídios e qualidade democrática

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ciência Política como requisito para obtenção do grau de mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Campina Grande.

ORIENTADOR: PROF. DR. JOSÉ MARIA PEREIRA DA NÓBREGA JÚNIOR

Campina Grande/PB 2019

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P659s Pinto, Thainná Amorim.

Segurança pública e democracia: uma análise acerca da relação entre homicídios e qualidade democrática / Thainná Amorim Pinto. – Campina Grande, 2019.

95 f. : il. color.

Dissertação (Mestrado em Ciência Política) – Universidade Federal de Campina Grande, Centro de Humanidades, 2019.

"Orientação: Prof. Dr. José Maria Pereira da Nóbrega Júnior”. Referências.

1. Segurança Pública. 2. Democracia. 3. Instituições Estatais. 4. Qualidade Democrática. I. Nóbrega Júnior, José Maria Pereira da. II. Título.

CDU 321.6:351.74(043)

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECÁRIA SEVERINA SUELI DA SILVA OLIVEIRA CRB-15/225

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AGRADECIMENTOS

Desde meados de 2017 este trabalho tem me consumido muito mais do que tempo, fazendo-me questionar, várias vezes, o quanto seria ele capaz de mudar a realidade de alguma forma. Fui ficando mais modesta e resolvi deixa-lo falar por si. Hoje, olho para trás e vejo o quanto eu mudei muito mais do que qualquer outra coisa que eu poderia ou ambicionava mudar. Este trabalho tirou-me da zona de conforto, fazendo-tirou-me entender novos idiomas para poder adentrar na sua literatura, me fez ver o quanto aprender coisas novas (como estatística), por mais árduo que seja no começo, pode ser a coisa mais útil e capaz de se fazer; me fez contatar pesquisadores da área e voar para outros pensamentos, ideias e ideais. Este trabalho me tirou do chão, literalmente. Levou-me a voar em busca de apresentar sua versão preliminar no México, no VI Congresso Internacional de Ciência Política promovido pela AMECIP (Associação Mexicana de Ciência Política), o que me proporcionou amadurecimento e confiança no caminho que estava trilhando. Todas as experiências que vivenciei nos últimos anos são intraduzíveis. Tentar traduzi-las seria absolutamente injusto com o real significado delas. Por ora, só me resta agradecer:

A Deus, por ter me proporcionado a confiança necessária para chegar até aqui apesar de todas as minhas incertezas e obstáculos.

Aos melhores amigos que a vida poderia me presentear e que o mestrado me fez encontrar, Thiciane e Jimmy, pela disponibilidade e solidariedade em ajudar todas as vezes em que precisei, pelos momentos engraçados e únicos que vivenciamos, pela energia positiva e coração bondoso.

Ao professor José Maria Pereira da Nóbrega Júnior, meu orientador, que desde a seleção para o programa me deu um aval e confiança que sucessivamente consolidaram-se neste trabalho.

Ao professor Clóvis, por ter conseguido a proeza de me fazer gostar de trabalhar com a estatística, pela paciência com nossa turma e disponibilidade em ajudar.

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Ao professor Leon, que nos preparou, através de aulas dinâmicas, para aquilo que o mestrado deve preparar: para ser professor, nos proporcionando participações e construções de raciocínio de forma conjunta e criativa.

A Pró- reitoria de Pós-graduação da UFCG e a CAPES, a primeira, por ter me proporcionado a oportunidade de apresentar a versão preliminar deste trabalho em outro país, a segunda, por ter me concedido a possibilidade de dedicar-me inteiramente a esta pesquisa, através do auxílio financeiro da bolsa de estudos.

Aos meus pais, por terem me incentivado, me exigido e me mostrado sempre as recompensas do caminho dos estudos.

Ao meu filho, Theo, por ter me levado ao caminho do amor. Por ser minha inspiração, minha maior fonte de incentivo e vontade.

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RESUMO

Os vários debates que tratam acerca da qualidade democrática refletem uma visão que privilegia os aspectos eleitorais. As comparações acerca da aposta democrática enquanto direito ao sufrágio e ao exercício de liberdades políticas se constituem, de fato, a essência do caráter do regime político. Entretanto, enquanto isso repousa na suposição de que a democracia é assegurada nos países onde competição e participação política também o são, os dados mostram que tão somente esses fatores não explicam a disparidade entre o grau de democratização registrado nos países do globo, sobretudo na América Latina, onde cerca de 65% dos países não conseguem controlar suas taxas de homicídio. Neste trabalho analiso, de forma comparada, a qualidade democrática em 119 países, a partir de um índice criado por meio de análise fatorial. Pretende-se, a partir disso, estender a investigação acerca da existência e da importância da conexão entre segurança pública e democracia buscando uma melhor compreensão de tal regime político, da forma como ele existe na realidade contemporânea. Este estudo inclui uma dimensão empírica na qual a principal hipótese é de que nos países onde existe mais segurança pública, a qualidade democrática também é maior. A hipótese secundária é que isso encontra-se intrinsicamente relacionado à qualidade das instituições estatais de justiça criminal que têm a oportunidade de oferecer um leque de coerções que desestimule a prática criminosa segundo a perspectiva da escolha racional. As análises de regressão indicam que a segurança pública é fator explicativo na qualidade democrática exercendo papel mais relevante do que variáveis comumente utilizadas em estudos desse gênero. Sugere-se, então, que os complexos estudos acerca da democracia e seus aspectos determinantes devem incluir variáveis ligadas a violência e a forma como o Estado vem trabalhando para contê-la.

Palavras-chave: Qualidade democrática. Segurança pública. Instituições

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ABSTRACT

The various debates dealing with democratic quality reflect a view that privileges electoral aspects. Comparisons about the democratic bet as a right to suffrage and the exercise of political freedoms constitute, in fact, the essence of the character of the political regime. However, while this rests on the assumption that democracy is assured in countries where competition and political participation are also, the data show that these factors alone do not explain the disparity between the degree of democratization in the countries of the globe, especially in America. Where about 65% of countries cannot control their homicide rates. In this paper, I analyze, comparatively, the democratic quality in 119 countries, based on an index created through factor analysis. From this, it is intended to extend the investigation about the existence and importance of the connection between public security and democracy seeking a better understanding of such political regime, as it exists in contemporary reality. This study includes an empirical dimension in which the main hypothesis is that in countries where there is more public security, democratic quality is also higher. The secondary hypothesis is that this is intrinsically related to the quality of state criminal justice institutions that have the opportunity to offer a range of coercions that discourage criminal practice from the perspective of rational choice. Regression analyzes indicate that public safety is an explanatory factor in democratic quality playing a more relevant role than variables commonly used in such studies. Therefore, it is suggested that the complex studies on democracy and its determinant aspects should include variables related to violence and the way the state has been working to contain it.

