Universidade Estadual de Campinas
Soluc~oes n~ao homog^eneas das equac~oes de
Ginzburg-Landau em antiferromagnetos dopados
por
Bruno Uchoa
Orientador: Prof. Dr. Guillermo Cabrera
Dissertac~ao submetida ao Instituto de Fsica \Gleb Wataghin"
para a obtenc~ao do ttulo de Mestre em Fsica.
Campinas, S~ao Paulo, Brasil
14
=04
=2000
Agradecimentos
Eu me sinto grato a todas as pessoas que de algum modo contriburam para o meu trabalho. Alguns de maneira bastante direta, sem os quais eu n~ao saberia muito bem o que fazer sempre que, por exemplo, o meu computador apresentava alguma pane. Outros tiveram grande paci^encia em discutir longamente comigo assuntos que poderiam trazer ideias novas para o meu problema. Devo lembrar especialmente a todos aqueles que conviveram cotidianamente comigo e que tornaram a minha vida mais confusa e menos monotona.
Agradeco tambem a Fundac~ao de Amparo a Pesquisa do Estado de S~ao Paulo (FAPESP) pelo suporte nanceiro concedido atraves do processo numero 98/01289-2, no perodo de abril de 1998 ate agora.
Resumo
Propomos um modelamento fenomenologico baseado na teoria de Landau que des-creve o comportamento termodin^amico das ondas de densidade de carga e spin nos planos antiferromagneticos dos oxidos de alta Tc dopados. Uma das ideias
correntes, reforcada por medidas recentes de espalhamento de neutrons, e que o excesso de cargas introduzido pela dopagem se acumula sobre esses planos, levando ao aparecimento de uma superestrutura de carga n~ao homog^enea e incomensuravel organizada em faixas. Partindo de argumentos de simetria, encontramos uma tran-sic~ao de comensurabilidade que separa a fase incompressvel de baixa temperatura, onde as faixas s~ao bem denidas, da fase de alta incomensurabilidade. O mode-lamento do problema com um par^ametro de ordem sobre magnetizac~ao alternada leva a uma distribuic~ao estatica de cargas na forma de multi-solitons fracamente interagentes, no limiar de baixa temperatura e dopagem. Nessa regi~ao do diagra-ma de fase, as cargas se segregam fortemente na parede de Neel entre os domnios antiferromagneticos, formando picos de concentrac~ao de carga cuja densidade e praticamente independente da dopagem. Em seguida, introduzimos um segundo par^ametro de ordem diretamente relacionado a concentrac~ao de cargas, na fase de alta temperatura. O aumento da temperatura delocaliza a distribuic~ao de impure-zas. A soluc~ao, neste caso, adquire o aspecto de uma modulac~ao suave e altamente incomensuravel, em acordo com as observac~oes experimentais.
Abstract
We propose a phenomenological model based on the Ginzburg-Landau theory of phase transitions, that describes the thermodynamic behavior of charge and spin density waves present in high-Tc doped antiferromagnets. One of the current ideas,
supported by recent neutron scattering measurements, is that doping introduces charge excess that accumulates on the antiferromagnetic Cu;O planes, leading
to a nonhomogeneous incommensurable phase of charged stripes. The Landau functional is constructed based on symmetry arguments, and we nd a stripe com-mensurability transition that separates the low temperature incompressible phase from the high incommensurable one. Modeling the problem with a single order parameter for the staggered magnetization, leads to a soliton-like static charge distribution in the regime of low doping and temperature. In this region of the phase diagram, the charge strongly segregates into the Neel walls that appear bet-ween antiferromagnetic domains, producing charge density peaks whose amplitude is almost independent on doping concentration. Next, we introduce a second order parameter directly related to the charge distribution in the high temperature phase. By raising the temperature one delocalize this distribution. The solution obtained in this case, describes a highly incommensurable soft modulation, in agreement with experimental observations.
Conteudo
Agradecimentos
3
Resumo
4
Abstract
5
1 Introduc~ao
11
2 A teoria de Landau
14
2.1 Introduc~ao . . . 14 2.1.1 O par^ametro de ordem . . . 16 2.2 O funcional de Landau . . . 172.2.1 Aproximac~ao de campo medio . . . 19
2.3 A func~ao de correlac~ao . . . 22
2.4 Os expoentes crticos . . . 24
2.4.1 Leis de escala . . . 25
2.5 O problema da inomogeneidade . . . 27
2.6 Discuss~ao sobre a validade da teoria de Ginzburg-Landau . . . 28
2.6.1 O criterio de Ginzburg . . . 30
3 Indicac~oes experimentais sobre a exist^encia das faixas
31
3.1 Introduc~ao . . . 313.2 Observac~oes experimentais . . . 33
3.2.1 Espalhamento de neutrons . . . 34
3.2.2 Evid^encias diretas das faixas de carga . . . 37
3.2.3 Propriedades de transporte e supercondutividade . . . 42 6
4 Aspectos formais da teoria
45
4.1 Grupos de simetria . . . 45 4.1.1 Espacos polinomiais . . . 47 4.1.2 A condic~ao de Landau . . . 48 4.1.3 Polin^omios invariantes de grau n num espaco de dimens~ao 2 48 4.2 O invariante de Lifshitz . . . 50
5 Fenomenologia das faixas segundo a teoria de Landau
52
5.1 Teoria de campo contnuo . . . 52 5.1.1 Aproximac~ao assintotica com um par^ametro de
ordem . . . 54 5.2 Formulac~ao com um segundo par^ametro de ordem . . . 66 5.2.1 Criticalidade das faixas . . . 67
Conclus~oes
71
Ap^endice
76
Lista de Figuras
3.1 A esquerda, picos de espalhamento de neutrons no espaco recproco de
uma amostra deLa 1:48 Nd 0:4 Sr 0:12 CuO
4. Os crculos solidos maiores
cor-respondem a picos de Bragg. Os crculos e diamantes corcor-respondem res-pectivamente aos picos observados na ordem magnetica e de carga. Os picos nas direc~oes transversas (quadrados e tri^angulos) n~ao s~ao observa-dos num mesmo plano [31]. A direita, a representac~ao pictorica das faixas de carga correspondente ao diagrama de espalhamento. . . 38 3.2 Diagrama de espalhamento de neutrons numa amostra deLa
2 NiO
4:125.
A posic~ao dos picos e representada com respeito a base (p
2a; p
2a;c)
do espaco real rodada em 45o no plano XY. O aparecimento do pico de
carga na posic~ao (2;0;0) indica que as faixas se orientam diagonalmente
no cristal. [32] . . . 39 3.3 Depend^encia da intensidade e do esplitamento dos picos magneticos com
a temperatura no La 2
NiO
4:125. Os crculos vazios representam a
inten-sidade dos picos e os crculos cheios a inteninten-sidade integrada. Observa-se o aparecimento de alguns maximos locais de intensidade em posic~oes co-mensuraveis com a rede. [33] . . . 40 3.4 Representac~ao pictorica dos domnios antiferromagneticos sob uma
or-dem colinear de spins. As regi~oes mais escuras apresentam uma de-ci^encia de spin que indica a localizac~ao das faixas. [10] . . . 41 3.5 Padr~ao de espalhamento dos picos da ordem magnetica (esquerda) e de
carga (direita) noLa 1:48 Nd 0:4 Sr 0:12 CuO
4 sob diferentes regimes de
tem-peratura. A temperatura crtica da ordem de carga e claramente maior que a da ordem magnetica, indicando que as faixas resistem a aus^encia de magnetismo na amostra. Medidas subtradas do espalhamento de fundo. [34] . . . 41
3.6 Temperatura crtica de transic~ao supercondutora num composto dopado de La
2;x;y
NdySrxCuO 4;
y = 0:0 (crculos vazios) e y = 0:4 (crculos
cheios).[35] . . . 43 5.1 Soliton da densidade de carga (1;)(x) (curva solida) vs. u = x
calculada para U 2 = 1
:5 e U 2 = 0
:5, de cima para baixo. A curva
tracejada representa a distribuic~ao complementar (x). O alargamento
dos picos e provocado pela diverg^encia da escala com o aumento da
temperatura. . . 64 5.2 Depend^encia ded (eixo vertical) com o par^ametroU
2. . . 65
Lista de Tabelas
2.1 Comparac~ao entre os expoentes crticos da teoria de Landau em campo medio e do modelo de Ising. Os valores do modelo 2D s~ao calculados
exatamente; no modelo 3D eles s~ao medidos em experi^encia. [16] . . . . 29
4.1 Caractersticas da enesima pot^encia simetrizada de uma representac~ao, comn= 2, 3, e 4. [23] . . . 48
Captulo 1
Introduc~ao
Durante algum tempo, houve grande controversia envolvendo o aparecimento de uma superestrutura totalmente nova nos planos de Cu;O dos cupretos
\high-Tc", detectadas a partir de intensa atividade experimental. A depend^encia
in-trnseca dessa estrutura com a dopagem e o tipo de quebra de simetria transla-cional que ela induz nos diagramas de espalhamento trouxe a hipotese de que se tratam de faixas de carga, imersas num antiferromagneto bidimensional formado pelos stios de Cu2+ (3d9). Por esse ponto de vista, as cargas representam clusters
quase-unidimensionais de buracos que quebram ligac~oes antiferromagneticas entre os spins. A minimizac~ao do numero total de quebras de singletos privilegia a for-mac~ao de fases macroscopicas de buracos e spins segregadas. A estabilizac~ao das faixas e atribuda a repuls~ao de longo alcance entre os buracos.
