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A literatura como fonte de dados: um olhar sociolinguístico sobre a obra História da Minha Infância, de Gilberto Amado

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS. A LITERATURA COMO FONTE DE DADOS: UM OLHAR SOCIOLINGUÍSTICO SOBRE A OBRA HISTÓRIA DA MINHA INFÂNCIA, DE GILBERTO AMADO. São Cristóvão - SE 2014.

(2) FERNANDA BISPO CORREIA. A LITERATURA COMO FONTE DE DADOS: UM OLHAR SOCIOLINGUÍSTICO SOBRE A OBRA HISTÓRIA DA MINHA INFÂNCIA, DE GILBERTO AMADO. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras, da Universidade Federal de Sergipe, como exigência final à obtenção do título de Mestre em Letras – área de concentração: Estudos Linguísticos, Linha de Pesquisa: Descrição, Leitura e Escrita da Língua Portuguesa.. Orientadora: Profa. Dra. Raquel Meister Ko. Freitag. São Cristóvão 2014.

(3) FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA DO CAMPUS DE LARANJEIRAS UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE. C824l. Correia, Fernanda Bispo A literatura como fonte de dados: um olhar sociolinguístico sobre a obra História da Minha Infância, de Gilberto Amado / Fernanda Bispo Correia; orientadora Raquel Meister Ko. Freitag. – São Cristovão, SE, 2014. 127 f. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Federal de Sergipe, 2014. 1. Sociolinguística. 2. Literatura - Aspectos sociais. 3. Análise linguística. 4. Amado,Gilberto - Estilo. I. Freitag, Raquel Meister Ko. II. Título. CDU 81‟27.

(4) FERNANDA BISPO CORREIA. A LITERATURA COMO FONTE DE DADOS: UM OLHAR SOCIOLINGUÍSTICO SOBRE A OBRA HISTÓRIA DA MINHA INFÂNCIA, DE GILBERTO AMADO. Dissertação apresentada como exigência à obtenção do título de Mestre em Letras, área de concentração Estudos Linguísticos, à Comissão Julgadora do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Sergipe.. Dissertação aprovada em 18/02/2014. BANCA EXAMINADORA. ____________________________________________________ Profª Drª Raquel Meister Ko. Freitag - UFS Universidade Federal de Sergipe Presidente - Orientadora. ____________________________________________________ Profª Drª Norma Lúcia Ferreira de Almeida - UEFS Universidade Estadual de Feira de Santana 1ª Examinadora - Externa. _____________________________________________________ Prof Dr Carlos Magno Santos Gomes - UFS Universidade Federal de Sergipe 2º Examinador - Interno.

(5) À D. Josefina, minha nobre mãe, que sempre me ensinou a lutar dignamente pelos meus ideais..

(6) AGRADECIMENTOS. Agradeço a Deus, por me permitir mais essa oportunidade de batalhar e alcançar um objetivo tão importante. À minha mãezinha, D. Josefina, pelo amor, pela força, por ser exemplo de dignidade e luta, e pela palavra amiga e colo necessários ao longo dessa caminhada. A meu pai, Sr. Ariston, pelo exemplo de honestidade. Às minhas irmãs, Ana é Érica, por me ajudarem a seu modo, por seu carinho, amizade e compreensão. Aos meus irmãos Marinho, Gilson, Jorge e Joel, pela amizade, pela força e por acreditarem em mim. Ao meu namorado, Paulo Vinícius, por ser presença e apoio e por me estimular a batalhar sempre por dias melhores, e à família Santa Rosa, em especial a Kelly Karine e D. Rosa, por me “aturarem” e me incentivarem durante esse percurso. À minha orientadora, Profª. Raquel, por seus direcionamentos objetivos e valiosos, por sua dedicação, por seu trabalho incansável com mais essa – entre as suas várias – orientanda, por seu exemplo de comprometimento e profissionalismo. Aos professores das bancas examinadoras da qualificação e da defesa, Norma Lúcia Almeida, Antonio Ponciano e Carlos Magno, os quais trouxeram valiosas observações para a continuidade do trabalho. Às minhas colegas de mestrado, Kelly Carine Santos e Monique Mendonça, pelas horas de estudo, e também as de descontração, por me encorajarem e pela oportunidade de conhecer e conviver com pessoas tão legais. A todas as minhas colegas de trabalho do Campus UFS/Laranjeiras, pelo apoio e compreensão na fase inicial do curso, em especial a Valdicéia Cardoso, minha eterna “chefa”. Ao pessoal do CEDU/UFAL, em especial à profª. Graça Marinho, a quem devo as oportunidades de ter sido liberada para viajar a Sergipe, quando precisei das orientações em São Cristóvão. Aos recém-colegas do Campus UFS/Itabaiana, de quem já recebi importante apoio na fase final do curso. A todos os meus demais amigos, em especial a Andréia Batista, que direta ou indiretamente contribuíram para a concretização dessa jornada, muito obrigada por terem acreditado e torcido por mim!.

