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Saúde, integridade e justiça: um estudo sobre a atual política de drogas no Brasil com enfoque na legalização do uso pessoal e medicinal da Cannabis sativa.

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE - UFCG CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CCJS

UNIDADE ACADÊMICA DE DIREITO - UAD

GIULIA CHALEGRE ALVES

SAÚDE, INTEGRIDADE E JUSTIÇA: UM ESTUDO SOBRE A ATUAL POLÍTICA DE DROGAS NO BRASIL COM ENFOQUE NA LEGALIZAÇÃO DO USO

PESSOAL E MEDICINAL DA CANNABIS SATIVA.

SOUSA 2018

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GIULIA CHALEGRE ALVES

SAÚDE, INTEGRIDADE E JUSTIÇA: UM ESTUDO SOBRE A ATUAL POLÍTICA DE DROGAS NO BRASIL COM ENFOQUE NA LEGALIZAÇÃO DO USO PESSOAL E

MEDICINAL DA CANNABIS SATIVA.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito do Centro de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade Federal de Campina Grande-UFCG, como exigência parcial para obtenção do título de bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais.

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Orientadora: Prof.ª Me. Larissa Sousa Fernandes.

SOUSA 2018

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GIULIA CHALEGRE ALVES

SAÚDE, INTEGRIDADE E JUSTIÇA: UM ESTUDO SOBRE A ATUAL POLÍTICA DE DROGAS NO BRASIL COM ENFOQUE NA LEGALIZAÇÃO DO USO PESSOAL E

MEDICINAL DA CANNABIS SATIVA.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito do Centro de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade Federal de Campina Grande- UFCG, como exigência parcial para obtenção do título de bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: Prof.ª Me. Larissa Sousa Fernandes.

Banca examinadora: Data da aprovação:_____/_____/______.

_________________________________________ Prof.ª Me. Larissa Sousa Fernandes

Orientadora

_________________________________ Membro da Banca Examinadora

_________________________________ Membro da Banca Examinadora

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AGRADECIMENTOS

Quanto mais agradecemos, mais coisas boas conseguimos. Gratidão é uma mão dupla, vai para poder vir. E eu sou grata por cada pessoa, coisa e acontecido que passearam por essa minha jornada aqui na terra. Antes de mais nada agradeço a Deus, dono de tudo e inclusive de mim, pelo cuidado incessante e por deixar seus anjinhos comigo durante toda a minha vida, me olhando e me guardando.

Agradeço à minha mãe, mulher guerreira e trabalhadora, que desde muito cedo proveu o sustento de casa e junto ao meu irmão me ensinou o que é lar. Agradeço pelos anos de dedicação, pelo seu amor incondicional e por se orgulhar de mim mesmo que muitas vezes eu não mereça. Obrigada, mainha, eu te amo tanto! E cada conquista é para e por você.

Agradeço, também, ao meu irmão, Leo, que embora muito “arengueiro”, sempre deu forma à nossa família, sempre esteve disposto a ajudar e preocupado em me ver bem. Isso também é por você. Ao meu padrastro, Braz, também agradeço pelos anos que trouxeram consigo muitos aprendizados, dentre eles o de que a paternidade é um laço que pode ser construído a qualquer tempo.

Agradeço à toda a minha família que esteve presente e que tiveram seu grau de participação na minha graduação, foram longos 5 anos – longe de casa – em que percebi ser muito querida e sempre lembrada. Também sou grata a todos os meus amigos e amigas que caminharam junto comigo durante qualquer dos meus caminhos e que por acaso do destino hoje não estão mais presentes na minha vida, mas obrigada a cada um que ajudou, mesmo que passageiramente, a me fazer quem sou.

O meu obrigada à minha 2ª família, a família do coração, que Jesus e Maria me deram: Tia Irismar, Bruna, Babi e Ray. Como existe amor nessas mulheres! E como fui sortuda de poder desfrutar da companhia e carinho delas. Jamais esquecerei a forma como me acolheram no início dessa história chamada graduação e de como foram importantes no meu caminho.

Também agradeço às minhas amigas Carol Trindade e Ângela, companheiras de sala, de festas e de segredos. Com elas pude desfrutar mais que bons momentos, pude também aprender e saber que tenho um colo amigo onde quer que esteja. Obrigada, Deus. Agradeço aos meus amigos Fialho, Rayssa e Klara

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por terem virado irmãos que a vida me entregou de presente e por fazerem com que muita coisa fizesse sentido a partir desse encontro.

Aos colegas de Universidade, aos mestres, ao pessoal da coordenação, da biblioteca, da limpeza e da cozinha; e também à minha orientadora, professora Larissa, sempre muito paciente e prestativa, obrigada.

Agradeço muito aos meus amigos de Petrolina, em especial a Paloma, que me acompanhou e torceu por mim muito antes de eu sonhar. Me espelho em sua força para enfrentar a vida e em sua coragem de lutar sempre pelo que se quer.

Sou, também, muito grata ao Centro Cultural Banco do Nordeste, por ter me recebido de braços abertos, por ser o meu lugar preferido da cidade Sorriso, por me deixar estar em contato com a coisa mais incrível da vida: a arte. Ter sido produtora cultural sem dúvidas foi uma experiência enriquecedora e poder contar com pessoas incríveis ajudou muito na minha passagem por aqui.

Também agradeço ao Coletivo Feminista “Valha, o que é isso?”, meu primeiro contato “direto” com o movimento feminista e que muito contribuiu, junto com as mulheres-maravilha que conheci através dele.

Agradeço às minhas amigas à distância, que inclusive foram incentivadoras número 1 (todas ao mesmo tempo) deste trabalho, obrigada por sempre acreditarem em mim e por me colocarem para cima nos momentos de desespero, e também por me ajudarem – cada uma a sua maneira: Sylanne, Maitê, Allessandra, Camila, Jonabelle, Michele, Ruth, Beatriz, Júlia, Danielle, Thaiane, Thaís e Taísa. Valeu, SS.

Também sou (e serei eternamente) grata ao meu anjo da guarda aqui na terra, minha amiga Maíra, que tanto me ajudou e fez por mim em 4 anos que moramos juntas. Cada coisa dividida, cada momento vivido, cada lembrança, tudo foi e continua sendo muito importante para mim! Que seria eu sem você, Mamá?

Agradeço aos meus amigos Regina Maria, Bruno, Isa, Ramon, Rafael Formiga e Luana por sempre terem sido “casa fora de casa” para mim, vivemos muitas coisas maravilhosas, carregarei com muito carinho todas as experiências trocadas, certa de que levarei vocês comigo para além dos muros da UFCG.

E por fim, agradeço ao meu amor e melhor amigo, Armando, por acreditar em mim, por me ajudar e por me fazer ver, todos os dias, a mulher que venho me tornando. Sempre presente, me acompanhou em tantos momentos que este trabalho também tem um pouquinho dele. Obrigada por ter me achado. E por ter me devolvido para mim.