A grande motivac~ao de experimentais e teoricos em compreender a natureza das faixas se deve a expectativa de que elas possam introduzir algum fato novo que leve a coer^encia de fase supercondutora, observada nesses materiais a temperaturas surpreendentemente altas. Em outras palavras, acredita-se que as faixas sejam a chave do mecanismo supercondutor de alta temperatura.
Entretanto, varios aspectos a respeito das faixas continuam ainda obscuros. N~ao se tem notcia de um modelamento teorico que descreva o comportamento das modulac~oes de spin e de carga em termos das variaveis termodin^amicas. Um dos motivos, talvez o principal deles, e que nenhuma das teorias microscopicas conhecidas parece ser capaz de abranger a todos os elementos importantes da fsica desse problema, que envolve ao mesmo tempo fen^omenos de troca tipicamente
qu^anticos, numa escala microscopica, com interac~oes de longo alcance, trataveis no limite termodin^amico. O intervalo de estabilidade das faixas com a temperatura e tambem algo surpreendente. Sabe-se que em alguns materiais elas suportam temperaturas da ordem de 1000K sob uma dopagem de 10%, indicando um regime de criticalidade totalmente atpico.
O proposito deste trabalho e buscar uma descric~ao alternativa baseada numa teoria fenomenologica de fen^omenos crticos. Para isso, lancamos m~ao da teoria de Landau em uma aproximac~ao classica de campo molecular. Apesar das limi-tac~oes obvias de uma teoria de campo macroscopico sobre um sistema de natureza microscopica, ela apresenta algumas vantagens bastante signicativas. A primeira delas e a robustez e generalidade dessa teoria, que permite descrever uma varieda-de surpreenvarieda-dentemente granvarieda-de varieda-de sistemas perto da regi~ao crtica. A segunda e o forte apelo intuitivo que ela exerce e que permite uma boa descric~ao qualitativa da transic~ao de fase.
Esta dissertac~ao foi organizada da seguinte forma: o captulo 2 e uma intro-duc~ao a teoria de Landau, onde se discutem os seus pressupostos e limitac~oes como teoria de fen^omenos crticos. No captulo 3, ha uma exposic~ao sobre as ob-servac~oes experimentais que fundamentam a hipotese da exist^encia de stripes nos oxidos \high;Tc". Os experimentos mais conclusivos s~ao recentes, e se baseiam
na interpretac~ao de diagramas de espalhamento de neutrons lentos sobre amostras dopadas.
No captulo seguinte retomamos o assunto da teoria de Landau, enfocando a import^ancia das simetrias das fases sobre a forma da energia livre do sistema. No captulo 5, desenvolvemos os calculos da teoria aplicada ao problema das faixas.
No modelo com um par^ametro de ordem sobre a magnetizac~ao alternada, ob-tivemos uma express~ao analtica em aproximac~ao assintotica que descreve a mo-dulac~ao de spin e carga no regime estatico. A soluc~ao de campo encontrada se aplica muito bem ao regime de baixa incomensurabilidade em materiais do tipo
La2;x;yNdySrxCuO2, cuja dopagem com Nd inibe fortemente o aparecimento de
utuac~oes na fase de Neel. A depend^encia da dist^ancia de separac~ao entre os picos com a dopagem (do tipo d
1
) concorda perfeitamente com as observac~oes nessa
regi~ao, onde a temperatura e a dopagem s~ao moderadas ( < 0:12).
Na segunda parte do captulo, incorporamos um segundo par^ametro de ordem na teoria visando descrever a criticalidade das faixas (altas temperaturas). O
pecto da soluc~ao e uma modulac~ao de carga altamente incomensuravel, de onde conclumos que o sistema sofre uma transic~ao de comensurabilidade em um regime intermediario de temperatura.
Desenvolvemos as conclus~oes gerais no ultimo captulo da dissertac~ao, discutin-do os resultadiscutin-dos da teoria e as limitac~oes discutin-do tratamento de campo molecular no problema das faixas. A teoria de Landau e particularmente muito bem sucedida em materiais que exibem ferromagnetismo macroscopico. A estrutura helicoidal da parede de Bloch, que separa domnios ferromagneticos vizinhos, e totalmente analoga a parede de Neel do caso antiferromagnetico tratado a partir de um campo macroscopico classico. Por esse motivo, inclumos no ap^endice um artigo sobre o comportamento crtico da estrutura de domnios ferromagneticos em sistemas nitos, ilustrando a aplicac~ao da teoria de Landau num modelo de quarta ordem.
Captulo 2
A teoria de Landau
2.1 Introduc~ao
Embora seja grande a variedade de sistemas fsicos em que se observam comporta-mentos crticos, todos eles apresentam semelhancas notaveis perto da transic~ao de fase. O longo alcance das utuac~oes e a diverg^encia da medida de escala (hipotese de scaling), tpicos da criticalidade, fazem com que a fsica do problema independa de caractersticas microscopicas, mas de propriedades muito fundamentais e talvez por isso universais como a dimens~ao do sistema e as simetrias das fases.
A descric~ao macroscopica representa uma simplicac~ao surpreendentemente ro-busta para todas as classes de sistemas ate agora observados. Nesse sentido, o conceito de par^ametro de ordem e absolutamente central na formalizac~ao da teo-ria, uma vez que ele permite distinguir as fases entre si e, portanto, denir de algum modo a transic~ao propriamente dita. A grande maioria dos modelos se serve do ferramental da mec^anica estatstica para esse m. O par^ametro de ordem, como o criterio da transic~ao, e geralmente denido como uma variavel extensvel depen-dente das func~oes termodin^amicas usuais, como a entropia e a energia livre, mas tambem implicitamente das variaveis inextensveis como press~ao e temperatura.
Neste trabalho, vamos considerar exclusivamente o efeito da temperatura sobre o diagrama de fase dos sistemas que nos interessam. A transic~ao de fase deve se dar, nesse caso, numa temperatura crtica Tc, na qual o sistema sofre mudancas
essenciais e que se re etem muitas vezes na simetria. Ao cruzarmos Tc no sentido
crescente da temperatura, o sistema abandona uma simetria qualquer e em geral se 14
estabiliza termodinamicamente numa fase de simetria mais alta, porem de maior entropia, necessariamente. No caso do ferromagnetismo anisotropico, por exemplo, a temperatura de Curie delimita a fase ordenada, na qual os spins se alinham em uma direc~ao preferencial, da fase paramagnetica desordenada. Na aus^encia de um campo magnetico externo, os spins da fase ordenada t^em simetria de invers~ao I, que pode ser interpretada como uma dupla degeneresc^encia do estado fundamental ferromagnetico. Na fase paramagnetica, a simetria da Hamiltoniana e o proprio
O(3) (C1;v), o que signica que o estado fundamental agora tem degeneresc^encia
innita. Esta tend^encia, entretanto, n~ao e completamente geral. A mudanca de estado lquido-gas e um exemplo classico de transic~ao que preserva a simetria das fases.
A ocorr^encia de degeneresc^encias em mec^anica qu^antica de poucos corpos leva a formac~ao de um estado dado por uma combinac~ao linear de estados degenerados, escritos numa base de auto-estados da Hamiltoniana. No limite termodin^amico, esse pressuposto deixa de fazer sentido, uma vez que o sistema precisaria de um tempo innito para abandonar espontaneamente um estado de baixa energia e se estabilizar em um outro estado degenerado. Estas degeneresc^encias representam, portanto, uma quebra espont^anea de simetria, uma vez que o sistema escolhe arbi-trariamente um estado degenerado para se estabilizar, adotando uma simetria mais baixa que a da sua Hamiltoniana. Pensando em termos da mec^anica estatstica, esse comportamento parece contraditorio com o princpio da media de ensemble, que deveria ser capaz de predizer no limite classico o estado de mais baixa energia. Existem duas considerac~oes que se podem fazer a respeito. Na verdade, nenhum desses sistemas em que se observa a quebra espont^anea de simetria satisfaz a con-dic~ao de hergodicidade, segundo a qual o intervalo da medida deve ser comparavel ao tempo necessario para o sistema percorrer todo o espaco de fase. A evoluc~ao no espaco de congurac~ao e muito mais consistente com a descric~ao de um siste-ma caotico que propriamente de um ensemble puramente estocastico com pesos estatsticos. O sistema parece restringir o espaco de fase a uma regi~ao com um unico polo atrator correspondente ao estado degenerado \escolhido", tornando a estabilizac~ao em uma outra regi~ao altamente improvavel, no limite termodin^amico. Deste modo, o estado fundamental n~ao carrega consigo o grupo de simetria total da Hamiltoniana, o que na aus^encia de utuac~oes gera um estado assimetrico [1].