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LISTA DE FIGURAS E GRÁFICOS

Figura 1 Fatores que influenciam a qualidade democrática ... 38 Figura 2 Ilustração das engrenagens do sistema de justiça criminal ... 51 Gráfico 1 Média de homicídios a cada grupo de 100 mil habitantes por região do

globo no ano de 2015 ... 70

Gráfico 2 Média dos sistemas de justiça criminal por região do globo (2017) . 73 Gráfico 3 Correlação entre Qualidade Democrática e Experiência Democrática

... 77

Gráfico 4 Correlação entre Qualidade democrática e Corrupção ... 78 Gráfico 5 Correlação entre Qualidade Democrática e PIB per capita ... 79 Gráfico 6 Correlação entre Índice de Democracia e Quantidade de Homicídios

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Índice de Pouca/Nenhuma Confiança na polícia nos países Latino

Americanos (2016) ... 46

Tabela 2 Atributos de uma Democracia pela Freedom House ... 57

Tabela 3 Componentes do Índice de Qualidade Democrática ... 60

Tabela 4 Fatores Explicativos da Qualidade democrática ... 62

Tabela 5 Correlações entre as variáveis componentes do Fator “Qualidade democrática” ... 65

Tabela 6 Teste de KMO e Bartlett ... 66

Tabela 7 Síntese das Informações relativas à análise fatorial ... 66

Tabela 8 Resultados de análises fatoriais com outros índices de democracia eleitoral ... 66

Tabela 9 Controle de homicídios por região do globo (2015) ... 68

Tabela 10 Níveis de controle de homicídios nas regiões mundiais (2015) ... 69

Tabela 11 Quinze Países melhores países em termos de violência homicida (2015) ... 70

Tabela 12 Quinze piores países em termos de violência homicida (2015) ... 71

Tabela 13 Correlação Linear entre “Taxa de homicídios” e “Justiça Criminal” 72 Tabela 14 Quinze melhores países em termos de qualidade da justiça criminal (2015) ... 72

Tabela 15 Quinze Piores países em termos de qualidade da justiça criminal (2015) ... 73

Tabela 16 Desempenhos Institucionais que se destacam globalmente (2017) 74 Tabela 17 As 10 democracia mais bem qualificadas segundo o fator “Qualidade democrática” ... 75

Tabela 18 Correlações lineares entre “ Fator Índice de Democracia” e Variáveis explanatórias ... 76

Tabela 19 Melhores países em “PIB per capita” e suas respectivas colocações no “Fator Democracia” ... 79

Tabela 20 Regressão Linear entre os fatores que influenciam a qualidade da democracia ... 80

Tabela 21 Regressões Lineares entre a variável de controle “PIB per capita” e os “índices de democracia” e os “Fatores Qualidade Democrática” construídos a partir de tais índices ... 81

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Tabela 22 Regressão Linear entre as variáveis “Índice de qualidade democrática

construído por análise fatorial” e “homicídios” ... 82

Tabela 23 Regressão Linear entre as variáveis “Índice de Democracia” e

“Homicídios” ... 83

Tabela 24 Lista de Países que compõem o Banco de dados das estatísticas

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 14

1 DEMOCRACIA: DISCUTINDO SUAS CONCEPÇÕES E SITUANDO O PROBLEMA ... 17

1.1 Doutrina Clássica da Democracia ... 18

1.1.1 Da democracia direta dos antigos ... 19

1.2 Democracia minimalista ... 21

1.2.1 Democracia como método ... 22

1.2.2. Democracia Deliberativa ... 23

1.2.2 Variáveis Institucionais e Processos de democratização ... 25

1.2.3 Zonas cinzentas e déficits democráticos: Países Semidemocráticos 27 1.3. Democracia, Direitos Humanos e Instituições ... 29

1.3.1. Escolha Racional e Violência como Problema de Ação coletiva ... 31

1.4. Condicionantes de um regime democrático ... 33

1.4.1. Experiência Democrática ... 34

1.4.2. Corrupção ... 35

1.4.3. Desenvolvimento Econômico ... 36

1.5. A Teoria: Resumos e Qualificações ... 37

2 SEGURANÇA PÚBLICA E DESEMPENHO INSTITUCIONAL ... 39

2.1 Ciência Política e Estudos sobre a criminalidade ... 39

2.2 Segurança Pública e Instituições ... 43

2.2.1. Segurança ... 43

2.2.2. Polícia ... 44

2.2.3. Poder Judiciário ... 47

2.2.4. Sistema Penitenciário ... 48

2.3. Respostas institucionais ao crime ... 48

2.4 Insegurança cidadã e democracia: reflexões sobre um paradoxo ... 51

3 MÉTODOS ... 55

3.1. METODOLOGIA ... 55

3.1.1. Desenho de Pesquisa e Falseabilidade da Hipótese ... 55

3.1.2. Desenho de Pesquisa ... 56

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3.2.1. Variável Dependente: O conceito de democracia construído neste

estudo ... 58

3.2.2. Fatores Explicativos da Qualidade democrática ... 61

3.3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ... 63

3.3.1. Análise Fatorial entre os indicadores: ... 63

3.3.2. Regressões Lineares ... 67

4. DADOS E ANÁLISES ... 68

4.1. EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS ... 68

4.2. ESTATÍSTICAS DESCRITIVAS ... 68

4.2.1. Padrões Regionais de Homicídios ... 68

4.2. Desempenhos Institucionais ... 71

4.3. DEMOCRACIA ... 74

4.4. ESTATÍSTICAS INFERENCIAIS: TESTANDO A HIPÓTESE ... 75

4.4.1. Variáveis Exploratórias ... 76

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 84

REFERÊNCIAS ... 87

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INTRODUÇÃO

Este trabalho situa-se no campo de estudo da qualidade dos regimes políticos. A exploração dessa área é, até certo ponto, uma incógnita. Embora existam muitas ramificações e não se vislumbre insistir num perpétuo movimento de restringir a democracia ao sistema político ou a um conjunto específico de fatores adjacentes, o objetivo do presente estudo é aferir se a variável “segurança pública” é determinante no bom funcionamento da democracia.

A existência de regimes denominados democráticos presume um sistema de representação de interesses e identidades que se legitima através de eleições limpas e institucionalizadas (SCHUMPETER, 1942). Nelas, a cidadania política permite a premiação, ou não, dos gestores públicos através do voto. Existem, também, diversas liberdades, habitualmente chamadas “políticas” que são pressupostos para o exercício da competição política e da contestação pública (DAHL, 1972). Esse gélido conceito de poliarquia implica perguntar-se pelas possibilidades de cada indivíduo ter respaldo, factualmente, dos direitos promulgados em seu favor.

O progresso em direção ao Estado de Direito fez com que o suporte institucional inerente a um regime democrático fosse além de aspectos eleitorais, o que deu origem a distorções evidentes: a cidadania política, através da isonomia, é alcançada em meio a uma cidadania civil extremamente injusta. O cidadão político, que deveria ser precedido pelo cidadão enquanto sujeito de direitos na esfera civil, se maximiza diante da conotação instrumentalista da democracia e isso compromete o próprio exercício satisfatório dos direitos políticos (MARSCHALL, 1967), pois de nada é útil ter a chance de detectar as opções que se encontram a sua disposição, mas não poder decidir os cursos de ação que elege. Não é, portanto, a cognição de que se vive em um regime democrático que irá tornar possível o livre exercício dos direitos civis promulgados. Os arranjos institucionais de um Estado Democrático é que devem oferecer limites às ações humanas.

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Tal questão encontra-se intimamente relacionada a deficiência na responsabilidade horizontal do Estado, que tem dificuldades em salvaguardar seus próprios cidadãos. A qualidade da formação institucional de um território naturalmente respalda a pretensão de que suas decisões e regras vinculem os próprios cidadãos. Assim, se a previsibilidade das relações sociais, através da lei, consegue se materializar efetivamente, temos que o sistema legal é o alicerce do Estado de Direito. Caso isso, na prática, não se concretize, o sistema legal é apenas um conjunto de burocracias entre o Estado e o cidadão, cuja falência se demonstra através de tendências parcimoniosas, como uma aplicação circunstancial da lei, direcionada apenas para um grupo específico de indivíduos. Nesse cenário, a concepção básica da ideia de democracia merece ser alargada, dada a dinamicidade do termo. Os parâmetros conceituais que permitirão avaliar neste estudo a qualidade democrática repousam em uma ampla discussão literária que evidentemente não se inicia aqui.

Se a democracia é um modo de relacionamento entre Estado e cidadão e entre os próprios cidadãos (O’DONNELL, 1998), os atributos que a revestem devem corresponder ao que legitimamente dela se espera.

Nesse contexto, a crítica ao conceito minimalista de democracia ainda carece, sobretudo no plano tratado neste estudo, de indícios empíricos. É neste ponto que o presente estudo contribui, ao possibilitar aferir em que grau o fator “segurança pública” é capaz de pesar na qualidade democrática. Supõe-se que quanto maior a segurança pública medida através da proxy “homicídios”, maior a qualidade democrática do país.