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“A flor da minha vida se desabrocharia de todos os lados,

Se um vento cruel não tivesse murchado minhas pétalas

Do lado que vocês olhavam da aldeia. Da poeira levanto meu protesto: Meu lado em flor vocês não veem! Vocês, os vivos, são verdadeiramente tolos:

Não conhecem os caminhos do vento E as forças invisíveis

Que governam os processos da vida.” (da Antologia de Spoon River, de Edgar

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RESUMO

A legalização da cannabis sativa tem ganhado força nos debates acerca do seu uso medicinal, dando, assim, espaço para que os benefícios da planta sejam estudados e discutidos com a devida seriedade e importância. A pesquisa visa realizar uma análise crítica acerca da questão de drogas no Brasil, percorrendo os pilares da justiça, da integridade e do direito à saúde. Quanto ao método de procedimento científico, o método utilizado foi o método histórico-evolutivo. Sendo assim, o presente trabalho tem o condão de abordar a história da cannabis sativa no Brasil, perpassando pela discussão acerca da Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06), abrangendo como se dá atualmente a sua (in)eficácia no território pátrio, uma vez que a mesma tem dificuldades de estabelecer uma diferença entre traficante e usuário. O trabalho também aponta o problema carcerário brasileiro da superlotação, levando em conta que hoje, um a cada três presos responde por tráfico de drogas, segundo levantamento realizado por governos estaduais e tribunais de justiça, considerando-se necessária e urgente uma divisão a fim de diferenciar o usuário do traficante. Aborda, ainda, como recorte, o genocídio da população negra, esta que é a primeira a sofrer com a repressão da vigente guerra às drogas, uma vez que o perfil do traficante no Brasil é de pessoa jovem, negra e pobre. Fala-se, diante do cenário político-social atual, da importância da intersetorialidade de políticas públicas, considerando a perspectiva do compartilhamento de saberes. Faz−se, também, uma reflexão séria das atuais formas de tratamento ambulatorial com a maconha e alguns de seus derivados, como canabidiol (CBD) e tetrahidrocanabidiol (THC), no final, fala−se da autorização que a Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança – ABRACE, de João Pessoa – PB, recebeu da Justiça Federal da Paraíba, para manter o cultivo e manipulação da cannabis sativa para fins terapêuticos dos cento e cinquenta e um pacientes associados ou dependentes dos associados, elencados no processo.

Palavras−chave: Legalização; tráfico; políticas públicas; maconha; cannabis sativa;

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ABSTRACT

The legalization of cannabis sativa has gained momentum in debates about its medicinal use, allowing more space for the benefits of the plant to be studied and discussed with the right seriousness and importance. The research has intention to carry out a critical analysis about the drug issue in Brazil, navigating through the pillars of justice, integrity and the right to health. In relation to the scientific process, the method used was the historical-evolutionary method. Therefore,this work has the goal of addressing the history of cannabis sativa in Brazil, through the discussion about the Drug Law (Law 11.343/06), covering how the regulation’s current (in)effectiveness in the country is occurring, since the law demonstrates difficulties in establishing the difference between drug dealer and user. The study also points to the Brazilian prison problem of overcrowding, considering that today, one in three prisoners responds to drug trafficking, according to a survey carried out by state governments and courts of justice and seeing that a clarification is necessary and urgent to differentiate the user from the trafficker. It also addresses the genocide of the black population, which are the first individuals to suffer from the repression of the current drug war, since the profile of the drug dealer in Brazil is young, black and poor. We talk about the importance of the intersectionality of public policies, considering the perspective of knowledge sharing. There is also a serious reflection about the current forms of clinic treatment with marijuana and some of its derivatives, such as cannabidiol (CBD) and tetrahydrocannabidiol (THC). In the end, there is a dialogue about the authorization that the Brazilian Association of Support Cannabis Esperanza - ABRACE, from João Pessoa - PB, received from the Federal Court of Paraíba, to maintain the cultivation and manipulation of cannabis sativa for therapeutic purposes of the 151 associates or dependent patients associated with the process.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Perfil das penitenciárias brasileiras após a Lei de Drogas...30 Figura 2 – Gráfico da cor de pele e etnia da população carcerária no Brasil em 2013...36

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ABRACE Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança

ADPF Arguição de descumprimento de preceito fundamental

ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária

CBD Cannabidiol

CF Constituição Federal

CFM Conselho Federal de Medicina

DAP Diretoria de Articulação e Projetos

DPA Diretoria de Planejamento e Avaliação

IHA Índice de Homicídios na Adolescência

LSD Lysergsäurediethylamid

OMS Organização Mundial de Saúde

ONU Organização das Nações Unidas

ONG Organização Não-Governamental

PSC Partido Social Cristão

SENAD Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas

STF Superior Tribunal Federal

SUG Sugestão Legislativa

SUS Sistema Único de Saúde

THC Tetrahidrocannabidiol

TRF Tribunal Regional Federal

UeRJ Universidade do Estado do Rio de Janeiro

UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro

UFMA Universidade Federal do Maranhão

UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância

UNODC Nações unidas contra droga e o crime

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 11

2 HISTÓRIA DA CANNABIS SATIVA NO BRASIL ... 14

2.1 Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06) e sua (in)eficácia ... 18

3 POLÍTICA DE DROGAS: AVANÇOS E DESAFIOS ... 23

3.1 Impacto da atual política de drogas no sistema carcerário ... 26

3.2 A descriminalização do uso de cannabis sativa para uso pessoal ... 30

3.3 A importância da intersetorialidade nas políticas públicas ... 32

3.4 Recorte racial: genocídio da população negra ... 34

4 USO MEDICINAL ... 39

4.1 Das possibilidades do uso ambulatorial da cannabis sativa ... 40

4.2 ABRACE: Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança ... 45

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 49

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1 INTRODUÇÃO

O consumo de drogas está presente em toda e qualquer cultura, seja ele para fins medicinais, entorpecentes, religiosos, etc. O debate a respeito do tema sempre toma diversas proporções, dentre elas, posicionamentos extremistas, que acabam dificultando análises profundas, sérias e reais sobre a adoção de medidas alternativas.

Vê-se, em contrapartida, que o discurso proibicionista vem ignorando a realidade histórica e, por sua vez, desconsiderando o aspecto cultural que envolve o consumo de drogas de modo geral. Ao esquecer que essa relação de uso e cultura existe desde os primeiros tempos, as políticas tornam-se ineficientes, como se a eliminação do consumo fosse algo a ser conseguido com a simples proibição e que, ao proibir, a tal erradicação seria absoluta e benéfica.

Dessa forma, se faz importante discutir que mesmo que a regulamentação ainda não seja uma realidade, o debate sobre a maconha, que neste trabalho ganha destaque especial, vem conquistando cada vez mais espaço e a sociedade começa a pesquisar e discutir abertamente sobre o assunto, mesmo que ainda seja um tabu. Nunca se falou tanto em universidades sobre o uso e os benefícios que a planta pode trazer, por exemplo, sendo usada de forma recreativa; nunca, também, se pesquisou e formulou tantos remédios e tratamentos excepcionais à base da cannabis sativa.

No Brasil, a regulamentação do uso da cannabis sativa já caminha a passos um pouco mais largos, mesmo que o caminho ainda seja longo. O poder de tratamentos à base da maconha nos alerta para a necessidade de sua legalização, assim como outros problemas estruturais que pedem um posicionamento diferente do atual; exemplos disso são o encarceramento em massa e o genocídio da população negra.

Embora grande parte da população brasileira seja a favor da legalização da planta, como mostra pesquisa feita no site do Senado (sugestão número 25 de 2017), onde mais de 90.000 votantes disseram estarem a favor, contra pouco mais de 12.000 contra, o que vemos ainda é um cenário de guerra, discursos moralistas e abertamente proibicionistas regem os debates acerca da questão, enquanto que aqueles que se posicionam contrariamente são condenados – erroneamente – por “fazerem apologia ao uso de drogas”.

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A atual Lei de Drogas (Lei nº 13.343) é de 2006, o que já mostra a necessidade de revisão e até mesmo de revogação de alguns de seus dispositivos, uma vez que se tornaram ultrapassados para a atual realidade. É certo que a legislação precisa se adequar ao crescimento e necessidade da população, para que haja uma organização e bom senso por parte do Estado, uma vez em que se vive um regime democrático.

Diante disso, o presente trabalho possui o objetivo de abordar de forma mais fundamentada e detalhada o uso da cannabis sativa no Brasil, com fundamento nos pilares da justiça, integridade física e moral do indivíduo e direito à saúde integral, de forma a descontruir o status de droga que a planta medicinal ganhou e de forma a vincular o uso terapêutico e recreativo, uma vez que seus efeitos benéficos se misturam.