A import^ancia das simetrias no estudo das transic~oes de fase foi observada ori-15
ginalmente por Landau. As transic~oes se dividem basicamente entre dois tipos. Elas s~ao contnuas ou de segunda ordem se as fases correspondentes forem indis-tinguveis uma da outra no ponto crtico. Do contrario, a transic~ao e descontnua ou simplesmente de primeira ordem. Uma transic~ao de segunda ordem exige que as variaveis termodin^amicas extensveis do sistema como entropia, energia e volu-me se comportem continuavolu-mente no ponto crtico. A aus^encia de calor latente e caracterstica desse tipo de transic~ao, que e frequentemente observada em sistemas high-Tc. Por outro lado, Landau aponta para a necessidade de que a transic~ao,
nes-te caso, ocorra entre fases de simetrias distintas. Do contrario, n~ao seria possvel caracterizar um par^ametro de ordem e portanto a propria transic~ao em si, uma vez que as fases seriam completamente indistinguveis.
Ha duas consequ^encias importantes da quebra de simetria. A primeira delas e a assinatura da transic~ao dada pelo grupo de simetria do par^ametro de ordem da fase ordenada. Esta caracterstica formaliza o conceito fundamental de que as transic~oes de fase t^em uma natureza discreta, no sentido de que n~ao e possvel mudar de fase imperceptivelmente, mesmo em transic~oes de segunda ordem. O argumento e um teorema basico da fsica do estado solido, que probe variac~oes contnuas da simetria [1]. A segunda consequ^encia e o aparecimento de modos de excitac~ao coletivos e utuac~oes, que quebram a degeneresc^encia da Hamiltoniana.
2.1.1 O par^ametro de ordem
A ideia mais central e generica da teoria de fen^omenos crticos e o conceito de par^ametro de ordem. Essencialmente, ele distingue as fases uma da outra incor-porando a simetria do Hamiltoniano, que e caracterizada pela degeneresc^encia do estado fundamental em cada regi~ao do diagrama de fase.
Vamos denir uma func~ao extensvel
(T;h) dependente da temperaturae de uma variavel termodin^amica externa h (no sentido de n~ao constituir uma propriedade do sistema), que sera chamada de conjugado termodin^amico de . Esta variavel e denida formalmente atraves da energia livre de Gibbs, como =
;@G
@h. O par^ametro de ordem
de um sistema proximo da criticalidade devesatisfazer a duas condic~oes essenciais: a primeira delas e que (T;0) = 0 paraT > Tc; a segunda, que
(T;h) possa ser escrito em termos de uma func~ao densidade'(
r
;T;h),Z
Dr'(
r
)(2.1) cuja media de ensemble descreva a congurac~ao associada ao estado termodin^amico globalmente mais estavel para algum funcional 'o(
r
) h'(r
)i. Dado que oen-semble e um invariante translacional, podemos escrever simplesmente que
=R
Drh'(
r
)i. A primeira condic~ao exige que o par^ametro de ordem se anuleespon-taneamente na fase de alta temperatura, enquanto a outra imp~oe que seja o unico grau de liberdade relevante para a descric~ao do sistema perto da transic~ao de fase. Consequentemente, (T;0) tende a zero continuamente a medida que T ! Tc,
numa transic~ao de segunda ordem.
Para h6= 0, o par^ametro de ordem e n~ao nulo na fase T > Tc. A raz~ao disso e
quehmodica drasticamente o estado fundamental do sistema. No caso magnetico, o conjugado termodin^amico da magnetizac~ao e o campo magnetico aplicado. Na presenca deste campo, a fase paramagnetica e ordenada e o par^ametro de ordem tem modulo diferente de zero. O estado fundamental da fase ferromagnetica sofre uma quebra de degeneresc^encia que se estende para a fase de alta simetria.
2.2 O funcional de Landau
Vamos admitir um sistema em que h 0, de modo que o modulo do par^ametro
de ordem possa ser considerado sucientemente pequeno em uma regi~ao perto da temperatura crtica. A ideia e construir uma densidade de energia expandida numa serie de pot^encias em termos da densidade do par^ametro de ordem. 'no caso e um campo macroscopico que descreve toda a fsica do problema perto da transic~ao, a menos de utuac~oes de alcance menor que um certo comprimento . Esta medida dene o vetor de onda de corte
1
para as componentes de Fourier de '(
r
).Assumindo que as dist^ancias em que a densidade do par^ametro de ordem varia sejam maiores que , que por sua vez e muito maior que a escala microscopica denida pelo par^ametro de rede, vamos escrever a func~ao de partic~ao do sistema na forma
Q(T;h) =e;G(T;h)=kT =C Z
D'e;E(';h) , (2.2)
com G(T;h) a energia livre de Gibbs e E a Hamiltoniana efetiva do problema normalizada por kT. A integral em D' varre todo o espaco de congurac~oes do par^ametro de ordem. Escrevendo a energia em termos de uma func~ao densidade
E(';h) = Z
Dr f(';
h
) , (2.3)denimos o funcional de Landau f.
Em um campo contnuo, a estabilidade termodin^amica das soluc~oes n~ao ho-mog^eneas depende da competic~ao entre um termo \cinetico", em geral na forma de um gradiente quadratico, e a interac~ao de um potencial n~ao local. A forma da \energia livre de Landau" f('(
r
);h
) para um campo de n componentes numespaco de dimens~ao generica e
Z DrXn j ; (')(r'j) 2 +U(';
h
) . (2.4)A ideia e assumir que U(') possa ser expandido numa serie polinomial das n
componentes de 'i, conservando a simetria do par^ametro de ordem.
Uma vez que h e pequeno, podemos restringir a interac~ao do campo conjugado com o sistema a um termo de ordem 1 na expans~ao de U (resposta linear). Dado isto e a relac~ao geral i =;
@G
@hi, pode-se deduzir de (2.2) e (2.3) que:
U(';
h
) =U(');1
kT'
h
. (2.5)No caso especco de um campo escalar, o funcional pode ser desenvolvido na forma f('(
r
);h(r
)) = aojr'(r
)j 2 ; 1 kT '(r
)h(r
) + 1 X i=2 aj'j(r
) . (2.6)O termo de primeira ordem da expans~ao e em geral atribudo a interac~ao do campo com h. Os coecientes an s~ao par^ametros fenomenologicos que dependem
exclu-sivamente da temperatura. Vamos em breve fundamentar esses coecientes um pouco melhor.
Do ponto de vista da simetria, podemos desde ja fazer algumas considerac~oes importantes. Pensando num modelo de Ising (campo escalar), a aus^encia de campos externos provoca uma dupla degeneresc^encia no estado de energia mais baixa. Isto
quer dizer que a densidade de energia do problema e uma func~ao par. Nesse caso, todos os coecientes de ordem mpar da expans~ao do funcional (2.6) s~ao iguais a zero. Em sistemas com simetrias mais complexas e que utilizam dois ou mais par^ametros de ordem com varias componentes cada um, a eliminac~ao dos termos com simetria incompatvel n~ao e t~ao evidente. Este assunto sera tratado com mais detalhe no captulo 4.
2.2.1 Aproximac~ao de campo medio
A grande diculdade dos modelos estatsticos exatamente soluveis e calcular a func~ao de partic~ao do sistema. No caso da teoria de Landau, a diculdade n~ao e diferente, uma vez que o problema consiste em encontrar a energia livre de Gibbs a partir da integral no espaco de congurac~oes da densidade do par^ametro de ordem. Segundo a mec^anica estatstica, a condic~ao de estabilidade termodin^amica de um sistema generico depende de que a sua energia livre seja mnima. Perto da regi~ao crtica, a energia livre de Gibbs e uma func~ao estritamente de'e
h
. Rigorosamentefalando, a congurac~ao do sistema mais provavel e aquela que minimiza G(';
h
).Isto quer dizer que a soluc~ao de campo que descreve o estado fundamental depende do calculo variacional R
D'e;E(';h)=kT = 0 com respeito a
'(
r
), o que envolveum problema de complexidade consideravel, n~ao exatamente soluvel na grande maioria dos casos. Este cenario pode ser drasticamente simplicado se utilizarmos uma aproximac~ao de ponto de sela para o calculo. Ela consiste em tomar o valor maximo do integrando e consequentemente o mnimo de E(';
h
). A soluc~ao doproblema agora passa a ser encontrar uma congurac~ao '(
r
) tal queZ
Drf('(
r
);h
) = 0 . (2.7)Nesta aproximac~ao, o funcional de Landau devera satisfazer a equac~ao generalizada de Euler-Lagrange, levando-se em conta todos os vnculos do sistema.