Nesta pesquisa, entende-se que a segurança pública é um compromisso político ligado a direitos civis pressupostos e garantido através de basicamente três instituições estatais: a polícia, o poder judiciário e o sistema penitenciário. Nesse cenário, a hipótese secundária é de que a forma como tais entidades desempenham seus respectivos papéis e a eficiência em que se dar a interação entre elas, a partir, claro, de arranjos institucionais específicos de cada país, reflete a própria capacidade estatal em conter o crime e, consequentemente, em tornar possíveis os compromissos institucionais.

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No capítulo 1 objetiva-se realizar uma retrospectiva histórica acerca da teoria democrática, desde suas origens mais remotas até o advento de teorias procedimentalistas. Ao final, busca-se elaborar um conceito novo de democracia, que inclua fatores que não são comumente utilizados em sua mensuração.

O segundo capítulo situa o leitor na problemática da violência, pondo em evidência modelos criados para tentar explicá-la e o papel das instituições detentoras do poder coercitivo nesse sentido, bem como expondo, ao final, o paradoxo existente entre violência e democracia.

O terceiro capítulo se ocupará de explicar os aspectos metodológicos inerentes a consecução desta pesquisa, essenciais para esclarecer como esta foi elaborada.

O quarto e último capítulo busca apresentar os resultados obtidos a partir da união entre teoria e testes empíricos.

A pretensão deste trabalho é auditar a qualidade da democracia de países das diferentes regiões mundiais tendo como ponto central a qualidade da segurança pública desses países para, então, responder: A violência afeta de forma significativa a qualidade democrática?

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1 DEMOCRACIA: DISCUTINDO SUAS CONCEPÇÕES E SITUANDO O PROBLEMA

Estudar democracia é adentrar em um universo profundo, complexo e multifacetado que não se esgota em uma ou outra corrente teórica. “A teoria democrática não é a sólida âncora conceitual que se costuma supor” (O’DONNELL, 1999, p. 3). É, pois, um conceito polissêmico, que vai se diferenciando ao longo do tempo, mas que, sobretudo após a segunda metade do século XX, “vai estar mais orientada para o estabelecimento de regras de como se chegar às decisões políticas e não para quais seriam estas decisões” (BOBBIO,2004, p. 319). De qualquer modo, a polissemia do termo não pode ser encarada simplesmente como resultado de uma condensação histórica, sendo necessária uma análise de caráter contextual e legal que encarne o que há de fundamental e inerente à própria nomenclatura “democracia”.

Isto porque, no plano normativo, as democracias são os regimes políticos preferíveis. A própria qualificação de um país como democrático traz importantes consequências práticas, pois “[...] no atual sistema internacional o acesso a importantes benefícios tem estado dependente da avaliação da condição democrática de um país” (O’DONNELL, 1999, p. 2).

Nesse contexto, quais seriam as liberdades indispensáveis ao pleno gozo dos direitos democráticos? Faz sentido ter um processo eleitoral moderno, do ponto de vista instrumental, com razoável competição e participação política e, na contramão, uma sociedade amedrontada pela insegurança quanto à própria existência física? Esses são questionamentos que se desdobram em outros mais específicos e complexos:

“É possível existir uma democracia de qualidade em que pese o comprometimento de algumas dimensões relacionadas a prestação de serviços essenciais como o de polícia?” (RIBEIRO, 2013, p. 193).

“Porque deveríamos nos preocupar, para além das razões instrumentais pela democracia e sua qualidade? Quais são os parâmetros conceituais sob os quais a questão da qualidade da democracia pode ser levantada frutiferamente?” (O’DONNELL, 2013, p.17).

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“Por que o aumento do crime se tornou uma questão política tão importante na América Latina? Como as falhas das instituições de combate ao crime afetaram a qualidade da democracia incipiente na região?” (BERGMAN, 2009,p. 1).

Tais questões serão trazidas a lume com o objetivo de demonstrar como as disfunções do sistema de justiça criminal e, consequentemente, como as deteriorações nas percepções acerca da segurança pública interferem na qualidade democrática.

O que se pretende, nesta pesquisa, não é deixar de lado o legado político que a democracia deve ser capaz de oferecer. O processo eleitoral, ao facilitar o exercício da democracia indireta através da permissão para que representantes eleitos sirvam ao governo e tomem as decisões políticas em nome dos cidadãos, presta-se ao propósito essencial da base da teoria democrática: legitimar uma elite política que assuma os postos do governo, mas, ao mesmo tempo, não é um fim em si mesmo.

Em tempos em que os próprios eleitores estão considerando a criminalidade e a insegurança cidadã como questões fundamentais de interesse político e, inclusive, avaliando seus líderes sob esse ponto de vista, o aumento das taxas de criminalidade diminui a credibilidade do público em uma resposta institucional para o problema podendo, inclusive, “enfraquecer o apoio aos padrões de direitos humanos que emergiram no curso da luta pela democratização” (BERGAMN et al, 2009, p.1).

1.1 Doutrina Clássica da Democracia

A Teoria clássica das formas de governo é atribuída a Aristóteles em “Política”. Para ele, a democracia seria uma degeneração da “politia”, terminologia que se utiliza para designar o “governo de muitos”. A própria politia representaria uma tipologia resultado da fusão de oligarquia (governo de poucos) e democracia (governo de muitos), onde na primeira governam os ricos, que representam a minoria e, na segunda, governam os homens livres e pobres, representando a maioria. Segundo Aristóteles “o que distingue uma forma de governo da outra não é o número, e sim a condição social dos que governam” (BOBBIO, 2001, p.61).

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Por outro lado, o critério que Aristóteles se utiliza para qualificar uma forma de governo como boa ou má é a capacidade de se manter estável. Mesmo representando a mistura de duas formas de governo consideradas “más” por ele mesmo, a “politia” para Aristóteles é o regime que mais propicia a paz social, pois “a união dos ricos e dos pobres deveria remediar a causa mais importante de tensão em todas as sociedades – a luta dos que não possuem contra os proprietários” (BOBBIO, 2001, p.61). O que inspiraria tal regime é a conciliação, o meio termo situado entre dois extremos, que estaria menos sujeito, portanto, a mudanças e ao perigo de revoluções.

É de se ressaltar, neste ponto, que a questão da estabilidade norteia ainda hoje os debates acerca dos regimes políticos preferíveis e, mesmo em um determinado regime político, questiona-se qual forma de governo serviria melhor a sua estabilidade.

Se considerarmos que “a mudança no significado de democracia está relacionada principalmente à emergência de novas preocupações com a estabilidade do regime, considerando o contexto histórico em que as discussões tiveram lugar” (MEDEIROS, 2015, p.258), muitas são as teorias que buscam trazer a tona os ingredientes fundamentais, por exemplo, da estabilidade democrática (PRZEWORSKI ET AL 1997). Estas serão, no último tópico deste capítulo, evidenciadas. Por hora, basta assinalar que a abordagem da qual Aristóteles se utilizou para qualificar as formas de governo sofreu sensíveis variações ao longo dos anos, mas continua rondando os estudos sobre qualidade democrática e põe a lume questões fundamentais como legitimidade e exercício dos direitos democráticos.

1.1.1 Da democracia direta dos antigos

Na Antiguidade clássica, mais propriamente na Grécia, a democracia centrava-se sobre o princípio da igualdade política e, de forma literal, podia ser interpretada como o poder do povo e não poder dos representantes do povo1. “O

termo “igualdade” era uma senha e significava “isonomia”, ou a igualdade da Lei para todos os cidadãos; “isotimia”, ou igual respeito para com todos; e “isagoria”,

1 Apesar disso,conforme destaca Ober (2001): “Na Atenas, muitas pessoas eram excluídas da cidadania: os escravos, a maioria dos estrangeiros e as mulheres” (OBER, 2001, p. 191).