A pesquisa se inicia com o aspecto histórico da maconha no Brasil, partindo de como a planta entrou no país e buscando entender como se deu a evolução do seu consumo, em seguida, aborda-se como foi criada a Lei nº 13.343/06, além de falar-se, ainda, da sua atual eficácia e do que ela gerou desde sua criação.

Por conseguinte, no segundo capítulo, a pesquisa aborda mais detalhadamente a política de drogas no Brasil, assim como seus eventuais avanços e desafios, a importância da descriminalização do uso recreativo da cannabis, apresentando os questionamentos devidos. Continuando, fala-se a respeito da intersetorialidade das políticas públicas e sobre a política de redução de danos neste contexto e por último, sobre a morte em massa da população negra, que acaba por transformar a guerra às drogas em uma guerra às pessoas.

No derradeiro capítulo, a discussão se direcionará no sentido de demonstrar as incontáveis possibilidades do uso e aplicações clínicas da maconha, tal como a consequência desse feito para a sociedade (beneficiada como um todo), assim como aprofundar o questionamento através de relatos da ABRACE (Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança), de João Pessoa, Paraíba.

Na elaboração deste trabalho, que foi dividido em três capítulos, a pesquisa adotará o método de abordagem dedutivo, abrangendo uma situação geral e genérica, com princípios e lógicas que permitirão com que se chegue a uma conclusão especifica, visto que, o presente trabalho discorrerá a respeito da necessidade de legalização da cannabis sativa no Brasil, concluindo ao final a solução mais viável para a questão em discussão.

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Como método de procedimento científico será utilizado o método histórico-evolutivo, tendo em vista o conhecimento abordado sobre a evolução histórica e legislativa do assunto em comento.

A técnica de pesquisa adotada será a documentação indireta, que abrange a pesquisa bibliográfica e documental, usando para a elaboração do projeto várias fontes de conhecimentos, como doutrinas, jurisprudências e artigos, para apresentar a realidade atual e eficiente sobre o tema estudado.

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2 HISTÓRIA DA CANNABIS SATIVA NO BRASIL

A “mariguana’’ não surgiu no Brasil, é, portanto, exótica. Segundo os estudiosos mais antigos, ela foi trazida para o país através de escravos negros, passando a ser conhecida como “fumo de angola”, “diamba”, “liamba” e por aí em diante. Disseminou-se rapidamente e os índios, por sua vez, começaram a cultivá-la para uso próprio.

Segundo Carlini (2005):

A planta teria sido introduzida em nosso país, a partir de 1549, pelos negros escravos, como alude Pedro Corrêa, e as sementes de cânhamo eram trazidas em bonecas de pano, amarradas nas pontas das tangas (CARLINI, 2005).

Neste mesmo sentido, afirma Dias (1945):

Entrou pela mão do vício. Lenitivo das rudezas da servidão, bálsamo da cruciante saudade da terra longínqua onde ficara a liberdade, o negro trouxe consigo, ocultas nos farrapos que lhe envolviam o corpo de ébano, as sementes que frutificariam e propiciariam a continuação do vício (DIAS, 1945, p. 39).

De acordo com historiadores mais recentes, a erva, além de ser usada em rituais, também tinha outras finalidades. Os portugueses trouxeram o cânhamo – forma industrial da maconha, hoje, matéria prima destaque na indústria têxtil, para o Brasil, para produção de insumo naval.

No século XVIII, o Marquês de Lavadrio, que à época era o Vice Rei do Brasil, incentivou a cultura da cannabis:

Aos 4 de agosto de 1785 o Vice-Rei (...) enviava carta ao Capitão General e Governador da Capitania de São Paulo (...) recomendando o plantio de cânhamo por ser de interesse da Metrópole (...) remetia a porto de Santos dezesseis sacas com 39 alqueires de sementes de maconha (FONSECA, 1980).

A corte ampliou o plantio do cânhamo para agora também produzir fibra (além de durar mais, a fibra de cânhamo é cinco vezes mais resistente que o algodão),

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velas de navio, redes de pesca, cordas e até mesmo a fabricação de azeite, que servia para iluminação.

De acordo com Carlini (2005), além da produção industrial, para fins comerciais, existia a forma que os escravos e ex escravos utilizavam-na, diferente dos europeus: consumindo-a ingerindo ou fumando. Dessa forma, o uso para o lazer e também vinculado a rituais de religiões de matriz africana transformou-se em costume.

Os portugueses também a usavam como remédio. Havia, nas chamadas farmacopeias, indicações do uso da erva, ora em forma de óleo, o chamado uso tópico, onde o óleo do cânhamo podia ser passado diretamente em ferimentos e hematomas, ora devendo ser ingerida.

Em 1830, aconteceu a primeira determinação proibicionista no Brasil, no âmbito do Rio de Janeiro, vinculada ao uso do “pito de pango”- como eram conhecidos os charutos que continham a erva. Os escravos que eram pegos fumando os pitos, eram penalizados com prisões que podiam durar dias. Em contrapartida, os vendedores que fossem pegos comercializando a cannabis, tinham apenas que pagar uma multa, o que deixa claro o teor racista e separatista da determinação, tendo objeção apenas o uso pela população de origem africana (CARLINI, 2005).

Entre os anos de 1870 e 1880, após enorme sucesso entre médicos franceses e indianos, a cannabis passou a ser indicada como um excelente medicamento. Em São Paulo, era possível encontrar a planta “in natura”, os cigarros, ou o seu substrato na forma líquida, administrado via oral, em gotas. As indicações geralmente eram para asma, insônia, afonia e disfonia. Em anúncios publicados em jornais da época, era costumeiro encontrar a indicação do consumo para alívio de diversos males e cura de doenças diversas.

No início da República, em 1890, estabeleceu-se um código penal que criou uma delegacia, conhecida como “inspetoria”, dedicada apenas e exclusivamente aos entorpecentes, ao curandeirismo e às mistificações (CARLINI, 2005). Ou seja, foram somadas várias práticas da cultura afro-brasileira, como candomblé, batucadas e, nesse caso, o próprio consumo da maconha, como sendo algo a ser perseguido.

Ainda em 1890, um médico chamado Desmartes, afirmou que o cigarro feito de cannabis era mais eficaz no combate à asma que o arsênio, descrevendo sempre

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positivamente os efeitos obtidos com o uso da planta, considerada até hoje medicinal.

A sua condenação se deu a partir dos anos 20. Na Segunda Conferência Internacional do Ópio, que ocorreu em 1924 - pela antiga Liga das Nações - em Genebra, Suíça, o médico psiquiatra e delegado brasileiro, Dr. Pedro Pernambuco Filho afirmou para os demais países e delegações que a maconha era pior que o ópio:

And the Brazilian representative, Dr. Pernambuco, described it as "more dangerous than opium" (v. 2, p. 297). Again, no one challenged these statements, possibly because both were speaking on behalf of countries where haschich use was endemic (in Brazil under the name of diamba)1 (KENDELL, 2003).

A conferência deveria tratar, a princípio, apenas do ópio e da coca. Porém, depois de uma postura bastante intensa do delegado brasileiro e do delegado egípcio, a maconha entrou em pauta, mesmo sabendo que as 45 delegações não estavam preparadas para discutir o assunto. Após a declaração, a perseguição policial aos usuários de maconha se intensificou (CARLINI, 2005).

A postura repressiva no país permaneceu duramente durante muito tempo, tendo por apoio a Convenção Única de Entorpecentes, da Organização das Nações Unidas (ONU), de 1961, da qual o Brasil é um país signatário.

No dia 25 de novembro de 1938, a proibição da maconha em todo território nacional aconteceu, através do Decreto-Lei n° 891, do Governo Federal. Nele, a maconha aparece elencada no capítulo I, “Das Substâncias Entorpecentes em Geral”, juntamente com a cocaína e com o ópio, mesmo não sendo ela uma substância narcótica.