Para ns praticos, a aproximac~ao de campo medio signica tomar a express~ao da energia livre pela da Hamiltoniana. Vamos considerar um campo escalar com simetria de invers~ao, livre de vnculos ou condic~oes de contorno. Esse e exata-mente o caso de um sistema de spins innito com par^ametro de ordem M (Ising). Claramente, a congurac~ao mais favoravel em energia e uma soluc~ao de campo homog^enea com 'h'(
r
)i constante. Na aus^encia de campo magnetico externo,a energia livre e simetrica com respeito a invers~ao simult^anea de todos os spins. Isto quer dizer que f('(
r
);T;0) e par e pode ser escrita sucientemente perto deTc como: f(';T;0) = 1 X j=0 a2j(T)' 2j (2.8)
Os coecientesa2j s~ao func~oes da temperatura. Eles podem ser expandidos em
serie de Taylor em torno de T =Tc,
a2j = 1 X k=0 a2j;k(T ;Tc) k . (2.9)
A energia livre de Helmholtz A(m;0) E(m;0) em aproximac~ao de campo
medio. No caso homog^eneo, esta relac~ao pode ser estendida para as func~oes densi-dade correspondentes. Partindo de uma das relac~oes de Maxwell,
h= 1V @A @' T = 1 X j=0 2j a2j(T)' 2j;1 = 2a 2(T)'+ 4a4(T)' 3+:::= 0 . (2.10) Notando que @h @' T = 1 V @2A @'2
T, o inverso da susceptibilidade isotermica pode ser
obtido de 1 T = 1V2 @2A @'2 T = 1 X j=1 2j(2j;1)a 2j(T)' 2j;2 = 2a2(T) + 12a4(T)' 2 +::: . (2.11) Espera-se que a susceptibilidadeT divirja na temperatura crtica para campo
zero (h = 0). Uma vez que o par^ametro de ordem ;! 0 quando T ;! Tc
(transic~ao de segunda ordem), ent~ao a2;0 = 0. Este resultado quer dizer que o
coeciente do termo de ordem 2 na expans~ao da energia livre (2.8) pode ser escrito em primeira ordem como:
a2(T) = a(T
;Tc) , (2.12)
com a =a2;1 constante.
Por denic~ao, a densidade do par^ametro de ordem estabiliza a fase desordenada em ' = 0 (h = 0). Ela pode ser redenida em termos dos par^ametros fenome-nologicos da energia livre como um conjunto de graus de liberdade 'i que requer
a positividade para T > Tc de todos os coecientes aj(T) n~ao nulos, condic~ao
ne-cessaria para que ' = 0 corresponda de fato ao mnimo de f(') na temperatura crtica. Alem disso, e necessario que pelo menos um coeciente mude de sinal em
Tc, para que a fase ordenada tenha ' diferente de zero. Usualmente, considera-se
a exist^encia de um unico coeciente mpar em T na expans~ao, de modo a evitar o aparecimento de transic~oes singulares, em que pequenas utuac~oes de press~ao ge-ram mudancas na simetria das fases. Uma discuss~ao desse aspecto da teoria pode ser encontrada em Toledano [37].
Considerando portanto que o termo de segunda ordem seja o unico a se anular em Tc, chegamos a conclus~ao que a constantea da equac~ao (2.12) e positiva e que
todos os outros coecientes aj de ordem superior s~ao, em primeira aproximac~ao,
constantes tambem positivas.
Vamos restringir a expans~ao (2.8) ate o termo de quarta ordem (modelo '4).
Voltando a equac~ao (2.9) e substituindo em (2.10), obtemos o valor do modulo de que estabiliza as fases (ou seja,
@2f
@'2
' >0) em primeira ordem com a temperatura,
= ( Vq a 2a 4;0 (Tc ;T) 1 2 T < T c 0 T > Tc . (2.13)
Substituindo o resultado acima em (2.11), temos a express~ao da susceptibilidade isotermica, ;1 T = ( 4a(Tc;T) T < Tc 2a(T ;Tc) T > Tc . (2.14) Abaixo deTc, o termo de segunda ordem compete com o termo de ordem quatro,
estabilizando . Em T =Tc, a2 muda de sinal e o estado fundamental do sistema
recai sobre a soluc~ao trivial '0 na fase adjacente.
A presenca de campos externos e equivalente ao efeito de uma forca generalizada que modica as condic~oes de estabilidade e a simetria das fases, quebrando as degeneresc^encias do par^ametro de ordem. Esse efeito e bastante claro, pensando nas consequ^encias de um termo linear na expans~ao da energia livre sobre os par^ametros fenomenologicos. Sob o aspecto da simetria, ele viabiliza o aparecimento dos termos
de ordem mpar, reduzindo o grupo de simetria da fase ordenada. Nesse caso, a soluc~ao '0 obviamente n~ao satisfaz ao mnimo de f para T > Tc.
O modelo'4e o mais simples a predizer um comportamento estavel para a fase
ordenada. Nos modelos '6 e '8, o sistema se desmembra em estados metaestaveis
na parafase (T > Tc), mas que n~ao oferecem nenhuma informac~ao adicional ao
estado fundamental [38].
2.3 A func~ao de correlac~ao
Vamos considerar o efeito das utuac~oes sobre o par^ametro de ordem na teoria de Landau. A medida dessas utuac~oes e dada por (
r
) '(r
); h'(r
)i. Atemperatura zero, um sistema hipotetico qualquer deve repousar no seu estado fundamental qu^antico. O aumento da temperatura provoca excitac~oes cujo efeito e aumentar a desordem e reduzir o modulo da densidade do par^ametro de ordem, uma vez que ele e dado pelo somatorio das contribuic~oes microscopicas calculado numa bola de raio da ordem de (comprimento de correlac~ao). A func~ao de correlac~ao e denida a partir das utuac~oes como
;(
r
;r
0) =h(
r
)(r
0)i . (2.15)
Ela mede o grau de interdepend^encia da densidade do par^ametro de ordem nas posic~oes
r
er
0, o que num certo sentido e a medida do grau de in u^encia deuma perturbac~ao localizada num ponto sobre um outro ponto do sistema. Esta interpretac~ao ca bastante clara se reescrevermos (2.15) na forma:
;(
r
;r
0) = h'(r
)'(r
0) i;h'(r
)ih'(r
0) i , (2.16)que e analoga ao criterio estatstico que avalia a independ^encia entre duas variaveis aleatorias.
O par^ametro de ordem e sempre uma grandeza observavel e por isso ele e real. A sua func~ao densidade, no entanto, nem sempre, como no caso supercondutor. Vamos assumir uma teoria classica, onde '(
r
) e real. O calculo da func~ao de cor-relac~ao pode ser feito, percebendo que uma perturbac~ao sobre o campo conjugadoh(
r
);!h(r
)+h(r
) num sistema com HamiltonianaE =Eo(';T); RDr'(
r
)h(r
) 22induz uma utuac~ao sobre '(
r
);!'(r
)+'(r
), cuja medida e dada em primeira ordem por h'(r
)i= Tr '(r
)e;E=kT Tr[e;E=kT] = 1 kT Z Dr
0 ;(r
;r
0 )h(r
0 ) . (2.17) Este resultado e bem conhecido pela fsica estatstica [16]. Introduzindo o funcional de Landau f da teoria '4 e tomando o variacional, temos2a2+ 12a4 h'(
r
)i 2 ;2aor 2 h'(r
)i=h(r
) +h(r
)h'(r
)i . (2.18)Para uma transic~ao de segunda ordem, e preciso tomar o limite de h(
r
) ;! 0.Substituindo (2.17) em (2.18), Z Dr0 2a2+ 12a4 h'(
r
)i 2 ;2aor 2 ;(r
;r
0) ;kT(r
;r
0) h(r
0) = 0 , (2.19)para qualquer incremento h(
r
0). Isto quer dizer que o integrando entre par^entesesvale zero, e portanto
2a2 + 12a4 h'(
r
)i 2 ;2aor 2 ;(r
;r
0 ) =kT(r
;r
0 ) . (2.20) Basta substituir o valor de h'(r
)i e calcular a func~ao de correlac~ao. No caso desistemas homog^eneos ou de sistemas inomog^eneos mas que preservam o modulo de'
constante (por exemplo, num ferromagneto organizado em domnios), h'(
r
)i=V
e extrado diretamente da equac~ao (2.13). A func~ao de correlac~ao prevista pela teoria de Landau para esses sistemas (dimens~ao d) e
;(
r
;r
0) = kT 8 a0 e;jr;r 0 j 1 jr
;r
0 jd ;2 , (2.21) com (T) = ( p a0 2a(Tc ;T) ; 1 2 T < T c p a0 a (Tc;T) ; 1 2 T > T c .denindo o comprimento de correlac~ao em termos dos par^ametros fenomenologicos. Do ponto de vista fsico, esta express~ao faz sentido quando as dist^ancias j
r
;r
0 j
s~ao maiores que . O campo macroscopico que dene a densidade do par^ametro de ordem e construdo localmente atraves de uma media de ensemble numa regi~ao onde
o comportamento microscopico do sistema e essencialmente regido pelas utuac~oes termicas. O raio dessa regi~ao e da ordem do comprimento de correlac~ao. Do ponto de vista de '(
r
), portanto, dene a escala do sistema, a medida em que ele corresponde a menor dist^ancia que o campo macroscopico e capaz de \enxergar". Alem disso, diverge na temperatura crtica. A conclus~ao mais importante que se extrai deste comportamento e que o alcance das utuac~oes aumenta com a temperatura e no limite T ;! Tc ele se estende sobre todo o sistema com amesma rapidez com que o modulo do par^ametro de ordem tende a zero. Uma outra interpretac~ao possvel, e que o sistema sofre de invari^ancia de escala no ponto crtico (hipotese de scaling).