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ou igual liberdade de expressão” (BARKER, 1978, p. 35). O objetivo dos antigos, portanto, era “a distribuição do poder político entre todos os cidadãos de uma mesma pátria” (BOBBIO, 1988, p. 8 apud CONSTANT, 1965, p. 252).

Nesse cenário, os cargos políticos eram preenchidos por sorteio ou por rodízio, de modo a propiciar a todos os cidadãos iguais chances para ocupação dos postos. As eleições, que hoje verdadeiramente identificam universalmente as democracias, eram consideradas um “método oligárquico e consequentemente contrapunham-se ao conceito de democracia” (MEDEIROS, 2015, p. 259). A própria substância das eleições, que pressupõe a escolha de um grupo restrito de pessoas para assumir os postos do governo e, consequentemente, tentava unir os ideais de democracia e representação, estava em desacordo com o ideal democrático da época.

Apesar do modelo grego conter diversos elementos que não estão presentes no desenho institucional das democracias contemporâneas, “o imaginário em torno do que se entende hoje por democracia foi bastante influenciado pela concepção grega” (MEDEIROS, 2015, p. 260), sobretudo no que se refere a noção de que “todos devem participar das decisões políticas, independentemente de cor, raça e condições de classe social” (PIERINI, 2008, p. 128).

No que se refere à relação entre sociedade e Estado, muito embora os gregos não tenham desenvolvido formalmente uma concepção acerca dos direitos individuais, o indivíduo era valorizado, independentemente da sua condição social, e era garantida uma limitação ao poder do Estado dentro da esfera privada. Mais do que isso, “o Estado na visão grega tinha que ser capaz de garantir os direitos dos indivíduos” (PIERINI, 2008, p. 127).

A grande polêmica em torno da democracia grega centrava-se em torno de sua essência igualitária. Ao proporcionar a todos, inclusive os pobres, o direito de participação nas decisões políticas, esse sistema democrático negligenciava o fato de que nem todos estavam aptos ou qualificados para avaliar quais seriam os interesses que melhor serviriam aos cidadãos.

(21)

[...] no tradicional debate sobre a melhor forma de governo, a democracia foi quase sempre colocada em último lugar, exatamente em razão de sua natureza de poder dirigido pelo povo ou pela massa, ao qual foram habitualmente atribuídos os piores vícios da licenciosidade, do desregramento, da ignorância, da incompetência, da insensatez, da agressividade, da intolerância (BOBBIO, 2000, p.375).

No decorrer da história, com a formação de concepções minimalistas da democracia, a lógica se inverteu e “a democracia passou a ser associada cada vez mais ao governo representativo, enquanto o ideal de igualdade política cedeu espaço a outros objetivos, como a questão da estabilidade e da legitimidade encarnada no consentimento dos governados” (MEDEIROS, 2015, p.259). A democracia, nesse momento, estaria casada com uma outra corrente teórica conhecida como elitismo e a participação direta dava lugar ao distanciamento popular e a representação política.

1.2 Democracia minimalista

O advento de concepções minimalistas da democracia fez com que o ideal de participação popular na tomada de decisões políticas fosse cedendo espaço a outras preocupações e à própria ideia de representação (MEDEIROS, 2015). A legitimidade e a estabilidade democrática alteraram as concepções em torno das ideias de participação e representação política, o que refletiu no modo de exercício do poder político e não na sua titularidade, que é sempre do povo.

Nesse estágio, “as deliberações coletivas, isto é, as deliberações que dizem respeito à coletividade interna, não são tomadas diretamente por aqueles que dela fazem parte, mas por pessoas eleitas para esta finalidade” (BOBBIO, 2000, p. 56). A partir daí a ideia de “governo do povo” vai dando espaço ao ideal de “governo para o povo”.

A noção de “bem comum”, que seria a base de toda decisão política, pressupõe um interesse coletivo unificado através de vontades individuais que se baseia fortemente no princípio igualitário da democracia antiga, ao propor que “a opinião de um homem pode ser considerada, sem absurdo evidente, aproximadamente tão boa como a de qualquer outro homem” (SCHUMPETER, 1984, p.317).

No entanto, afirmar que existe um bem comum, “farol orientador da política e sempre fácil de entender por todas as pessoas normais, mediante uma

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explicação racional” (SCHUMPETER, 1984, p.313) é subestimar o quanto o bem comum pode significar coisas diferentes para indivíduos e grupos diferentes e até mesmo dentro de um mesmo grupo. É também superestimar a capacidade do povo de saber precisamente, e de forma inequívoca, aquilo que deseja defender.

Sob esse ponto de vista, os minimalistas romperam com a ideia de que existisse um bem comum, ou mesmo que um interesse generalizado que representasse convincentemente algo que pudesse ser chamado de vontade do povo. “Na Ciência Política, esse momento de ruptura geralmente é visto como fruto de um casamento entre duas correntes ideologicamente opostas: a teoria da democracia e o elitismo” (MEDEIROS, 2015, p. 259).

1.2.1 Democracia como método

O ponto de partida óbvio da reconstituição da literatura procedimentalista é o trabalho de Joseph Schumpeter (1942) intitulado “Capitalismo, socialismo e

democracia” que, desconstruindo a ideia de um “bem comum” a ser perseguido,

“retirando da vontade do povo sua conotação utilitária e construindo não uma diferente teoria da mesma coisa, mas uma teoria de uma coisa completamente diferente” (SCHUMPETER, 1984, p. 316) trouxe a democracia como método político de se chegar às decisões políticas através da escolha de representantes que as tomariam. Segundo essa perspectiva “a democracia significa apenas que o povo tem a oportunidade de aceitar ou recusar as pessoas designadas para governá-lo” (SCHUMPETER, 1984, p. 355) através do voto, de modo que a função do eleitor (cidadão comum) é a de produzir um governo.

Tomando por base o método democrático de Schumpeter está claro que, nessa explicação, a democracia fugiria a ideia dos antigos de um governo “pelo povo”, já que as decisões políticas são tomadas por membros eleitos e a soberania popular só é exercida no momento das eleições. Ou seja: a participação do povo se resume a legitimar lideranças políticas que irão tomar decisões em seu nome através de um processo institucionalizado. Sobre isso, Miguel (2002) afirma que:

Parte dessa distância entre as duas faces da democracia, a clássica (ou etimológica) e a atual, pode ser creditada ao fato de os regimes democráticos contemporâneos serem entendidos e vividos a partir de

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pressupostos – sobre a natureza humana e sobre a organização das sociedades – emprestados de uma corrente teórica que nasceu para afirmar a impossibilidade das democracias: a chamada “teoria das elites” (MIGUEL, 2002, p. 485).

O baixo padrão com que Schumpeter qualifica os eleitores confere um caráter elitista a sua teoria e ainda sugere que os eleitos devem evitar, a qualquer preço, serem influenciados em seus julgamentos pelo povo. “A prática de bombardear com cartas e telegramas, por exemplo, deveria ser proibida” (SCHUMPETER, 1984, p. 295), pois os líderes deveriam decidir racionalmente sem a interferência negativa de palpiteiros. Ou seja: o encargo democrático do eleitor começaria nas discussões eleitorais e terminaria com o voto para o bom funcionamento da própria democracia.

Os eleitores fora do parlamento devem respeitar a divisão de trabalho entre eles mesmos e os políticos que elegem. Eles não devem remover muito facilmente sua confiança entre uma eleição e outra e devem compreender que, uma vez que elegeram o indivíduo, a ação política é de responsabilidade deste indivíduo (SCHUMPETER, 1984, p. 295).