No capítulo II, podemos ler:

São proibidos no território nacional o plantio, a cultura, a colheita e a exploração, por particulares, da Dormideira "Papaver somniferum" e a sua variedade "Aìbum" (Papaveraceae), da coca "Erytroxylum coca" e suas variedades (Erytroxilaceac) do cânhamo "Cannibis

1E o representante brasileiro, Dr. Pernambuco, descreveu-a como "mais perigosa que o ópio" (v. 2, p. 297).

Novamente, ninguém discordou destas declarações, possivelmente porque ambos estavam falando em nome de países onde o uso do haxixe era endêmico (no Brasil sob o nome de diamba).

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sativa" e sua variedade "indica" (Moraceae) (Cânhamo da Índia, Maconha, Meconha, Diamba, Liamba e outras denominações vulgares) e demais plantas de que se possam extrair as substâncias entorpecentes mencionadas no art. 1º desta lei e Seus parágrafos (BRASIL, 1938).

Nos anos 50, o uso da cannabis começou a ganhar bastante visibilidade em meio à imprensa, mas de forma pejorativa, onde o usuário era visto como “vagabundo” ou até mesmo considerado um doente mental. Em 1956, o Ministério da Saúde, através do Serviço Nacional de Educação Sanitária e da Comissão Nacional de Fiscalização de Entorpecentes, organizou a primeira reunião nacional sobre maconha.

Nos anos 60, com o movimento de contracultura conhecido como “Hippie”, a maconha começa a entrar de novo na cabeça dos brasileiros e os ideais de paz e amor ganharam força. É claro que drogas pesadas, como a cocaína e o LSD (Lysergsäurediethylamid), eram consumidas em maior quantidade, e ficaram mais conhecidas na época, talvez por essa popularização de outras drogas – sintéticas – a maconha tenha perdido um pouco o status de vilã.

Nos anos 80, talvez o maior marco da erva no Brasil aconteceu. Mais precisamente em 1987, milhares de latas de maconha movimentaram as cidades de Rio de Janeiro e São Paulo (SOLYSKO, 2018). O navio “Solano Star” partiu da Tailândia rumo aos Estados Unidos, com cerca de 20 mil toneladas de maconha imprensadas em latas.

Ao saber do carregamento, a Polícia Federal logo procurou meios de autuar os responsáveis por tráfico internacional de drogas. Contudo, antes mesmo de a polícia chegar, os tripulantes do navio cuidaram em se desfazer das latas, jogando-as ao mar. O navio, que posteriormente chegou ao porto do Rio de Janeiro para fazer reparos no motor, foi liberado por falta de provas. As latas, por sua vez, chegaram às margens das praias fazendo com que a época ficasse conhecida como “o verão da lata”.

Nos anos 90, o uso terapêutico da cannabis começou a ser comprovado cientificamente, ganhando força e sendo discutido até hoje. Atualmente, graças a esses estudos e a pesquisas cada vez mais recentes, a maconha ou as substâncias dela extraídas, como o CBD (cannabidiol) e o THC (tetrahidrocannabidiol) já são reconhecidas como medicamento.

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Em 2011, o Superior Tribunal Federal (STF), liberou a “Marcha da Maconha”, após julgamento de ação – ADPF 1872, em decisão unânime de 8 votos. Em 2013, a

família da menina Anny Fischer, brasileira com síndrome rara, descobriu no óleo da cannabis poderoso medicamento que curava quase em 100% as convulsões da criança, que aconteciam diariamente. Passaram, desse modo, a importar a substância dos Estados Unidos (ILEGAL, 2018).

Recentemente, em 14 de Dezembro de 2017, a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa aprovou, em sua 105ª reunião deliberativa extraordinária, o voto da senadora Marta Suplicy, sobre a SUG 253, que autoriza a

cultivação da maconha para uso medicinal.

A Sugestão número 25 de 2017, que foi proposta por um cidadão e apoiada por mais de 120 mil pessoas, inicialmente tinha o condão de descriminalizar a cultura da maconha para uso próprio. Apesar da urgência e seriedade que o assunto demanda, a SUG recebeu do relator Sérgio Petecão, antes mesmo de propor uma audiência pública, proposta em relatório contrário.

A senadora Marta Suplicy, em sentido contrário, pediu vistas do processo e apresentou, na reunião supracitada, seu voto aprovando de forma parcial a sugestão, negando o uso recreativo:

A regulamentação da produção desse vegetal para consumo de pessoas que necessitam das propriedades dos fitocanabinoides é fundamental para minimizar os sintomas de uma série de doenças. Cerca de 2.000.000 de brasileiros sofrem de epilepsia, um terço destes, aproximadamente cerca de 6.000, apresentam um tipo de epilepsia resistente aos tratamentos convencionais, com os antiepiléticos clássicos. Esses extratos de cannabis têm se apresentado como a única solução (SUPLICY, 2017).

2.1 Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06) e sua (in)eficácia

A Lei de Drogas estabeleceu em 2006 uma política nacional sobre drogas, buscando impedir o consumo e a circulação de entorpecentes. A principal diferença

2 ADPF: Arguição de descumprimento de preceito fundamental, denominação dada à ferramenta utilizada para

reparar lesão ou preceito fundamental resultante de ato do Poder Público.

3 Sugestão legislativa que propõe a descriminalização do Cultivo das Plantas Psicotrópicas, enviada por Gabriel

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trazida pela lei, advinda para substituir a Lei 6.368/76, foi tentar diferenciar usuário e traficante:

§ 2o Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente (BRASIL, 2006).

Desse modo, o usuário não pode ser preso em flagrante, devendo assinar um termo circunstanciado, na presença do juiz ou da autoridade policial responsável, caso aquele falte. A sua penalização deverá ser alternativa: advertência, medidas socioeducativas prestadas à sociedade ou prestação de serviços. O objetivo, com isso, seria tirar do âmbito do direito penal os casos em que o indivíduo apenas consome a cannabis, tratando-o como caso de saúde pública.

Já o considerado traficante, deverá ser penalizado com prisão de 05 a 15 anos, como alude o artigo 33 da Lei (BRASIL, 2006):

Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa (BRASIL, 2006).

Vê-se aqui, porém, que a “atual” Lei de Drogas na verdade em nada diferencia o usuário do traficante, já que os critérios para que seja estabelecida essa diferença são meramente subjetivos, devendo ficar a cargo do juiz quem deve ser enquadrado em cada categoria.

No mais, a Lei de 2006 não traz grandes atualizações acerca do que disciplina, estando, em sua essência, quase completamente igual a anterior, a Lei 6.368/76, já que as suas regras se mantem no viés proibicionista, de acordo com as diretrizes dadas pelas convenções internacionais de que o Brasil é signatário:

A Lei 11.343/06 é apenas mais uma dentre as legislações dos mais diversos países que, reproduzindo os dispositivos criminalizadores das proibicionistas convenções da ONU, conformam a globalizada intervenção do sistema penal sobre produtores, distribuidores e consumidores das selecionadas substâncias psicoativas e

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matérias-primas para sua produção, que, em razão da proibição, são qualificadas de drogas ilícitas (LABATE et al., 2008, p. 105).

A revogada Lei de Tóxicos, trazia a penalização mínima para os crimes de “tráfico” quantificada em 03 anos de reclusão. O aumento para 05, com a nova lei, nos apresenta o caráter desmedido e rigoroso voltado contra os produtores das substâncias ora proibidas. Ainda mais que com o rol de qualificadoras tendo sido ampliado, se torna muito difícil a aplicação da pena mínima (BRASIL, 1976).

A Lei de Drogas também não classifica as substâncias de uso proibido ou controladas. Quem faz essa classificação é a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), juntamente com o Ministério da Saúde.