(7) “[...] senti-me no dever para comigo mesmo, para quem sobretudo escrevo... (este livro é antes de tudo minha história para mim... Sou eu no meu próprio espelho) senti-me no dever de não me mentir a mim próprio, de me copiar tal como era então.” Gilberto Amado.

(8) RESUMO Este trabalho toma a obra literária História da Minha Infância, do escritor sergipano – natural da cidade de Estância – Gilberto Amado (farmacêutico, Bacharel e professor de Direito, deputado federal e senador, diplomata, escritor e poeta) como fonte primária para um estudo que, adotando um viés sociolinguístico, estabelece uma interface com a literatura. Para verificar se o texto dispunha da validade e da adequação de que necessitamos para tal intento, fez-se necessária uma busca em outros estudos que também tomaram textos escritos para realizar pesquisas sociolinguísticas semelhantes (Cf. Tavares (2003), Reis (2003) e Generalli (2011)). Certificando-nos da validade da obra para os objetivos pretendidos, o questionamento que fundamenta esta pesquisa é o seguinte: quais as pistas diacrônicas disponibilizadas pelo texto memorialista – no qual são relatadas histórias autobiográficas transcorridas no final do século XIX e início do século XX, nas vilas sergipanas de Estância e Itaporanga – que nos possibilitam entender a relação língua x sociedade manifestada pela obra? Após o levantamento dos dados, deparamo-nos com domínios de fenômenos variáveis (morfossintáticos e fonéticos). O trabalho perpassa tanto a teoria da variação laboviana – a qual toma a variação linguística como diretamente correlacionada a fatores sociais –, bem como a noção de persona – imagem social que o falante projeta no sentido de fazer com que os demais membros da comunidade, ou mesmo de outras comunidades, interpretem suas ações –, trabalhada na Sociolinguística tanto por Penelope Eckert (2001, 2003, 2004, 2005), quanto por Coupland (2001) e mesmo por Irvine (2001). Esses autores defendem que o estilo, definido em termos de formalidade e informalidade, deve ser tomado para além de um contínuo, e ser observado enquanto um modus operandi diverso para a realização de uma mesma tarefa. Irvine (2001) vai mostrar que o estilo deve ser abordado como um fenômeno associado a outros fatores de natureza social, histórica, econômica, cultural, etc. Para tanto, foi necessário nos cercarmos de dados do contexto sócio-histórico da sociedade sergipana de fins do século XIX e início de século XX para a efetivação da análise. Dessa forma, após coligirmos todas as falas de cada personagem, analisamos a correlação entre as pistas que tais usos linguísticos revelam em função do papel social dos personagens no contexto da sociedade retratada, mostrando como a variação está presente na obra em foco. Entre os fenômenos morfossintáticos encontrados estão: o uso variável de você e vosmecê, a variação da colocação pronominal (próclise e ênclise), a variação das formas imperativas (as derivadas do imperativo e do subjuntivo e o decorrente uso variável tu x você), concordâncias verbal e nominal variáveis. Entre os fenômenos fonéticos detectamos metaplasmos por transformação (vocalização, rotacismo, ditongação e monotongação) e por supressão (aférese e apócope). Mediante tais domínios de fenômenos realizamos uma análise de cada um deles de maneira mais panorâmica, de modo a comprovar como tais variações linguísticas – que oscilam entre formas menos e mais marcadas – estão presentes e correlacionadas diretamente ao papel social dos personagens no contexto da sociedade retratada. Em razão de não dispormos de uma quantidade de dados que permitisse uma análise quantitativa, efetivamos uma análise qualitativa, visando à identificação da correlação dos papéis sociais dos personagens aos usos linguísticos a eles atribuídos, além das relações hierárquicas travadas entres os personagens. Palavras-chave: Estilo, Gilberto Amado, Sociolinguística..