Segundo Held (1987) foi no pensamento de Max Weber, acima de tudo, que o elitismo competitivo recebeu sua expressão mais profunda. Weber defendeu a democracia como um meio de se colocar no poder os mais competentes na luta pelos votos, os líderes mais capazes, afirmando a “inevitabilidade” do político profissional, que é produto da racionalização e da especialização do trabalho político no campo das eleições de massa” (MIGUEL, 2002, p. 497).

1.2.2. Democracia Deliberativa

Mesmo na democracia procedimentalista, a teoria democrática não é uníssona quanto ao tratamento dado à prática democrática e ao processo deliberativo. Explicações calcadas num conceito decisionístico de deliberação, endossada por autores elitistas como Max Weber e Joseph Schumpeter, conforme já assinalado anteriormente, veem a argumentação ou a participação popular nas decisões políticas como contra-producentes, “no sentido de produzirem resultados ou mais racionais ou mais eficientes” (AVRITZER, 2000, p. 29).

Se para Weber existe uma impossibilidade de resolução de conflitos culturais, já que não seria possível cientificamente optar por uma cultura em

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relação à outra; para Schumpeter o papel do processo argumentativo na formação da vontade geral nada mais seria do que ficção (AVRITZER, 2000, p. 30), já que não é possível determinar aquilo que seja o bem comum, motivo pelo qual “a população deveria escolher os indivíduos que estariam tomando as decisões ao invés de escolher representantes que expressassem as suas opiniões” (SCHUMPETER, 1984, p. 269). Em outras palavras, a deliberação democrática, para Schumpeter, se limitaria ao momento da escolha eleitoral e não emergiria ao processo político decisório.

Desde o final do século XX a concepção decisionística de deliberação vem sofrendo uma crise profunda. Em uma sociedade pluralista, a intensidade do conflito social requereu esforços que perpassam a ideia de uma maioria auto-legitimada que tomasse todas as decisões sejam elas quais fossem e quais interesses atingissem. Esse diagnóstico permitiu o florescimento e desenvolvimento de um conceito argumentativo de deliberação, onde dois autores desempenharam um papel fundamental: John Rawls e Jurgen Habermas.

Rawls, tido como um autor de transição entre uma concepção e outra, advertiu que nada garantiria que a vontade da maioria estaria sempre correta e justa, ao contrário de Rousseau, defensor da corrente decisionística, que categoricamente havia afirmado que “quando uma opinião contrária a minha prevalece, isso apenas prova que eu estava equivocado e que aquilo que eu supus ser a vontade geral não o era” (ROUSSEAU, 2007: livro IV, capítulo 2). No entanto, “o consenso formado na posição original é muito semelhante à concepção de maioria de Rousseau” (AVRITZER, 2000, p. 33), o que significaria, por seu turno, que mesmo reconhecendo diferenças entre os indivíduos, Rawls acreditava que elas poderiam ser dirimidas no processo deliberativo a partir da adoção da chamada “posição original”, onde os indivíduos irão preferir uma mesma posição após retomarem a “posição original” da concepção de justiça.

Notadamente, o problema desse argumento reside na própria abrangência de uma concepção de justiça. “Há, no entanto, uma segunda maneira de conceber os elementos deliberativos na teoria rawlsiana e, nesse caso, o autor romperia muito mais profundamente com uma concepção

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decisionística de deliberação” (AVRITZER, 2000, p. 35). A resposta rawlsiana a ideia de que os indivíduos podem não ter uma concepção de preferências pré-estabelecida é de que as discordâncias razoáveis existentes entre eles poderiam “[...] balancear os diversos fins” (AVRITZER, 2000, p. 35). Isto, por si só, já demonstra uma diluição da rigidez da concepção decisionística.

Habermas, por sua vez, apresenta uma maior consciência quanto à existência de uma esfera de argumentação dentro do processo decisório.

Para Habermas, existe uma dimensão argumentativa no interior da relação Estado/sociedade que está além do processo de formação da vontade geral. Tal formulação faz com que a opinião dos indivíduos nesse processo argumentativo não possa ser reduzida à vontade da maioria, como quer Rousseau, ou à representatividade de um só indivíduo na posição original, como quer Rawls. É preciso que esse indivíduo expresse as suas opiniões em um processo de debate e argumentação (AVRITZER, 2000, p. 36).

Nessa concepção, o problema de legitimidade política não estaria apenas relacionado à expressão da vontade de uma maioria, envolvendo diretamente uma discussão coletiva que envolvesse todos os que seriam afetados pela tomada de determinada decisão. Tal acepção levou Habermas a elaborar o chamado princípio D, que estabelece uma relação direta entre a validade das normas-ações com a concordância das pessoas afetadas elaborada através de uma discussão racional. Segundo essa lógica, “não é a contagem de votos o que muda a relação entre maioria e minoria. O que é preciso é chegar a uma posição racional no debate político que satisfaça à minoria” (AVRITZER, 2000, p. 39).

A questão está em saber quais seriam os elementos institucionais do conceito de deliberação argumentativa. Se unicamente o poder político dos governantes não é capaz de legitimar os sistemas políticos contemporâneos, qual seria o mecanismo institucional adequado a produzir concretamente a influência do debate nas decisões políticas? A lacuna deixada por Habermas a essa questão “deixa de dar um formato institucional ao que podemos chamar de democracia deliberativa” (AVRITZER, 2000, p. 41).

1.2.2 Variáveis Institucionais e Processos de democratização

Robert Dahl é o principal expoente da corrente que se denominou pluralismo competitivo. Suas reflexões teóricas acerca da democracia

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contemporânea distinguiram-se por explicitar progressivamente os requisitos que deveria haver para a existência de uma democracia (ou ao menos de algo que se aproximasse) e inspirou a literatura dedicada a discutir transição entre regimes políticos (DAHL, 2005).

A formulação proposta por Dahl para definir democracia dispensa explicações culturalistas e apenas variáveis políticas são consideradas. “A adesão às regras democráticas é circunstancial, contingente. Depende, sobretudo, de considerações estratégicas” (DAHL, 2005, p. 21).

Dahl parte do pressuposto de que “uma característica-chave da democracia é a continua responsividade do governo às preferências dos seus cidadãos, considerados como politicamente iguais” (DAHL, 2005, p. 25) e para que isso seja possível todos oscidadãos devem ter oportunidades plenas de: a) formular suas preferências; b) expressar suas preferências, e c) ter suas preferências igualmente consideradas na conduta do governo. Tais oportunidades, todavia, só poderiam existir se houvesse o fornecimento de pelo menos oito garantias institucionais: a) liberdade de formar e aderir a organizações; b) liberdade de expressão; c) direito de voto; d) direito de líderes políticos disputarem apoio; e) fontes alternativas de informação; f) eleições livres e idôneas; g) instituições para fazer com que as políticas governamentais dependam de eleições e de outras manifestações de preferência (DAHL, 2005, p. 27).

As condições em que essas oito garantias institucionais estivessem presentes nos diversos países seriam responsáveis pela variação em seus respectivos regimes políticos e possibilitaria uma comparação entre regimes diferentes segundo a amplitude em que se verificassem os eixos contestação pública ou competição política e a participação política, assim entendidas como a possibilidade do exercício de oposição e a proporção da população habilitada a participar do processo político e da contestação à conduta do governo, respectivamente. Está claro que, nessa explicação, as próprias liberdades liberais clássicas acima enumeradas como garantias institucionais à democracia definem, por si só, as ideias de contestação pública e de participação.

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A reflexão de Dahl, assim como a de muitos outros que o precederam e o sucederam, regida pelo propósito de encontrar um conjunto nuclear de garantias institucionais e de estipular liberdades políticas que garantiriam os padrões formais de acesso e competitividade no cenário político, não é suficiente para garantir eleições limpas (O’DONNELL, 1999), sobretudo porque se trata de condições que sustentam um juízo probabilístico, indutivo que, como tal, enfrenta limites internos e externos que são teoricamente indefiníveis (O’DONNELL, 1999).