Tráfico significa comércio. O “tráfico” é, por natureza, atividade de cunho econômico. Do ponto de vista criminal, seguindo esta lógica, o fornecimento gratuito, que não obtém um lucro acima da “mercadoria” fornecida, tem um menor impacto e melhor recepção, não sendo, portanto, a mesma coisa.

Neste sentido, enxerga-se uma violação ao princípio da proporcionalidade, uma vez que a Lei iguala o “traficante” ao “fornecedor gratuito”:

A Lei 6.368/76 não fazia nenhuma distinção entre o fornecimento gratuito e o fornecimento com o objetivo de obter proveito econômico. A Lei 11.343/06 só o faz em parte, apenas distinguindo a conduta de quem eventualmente oferece droga qualificada de ilícita, sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para um consumo conjunto, prevendo para essa conduta uma pena bem mais leve (LABATE et al., 2008, p. 108).

Discussão ainda no Senado é de que as quantidades de maconha, aquelas mesmas que causam ambiguidade dentro do artigo 28 da atual Lei de Drogas, é de que a Lei deveria estipular taxativamente uma quantidade que diferencie o usuário do “traficante”. O que, de certo modo, causaria efeito contrário mesmo que fosse implantada, já que muitos mais usuários poderiam ser enquadrados, automaticamente, como traficantes caso estivessem possuindo quantidade maior que o estipulado.

Atualmente, enquanto cada vez mais pessoas são encarceradas como reflexo dessa política de drogas atuante no país, o judiciário começa a conversar um pouco mais sobre a sua flexibilização. “O Sistema Penitenciário é uma máquina de moer pobres”, disse o presidente da Associação Juízes Pela Democracia ao jornal

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espanhol “El País”. As maneiras “legislativas” adotadas no Brasil para combater a violência começam a se tornar um problema ainda maior que a própria criminalidade, uma verdadeira guerra:

No que diz respeito ao objetivo da Lei 11.343, que é tentar reprimir a circulação das drogas, o fracasso é retumbante: as drogas ilegais nunca foram tão abundantes, tão acessíveis, tão baratas e tão potentes quanto hoje. E os efeitos colaterais dessa política são talvez ainda mais graves que o abuso de certas drogas: o superencarceramento, a condenação de usuários como traficantes, a violência (MARONNA, 2018).

O que se vê é uma política antes de mais nada muito cara, e que se torna cada mais ineficiente, além de priorizar, evidentemente, os “microtraficantes” aos verdadeiros e bilionários empresários do mundo das drogas. É necessário mudar, urgentemente, essa política repressiva. A dificuldade em estabelecer uma diferença objetiva entre usuário e traficante deixa cada vez mais pessoas presas por tráfico, com a maioria esmagadora delas não sendo traficantes.

Se faz importante entender que hoje, a chamada guerra às drogas se preocupa muito mais com os “varejistas”, do que com o mercado bilionário que envolve redes gigantescas de produção e distribuição de drogas e dinheiro. A prisão, hoje, dos microtraficantes, nem faz cócegas aos responsáveis por esse grande negócio.

Campos (2015) mostrou em pesquisa que 77,5% dos presos, hoje, estão nessa situação após a implementação da “nova” Lei de Drogas. Estes dados, embora colhidos entre 2005 e 2013, mostram que a tendência é de que só cresçam, já que embora a lei brasileira permita a não incriminação, a mesma é aplicada apenas quando conveniente.

Uma reflexão sobre a vigente Lei de Drogas se mostra necessária, e mostra carência de edição em suas regras. As análises devem avançar em sentido de repudiar à repressão e a discutir os diversos riscos que cercam o modelo proibicionista, que apenas acumula muitas guerras e muitas riquezas ilícitas.

As ofensas a princípios básicos e à normas das declarações universais de direitos humanos apenas reproduzem as normas proibicionistas internacionais, mesmo que estas já tenham comprovado que os maiores riscos ligados as substâncias não provém delas mesmas, mas da política de proibição:

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Em matéria de drogas, o perigo não está em sua circulação, mas sim na proibição, que, expandindo o poder punitivo, superpovoando prisões e negando direitos fundamentais, acaba por aproximar democracias de Estados totalitários (LABATE et al., 2008, p. 117).

Além de mascarar os riscos ao estado democrático de direito e de mascarar os danos à saúde pública (disfarçados de proteção) a guerra às drogas acaba por impedir o controle da qualidade das substâncias que são consumidas, quer queira, quer não. Ao criar a necessidade de aproveitamento de circunstâncias que não sejam descobertas para conseguir obter a planta, a população é levada, indiretamente, ao consumo anti-higiênico, podendo, inclusive, através dessas práticas contrair outras doenças, como a hepatite, por exemplo.

Já passou da hora de rebentar com o proibicionismo e promover uma conduta de reformulação: tanto das convenções internacionais, como da legislação pátria, que além de se encontrar desatualizada desde a sua criação, apenas fomenta uma série de problemas que são muito mais graves que o motivo de seu nascimento.

Se faz necessário que a legalização da produção, do consumo e da distribuição da cannabis sativa ocorra, como forma de resguarde do real direito à saúde pública integral, tal como da democracia e da dignidade de todo e qualquer cidadão brasileiro.

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3 POLÍTICA DE DROGAS: AVANÇOS E DESAFIOS

A política sobre drogas no Brasil surgiu através de uma medida provisória (nº 1669 de 1998), tendo, posteriormente, sua estrutura transferida para o Ministério da Justiça mediante o Decreto Nº 7.426 de 2011 e atualmente é comandada pela SENAD – Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas.

A SENAD divide-se em três: Diretoria de Articulação e Projetos (DAP), Diretoria de Planejamento e Avaliação (DPA) e Diretoria de Articulação de Projetos. Dentre as suas funções, podemos observar que devem executar ações relativas à Política Nacional de Drogas, como também gerir o Fundo Nacional Antidrogas (fiscalizando seu recurso e repasse para entidades conveniadas).

Hoje, quanto discussão política (quesito drogas) no país, existe desde o final da gestão do presidente Luís Inácio Lula da Silva, o programa talvez mais conhecido, de “Enfrentamento ao Crack”, que foi posteriormente chamado de “Crack, É Possível Vencer”, na gestão da presidenta Dilma Rousseff. O programa trouxe como principais características: ampliação da rede de cuidados psicossociais; investimento na capacitação de profissionais; investimento em segurança pública (com medidas de coerção, como videomonitoramento nas áreas de consumo); financiamento em leitos de comunidades terapêuticas (serviço privado, centrado na abstinência e de cunho religioso).

Faz-se importante ressaltar que mesmo após todos os gastos e investimentos em ações como estas (de tratamento e segurança pública relacionada à questão drogas), levando em consideração todas as suas propostas, em nenhum momento falou-se em discutir efetivamente uma reforma na política de drogas.

De acordo com o portal de notícias G1 (2018), a ONU (Organização das Nações Unidas) admitiu por meio de documento, em 2014, pela primeira vez, que os objetivos até então da Leis de Drogas não estavam sendo cumpridos e sugeriu, desse modo, a descriminalização do consumo.

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Segundo a UNODC4, ainda de acordo com o portal de notícias brasileiro G1

(2018), há um encorajamento a outras alternativas que não a prisão, considerando os consumidores de entorpecentes “pacientes em tratamento” e não “deliquentes”. Dessa forma, o consumo deveria ser, ainda, sancionável (acarretando pagamento de multas e/ou tratamentos obrigatórios), mas deixaria de ser um delito.

De acordo com Labate et al. (2008), em 1920 surgia a Lei Seca norte americana, tornando proibida a produção, transporte e comercialização de bebidas alcoólicas. A proibição, porém, tornou-se ineficaz, pois bares clandestinos surgiram, houve aumento no consumo de bebidas falsificadas, produzidas através do milho e claro, aumento significativo da corrupção, pois policiais, políticos e etc eram subornados para que as bebidas ilegais entrassem no país.