2.4 Os expoentes crticos
O aumento do comprimento de correlac~ao e equivalente a uma renormalizac~ao na escala do sistema, uma vez que o par^ametro de ordem e por hipotese o unico grau de liberdade relevante na transic~ao de fase e e a menor dist^ancia em que ' e capaz de detectar uma interac~ao. Kadano et al [16] sugere o reescalonamento de modelos de Ising atraves da ideia de transformac~ao de blocos de spin, em que cada bloco interage com os outros blocos como se fosse um spin cujo modulo e o spin medio do bloco.
Esse procedimento faz bastante sentido perto da regi~ao crtica, onde a correlac~ao e regida essencialmente pelas utuac~oes de comprimento de onda longo ( > ), e n~ao pelas caractersticas microscopicas do sistema. Este argumento justica em grande parte o carater universal das transic~ao de fase, que permite agrupar siste-mas aparentemente bastante diversos em classes de universalidade. O criterio que permite classicar as similaridades entre esses sistemas e baseado num conjunto de ndices conhecidos como expoentes crticos, genericamente denidos atraves do limite = limt !0 lng(t) lnjtj , (2.22)
envolvendo uma variavel termodin^amicag qualquer e o par^ametro crticot T ;T
c
Tc .
A ideia e que dois sistemas fsicos com o mesmo conjunto de expoentes crticos pertencam a mesma classe de universalidade, mesmo que as grandezas envolvidadas
nos dois sistemas diram em varias ordens de grandeza, um em relac~ao ao outro. Dentro de uma certa aproximac~ao, o conceito pode ser estendido para uma bola centrada em Tc (jtj<<1), assumindo que
lng(t)
lnjtj , ou seja, g(t)
jtj.
Os dados experimentais disponveis nas transic~oes de fase s~ao medidas da de-pend^encia da capacidade termica, do par^ametro de ordem, da susceptibilidade e de outras variaveis extensveis comt. Dada a magnitude e o alcance das utuac~oes sobre a amostra, a unica informac~ao signicativa sobre a transic~ao de fase e a lei de decaimento dessas grandezas com o par^ametro crtico t.
As func~oes termodin^amicas mensuraveis podem ser parametrizadas dentro da aproximac~ao crtica atraves desses expoentes. Dentro desse esprito, a capacidade termica C=T@2G
@T2 tem uma parte singular proporcional a jtj ;, a susceptibilidade = 1 V @h'i @h jtj ; , e o par^ametro de ordem jtj com h = 0 e jtj ; 1 para
t = 0. Por sua vez, a func~ao de correlac~ao pode ser escrita como: ;(
r
;r
0) t;!0 ;! jr
;r
0 j ;pe ;jr;r 0 j 1 , (2.23)onde p e denido pela literatura como d;2 + e jtj
;. Este conjunto de
ndices gregos dene cada uma das possveis classes de universalidade entre os sistemas crticos. Ele depende de um modo essencial da dimens~ao do sistema e do grupo de simetria espacial do par^ametro de ordem.
2.4.1 Leis de escala
Partindo da hipotese de scaling, enunciada na sec~ao 2.3, a manifestac~ao do efeito da temperatura sobre um sistema pode ser simplicada a um problema de escala, xada pelo comprimento de correlac~ao. Uma simples analise dimensional das va-riaveis termodin^amicas permite relacionar os expoentes crticos entre si e com isso reduzir o numero de graus de liberdade de cada conjunto de escalares que dene uma classe.
A formalizac~ao desta hipotese exige que todas as func~oes termodin^amicas e equac~oes de estado sejam func~oes homeg^eneas, ou seja, que
g(bDtt;bD
hh) =bD
gg(t;h) .
Ao inves de partir por este caminho, vamos tomar um atalho. A densidade de energia livre normalizada por kT, g = G
V kT, tem dimens~ao de [comprimento];d.
Assim, [g] =L;d. A func~ao de correlac~ao normalizada conforme a equac~ao (2.23)
t^em dimens~ao deLd;2+, que por denic~ao e a mesma de [ h'i 2 ]. Consequentemente, se Ljtj ;, ent~ao ;(d;2 +) = 2 . (2.24)
Prosseguindo nessa linha, a susceptibilidade pode ser obtida em termos da func~ao de correlac~ao, impondo h constante. Dividindo o incremento h'(
r
)i de(2.17) por he tomando o limite,
(
r
) = 1kTZ
D
r
0;(r
;r
0) . (2.25)Este resultado e chamado de teorema da utuac~ao dissipac~ao. A dimens~ao da susceptiblidade normalizada e [kT] =L;2
jtj
; , de onde sai a lei de escala
=(2;) . (2.26)
Tomando a derivada segunda da energia de Gibbs normalizada, C /
@2g @T2 jtjd ;2 jtj ;. Alem disso, h kT = h g h'i i = L;d+ jtj ; . As duas ultimas relac~oes s~ao: d= 2; , (2.27)
conhecida como a lei de Fisher, e
2 =(2 +d;) . (2.28)
Observando que ha no total seis expoentes crticos,,, ,,e, relacionados atraves de quatro equac~oes L.I., basta calcularmos 2 deles quaisquer para encontrar os demais. Olhando para a express~ao do modulo do par^ametro de ordem e da susceptibilidade calculadas numa amostra innita (equac~oes (2.13) e ( 2.14)), vemos que = 1
2 e = 1, de onde obtemos que= 0, = 3, = 0 e = 1
2. Estes valores
s~ao conhecidos como expoentes crticos classicos, talvez por serem os mais antigos.
2.5 O problema da inomogeneidade
Na grande maioria dos sistema reais, a densidade do par^ametro de ordem e um funcional que varia localmente com a posic~ao. Esses sistemas s~ao em geral ni-tos e apresentam algum tipo de anisotropia. Sob o ponto de vista da teoria, o aparecimento das inomogeneidades nas soluc~oes de campo e uma consequ^encia das condic~oes de contorno e da geometria da variedade, possivelmente aliadas a alguma assimetria espacial que se re ete sobre o grupo de simetria do par^ametro de ordem. Alguns sistemas acabam formando domnios, que s~ao regi~oes nitas onde'(
r
)e praticamente uniforme. A inomogeneidade desse tipo de soluc~ao aparece con-centrada na regi~ao de parede entre dois domnios vizinhos (parede de Bloch). No caso ferromagnetico (tratado originalmente por Landau e Lifshitz [19]), existe uma competic~ao entre a anisotropia uniaxial que privilegia a orientac~ao dos spins em uma direc~ao, representada no funcional de Landau pelo termo de segunda ordem
; m2 x+m2 y +; m2 z ,
e a condic~ao de contorno na interface do sistema (nito) em aproximac~ao de campo fraco, que exige que as linhas de
m
quem connadas dentro do corpo. Dada a condic~ao global de uxo fechado, traduzida localmente por rm
= 0, os spinstendem a se estabilizar termodinamicamente numa congurac~ao que atende a con-dic~ao de contorno (formac~ao de domnios vizinhos em antifase) mas que minimiza a extens~ao das regi~oes de parede, uma vez que a interac~ao de troca entre os spins
(rmx) 2 + (rmy) 2 + (rmz) 2 ,
aumenta o custo energetico das variac~oes da magnetizac~ao em todo o sistema. A competic~ao gera uma ordem espiral na parede de Bloch, indicando que a variac~ao do campo
m
(r
) entre dois domnios vizinhos e suave. A estabilizac~ao do modulo da magnetizac~ao espont^anea, dentro do contexto da teoria de Landau, requer ainda a presenca de um termo de quarta ordem que contenha o grupo de simetria do termo de ordem mais baixa. A analise do comportamento crtico desse sistema foi includa no ap^endice, na forma de um artigo.Ao que tudo indica, o comportamento dos domnios com a temperatura e um caso a parte ao que se sabe da fsica de interfaces rgidas em lmes nos, conside-rando desde ja que a contribuic~ao predominante em energia esta concentrada na
regi~ao de parede e n~ao no interior dos domnios. Um bom indcio da import^ancia das regi~oes de parede e a diverg^encia, no ponto crtico, do calor especco calculado pela teoria de Landau na aproximac~ao de campo medio.
O aspecto mais intrigante, no entanto, s~ao os valores dos expoentes crticos que denem a classe de universalidade dos sistemas ferromagneticos nitos (baixa anisotropia). Os valores calculados no ap^endice s~ao: = 1
4, = 1 2, = 3 4, = 7 12, = 5 2 e = 5
7. A diferenca em relac~ao ao comportamento tpico do calor
especco em interfaces ( = 1
2) pode ser explicada pela depend^encia da largura
dos domnios com a temperatura. A fsica do problema, entretanto, e regida pelo comportamento crtico da largura das paredes. Ela representa a escala do sistema para esse tipo de inomogeneidade, fazendo um papel analogo ao do comprimento de correlac~ao. E por esse motivo que a criticalidade dos sistemas organizados em domnios e dominada pelas contribuic~oes em energia dos termos de superfcie e interface, quando ;!1 a medida em que t vai a zero.