(9) LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1: Fotos das capas da primeira e segunda edição, 1954 e 1999 respectivamente .......34 Figura 2: Casa onde nasceu o escritor, em sua fachada encontra-se inscrição em que Amado é identificado como “Glória da Inteligência Brasileira”. (SENNA, 1969, p. 2) ......................... 41 Figura 3: Gilberto Amado (SENNA, 1969, p. II) .................................................................... 43 Figura 4: Gilberto Amado entre Liceu de Paula Machado e Virgílio de Melo Franco em banquete no Jóquei Clube carioca, além de outros intelectuais da época. (SENNA, 1969, p. 69) ............................................................................................................................................. 45 Figura 5: Melchisedech Amado, pai de Gilberto Amado (SENNA, 1969, p. 7)..................... 62 Figura 6: Fotografia da família Amado. (SENNA, 1969, p. 21) ............................................. 63 Figura 7: Ana - Donana (aos 80 anos na primeira imagem e um pouco mais jovem na segunda), mãe de Gilberto Amado. (SENNA, 1969, p. 7) ....................................................... 73. Quadro 1: Relação de hierarquização entre as personagens amadianos. ................................ 76 Quadro 2: Ocorrências vocalizadas e não vocalizadas do dígrafo lh no texto amadiano. ...... 96 Quadro 3: Estratificação social dos fenômenos fonéticos variáveis na obra de Gilberto Amado .................................................................................................................................... 100 Quadro 4: Distribuição de estigma dos fenômenos variáveis encontrados em História da Minha Infância. ...................................................................................................................... 102. Tabela 1: Uso das variantes vosmecê e você e das formas de tratamento Vossa Senhoria e/ou senhor e “Seu Coronel/Coroné” nas relações hierárquicas entre os personagens amadianos ..82 Tabela 2: Estratificação por sexo da alternância entre o vosmecê e o você em História da Minha Infância. ........................................................................................................................ 82 Tabela 3: Estratificação por escolaridade da colocação pronominal variável no texto amadiano................................................................................................................................... 92.

(10) SUMÁRIO. INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 12 1 A DIMENSÃO ESTILÍSTICA DA VARIAÇÃO .......................................................... 16 1.1 A SOCIOLINGUÍSTICA HISTÓRICA .......................................................................... 16 1.2 ESTILO ............................................................................................................................ 19 1.2.1 Estilo como atenção à fala – a perspectiva laboviana .............................................. 19 1.2.2 A contribuição de Coupland no estudo da variação estilística............................... 21 1.2.3 Persona: a visão de Eckert .......................................................................................... 25 1.2.4 Estilo e a construção de personas na visão de Irvine ............................................... 28 1.3 ESTUDOS DE VARIAÇÃO SOCIOLINGUÍSTICA/ESTILÍSTICA BASEADOS EM OBRAS LITERÁRIAS ............................................................................................................ 30 1.4 PROPOSTA DE ANÁLISE E MOTIVAÇÕES DA ESCOLHA DA FONTE ............... 33 2 AS MARCAS REGIONALISTAS DA OBRA HISTÓRIA DA MINHA INFÂNCIA: APRESENTANDO AUTOR E OBRA ................................................................................. 38 2.1 O REGIONALISMO E A OBRA HISTÓRIA DA MINHA INFÂNCIA ........................... 38 2.2 O AUTOR E O CONTEXTO HISTÓRICO DE SERGIPE ............................................ 42 3 PERSONAS, ESTILO E VARIAÇÃO ............................................................................ 51 3.1 PERSONAS E RELAÇÕES ENTRE AS PERSONAGENS ........................................... 51 3.1.1 O personagem Gilberto Amado ................................................................................. 52 3.1.2 O pai, Melchisedech Amado ....................................................................................... 62 3.1.3 O bisavô materno, Manuel Luís ................................................................................. 66 3.1.4 Avô, José Amado ......................................................................................................... 68 3.1.5 A mãe, Donana............................................................................................................. 73 3.1.6 A professora, Dona Olímpia ....................................................................................... 74 3.1.7 Relações entre as Personas ......................................................................................... 75 3.2 VARIAÇÃO NOS NÍVEIS MORFOSSINTÁTICO E FONOLÓGICO ........................ 77 3.2.1 O uso variável de você e vosmecê: pronome pessoal ou pronome de tratamento?78 3.2.2 O imperativo: variação entre tu e você ..................................................................... 84 3.2.3 Variação na concordância .......................................................................................... 88 3.2.4 Variação na colocação pronominal ............................................................................ 90 3.2.5 Fenômenos variáveis de natureza fonética .............................................................. 94 3.2.5.1 Metaplasmos por transformação .................................................................................94 3.2.5.2 Metaplasmos por supressão ........................................................................................ 99.