A Lei Seca americana foi um fiasco e mais que isso, a prova de que o álcool, mesmo contendo tantos malefícios à saúde, funciona melhor legalizado:

A meta da Lei Seca era sufocar práticas e eliminar uma droga como se ela jamais houvesse existido e sido consumida e desejada. O resultado imediato dessa proibição é bastante conhecido e comentado: o efeito automático da Lei Seca não foi a supressão do álcool e dos hábitos a ele associados, mas a criação de um mercado ilícito de negociantes dispostos a oferecê-lo a uma clientela que permanecia inalterada. Inalterada em gostos, mas agora diferente, pois ilegal, criminosa. Produziu-se um campo de ilegalidades novo e pujante; inventou-se um crime e novos criminosos; e o álcool, talvez para angústia dos proibicionistas mais dedicados, não deixou de ser consumido. Assim, se ele permanecia procurado e vendido era preciso, então, aplicar a lei (LABAT et al., 2008, p. 93).

Atualmente no Brasil, é certo que o consumo de drogas só cresce, o que torna todas as políticas existentes um tanto quanto – também – ineficazes. Esse aumento no uso e abuso de drogas precisa ser lidado, mas como? Os países emergentes, como o Brasil, não podem gastar recursos na implementação de uma política de proibição eficiente, levando em conta que nem os países já desenvolvidos têm sido capazes de fazê-lo, mesmo com capital para isso. Desse modo, enxerga-se a fiscalização da legalização (auto)financiável.

Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública5, o Brasil gastou, em

2015, R$ 76,1 bilhões de reais com segurança pública. Esse valor poderia ser

4 Nações Unidas contra Droga e o Crime.

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coberto, tranquilamente, pela verba economizada com o fim do combate ao tráfico ostensivo e com o custeamento do nosso (ineficiente) sistema carcerário.

Sabe-se que um país sem drogas é impossível, “a questão do uso de drogas pode ser considerada universal uma vez que são pouquíssimas as culturas que não se utilizam de alucinógenos” (GAUER, 1990, p. 60). Quanto mais tentou-se extinguir a todo custo o consumo de entorpecentes, mais viu-se que nada deu certo até o presente momento.

Fazer com que as drogas sejam ilegais, claramente, só piora o problema. O necessário é trazer um modelo de política embasado na cientificidade, mais prático, com sentido direcionado pela saúde que busque, realmente, administrar as consequências atreladas ao uso e não a discursos moralistas e superficiais.

A ideia não é rejeitar os malefícios que o uso de algumas drogas pode acarretar ao organismo. A ideia é exclusivamente encontrar uma maneira de trazer melhores resultados unindo saúde, área social e econômica. Neste sentido, afirma Baratta [1991?] que existem efeitos primários e secundários na questão das drogas: os efeitos primários, relativos à própria natureza das drogas e os efeitos secundários, que são os custos sociais da criminalização.

É sabido que o uso de algumas drogas é extremamente prejudicial e também por isso é muito importante que essas drogas mereçam um tratamento regulatório ora prestado no caso de algumas substâncias legalizadas que se tornam perigosas se usadas incorretamente (tal como remédios tarja preta, por exemplo):

No todos los efectos de todas las sustancias sicotrópicas son negativos, puesto que la calidad del efecto depende, como es sabido, no solo de la cantidad farmacológica sino también de una serie de otros factores como: entidad del consumo, situación del consumidor, medio social en que el consumo se produce, etc.6 (BARATTA, [1991?], p. 74).

Educação e prevenção são essenciais. No caso do cigarro, a proibição de fumar em lugares públicos e as campanhas de educação conseguiram reduzir o índice de fumantes drasticamente em vários países do mundo. Este caso oferece um ótimo modelo de educação eficaz. Centenas de milhares de pessoas passaram

6 “Nem todos os efeitos de todas as substâncias psicotrópicas são negativos, dado que a qualidade do efeito

depende, como é conhecido, não só da quantidade de droga, mas também de uma série de outros fatores tal como: entidade do consumo, situação do consumidor, ambiente social em que o consumo ocorre, etc.”

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de fumantes à ex fumantes nos últimos anos, sem que ninguém precisasse ser preso por causa disso.

O que se sabe atualmente é que a política de drogas repressiva e cara é totalmente ineficiente, pois prioriza o combate aos “microtraficantes” que não chegam perto do mercado bilionário das drogas. Além disso, não se pode falar em saúde quando sabe-se que a preocupação real não é essa. Sem contar que com a proibição, acredita-se na utopia da extinção do uso e nesse sentido:

Acredita, pois, que a criminalização impediria a propagação da dependência, possibilitaria a reabilitação do adicto e a ressocialização dos envolvidos no comércio ilegal. Sua autoimagem reforça o mito no qual a criminalização das drogas atuaria como (a) contramotivação (coação psicológica), (b) recuperando os dependentes (prevenção especial) e (c) impedindo-os que, em razão do vício, cometam delitos de outra natureza (proliferação da violência) (CARVALHO, 2016, p. 185).

A intervenção da Administração Pública e da Justiça têm dificuldades de atuação justamente por que atualmente, o “sucesso” atribuído à política de drogas é extremamente repreensivo, ligando-se basicamente a quantidades de drogas apreendidas, número de pessoas presas por tráfico, etc.

Portanto, se faz necessário que a saúde pública seja, sim, o ponto de partida para uma política que rege algo tão importante como esse, que envolve mais do que números e quantidades, envolve pessoas. O propósito de combate às drogas não deve ter papel de guerra, mas de proteção à saúde e à integridade de todos os cidadãos, baseando-se pontualmente no respeito aos direitos humanos.

3.1 Impacto da atual política de drogas no sistema carcerário

Conforme o texto constitucional de 1988, houveram muitas alterações no que diz respeito ao direito penal e processual penal: “se por um lado ampliou as normas de tutela dos direitos fundamentais, por outro lado abriu espaço para o incremento do punitivismo, que caracterizou o sistema das duas últimas décadas” (CARVALHO, 2016, p. 198).

Nos anos 90, de acordo com a antiga Lei de Drogas, a Lei nº 6.368 de 1976, era comum certa (in)distinção entre usuário e traficante. Ou seja, era possível

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criminalizar alguém através dos artigos 12 e 16 da supracitada Lei, como podemos ver na íntegra:

Art. 12. Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar;

Pena - Reclusão, de 3 (três) a 15 (quinze) anos, e pagamento de 50 (cinquenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.

Art. 16. Adquirir, guardar ou trazer consigo, para o uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - Detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de (vinte) a 50 (cinquenta) dias-multa (BRASIL, 1976).

Em meados dos anos 2000, surgiu, no Brasil, uma CPI do Narcotráfico, que acabou resultando na Nova Lei de Drogas, a 11.343 de 2006. A chegada da nova Lei, precedida por longo e caloroso debate no Congresso Nacional, tinha o intuito de deslocar o usuário para tratamento ambulatorial, enquanto que para os traficantes, a ideia era aumentar a punição, o que os parlamentares chamaram de “expansão de grupos criminosos”, sobretudo levando em consideração a onda de sequestros que aconteciam à época em São Paulo.

O novo dispositivo legal era mais centrado na prevenção e atenção aos usuários de substâncias ilícitas, e teve como objetivo oficial trazer esses indivíduos do sistema da justiça criminal, para o sistema de saúde. Na época, essa “mistura” entre saúde e justiça fez os senadores e deputados apoiarem o processo legislativo, segundo o Ex-Deputado Cabo Júlio (PSC), o Brasil estava de parabéns pelo novo texto de lei, ao tratar diferentemente pessoas diferentes.