2.6 Discuss~ao sobre a validade da teoria de
Ginzburg-Landau
A teoria introduzida neste captulo e uma ferramenta poderosa para a compreens~ao do comportamento crtico. Uma das vantagens obvias sobre as demais teorias e que ela permite descrever as principais propriedades fsicas do sistema perto da transic~ao de fase sem mencionar nenhum modelo microscopico. Alem de geral, ela e tambem bastante robusta, uma vez que e fundamentada por argumentos gerais de simetria e pelo conceito de par^ametro de ordem, que permite em ultima analise uma descric~ao qualitativa bastante satisfatoria.
Por outro lado, a aplicabilidade da teoria fora da aproximac~ao de campo medio e bastante limitada, ja que o calculo da func~ao de partic~ao do sistema em uma aproximac~ao n~ao gaussiana e uma tarefa de complexidade consideravel.
A propria aproximac~ao de campo medio apresenta problemas. Em particular, ela invalida a expans~ao (2.6) em sistemas cujo calor especco C = T@2A
@T2 diverge
emTc, como e o caso do modelo de Ising bidimensional [28]. Um outro problema e
o grau de concord^ancia dos expoentes crticos previstos pela teoria com os valores experimentais.
Os resultados teoricos da teoria classica representam uma aproximac~ao grosseira da realidade. A raz~ao disso pode ser encontrada facilmente. Ao postularmos que a fsica do problema pode ser escrita atraves de um campo macroscopico calculado por uma media local numa regi~ao onde as dist^ancias s~ao menores que o comprimento de correlac~ao, ignoramos todas as utuac~oes microscopicas, que na criticalidade adquirem uma import^ancia fundamental.
Esta limitac~ao restringe o uso da teoria de Landau a uma regi~ao do diagrama de fase. Ha portanto uma temperatura limite, acima da qual as utuac~oes se tornam excessivamente importantes para serem ignoradas, invalidando as soluc~oes de campo para a densidade do par^ametro de ordem.
Existem indicac~oes experimentais de que a teoria molecular (campo medio) e correta em sistemas ferromagneticos ate valores pequenos de t, da ordem de 10;2.
No antiferromagnetismo, o alcance da interac~ao de troca e sensivelmente menor, o que deve implicar num intervalo de validade mais restrito, comt maior que algo da ordem de 10;1. Em materiais cujas interac~oes s~ao ao contrario de longo alcance,
como por exemplo em ferroeletricos, esse intervalo pode se estender ate jtj10 ;3
[16].
Landau Ising- 2D Ising- 3D
0 0 0.0 - 0.25 1 2 1 4 0.313 0.004 1 7 4 1.250 0.001 0 1 4 0.056 0.008 3 15 5.2 0.15 1 2 1 0.643 0.0025
Tabela 2.1: Comparac~ao entre os expoentes crticos da teoria de Landau em campo medio e do modelo de Ising. Os valores do modelo 2D s~ao calculados exatamente; no
modelo 3D eles s~ao medidos em experi^encia. [16]
2.6.1 O criterio de Ginzburg
Uma maneira de avaliar quantitativamente a import^ancia das utuac~oes sobre a densidade do par^ametro de ordem consiste em comparar a magnitude delas ao longo de uma dist^anciacom o valor do modulo deh'(
r
)ineste intervalo. Podemos aferir jh'(r
)ij pela media a partir da relac~ao (2.13), com T < Tc. A validade da teoriaexige que a medida das utuac~oes seja pequena em comparac~ao com a magnitude do par^ametro de ordem, isto e
;() '2 2;d ;a 2=a4 << 1 . (2.29) Dado que = ; 2a 2 a0 ;1=2
e a2 = at, temos o criterio de Ginzburg em campo
medio, a4 a0 a a0 jtj d;4 2 <<1 . (2.30) E extremamente interessante notar que para d 4 essa condic~ao pode ser
satisfeita para qualquer t, incluindo o limite t;!0. De acordo com o diagnostico
que demos na sec~ao anterior para a causa das discrep^ancias entre as previs~oes da teoria de campo medio e as experi^encias, deveramos esperar que os expoentes crticos concordassem entre eles num sistema hipotetico de dimens~ao 4. Este parece ser o caso. A determinac~ao desses expoentes atraves do calculo da func~ao de partic~ao, em aproximac~ao Gaussiana, mostra que eles coincidem exatamente com os expoentes crticos classicos para d = 4. Os detalhes desse calculo podem ser encontrados em Huang [14].
O aumento do numero de coordenac~ao diminui a import^ancia efetiva das u-tuac~oes sobre '(
r
). A falha da aproximac~ao de campo medio nos sistemas reais, que consiste em negligenciar utuac~oes de pequeno comprimento de onda, pode ser contornada com o aumento da dimensionalidade do sistema. Pode-se observar um bom indcio desta tend^encia, notando que a concord^ancia do modelo de Ising-3Dcom a teoria de Landau e substancialmente maior que no modelo de Ising de di-mens~ao 2. Apesar de \tosca", a aproximac~ao n~ao deve ser subestimada, pois ela ainda assim oferece uma valiosa descric~ao qualitativa do comportamento crtico do sistema.
Captulo 3
Indicac~oes experimentais sobre a
exist^encia das faixas
3.1 Introduc~ao
A supercondutividade de altas temperaturas e um fen^omeno bastante intrigante e ainda n~ao explicado conclusivamente por nenhuma teoria microscopica. A forte depend^encia do carater supercondutor desses materiais com o nvel de dopagem, incluindo a temperatura de transic~ao supercondutora Tc, acima da qual o material
exibe comportamento isolante, indica um mecanismo de supercondutividade dife-rente da teoria BCS usual. Uma hipotese para o mecanismo alternativo consiste na formac~ao de estruturas de carga topologicas provocadas pela dopagem (doping topologico) nos planos de Cu-O, levando ao aparecimento de linhas de carga orien-tadas numa direc~ao de maior anisotropia. No regime n~ao dopado, os stios de Cu2+
t^em spin 1=2 (3d9) e se correlacionam antiferromagneticamente ao longo dos planos
numa ordem de longo alcance, na presenca de uma direc~ao anisotropica [24]. A introduc~ao de ons dopantes do tipo Sr2+ e Ce4+ no sistema cria um reservatorio
de cargas nos planos de CuO2. Os eletrons excedentes tendem a se localizar nos
stios de cobre, o que gera uma competic~ao entre a correlac~ao antiferromagnetica atrativa dos spins e a repuls~ao coulombiana dos stios com um buraco (Cu+). Se,
por um lado, o comportamento n~ao homog^eneo da distribuic~ao de cargas no pla-no pode ser heuristicamente justicado deste modo, a natureza topologica dessas estruturas e bastante questionavel, uma vez que as linhas de carga s~ao objetos
unidimensionais e n~ao apresentam correlac~ao de longo alcance que possa justicar a supercondutividade nesses materiais [6]. A alternativa mais aceita atualmente e que n~ao se tratam de linhas de carga, mas de faixas [31]. A formac~ao de faixas nos planos dos oxidos high-Tcfoi prevista teoricamente por Zaanem e Gusnnarsson [42]
a partir da hamiltoniana de Hubbard de uma banda em aproximac~ao de campo medio numa rede nita de 10 10 stios, usando como par^ametros a interac~ao
coulombiana local no stio dos eletros da banda d, a energia de hibridizac~ao entre orbitais pe d e o custo energetico de uma utuac~ao d9
;!d 10+p
;buraco.
Indcios de segregac~ao s~ao tambem encontrados em outras famlias de oxidos. Nos compostos de Ni, o comportamento dos buracos introduzidos via doping e bastante similar aos deCu. Estudos de espalhamento de neutrons t^em demonstrado que as correlac~oes de spins e carga assumem padr~oes de depend^encia com a dopagem bastante parecidos [30]. No entanto, as propriedades de transporte parecem ser bastante distintas. Todos esses compostos s~ao isolantes no estado normal n~ao dopado (o gap isolante se mantem mesmo acima da temperatura de Neel, indicando que n~ao se tratam de isolantes de Slater, regidos pelas spin density waves). Se por um lado os cupretos adquirem comportamento metalico, que se transforma em supercondutor a altas temperaturas e sob uma dopagem relativamente baixa de 0:05 ons por stio de Cu (La2;xSrxCuO4), os niqueletos permanecem isolantes
quando submetidos a uma dopagem dez vezes maior (La2;xSrxNiO4).
Acredita-se que a supercondutividade esteja ligada as utuac~oes das faixas de carga, que possibilitariam teoricamente a formac~ao da coer^encia de fase de longo alcance e a estabilizac~ao termodin^amica das stripes na aus^encia de ordem magnetica.
Em particular, os oxidos deCr t^em um comportamento a parte dos compostos de Cue Ni. O padr~ao de espalhamento das faixas nesses mateirais e inteiramente analogo ao padr~ao do La2NiO4 dopado, na fase magneticamente ordenada.
Ex-perimentos de espalhamento totalmente inelastico, no entanto, vericam que as ordens de spin e carga desaparecem juntas na temperatura de Neel, indicando pos-sivelmente a aus^encia de din^amica. O estudo desses materiais pode ser uma boa indicac~ao do comportamento das faixas nos cupretos e niqueletos no regime de baixa temperatura e dopagem.