1.2.3 Zonas cinzentas e déficits democráticos: Países Semidemocráticos

As explicações precedentes buscaram trazer ao leitor um breve histórico sobre as ideias em torno da democracia sem, no entanto, contextualizá-las de modo frutífero com a realidade moderna que entorna o termo. Não se questionou, por exemplo, o quanto de igualdade (ou de desigualdade) uma democracia é capaz de suportar. Isto, no entanto, foi propositadamente não-realizado com o objetivo de centralizar a discussão naquilo que realmente se pretende investigar neste trabalho: a qualidade democrática sob o viés segurança pública e não fatores puramente eleitorais.

Dentro desse contexto, é possível, por exemplo, um país ter um moderno processo eleitoral, garantidor da igualdade política entre os cidadãos em meio a razoável contestação pública, mas ser falimentar na garantia dos direitos civis básicos desses mesmos cidadãos, como acontece no Brasil, onde cerca de 50 mil pessoas morrem assassinadas por ano, mas a cada 2 anos acontecem eleições altamente sofisticadas do ponto de vista técnico, onde em poucas horas já se é possível saber com segurança os eleitos para ocupar os cargos eletivos?

De fato, muitos países, sobretudo na América Latina, enquadraram-se no último século no conceito de Dahl de poliarquia. São países em que a democracia política existe, ou seja, as condições estipuladas por Dahl estão satisfeitas e os cidadãos podem, de tempos em tempos, “punir ou premiar um mandatário votando a seu favor ou contra ele” (O’DONNELL, 1998, p.28). O problema é que a satisfação de tais condições, por si só, não é uma garantia de que o componente liberal de tais poliarquias está caminhando no mesmo sentido. Tal componente que reza, basicamente, que “há alguns direitos que não devem

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ser usurpados por nenhum poder, incluindo, em especial, o Estado” (O’DONNELL, 1998, p.30) mostra-se frágil e o acesso a uma cidadania civil não coincide com a democraticidade de muitas dessas novas poliarquias.

Reconhecer o fato de que “foram as eleições que se identificaram com a democracia, tanto nas várias teorias quanto no senso comum universalmente difundido” (O’DONNELL, 1998, p.40) pode ser o primeiro passo para entender o porquê da obscuridade do papel não menos importante, nas democracias políticas, do liberalismo, que atribui direitos defensivos ao indivíduo na esfera privada.

Scott Mainwaring et al (2001) deu um passo importante na ampliação dos critérios explícitos para codificação e agregação de regimes políticos ao sugerir a democracia de uma forma mais complexa, introduzindo não apenas critérios subjetivos de julgamento, mas também uma classificação tricotômica dos regimes políticos que os dividia em: democráticos, semidemocráticos e autoritários.

Preocupando-se em captar melhor importantes variações entre os regimes, a classificação de Mainwaring et al (2001) incluiu no conceito de democracia propriedades que seriam essenciais ao método democrático, quais sejam: a) eleições livres e limpas para escolha do chefe do executivo e dos membros do legislativo; b) sufrágio próximo do universal para a população adulta; c) proteção a direitos políticos e civis dos cidadãos e d) governo com genuína capacidade de governar, o que se operacionalizaria através do controle civil sobre os militares.

Na classificação de Mainwaring et al (2001) os países não seriam necessariamente democráticos ou autoritários (classificação dicotômica), existindo a possibilidade de alguns países se encontrarem numa “zona cinzenta”2, guardando elementos de ambas as classificações. São os chamados

países semidemocráticos que, apesar de passarem pelo “crivo eleitoral”, ou seja, pelos critérios schumpterianos, convivem com um comprometimento

2 A exemplo do “primeiro governo de Perón na Argentina (1946-51), o governo do MNR na Bolívia, depois da revolução (1952-64), o período da Frente Nacional na Colômbia (1958-74), e os governos de Arévalo e Arbenz na Guatemala (1945-54)” (MAINWARING et al ,2001, p. 680).

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generalizado dos direitos civis de boa parte da população, que não apenas deixam de ser garantidos pelas instituições estatais como muitas vezes são maculados por elas. Comumente, também se verifica que esses países possuem militares com fortes prerrogativas, onde muitas vezes não estão sujeitos a um controle civil.

A suposição chave de que em democracias de alta qualidade os cidadãos possuem meios para exercer controle sobre seus representantes e as instituições pelas quais são responsáveis (BERGMAN et al 2009) é confirmada quando se leva em conta as deficiências dos países semidemocráticos, onde a democracia não consegue avançar porque as falhas no Estado de direito não permitem. Os próprios cidadãos, nesses países, reivindicam políticas anticrimes mais duras, ainda que estas estejam em desacordo com valores democráticos. Isso representa um perigo à própria democracia, pois “embora não haja nenhum desafio direto às eleições livres, a democracia pode estar em risco quando os cidadãos consentem na anulação dos direitos básicos” (BERGMAN et al, 2009, p. 9).

1.3. Democracia, Direitos Humanos e Instituições

O conjunto de requisitos procedimentais que assinala uma definição política de democracia acompanha um repertório de direitos e liberdades civis clássicos que, sem os quais, não poderiam existir factualmente. “Na realidade, os próprios direitos políticos são uma extensão, jurídica e histórica, dos direitos civis” (O’DONNELL, 1999, p. 21). Segundo Couto (2005) “sem que direitos civis básicos sejam resguardados de vontades majoritárias (do povo e/ou dos seus representantes eleitos) e, por conseguinte, assegurado ao conjunto dos cidadãos, é duvidoso que seja garantia a própria disputa eleitoral” (COUTO, 2005, p. 98).

Um sistema legal que decrete e respalde direitos e liberdades associados a um regime democrático é, pois, consequência lógica da sua própria definição. “Na medida em que um sistema legal sustenta a aposta democrática, bem como um regime baseado em eleições competitivas e algumas liberdades simultâneas, esse sistema jurídico e o Estado do qual faz parte são democráticos” (O’DONNELL, 1999, p. 21).

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Mas não faz sentido a existência puramente nominal de direitos sem instituições estatais que os garantam e representem. É a própria manifestação da dimensão horizontal do Estado, em que a efetividade “[...] não é apenas uma questão de legislação, mas também de toda uma vasta e complexa rede de instituições estatais que atuam no sentido de assegurar a efetividade do sistema” (O’DONNELL, 1999, p. 22).

É de se ressaltar, nesse contexto, que a percepção acerca das deficiências das instituições responsáveis pela segurança pública afeta a forma como o cidadão, sobretudo aquele que não tem a seu dispor meios privados para se defender do crime, adere a valores antidemocráticos. Sobre isso:

As demandas dos cidadãos por políticas anticrime mais duras podem estar em desacordo com os valores democráticos. Houve muitos pedidos para trazer de volta leis duras e ordenar governos, mesmo à custa de direitos civis e políticos, em um contexto de redemocratização regional. Embora não tenha havido nenhum desafio direto às eleições livres, a democracia pode estar em risco quando os cidadãos consentem na anulação dos direitos básicos. (BERGMAN et al, 2009, p.9).

Por consequência lógica, a sensação de insegurança afeta também a confiança que se deposita no desempenho institucional. Como o Estado é a chave para o desenvolvimento de instituições baseadas no Estado de direito, do ponto de vista substancial, pode custar caro à democracia as múltiplas deficiências do sistema de justiça criminal, o que, sem dúvidas, é um debate extenso, já que “a confiança institucional é considerada um dos principais indicadores de legitimidade, mas, sobre ela também não há consenso acerca do possível papel positivo para o melhor funcionamento das instituições” (SILVA e BEATO; 2013, p. 119).