O que de fato viu-se foi que, num mesmo movimento político, o aumento da pena para tráfico de drogas foi efetivada, porém a penalização do porte para uso continuou (capítulo III da Lei nº 11.343 de 2006). Sendo assim, os avanços pretendidos como a junção de saúde e lei não saíram do campo discursivo. A inovação foi meramente eventual e a coexistência entre pouca moderação e muita severidade continuou presente. Definiu-se o todo (questões sociais, culturais e políticas) pela parte de sempre, a pena privativa de liberdade.

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Essa junção de pouca prática da política de Redução de Danos7 aliada ao

copo cheio de paradigmas proibicionistas formou a política de drogas brasileira, em que há pouco saber médico presente e levado a sério, mas que muito se fala e leva em consideração o saber jurídico legal. Ou seja, essa soma deu início ao principal mecanismo de agenciamento de prisão em massa, encarcerando jovens de até 25 anos, que estudaram até o ensino fundamental e que trabalhavam no mercado informal ou estavam desempregados no momento do “crime”.

Ou seja, a população carcerária brasileira de delitos relacionados a drogas cresceu de 32.880, em 2005, para 146.276 no final de 2013. Diante desse cenário, números como o da violência continuaram crescendo. Segundo o Estadão, a Nova Lei de Drogas é responsável por 77,5% do aumento da população carcerária brasileira em uma década (CAMPOS, 2018).

Não obstante esse crescimento assustador do encarceramento de novos criminosos, segundo CAMPOS (2015), uma pessoa flagrada em São Paulo, portando drogas, tinha quatro vezes mais chance de ser incriminada por tráfico que notificada por porte/uso. Diante disso o que se vê é que, muitas vezes, o usuário que era para ser encaminhado, segundo a lei, para tratamento de saúde ou assistência social é preso.

Uma vez que a Lei não é clara e indefinida quanto a quem é traficante e quem é usuário, a própria Lei é a principal responsável por essa “inversão”. De acordo com dados do DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional), do Ministério da Justiça, o percentual de pessoas incriminadas por uso ou tráfico de drogas era de 13%; em 2014 esse número aumentou para 27% e em 2017 chegou a 32,6% (CAMPOS, 2018).

Em Agosto de 2015, o Ministro Gilmar Mendes, do STF (Superior Tribunal Federal), argumentou que o critério meramente subjetivo utilizado pelo juiz nos casos de diferenciação de usuário para traficante, tornavam a Lei de Drogas inconstitucional. De acordo com o seu artigo 28, o critério de distinção determina que o juiz leve em conta aspectos como natureza e quantidade da substância, mas também circunstâncias “sociais e pessoais” do agente, assim como sua conduta e antecedentes.

7 Redução de Danos é um conjunto de políticas e práticas cujo objetivo é reduzir os danos associados ao uso de

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O sistema repressivo passa, desse modo, a mover-se de acordo com o que a figura policial relatar do flagrante, já que a sua palavra, na maioria das vezes, é a única prova contra o acusado. O fato não é desmerecer a fala da autoridade policial, mas sim deixar exclusivamente com o “que o policial disser” a definição de que o agente deverá ser levado ao sistema de justiça como traficante, diante da inexistência de critérios objetivos que possam distingui-lo do usuário.

Ainda levando em conta o efeito reverso da Lei, percebe-se a chamada “centralidade da pena de prisão”, como se esta fosse a única medida existente de punição. A detenção segue sendo a medida mais usada pelos policiais, promotores e juízes. O sistema de justiça criminal brasileiro ainda precisa ser convencido de que existem outras alternativas. E, claro, isso deixa ainda pior a situação das penitenciárias, cada vez mais lotadas.

De acordo com o portal de notícias G1 (2018), atualmente no Brasil 1 em cada 3 pessoas em situação de prisão respondem por tráfico de drogas. Se antes as cadeias estavam lotadas de presos por roubo, crimes de estupro e furtos, hoje milhares e milhares de pessoas estão lá por tráfico – muitos não sendo traficantes. Neste sentido, afirma Boiteux (2014):

A correlação entre a repressão às drogas e ao aumento da população penitenciária, especialmente a partir da década de 1990 até os dias atuais, vem sendo constatada nos Estados Unidos e em diversos países da América Latina em decorrência do encarceramento de pessoas condenadas por tráfico de drogas (BOITEUX, 2014, p. 84).

Esse aumento de presos por tráfico nos últimos 12 anos, após a Nova Lei de Drogas é um (se não o principal) dos responsáveis pela crise carcerária que o país enfrenta. Segundo outro levantamento do G1 (2018), atualmente há 668,2 mil presos para 394,8 mil vagas.

Nesse sentido, o ministro do STF Luís Roberto Barroso, se posiciona a favor da legalização das drogas como forma de impedir o aumento da população carcerária:

A crise no sistema penitenciário coloca agudamente na agenda brasileira a discussão da questão das drogas. Ela deve ser pensada de uma maneira mais profunda e abrangente do que a simples descriminalização do consumo pessoal, porque isso não resolve o problema. Um dos grandes problemas que as drogas têm gerado no Brasil é a prisão de milhares de jovens, com frequência primários e de bons antecedentes, que são jogados

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no sistema penitenciário. Pessoas que não são perigosas quando entram, mas que se tornam perigosas quando saem. Portanto, nós temos uma política de drogas que é contraproducente. Ela faz mal ao país (BARROSO, 2018).

No presente momento, nenhum estado brasileiro tem menos de 15% de pessoas presas por tráfico. Esse dado é alarmante e mostra que muitas dessas pessoas foram transformadas em criminosas com o advento da Lei de 2006. No Acre, são 25,3%; no Pará, 28% e no Paraná, 59,3% de presos por tráfico de drogas (REIS et al., 2018).

Figura 1 - Perfil das penitenciárias brasileiras após a Lei de Drogas

Fonte: DIAS, 2018.

3.2 A descriminalização do uso de cannabis sativa para uso pessoal

Desde os tempos mais remotos o ser humano faz uso sistemático de substâncias capazes de alterar – de alguma forma – a consciência ou o sistema nervoso central. A partir do século XX, algumas dessas substâncias começaram a se tornar objeto de vários saberes, formando, dessa forma, um campo de debate, principalmente por preocupação do Estado.

De acordo com Lenoir (1998), no decorrer desse processo certas substâncias psicoativas foram denominadas de drogas, e dessa forma a sua produção, distribuição e consumo transformaram-se, definitivamente, em um problema social. Do mesmo modo, Labat et al. (2008), afirma que:

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De maneira sintética, pode-se dizer que a instituição das “drogas” enquanto questão social foi balizada por três formações discursivas fundamentais: medicalização, criminalização e moralização. Elas só podem ser separadas analiticamente, na medida em que estão constantemente influenciando a produção e circulação dos discursos sobre o tema (LABATE et al., 2008, p. 144).

Como já visto, a guerra contra a cannabis nasceu por motivos meramente raciais, políticos e econômicos. Interesses industriais também carregam sua parcela de culpa, uma vez que desde sempre o cânhamo foi fonte de fabricação de fibra e tecidos sintéticos. Além de, claro, ter raízes também no moralismo cristão, que recrimina qualquer tipo de prazer carnal “desmotivado” e sem efetivo merecimento.

Segundo a ONU, 147 milhões de pessoas fumam maconha no mundo, o que faz dela a terceira substância psicoativa mais consumida mundialmente, só perdendo para o cigarro e álcool. Mesmo sendo proibida em muitos países, desde que a Holanda passou a tolerá-la, por volta de 1970, paulatinamente as demais nações vêm seguindo os mesmos passos.