3.2 Observac~oes experimentais
Os oxidos high-Tc de cobre e nquel t^em sido alvo de intensa investigac~ao
experi-mental. A intenc~ao e observar como esses sistemas se comportam em diferentes tipos e nveis de dopagem, vericando algumas hipoteses sobre a distribuic~ao das cargas nos planos. O diagrama de fase com a dopagem ainda n~ao e bem conhecido. No caso especco do composto La2CuO4, n~ao dopado, observa-se uma
tran-sic~ao de segunda ordem da fase tetragonal altamente simetrica para a ortorr^ombica em TO=T = 530 K. Os ons de Cu2+ exibem propriedades magneticas nesse
mate-rial, cuja temperatura crtica de transic~ao antiferro-paramagnetica e TN = 300 K.
Introduzindo uma dopagem de cargas nos oxig^enios dos planos deCuO2, o
compos-to dopado La2CuO4+ exibe um comportamento bastante diverso. Para
0:03,
o material tem uma separac~ao macroscopica de fase abaixo de TS 260;320 K
entre uma fase fortemente dopada (0
0:08), supercondutora abaixo de Tc = 35
K e uma fase isolante n~ao dopada (00
0:00,TN 250 K ).
Alternativamente, dopando o compostoLa2;xSrxCuO4 comonsSr
2+ no lugar
do La3+, n~ao se observa nenhum tipo de segregac~ao macroscopica das cargas. No
entanto, a depend^encia das transic~oes de fase com a dopagem se torna bastante dramatica. Para x 0:02 e 0:2 respectivamente, a amostra n~ao exibe
antiferro-magnetismo e se conserva na fase tetragonal sob qualquer regime de temperatura [8]. Isso signica que as temperaturas de transic~ao podem ser escritas como func~oes da dopagem e que para esses valores crticos de x TN e TO=T s~ao respectivamente
zero. Cho, Chu e Johnston [8] propuseram uma lei de decaimento da temperatura de Neel com x, 1; TN(x) TN = x xc n (3.1) e encontraram experimentalmente o valor de n 2, independente da dopagem
sobre os oxig^enios.
O mecanismo de segregac~ao das cargas tem uma depend^encia intrnseca com o tipo de dopagem no composto. A dopagem dos oxig^enios no La2;xSrxCuO4+
induz o aparecimento de fases macroscopicas de spin e carga saparadas. A raz~ao disso esta ligada ao encurtamento do alcance do potencial efetivo de interac~ao entre as cargas, o que se re ete na pouca mobilidade dos eletrons introduzidos pelos oxig^enios. Em func~ao disso, o termo de potencial e insuciente para frustrar
a tend^encia a condensac~ao dos spins, responsavel pela formac~ao das fases.
Os estudos mais importantes que descrevem propriamente as estruturas de car-ga nos oxidos high-Tc s~ao baseados em experimentos de difrac~ao de neutrons. A
vantagem do uso de neutrons lentos reside na boa sensibilidade do metodo a geo-metria de estruturas magneticas em cristais. Mais especicamente, ela permite determinar a intensidade e orientac~ao do momento magnetico do cobre e medir o aparecimento de modulac~oes de spin e carga ao longo de uma direc~ao.
3.2.1 Espalhamento de neutrons
Apesar dos neutrons n~ao apresentarem o termo de monopolo eletrico, possuem outros termos de multipolo [2] que conferem a eles um raio giromagnetico e, por-tanto, um spin. A sec~ao de choque dos neutrons e formada pela contribuic~ao de espalhamento nuclear, onde os neutrons interagem com um potencial local do tipo
VN(
R
) =b(r
n;R
) (3.2)e por uma parte de espalhamento magnetico causada pela interac~ao do neutron com o momento angular orbital e com o spin dos eletrons desemparelhados. O potencial espalhador dessa interac~ao pode ser escrito como [15]:
b Vm(
r
) = X l 1 c bA
n(r
l);bj
(r
l) (3.3) onde bA
n(r
l) = 2un bS
n;r
n;r
l jr
n;r
lj 3 ;e o potencial vetor do n-esimo neutron calculado em relac~ao a posic~ao do l-esimo eletron eb
j
(r
) o operador de corrente dos eletrons desemparelhados escrito nare-presentac~ao de posic~ao. O elemento de matriz deb
j
na base de auto-estados hr
jai do centro espalhador e 1 c abj
a =io( arl a; arl a) + 2orl aS
b l a . (3.4) O primeiro termo corresponde a contruibuic~ao orbital e a segunda ao termo de spin.A sec~ao de choque diferencial em teoria de espalhamento e derivada diretamente a partir da regra de ouro de Fermi, como uma contribuic~ao do modulo quadrado dos elementos de matriz do potencial espalhador, que no caso e dado pela soma
b
V
N +V
bm. O calculo e feito numa base de estados do sistema que inclui os
auto-estados da Hamiltoniana do centro espalhadorjai. Alem deles, ela deve incluir uma
base de ondas planas de momento
k
e uma base completa de spin ji associadasdiretamente a func~ao de onda do neutron espalhado. A sec~ao de choque diferencial e d2 d!dE = 2~ k0 k haj b
V
N kk0 + bV
mkk0 bV
N kk0+ bV
mkk0 jai (3.5)O traco sobre a express~ao indica media de ensemble sobre os estados jai.
Admitindo que os neutrons n~ao s~ao polarizados, os termos de interfer^encia da parte nuclear e magnetica se anulam. Como consequ^encia, a sec~ao de choque diferencial da amostra sujeita ao bombardeio de um feixe de neutrons com spins orientados ao acaso e simplesmente a soma dos termos de espalhamento nuclear e magnetico:
d2 d!dE = d 2 N d!dE + d 2 m d!dE (3.6)
Este resultado e particularmente importante, uma vez que ele permite distinguir as duas contribuic~oes. Alguns termos adicionais devidos ao espalhamento incoeren-te provocado pela presenca de isotopos no cristal, ou causados pelo espalhamento magnetico do spin do nucleo ser~ao ignorados.
A menos de alguns fatores de extinc~ao, o tipo do padr~ao de difrac~ao produzido por espalhamento magnetico e bastante semelhante ao do espalhamento nuclear, que pode ser entendido atraves dos planos de Bragg. Os picos de difrac~ao de neutrons s~ao construdos no espaco recproco a rede, gerado por vetores normais aos planos de Bragg e que s~ao denidos pela variac~ao do momento do neutron antes e depois de ser espalhado,
Q
=k
0;
k
. Na fase magnetica plenamente ordenada,o padr~ao de difrac~ao e coerente. Efeitos de utuac~ao termica sobre a orientac~ao relativa entre os spins, no entanto, provocam um espalhamento de fundo altamente incoerente, cuja distribuic~ao de intensidade espalhada com o ^angulo de sada da amostra e um patamar homog^eneo que atenua a amplitude dos picos da parte coerente. Este efeito indesejavel pode ser facilmente eliminado, bastando para isso medir o espalhamento de fundo na fase desordenada e subtrair do padr~ao obtido
na fase ordenada.
Observando os picos de espalhamento nuclear da amostra no espaco
Q
= (h;k;l) em unidades de ; 2 a;2 b ;2 c, vamos xar uma base de modo que (0;0;0), (1;0;0) e (0;1;0) correspondam a pontos da rede recproca coma,becos par^ametros de rede do cristal nas direc~oes x, y e z respectivamente. A presenca de anti-ferromagnetismo em uma direc~ao tem como efeito duplicar o volume da celula unitaria no espaco real, o que consequentemente dobra a periodicidade dos picos de espalhamento magnetico na mesma direc~ao, no espaco recproco. Assim, supondo que os spins quem alinhados anti-paralelamente nas direc~oes x e y de um plano, deve-se es-perar o surgimento de picos de difrac~ao magneticos nas posic~oes (1
2; 1 2;0), ( 1 2;0;0), (0;1
2;0) e simetricas na zona de Brillouin. Na verdade, n~ao e necessario que todos
eles aparecam no diagrama de espalhamento. No caso em que as duas subredes magneticas apresentam fatores de forma iguais e spins de mesma magnitude, porem alinhados em sentidos opostos, o fator de estrutura e maximo na posic~ao central (1
2; 1
2;0) e zero nas demais. Isto signica que a ordem magnetica e detectada no
diagrama de espalhamento atraves do pico
Q
m = (1 2;1 2;0)
No caso do aparecimento de estruturas na rede que multipliquem n vezes o comprimento da celula unitaria original, o padr~ao de difrac~ao deve registrar novos picos com esparcamento de 2
nd, ondede a dist^ancia de separac~ao entre os planos de
Bragg, naquela direc~ao. A presenca de domnios na ordem antiferromagnetica de um cristal, por exemplo, constitui uma reduc~ao da simetria translacional magnetica na direc~ao
t
transversa a interface entre os domnios. O volume da celula unitaria agora tem o volume n2 vezes maior que o da congurac~ao magnetica original, com os
spins alinhados antiferromagneticamente. Admitindo por hipotese que
t
= (1;0;0) e que o antiferromagnetismo se d^e no plano XY, e de se esperar que aparecam picos nas posic~oesQ
m(p
n;0;0), com pnatural < n=2.