Mas qual o elo de ligação entre democracia e desempenho institucional? A conexão entre democracia e desempenho institucional é evidenciada por Ribeiro (2013), ao afirmar que a democracia sob o ponto de vista substancial

estaria intimamente relacionado a forma como as instituições publicas funcionam– se respeitando as regras estabelecidas como balizas para garantia dos direitos civis, políticos e sociais; e, ainda, do ponto de vista da forma como os indivíduos percebem o funcionamento dos respectivos procedimentos e das substancias da democracia (RIBEIRO, 2013, p. 193).

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Nesse sentido, disfunções no sistema de justiça criminal, enquanto entidade responsável pela garantia da segurança pública, encarregada de fazer cumprir a lei de forma constitucional “têm o potencial de repercutir para minar a “qualidade” das novas democracias e até mesmo comprometer sua legitimidade” (BERGMAN et al, 2009, p.14). Essa é uma ideia que assim pode se resumir: Para que a democracia tenha a prosperidade como subproduto é preciso que seja antes levada a sério como forma de governo (ELSTER, 1994, p. 41)

1.3.1. Escolha Racional e Violência como Problema de Ação coletiva

A Teoria de como os grupos sociais existem e se movem no sentido de promover os interesses dos seus membros remete a filósofos antigos, como Aristóteles:

Os homens cumprem sua jornada unidos tendo em vista uma vantagem particular e como meio de prover alguma coisa particular necessária aos propósitos da vida; de maneira semelhante, a associação política parece ter-se constituído originalmente, e continuado a existir, pelas vantagens gerais que traz. (ARISTÓTELES, apud OLSON, 2015, p. 18).

Admitir que “quando defrontadas com vários cursos de ação, as pessoas fazem o que acreditam que levará ao melhor resultado global” (ELSTER, p.38) é uma ideia instrumental, que resume a teoria da escolha racional no resultado das ações, mas não leva em conta que muitas vezes a tomada de decisões orienta as pessoas a maximizarem a sua utilidade individual em detrimento do coletivo. Sob esse ponto de vista, segundo Olson (2015): “[...] a costumeira visão de que os grupos de indivíduos com interesses comuns tendem a promover esses interesses parece ter pouco mérito, se é que tem algum” (OLSON, 2015, p. 15). Para ele, os indivíduos precisam de incentivos ou coerções para que se movam no sentido de promover os interesses grupais ou comuns e não apenas ajam no próprio interesse. Apesar dessa presunção ser um tanto parcimoniosa, que considera que todo comportamento é egoístico, é de se admitir que a ideia do auto interesse é menos refutada que a do altruísmo.

Já Ostrom (2000) destrincha essas ideias, sugerindo que os atores envolvidos em uma rede de interdependência que se veem afetados coletivamente em quase tudo o que fazem, tendem a ter um maior comprometimento em trabalhar juntos, adotando uma estratégia coordenada

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para obter melhores benefícios públicos. A autora também adverte para a necessidade de que existam regras e que estas sejam supervisionadas e, se preciso, sancionadas de forma graduada, para que os indivíduos não sejam tentados a escolher estratégias individuais em detrimento dos benefícios coletivos. No que se refere a estes quesitos, para Ostrom (2000):

Se infrações ocasionais de uma regra, por um dado indivíduo, não são descobertas por várias vezes, há que se questionar a eficácia do sistema de supervisão para desestimular outros de cometer infrações similares, pois a medida que as infrações não são descobertas e são mais freqüentes, é maior a probabilidade de que outros indivíduos aumentem o número de vezes que não cumprem as regras. (OSTROM, 2000, p.296).

Segundo essa lógica, a adoção de estratégias contingentes também aumentaria a possibilidade de supervisão e, por consequência, de manutenção de padrões duradouros de comportamento e de cumprimento de regras.

A violência e criminalidade, enquanto problemas de ação coletiva inserem-se nesse contexto. Em geral, o crime, enquanto atividade economicamente importante, desafia sistemas políticos a diversificarem as medidas interventivas por eles adotadas, faz aumentar as reivindicações públicas por segurança e enfraquecem a avaliação de como o governo é sensível às demandas do eleitorado e eficiente na gestão da coisa pública.

As teorias sobre a criminalidade serão dentro do possível e necessário para os fins deste estudo, citadas e pormenorizadas no próximo capítulo. O que importa agora é não perder de vista os inegáveis resultados sociais que o crime produz e seus consequentes prejuízos coletivos. Notadamente, essa é uma discussão que perpassa uma análise puramente normativa, sociológica ou antropológica. A violência não é produto apenas da racionalidade (ou falta dela) de um indivíduo ou de um grupo de indivíduos. Essa análise deve levar em conta “[...] a inter-relação entre o Judiciário e as instituições a ele associadas no combate ao crime, tais como polícias, procuradores, instituições penais, e defensorias públicas” (TAYLOR, 2008, p.3) que atuam como instrumentos de coerção, freando ações individuais em pró do interesse coletivo.

Já dizia Putnam (2000) que a superação dos dilemas de ação coletiva depende do contexto social em que determinado jogo é jogado. A cooperação

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voluntária e, consequentemente, a maior adesão às regras, é mais fácil de acontecer quando a comunidade possui um bom estoque de capital social, assim entendido “como confiança, normas e sistemas, que contribuem para aumentar a eficiência da sociedade” (PUTNAM, 2000, p. 177).

A própria origem das instituições sociais remete a forma como elas surgem a partir da interação entre os indivíduos. Se as coerções as quais os indivíduos se deparam são suficientemente maiores com o conjunto de oportunidades disponíveis, há uma tendência a racionalizar o auto interesse, invocando e aderindo às normas sociais.

1.4. Condicionantes de um regime democrático

Não há consenso sobre como se medir a democracia. As diferenças teóricas condizentes com o caráter multidimensional do termo democracia dizem respeito às dimensões necessárias a um regime democrático. Quando a democracia é avaliada sob o ponto de vista dos procedimentos formais e não dos resultados que oferece pressupõem-se que os requisitos dalhsianos estão sendo cumpridos. Mesmo que não haja uma boa gestão política ou uma efetiva garantia dos direitos civis, a democracia poderá ser considerada de qualidade alta (AMORIM, 2015).

No entanto, os estudos mais avançados sobre qualidade democrática (PRZEWROSKI e tal 2003; MAINWARING E PÉREZ LIÑAN, 2008; BARREDA, 2012) postulam uma amplitude maior no que se entende por democracia e põem em evidência aspectos substantivos da teoria democrática, problematizando o que há de inadequado no exercício da democracia nos diferentes países.

Enquanto vários autores defendem a primazia da dimensão eleitoral, ilustrada pela presença de eleições livres, justas e decisivas (Dahl, 1971; Schumpeter, 2013), outros argumentam que regimes políticos democráticos incluem dimensões que se expandem para além dos limites da competição eleitoral (Held, 1987; Lijphart, 1999). (BIZARRO e COPEDGE, 2017, p.2).

A discussão do tópico anterior enfrentou a tarefa de discutir o que há de problemático, em termos de segurança pública, nas democracias políticas. Só que tal fator, por si só, não é o único ingrediente capaz de comprometer a qualidade democrática segundo a perspectiva teórica.

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Do ponto de vista instrumental, é possível estabelecer parâmetros de comparação entre países democráticos quando se leva em conta a presença do fio condutor comum, qual seja, o aspecto processual. Do ponto de vista institucional e substantivo essa tarefa é mais complexa por envolver fatores que nem sempre podem ser mensurados mas que, na medida do possível, serão graduados de modo a estabelecer uma escala de países “mais ou menos” democráticos.

Barreda (2012) realiza estudo nesse sentido. Parte do conceito de poliarquia, mas incorpora dois outros aspectos enunciativos para analisar e avaliar a qualidade da democracia na América Latina, quais sejam: Estado de Direito e prestação de contas (accountability). Com o propósito de comprovar a capacidade explicativa das variáveis selecionadas, realiza análises de regressão e consegue obter resposta significante para três delas.