(11) 11. 3.3 FENÔMENOS VARIÁVEIS NEUTROS E MARCADOS .......................................... 101 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 104 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 107 ANEXO 1 – CORPUS DA FALA DAS PERSONAGENS ................................................ 112 ANEXO 2 – EXEMPLOS DE DIFERENÇAS ORTOGRÁFICAS DA EDIÇÃO DE 1954 ........................................................................................................................................ 126.

(12) INTRODUÇÃO A leitura do livro História da Minha Infância nos leva a conhecer interessantes histórias da vida do ilustre sergipano Gilberto Amado. Nas suas páginas, registram-se não só as experiências pessoais do narrador, mas também nos é fornecido um painel com importantes informações sobre os costumes, a cultura, a geografia da região e inclusive as peculiaridades linguísticas da sociedade sergipana – especialmente das vilas de Estância e Itaporanga –, à época da escrita. A título de ilustração, observemos o seguinte trecho, no qual José Amado acredita estar à beira da morte, e no qual há uma conversa entre o pai (“Seu Melk”) e o avô (José Amado) de Gilberto Amado. O diálogo é iniciado com a fala do personagem “Seu Melk”; note-se o uso variável das formas pronominalizadas nas falas dos dois personagens (vosmecê/você) e o destaque em itálico da forma reduzida do verbo estar: (1) – Vosmecê não tem nada, amanhã está melhor. – Não, não é isso! Você não sabe tou perdido! O homem lá de cima tá me chamando. – Ora vosmecê com estas tolices! Deixe-se disso! “O homem lá de cima” lhe mandando chamar! Ora essa! (AMADO, 1999, p. 129, grifo do autor). Tendo em vista que objetivamos tomar um texto literário como fonte primária aquela que contém informações originais, como livros, periódicos, relatórios técnicos - para um estudo de cunho sociolinguístico, o problema que se coloca é justamente verificar se temos no referido texto a validade e a adequação de que necessitamos para tal intento. Berlinck et al (2008) discutem acerca do emprego de textos dessa natureza como fontes primárias para o estudo histórico da língua. Essas pesquisadoras – de acordo com o que já postulara Labov ([1972] 2008) – defendem que, em virtude de os processos de variação e mudança linguística ocorrerem de modo gradual e lento, e em virtude de eles se iniciarem “na língua falada, nas interações cotidianas e coloquiais dos falantes de uma mesma comunidade, a observação de uma fonte que representa esse tipo de interação, em períodos para os quais não se dispõe de dados concretos de fala, parece constituir um recurso inestimável.” (BERLINCK et al, 2008, p. 186). No entanto, tal opção deve se basear em criteriosa avaliação das fontes que resistiram à história. Compete ao historiador da língua buscar nos documentos históricos à sua disposição aqueles que mais imprimem a linguagem usual, livre de pressões normativas – o vernáculo (de acordo com o que definira Labov). Não se deve olvidar que, ao partirmos dos pressupostos da teoria da variação e da mudança linguística, temos que levar em conta o.