O calculo dos fatores de estrutura, no entanto, imp~oe algumas restric~oes sobre a exist^encia e detectabilidade desses picos. As \leis de extinc~ao " decorrentes desses fatores proibem a exist^encia de picos de ordem p par. Alem disso, a intensidade dos fatores decai muito rapidamente com a ordem dos picos [15]. Na pratica, os experimentos geralmente detectam apenas os picos \satelite", que correspondem aos de primeira ordem. Desse modo, o efeito de uma superestrutura cristalina de periodicidade n ao longo de uma direc~ao
t
no diagrama de espalhamento consiste no aparecimento de um par de picos simetricos em relac~ao aos pontos da rederecproca, situados nos pontos
Q
c 1n
t
da zona de Brillouin, conquanto que existao pico de Bragg na posic~ao
Q
c correspondente. No caso de uma superestruturamagnetica, o que ocorre e o esplitamento do pico
Q
m nos picosQ
m 1n
t
.3.2.2 Evid^encias diretas das faixas de carga
A analise do padr~ao de difrac~ao de neutrons de uma amostra deLa1:48Nd0:4Sr0:12CuO4
(Tranquada et al. [34]) foi um dos primeiros estudos que permitiram entender a geometria das faixas de carga de maneira mais conclusiva. Nesse composto, a dopa-gem com Nd introduz um momento magnetico da ordem de dez vezes o momento doCu2+, estabelecendo uma fraca correlac~ao entre os planos deCuO
2. A raz~ao da
dopagem com o Ndadvem de uma diculdade experimental que consiste em medir os picos de difrac~ao em sistemas com fortes correlac~oes din^amicas. O momento do
Nd se acopla a ordem magnetica dos planos e provoca uma distorc~ao anisotropica na estrutura do cristal, mantendo as faixas praticamente estaticas [10].
Alem dos picos de Bragg, o diagrama da zona (h;k;0) no espaco recproco mostra o esplitamento do vetor
Q
m =;1 2;
1 2;0
que caracteriza a ordem antiferro-magnetica dos planos de CuO2 em (
;0;0), o que indica a possvel ocorr^encia de
domnios antiferromagneticos. A interpretac~ao desse esplitamento foi o objeto de controversias durante algum tempo. Alguns autores atriburam essa evid^encia ao efeito de \nesting" na superfcie de Fermi [31]. Essa ultima hipotese tem sido rejei-tada apos a observac~ao de picos atribudos a uma superestrutura de carga comen-suravel com os picos magneticos na posic~ao (2;0;0) da zona, na vizinhanca dos
picos de Bragg. Apesar das cargas n~ao interagirem diretamente com os neutrons, a condensac~ao dos eletrons em faixas cria uma distorc~ao periodica na estrutura do cristal que e detectavel atraves do esplitamento dos picos de Bragg. Pode-se entender desse fato que os spins sofrem uma modulac~ao ao longo da direc~ao xcom perodo duas vezes maior que o da modulac~ao de carga, indicando uma ordem de domnios antiferromagneticos em anti-fase. Os picos de spin e carga (1
2; 1 2
;0) e
(0;0;0), respectivamente, n~ao s~ao observados no mesmo plano dos outros picos.
Isso quer dizer que as modulac~oes de carga acopladas aos domnios s~ao faixas (ou linhas) e n~ao uma rede em duas direc~oes delimitando \lagos de spin". A disposic~ao dessas faixas e transversa entre planos vizinhos, em func~ao da correlac~ao causada pelos momentos magneticos do Nd. Nos compostos deNi, em particular, as faixas
correm diagonalmente na rede. Rodando a base do plano em 45 graus, observa-se o aparecimento de picos de spin e carga alinhados nas posic~oes (1
2+;0;0) e (2;0;0),
respectivamente (gura 3.2).
Figura 3.1: A esquerda, picos de espalhamento de neutrons no espaco recproco de uma
amostra de La 1:48 Nd 0:4 Sr 0:12 CuO
4. Os crculos solidos maiores correspondem a picos de
Bragg. Os crculos e diamantes correspondem respectivamente aos picos observados na ordem magnetica e de carga. Os picos nas direc~oes transversas (quadrados e tri^angulos) n~ao s~ao observados num mesmo plano [31]. A direita, a representac~ao pictorica das faixas de carga correspondente ao diagrama de espalhamento.
A natureza dessas faixas precisa ser ainda investigada. Questionamentos sobre o carater topologico dessas estruturas foram respondidos atraves de alguns experi-mentos que buscavam saber qual e a comensurabilidade delas com a rede. Medin-do o grau de depend^encia de com a temperatura num cristal de La2;xSrxCuO4
dopado com x = 0:225, Tranquada, Buttrey e Sachan [32] obtiveram uma curva experimental claramente ascendente na regi~ao acima de 50 K. Esse comportamento com a temperatura havia sido observado anteriormente em cristais de La2NiO4:125
[33]. A semelhanca entre niqueletos e os cupretos e notavel e implica num alto grau de generalidade desses resultados para as duas famlias de compostos. Me-didas recentes da depend^encia de com a dopagem no La1:6;xNd0:4SrxCuO4 [35]
mostram que x para x < 0:12 1
8. A incomensurabilidade das faixas com
a rede demonstra ser uma caracterstica t~ao geral quanto a propria exist^encia das faixas de carga nesses materiais. A fsica de condensac~ao local das cargas e bastan-te robusta em isolanbastan-tes correlacionados submetidos a dopagem, de modo que ela deve ser observada em outros sistemas similares [10].
Figura 3.2: Diagrama de espalhamento de neutrons numa amostra de La 2
NiO 4:125.
A posic~ao dos picos e representada com respeito a base (p
2a; p
2a;c) do espaco real
rodada em 45o no plano XY. O aparecimento do pico de carga na posic~ao (2;0;0) indica
que as faixas se orientam diagonalmente no cristal. [32]
Ainda sobre o carater das faixas de carga, n~ao se sabe exatamente qual e o tipo de modulac~ao que elas apresentam. E de comum acordo que deve existir uma modulac~ao da concentrac~ao de cargas e consequentemente da intensidade da magnetizac~ao na direc~ao transversa as faixas. O problema e identicar a ordem dos spins na interface entre os domnios e saber se eles formam uma parede de Neel de 180 (ordem espiral) ou uma linha de Neel (ordem colinear). No primeiro caso,
a magnetizac~ao sofre uma dupla modulac~ao em intensidade e orientac~ao, enquanto que no segundo os spins se mantem alinhados, o que exige uma descontinuidade do campo para manter a anti-fase entre os domnios. Os dois casos s~ao compatveis com os dados experimentais disponveis atualmente [35].
O comportamento crtico desse sistema e outro aspecto ainda n~ao muito bem en-tendido. Medidas de resistividade doLa1:48Nd0:4Sr0:12CuO4 indicam uma abrupta
mudanca de comportamento em torno de 70 K, atribuda a uma mudanca estrutu-ral entre a fase ortorr^ombica e a tetragonal, de simetria mais alta (TO=T = 70K).
Ainda na fase ortorr^ombica, a transic~ao de fase magnetica e detectada experimen-39
Figura 3.3: Depend^encia da intensidade e do esplitamento dos picos magneticos com a temperatura no La
2 NiO
4:125. Os crculos vazios representam a intensidade dos picos e
os crculos cheios a intensidade integrada. Observa-se o aparecimento de alguns maximos locais de intensidade em posic~oes comensuraveis com a rede. [33]
talmente pelo evanescimento da intensidade dos picos correspondentes. A tem-peratura de Neel depende explicitamente da dopagem. No caso dos cupretos de l^antano, T
N
50K em baixa dopagem e decai a zero muito rapidamente, com x 0:2. Os niqueletos de l^antano exibem antiferromagnetismo ate 100K. O
que ha de mais surpreendente e geral em todos os compostos analizados ate agora e a vericac~ao de que os picos da ordem de carga resistem a temperaturas mais altas que os picos da ordem magnetica. No La
1:775 Sr
0:225 NiO
4:00, a transic~ao de
fase das cargas ocorre em T t 150K enquanto que no La 1:6;x Nd 0:4 Sr x CuO 4 ela
acontece em torno de 60K, acima da temperatura de Neel. Isso quer dizer que as
faixas surpreendentemente sobrevivem a aus^encia de magnetismo num intervalo de temperatura consideravel. Alguns autores interpretaram este comportamento atri-buindo a criticalidade das faixas as cargas e n~ao aos spins, como se acreditava. Isto e correto num sentido muito restrito. Ao que tudo indica, a estabilidade das faixas
Figura 3.4: Representac~ao pictorica dos domnios antiferromagneticos sob uma ordem colinear de spins. As regi~oes mais escuras apresentam uma deci^encia de spin que indica a localizac~ao das faixas. [10]
na aus^encia de ordem magnetica e mantida pelas utuac~oes termicas, atraves de um efeito din^amico via mecanismo de hopping.
Figura 3.5: Padr~ao de espalhamento dos picos da ordem magnetica (esquerda) e de carga (direita) noLa 1:48 Nd 0:4 Sr 0:12 CuO
4 sob diferentes regimes de temperatura. A
tem-peratura crtica da ordem de carga e claramente maior que a da ordem magnetica, indi-cando que as faixas resistem a aus^encia de magnetismo na amostra. Medidas subtradas do espalhamento de fundo. [34]