De uma forma semelhante, e guiado pelo caráter multifacetado do termo, este estudo apresenta alguns dos fatores apontados pela literatura como condicionantes importantes para se aferir acerca da qualidade e estabilidade do regime político. A exposição destes, que se dará de forma sucinta por não ser, propriamente, o foco deste trabalho, irá garantir a solidez das respostas oferecidas pelos modelos empíricos traçados no último capítulo.

1.4.1. Experiência Democrática

Diversos estudos já se ocuparam em demonstrar o impacto positivo que os “anos de democracia”, ou seja, que o passado democrático, tende a causar na qualidade do regime (ALTMAN Y PÉREZ-LIÑÁN, 2002; MAINWARING Y PÉREZ-LIÑÁN, 2008; BARREDA, 2012).

A visão da literatura nesse sentido parte do “path dependence” para testar a ideia de que a probabilidade que a democracia perdure é maior em um país onde já há tradição democrática, pois os custos de reversão são muito elevados (muito embora muitos países latino-americanos romperam radicalmente com seus regimes políticos passados no período pós-1974).

Segundo Mainwaring y Pérez-Liñán (2008), “na América Latina, mais do que os argumentos voluntaristas implicam, os legados do passado

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condicionaram as possibilidades de se construir uma democracia de alta qualidade no presente” (MAINWARING Y PÉREZ-LIÑÁN, 2008, p. 19). Barreda (2012) também testa empiricamente a variável experiência democrática e conclui ser esta a com maior incidência na qualidade democrática.

Os argumentos voluntaristas em desfavor dessa ideia (DI PALMA, 2000) afirmam que o passado não condiciona as probabilidades de democratização no presente. Argumentos baseados em heranças do regime (INGLEHART,1997; PUTNAM,2000) também recorrem a outro tipo de variável para explicar a qualidade democrática.

1.4.2. Corrupção

O princípio da igualdade política, historicamente brotado pelos gregos, e inerente ao ideal democrático, é duramente fraudado, sobretudo nas novas democracias, em virtude do abuso do poder político que confere benefícios desproporcionais entre pessoas, em tese, com igualdade de direitos.

A noção de um “bom governo”, que geralmente se converte em discussões sobre governança, “[...] especificamente entendida como a efetiva e eficaz aplicação dos recursos públicos e condução do governo” (BIZARRO e COPEDGE, 2017, p.30) tem como uma de suas antíteses a corrupção, que distorce a dimensão republicana da democracia e o grau de confiança que os cidadãos depositam nas instituições políticas e compromete princípios fundamentais da governança democrática, como igualdade e abertura no sistema político.

A relação entre democracia e corrupção já foi explorada em diversos estudos (DOIG E THEOBALD, 2000; JOHNSTON, 2005; LAMBSDORFF, 2005).

Segundo Grassi et al (2017):

A democracia reduz a corrupção facilitando a descoberta de práticas corruptas e a punição de funcionários desonestos: a oposição se esforça para descobrir atos corruptos por parte dos governantes e os eleitores não vão reeleger os políticos que buscam interesses privados em vez de interesses gerais (GRASSI et al, 2017, p.27).

Altos índices de corrupção, portanto, é indício de que existe um esvaziamento dos mecanismos de responsabilização (accountability) em um país. A accountability horizontal, ou seja, a atuação repressora das instituições

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de controle, não está operando, o que diminui a percepção da população acerca da própria existência das práticas corruptas e dificulta o exercício da

accountability vertical, realizado através do voto eleitoral, ou voto de confiança

que o eleitor deposita em um determinado candidato.

Essa é uma discussão que, de longe, não para por aí. O papel dos fatores responsáveis pelo enraizamento da corrupção, o grau de cultura política e a forma como os eleitores veem e se comportam nas urnas diante de práticas corruptas são temas que compõem o amplo espectro do que se tem abordado nesse sentido. Mas o objetivo aqui cinge-se a explorar o porquê da corrupção ser apontada literariamente como fator preditivo da qualidade democrática e não, propriamente, a demonstrar como isso ocorre ou quais as suas consequências.

1.4.3. Desenvolvimento Econômico

Parte da literatura que trata dos fatores determinantes para explicar a variação dos regimes políticos inclui como pressuposto do sucesso da democracia o desenvolvimento econômico de um país.

A teoria da modernização, de Lipset (1967), é o ponto de partida dessa linha de pensamento. O autor testa empiricamente a hipótese de que quanto maior o grau de modernização presente em uma sociedade, maior seria o grau de democracia e chega à conclusão de que “quanto mais próspera for a nação, tantas maiores são as probabilidades de que ela sustenha a democracia” (LIPSET, 1957, p. 49). Lipset não ignora o papel das instituições políticas, mas supõe que “a política não possui autonomia; o que se passa nesta esfera seria o reflexo do amplo processo de transformação da estrutura social” (DAHL, 2015, p.14) que seria alavancado justamente pelo avanço da modernização.

Przeworski et al (1997) testa empiricamente se o desenvolvimento econômico afeta as chances da democracia e ratifica a hipótese de Lipset, afirmando que “tendo sido estabelecida num país rico, a democracia tem maior probabilidade de perdurar” (PRZEWORSKI et al, 1997, p.129). Portanto, as democracias estão mais propensas a sobreviver sob níveis mais altos de desenvolvimento. Não nega, também, o papel das instituições, mas credita o segredo da durabilidade democrática ao sucesso econômico (PRZEWORSKI et al, 1997).

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O’Donnell (1973) refutou a ideia de que desenvolvimento econômico causa democracia com base no caso da ditadura militar Argentina em 1966. Segundo ele, fatores antecedentes-chaves, como a estagnação econômica e o aumento de demandas populares, levaram os militares a derrubar o governo democrático e propor planos de recuperação econômica. No entanto, segundo Landman (2003), pesquisas subsequentes testaram essa teoria em outros países da América Latina e concluíram que “países com experiências de autoritarismo semelhantes não compartilhavam os mesmos fatores antecedentes” (LANDMAN, 2003, p. 47). Na Venezuela e na Colômbia, por exemplo, que viveram situações de estagnação econômica, não passaram por ditaduras militares. Já no Brasil, o processo de estagnação econômica já havia se iniciado muito antes do governo militar de 1964.

1.5. A Teoria: Resumos e Qualificações

Após revisar os argumentos a favor ou contra as variáveis citadas, é de se perceber que há muito espaço para se estudar o tema democracia.

Enquanto a democracia política atribui a legitimidade do regime democrático a presença dos fatores dalhsianos e da garantia das liberdades clássicas, este estudo dá um passo adiante, no sentido de esclarecer de uma forma mais rigorosa do ponto de vista científico, sobretudo no que se refere as novas democracias, o sentido da associação entre qualidade democrática e salvaguarda da segurança pessoal.

A existência de altos índices de homicídios, sobretudo na América Latina, e em sentido contrário daqueles encontrados nas democracias consolidadas, é capaz de colocar em risco a continuidade ou a estabilidade do regime?

Antes de tentar responder a esta pergunta, porém, é preciso entender as raízes do crime e as razões do porque este fenômeno representar, de início no plano teórico, um risco aos ideais democráticos.

A figura a seguir sintetiza e ilustra o que foi exposto, acrescentando o ingrediente principal para testar a hipótese desta pesquisa. É de se ressaltar que a abrangência do tema não permite que se inclua todos os fatores levantados

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pela literatura como predispostos da qualidade do regime. Seria pretencioso demais tamanho empenho, principalmente considerando o fato de que o objetivo deste trabalho não é investigar tais fatores, mas sim, testar um em específico: segurança pública.

Figura 1 Fatores que influenciam a qualidade democrática

Fonte: Elaboração própria.

Democracia Fatores Qualificadores Experiência Democrática (MAINWARING E PÉREZ LIÑAN, 2008) Corrupção (AMORIM, 2015) Desenvolvimento Econômico (MAINWARING E PÉREZ LIÑAN, 2008) Segurança Pública

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