(13) 13. princípio de que a mudança emerge na e da variação, e que tal característica é inerente à língua falada. Partindo desses argumentos, este trabalho se propõe a responder ao seguinte questionamento: quais as pistas linguísticas diacrônicas disponibilizadas em um texto literário, como História da Minha Infância, texto memorialista do autor sergipano Gilberto Amado – cuja primeira edição data do ano de 1954 e relata histórias transcorridas no final do século XIX e início do século XX, nas vilas de Estância e Itaporanga, interior de Sergipe – que nos possibilitam entender a relação língua x sociedade? Para alcançar tal intento, buscamos abordar a relação língua x sociedade que se manifesta na referida obra literária – cujas variantes de língua atribuídas a determinadas personagens vão culminar numa elaboração peculiar delas e do contexto ao qual pertenciam –, lançando mão de uma abordagem sociolinguística. Neste ponto, podemos ilustrar com o uso variável dos pronomes “você” e “vosmecê”, pois, no texto amadiano, apenas a alguns dos personagens (tia, o pai e a mãe, um bêbado não nomeado) – quando esses se reportam a interlocutores específicos – é atribuído o uso da forma “vosmecê”, enquanto a professora e o próprio narrador, por exemplo, se utilizam da forma “você”. A constatação do uso variável pronominal é uma pista que nos sugere que essas variantes conviviam entre si no período da infância do autor da obra sob análise, já com tendências de uso que refletem a dimensão da mudança pela qual passa a forma “você”. Durante a leitura desse texto nos deparamos com trechos nos quais o próprio uso do recurso gráfico itálico sugere que aquela fala está sendo identificada como uma variação linguística atribuída ao personagem. Vejamos o excerto em que é rememorada uma conversa entre o avô paterno e o então menino Gilberto Amado: (2) – Que é menino? Tou vendo! Tou vendo!.. Quis me „mostrar‟ com o velho. Utilizei conhecimentos de almanaque: - Pois aquela estrelinha ali é três trilhões de vezes maior que a terra! – Bobage, menino, bobage! (AMADO, 1999, p. 124).. Este excerto ilustra o pressuposto de que o estilo deve ser estudado tomando-se por base relações de identidade e, inclusive, atentando-se para a manipulação criativa dos recursos linguísticos nos mais variados contextos sociais. Por essa razão, objetivamos demonstrar, ao analisar as estratégias de composição e os perfis sociais das personagens – o pai, a mãe, o bisavô materno, o avô paterno de Gilberto e a professora– como o narrador-personagem constrói linguisticamente as personagens..

(14) 14. Nossa hipótese de pesquisa é de que é possível, a partir de fontes escritas, verificar, em épocas anteriores, a avaliação acerca de traços variáveis do sistema linguístico em determinada sociedade; no caso, conforme foram registrados no romance em foco. Partimos do pressuposto de que a seleção de variantes linguísticas escolhidas para construir uma personagem reflete valores socioestilísticos que permeiam a sociedade à época da escrita da obra literária, ainda que este tipo de fonte não seja o comumente utilizado pela pesquisa sociolinguística tradicional. Labov faz ressalvas em relação ao fato de as formas linguísticas em tais documentos serem normalmente distintas das variedades vernaculares dos escritores, refletindo esforços para estruturar um dialeto normativo que nunca foi língua nativa de ninguém. Além disso, os documentos históricos podem fornecer apenas evidências positivas; as evidências negativas a respeito do que não é gramatical só podem ser inferidas a partir de lacunas na distribuição, as quais muitas vezes só são detectadas pelo acaso. Mesmo diante de tais argumentos contrários, vamos nos ocupar do fato – também defendido por Labov (1994) – de que é possível pensar a linguística histórica como a arte de fazer o melhor uso dos maus dados. Assim, é preciso driblar a dificuldade que se coloca pelo fato de geralmente sabermos muito pouco sobre a posição social dos escritores e sobre a estrutura social da comunidade sobre a qual se debruça o documento escrito. Com este trabalho objetivamos, a partir da obra literária em análise, comprovar a possibilidade de observância da correlação que há entre o uso de certas variantes linguísticas e as características sociais dos personagens a quem são atribuídas tais variantes, tal como fizeram, por exemplo, Tavares (2003), Reis (2003) e Generali (2011), dentre outros estudos. Dessa forma, visa-se a demonstrar que, na obra em foco, é possível observar que os perfis sociais das personagens são construídos tendo por base a vinculação de variantes linguísticas específicas, que entre outras implicações, denotam as relações hierárquicas marcadas linguisticamente. O presente trabalho está dividido em introdução, três capítulos e considerações finais. O primeiro capítulo trata da dimensão estilística da variação, no qual trazemos nosso aporte teórico, primeiramente, mostrando detalhes da sociolinguística diacrônica e, em seguida, perpassando tanto a teoria da variação laboviana – a qual toma a variação como diretamente correlacionada a fatores sociais –, bem como à noção de persona, trabalhada na Sociolinguística tanto por Penelope Eckert (2001, 2003, 2004, 2005), quanto por Coupland (2001) e mesmo por Irvine (2001). Esses autores defendem que o estilo, definido em termos.