No caso da legalização, existem dois meios principais pelos quais a cannabis passará a ser autorizada no país. O primeiro modelo seria o monopólio estatal, em que o governo seria o responsável pelo plantio e pelo fornecimento da substância, permitindo, assim, um controle total do produto. O segundo modelo seria o Estado estabelecer regras (composição química exigida, proibição para fumar e dirigir, proibição para menores de idade, etc), cobrar impostos e a iniciativa privada assumir o negócio.

De acordo com levantamento realizado pelo instituto Sou da Paz, quase 70% dos presos acusados de tráfico de maconha carregavam consigo menos de 100g da substância, algo em torno de 9 cigarros. De acordo com o levantamento, aqueles que são presos com poucas quantidades de drogas, sem armas e que possuem bons antecedentes são considerados microtraficantes, e, hoje, a cada 10 presos por tráfico, 8 são considerados microtraficantes. Destes, 75% são jovens de 18 a 29 anos e 59% são negros e pardos.

Esses números só reafirmam e aumentam a necessidade de discussão sobre a melhor solução para a questão da cannabis. Existe mesmo a necessidade de prender indivíduos sem nenhuma característica de violência, que não comercializam a droga, que são pegos com pequenas quantidades? Pelo contrário, ao tempo em que a prisão faz mal à própria situação carcerária, já esgotada ao

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máximo, também prejudica o indivíduo de forma irreversível, pois ele passa a conviver com chefes de organizações criminosas, presos armados, com antecedentes em homicídio, sequestro, roubo, etc:

Pois bem, ao punir o delito de porte para uso pessoal, isolada e unicamente, com pena restritiva de direitos o legislador inaugura uma nova modalidade de delitos em nosso sistema penal, vale dizer, os delitos de mínimo potencial ofensivo. Seguindo nessa linha de pensamento verifica-se de plano que o delito de “uso de drogas” é, nos termos da nova lei, absolutamente incompatível com a privação de liberdade do eventual infrator (RIBEIRO, 2013, p. 102).

É claro que a atual política repressiva, falhou e vem falhando no mundo inteiro. É uma das maiores tragédias do século passado que continua a caminhar moribunda por este. O custo do combate (armado) às drogas é muito maior que o custo de lidar com o uso regulamentado e legal dessas substâncias. A guerra não somente não reduziu o número de usuários como matou mais do que qualquer droga seria capaz de fazer. Ou seja, essa luta a muito tempo foi perdida, e com muito sangue derramado.

Quando se fala em debater sobre a legalização das drogas, não é regra fazer qualquer tipo de apologia ao uso, mas pensar uma política mais humana e que antes de qualquer coisa funcione. Muitas pessoas que, muitas vezes, desencadeiam essas discussões são pessoas que não correm o risco de sofrerem diretamente com a consequência sanguinária da guerra às drogas. Ou seja, é mais fácil enxergar o problema de longe e opinar sobre ele quando na verdade vários e vários privilégios servem como escudo. Falta envolvimento e conscientização sobre o que é mais letal nessa corrida e o que é realmente mais nocivo no tema das drogas.

3.3 A importância da intersetorialidade nas políticas públicas

Política pública nada mais é que um conjunto de ações desenvolvidas ou fomentadas pelo Estado em seus níveis: estadual, municipal e federal. O objetivo das políticas públicas é alcançar especificidades relacionadas a problemas da sociedade em geral ou determinados grupos sociais.

No presente momento, quando se é proposto uma análise e reflexão das políticas públicas, o seu pilar fundamental é o estudo sobre a efetividade dos direitos sociais. Daí a necessidade de que o planejamento e execução dessas políticas

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estejam baseados em princípios emponderadores, sustentáveis, com participação social e igualitários.

Partindo do pressuposto de atendimento aos preceitos constitucionais de garantias de direitos sociais, a ampliação e sistematização do tema intersetorialidade pode contribuir para a sua melhoria. Assim,

Uma nova concepção de mundo e um novo paradigma estão ligados ao pensamento intuitivo e não-linear e valores de cooperação e parceria. Consequentemente, o exercício de poder se delineia através da influência, deixando de ser hierárquico para se constituir em rede. Desta forma, nitidamente é enfatizado o pensamento sistêmico, mas com ênfase no todo. As incertezas da realidade social não são, desta forma, mais vistas pela ótica do positivismo para dar lugar àquela que considera as interações dinâmicas (JUNQUEIRA, 2000, p. 111)

Ainda há, atualmente, a necessidade de que seja desenvolvido dentro da própria sociedade um pensamento voltado à finalidade das políticas públicas sociais, bem como o papel da própria sociedade na participação da construção e efetivação destas políticas. Assim, conforme Schimidt (2008):

O conceito política pública remete a esfera do público e seus problemas. Ou seja, diz respeito ao plano das questões coletivas, da polis. O público distingue-se do privado, do indivíduo e de sua intimidade. Por outro lado, o público distingue-se do estatal: o público é uma dimensão mais ampla, que se desdobra em estatal e não estatal. O Estado está voltado (deve estar) inteiramente ao que é público, mas há igualmente instâncias e organizações da sociedade que possuem finalidades públicas expressas, às quais cabe a denominação de públicas não-estatais (SCHIMIDT, 2008, p. 2011).

No que tange o tema “drogas”, acompanhado da intersetorialidade, pode-se trazer à tona a perspectiva da Redução de Danos, princípio norteador da política do Ministério da Saúde para Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas, que orienta ações no âmbito da saúde pública para tratamento de usuários abusivos e dependentes. A Redução de Danos pode ser entendida como uma forma de respeitar a escolha do usuário, tratando-o, ainda sim, como indivíduo possuidor de direitos e garantias fundamentais. Propõe uma maximização do binômio abstinência versus dependência, como únicas opções de escolha e tratamento.

Diante de tal perspectiva, a sugestão é de que o usuário seja recolhido sem que dependa da sua situação de uso de entorpecentes. Ou seja, o tratamento que

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ele receberá irá dispor de possibilidades de escolha e de construção de um projeto particular, voltado exclusivamente para a sua situação real.

A política de intersetorialidade compõe as discussões mais novas para a complexa dependência de drogas, principalmente nas circunstâncias de maior vulnerabilidade social. As redes intersetoriais articulam o conjunto das organizações governamentais, não governamentais e informais, comunidades, profissionais, serviços, programas sociais, setor privado, bem como as redes setoriais, priorizado o atendimento integral às necessidades dos segmentos vulnerabilizados socialmente (SOUZA, 2015, p. 39).

No mesmo sentido: “A complexidade e a multidimensionalidade da questão das drogas implicam a necessidade de enfrentamento conjunto das políticas, tanto pela integração de ações [...], quanto pela atuação integrada dos diversos atores políticos” (LAPORT; JUNQUEIRA, 2015, p. 68). Ou seja, a intersetorialidade não implica a exclusão de uma perspectiva social, pois devem ser pensadas ações setoriais integradas, contribuindo para a diminuição da segregação e do isolamento das políticas públicas.

É certo que esse é um debate deveras complexo, mas o que se pode extrair até então é que o problema da dependência e abuso de drogas nunca será resolvido a partir de uma ação sozinha, pois ela não se mostrará suficiente no tratamento e no entendimento do problema real. Ações intersetoriais podem garantir com maior propriedade o respeito à dignidade dessas pessoas e ao mesmo tempo uma mudança de vida dos usuários que precisam e procuram por ela e que são, antes de tudo, reféns de uma série de circunstâncias – por vezes - desconhecidas.

3.4 Recorte racial: genocídio da população negra

O Brasil foi um dos pioneiros do mundo a proibir a “ganja”. A proibição do uso do pito de pango, cachimbo feito para fumar a erva, afetou diretamente a população negra e escravizada, que salvaguardava forte relação cultural e de ancestralidade com o uso da maconha. Não por acaso, a proibição do consumo veio junto da repressão a outras relevantes expressões da cultura africana no nosso país. Junto a ela, também foram proibidos o candomblé e a capoeira.

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