(15) 15. de formalidade e informalidade, deve ser tomado para além de um contínuo, e ser observado enquanto um modus operandi diverso para a realização de uma mesma tarefa. Irvine (2001) vai mostrar que o estilo deve ser abordado como um fenômeno associado a outros fatores de natureza social, histórica, econômica, cultural, etc. Ainda no capítulo 1, apresentamos estudos que se propuseram a trabalhar o estilo na sociolinguística e que, por isso mesmo, contribuem com a proposta desta pesquisa. No capítulo 2 – As marcas regionalistas da obra História da minha infância: apresentando autor e obra –, traça-se um panorama geral da obra e demonstra-se a importância do autor e obra para o contexto da sociedade sergipana, à época em que surge o texto (metade do século XX), recorrendo-se a dados históricos de Sergipe para o período a que o texto se reporta – os dados do contexto sócio-histórico da sociedade sergipana apresentados são de fins do século XIX e início de século XX – e, ao finalizarmos o capítulo 2, apresentamos a proposta de análise e o porquê da escolha do livro História da Minha Infância como fonte desta pesquisa. No capítulo 3 – Personas, estilo e variação –, por meio de uma análise qualitativa, analisamos a correlação dos papéis sociais dos personagens aos usos linguísticos a eles atribuídos. Depois de fazer o levantamento de todas as personagens do romance que têm direito à fala (a exemplo do pai, “Seu Melk”, da mãe, Donana, do bisavô paterno, Manuel Luís, do avô materno de Gilberto, José Amado, e da professora da escola primária, Dona Olímpia, “Sá Limpa”), coligimos todas as falas atribuídas a tais personagens – as quais encontram-se no anexo 1 – e analisamos a correlação entre as pistas que tais usos linguísticos revelam em função do papel social dos personagens no contexto da sociedade retratada. Ainda no capítulo 3, trabalhamos fenômenos variáveis observados no decorrer da coleta de dados e, fundamentando a análise em outros trabalhos sobre os mesmos fenômenos, mostramos como a variação está presente na obra em foco. Nas considerações finais retomamos os resultados a que chegamos com as análises, além de listarmos as limitações da pesquisa e o público a quem se destina o trabalho..

(16) 1 A DIMENSÃO ESTILÍSTICA DA VARIAÇÃO Neste capítulo, apresentamos o aporte teórico de que nos servimos para a realização da análise das personagens de Gilberto Amado em História da Minha Infância, a fim de mostrar a trajetória dos estudos que permitiram que essa “nuance” da pesquisa linguística focada no estilo pudesse ser vislumbrada. Seguimos os pressupostos tanto da teoria da variação e da mudança linguística (Labov, 1994, 2001, [1972] 2008,), quanto as ideias trazidas por Coupland (2001), Irvine (2001) e Eckert (2001, 2003, 2004, 2005), no sentido de nos auxiliarem a analisar o estilo e, em seguida, apontar como o estudo pode ser atrelado à análise do objeto desta pesquisa. 1.1. A SOCIOLINGUÍSTICA HISTÓRICA Em virtude de a sociolinguística investigar atitudes linguísticas associando-as às suas. significações sociais, devemos ter em mente que o entendimento da problemática em torno da variação linguística deve estar relacionado à compreensão das atitudes linguísticas de um grupo ou comunidade em específico, em um determinado momento histórico. A língua, enquanto responsável pela interação de pressões do ambiente interno e externo, pode ser vislumbrada enquanto um sistema adaptativo. Para tanto, é preciso reconhecer que numa sociedade dada, e entre sociedades, variedades de língua e de estilo coexistem de forma competitiva e contrastante. Para Labov ([1972] 2008, p. 37), se a língua é um fato social, a linguística então só pode ser uma ciência social, isto significa dizer que a sociolinguística é a linguística. Ao partirmos do pressuposto de que a língua (entendida como atividade social) não pode ser considerada uma mera ferramenta de que nos utilizamos na obtenção de um dado resultado, estamos considerando que ela é processo e produto ao mesmo tempo, criada enquanto a estamos utilizando. Segundo Weinreich, Labov & Herzog ([1968] 2006), a variação é tomada como requisito ou condição do próprio sistema linguístico, estando as variantes linguísticas repetidamente correlacionadas com traços da natureza interna da língua, não previsíveis, e com características externas do falante e da situação, tais como estilo do texto, etnia, sexo, idade, posição e papéis sociopessoais dos interlocutores. Esta é a perspectiva da Sociolinguística, trazida pela proposta de Labov ([1968] 2006), com a Teoria da Variação e Mudança Linguística. O objeto de estudo da Teoria da Variação e Mudança Linguística é, pelas razões acima expostas, a estrutura e a evolução da língua dentro do contexto social de.

(17) 17. uma comunidade de fala, por relevar a função social e comunicativa da língua. No entanto, é fato que o processo de mudança se dá de forma demasiado lenta, por isso observar tal processo não se configura como uma tarefa fácil, principalmente se tivermos como fonte primária um texto escrito. Um dos problemas que se coloca ao se trabalhar com um texto escrito é o fato de, tradicionalmente, as pesquisas sociolinguísticas admitirem especificamente a fala como o locus da mudança, apesar de terem sido os dados de escrita de sincronias passadas que subsidiaram as pesquisas em mudança, num cenário em que o falado e o escrito foram prioritariamente abordados de modo dicotômico, enquanto modalidades distintas de língua. Nesse contexto, pouca atenção foi relevada à representatividade dos textos escritos, principalmente no que toca aos modos de dizer de épocas passadas, e aos critérios que poderiam fundamentar a seleção dos textos, tendo em vista os diferentes fenômenos em investigação. Berlinck (2008) et al apresentam uma interessante discussão a respeito do problema teórico-metodológico que se coloca quando se recorre a fonte secundárias. Um dos mais intrincados desafios com o qual o historiador da língua se depara é o das fontes para o seu estudo em diferentes épocas. Por ter como objetivo seja o registro de um determinado estado passado de língua (sincronia no passado), seja o traçado de mudanças linguísticas ao longo de extensos períodos de tempo (diacronia), o historiador trabalha, inevitavelmente, com registros escritos de épocas passadas. (BERLINCK et al, 2008, p. 170). Labov (1994) defende que a linguística histórica é uma arte altamente desenvolvida, mas existem algumas limitações dos dados que não podem ser compensadas, já que se trata de observações de registros incompletos do passado: [...] os dados, que são ricos em tantos sentidos, são pobres em outros. Documentos históricos sobrevivem por acaso, não por um desígnio intencional, e a seleção que está disponível é o produto de uma série imprevisível de acidentes históricos. As formas linguísticas em tais documentos são frequentemente distintas das vernaculares dos escritores, refletindo, ao contrário, esforços para capturar um dialeto normativo que nunca foi língua nativa de ninguém. Como resultado, muitos documentos são totalmente afetados com os efeitos de hiper-correção, mistura de dialetos e erros de escribas. (LABOV, 1994, p. 11, tradução nossa)1. 1. “[…] the data that are rich in so many ways are impoverished in others. Historical documents survive by chance, not by design, and the selection that is available is the product of an unpredictable series of historical accidents. The linguistic forms in such documents are often distinct from the vernacular of the writers, and instead reflect efforts to capture a normative dialect that never was any sepeaker‟s native language. As a result many documents are riddled with the effects of hypercorrection , dialect mixture, and a scribal error.”.

(18) 18. Os resultados de pesquisas da linguística histórica mostraram tanto as vantagens quanto as desvantagens da investigação histórica em geral. Labov argumenta que os “acidentes históricos” registraram suas vantagens como evidência objetiva por não terem sido criados para provar qualquer ponto que pudéssemos ter em mente ou para servir às propostas de qualquer programa de pesquisa que estivesse em andamento. Labov ressalta ainda que não há como diferenciar o que era uma variante distintiva de uma não distintiva, já que não há como se ter acesso ao conhecimento de falantes nativos, mostrando que o interesse da linguística histórica reside no fato de o passado ser diferente do presente – testemunho da mudança linguística. Esse autor destaca inclusive que o claro exame do presente mostra que muito do passado ainda está conosco e que o estudo da história beneficia a continuidade do passado, bem como as analogias com o presente. A solução na hora de se trabalhar com o “tempo real” é buscar dados indiretos já que muitas pesquisas seriam inviabilizadas se fosse preciso esperar o tempo passar para refazer o estudo. Documentos históricos seriam exemplos disso, já que temos que lançar mão da premissa de que é preciso fazer bom uso dos maus dados. Entre os materiais em que seria interessante buscar dados para traçar um painel de registros linguísticos a partir de pistas diacrônicas de certos comportamentos linguísticos dos fenômenos variáveis – tendo em mente o risco de que ali pode estar sendo posta uma linguagem estritamente artificial – são justamente os textos literários. Assim, defende-se que ao se estudar a variação e a mudança linguística é preciso que se faça previamente um embasamento sobre o contexto sócio-histórico em que o texto foi produzido, notadamente quanto à estrutura da sociedade da época. Berlinck et al (2008) acrescentam que tal cuidado metodológico deve pautar qualquer estudo histórico da língua, qualquer que seja a natureza das fontes analisadas e nisso é possível incluir a obra amadiana ora em foco. Um outro ponto colocado pelas autoras é o imperativo de se avaliar a linguagem empregada nos textos levando em consideração seu caráter dialógico e potencialmente plurilíngue ou pluridialetal, sem olvidar o papel do autor na construção/representação de um contexto histórico e de sua linguagem. É por isso que aqui lançamos mão da pesquisa da obra amadiana, por acreditarmos que tal texto poderá nos servir como fonte de estudos linguísticos, similarmente a outros estudos a serem citados neste trabalho. No tópicoa seção a seguir veremos como Labov, Eckert, Coupland e Irvine vislumbram o estudo do estilo..

(19) 19. 1.2. ESTILO A perspectiva estilística na sociolinguística visa a captar variações linguísticas que. denotem índices de pertencimento social dos falantes. Nas subseções seguintes, vamos ver como autores pioneiros neste tipo de pesquisa trabalham a teoria que permite estudar a variação estilística. 1.2.1 Estilo como atenção à fala – a perspectiva laboviana Atualmente, estudar o estilo se configura como um dos maiores desafios para a sociolinguística. Parte-se do princípio de que não há nenhum falante que fará uso igual da língua em situações diferenciadas, cabendo-lhe escolher entre múltiplas possibilidades. Labov ([1972] 2008) estabelece um modelo que leva em conta as dimensões sociais e linguísticas. Por ”social”, Labov ([1972] 2008) entende como os traços da língua que caracterizam vários subgrupos numa sociedade heterogênea; e por ”estilística”, as alternâncias pelas quais um falante adapta sua linguagem ao contexto imediato do ato de fala. E ambos os aspectos estariam embutidos no comportamento expressivo do falante. Labov resume que “a variação social e estilística pressupõe a opção de „dizer a mesma coisa‟ de várias maneiras diferentes, isto é, as variantes são idênticas em valor de verdade ou referencial, mas se opõem em sua significação social ou estilística.” (LABOV, [1972] 2008, p. 313) Esse modelo de estudo do estilo leva em conta o grau de atenção/monitoramento que o falante despende no momento da fala. Nota-se, portanto, a existência de um contínuo em cujos extremos se encontram o grau máximo de informalidade e o grau máximo de formalidade. Há que se atentar que o meio onde a interação verbal é realizada vai influir no grau de formalidade/informalidade. Assim, haverá falantes que perpassarão uma gama de alternâncias estilísticas, uns com campos mais amplos que outros, mas todos demonstrando modificações de determinadas variáveis à medida que se alterna o contexto social e o tema da interação verbal. Labov acredita que “se a pesquisa futura conseguir confirmar essa hipótese e quantificar a atenção prestada à fala, teremos então um fundamento mais firme para a alternância do estilo, e poderemos estabelecer relações mais precisas no estudo das estruturas sociolinguísticas como um todo.” (LABOV [1972], 2008, p. 126) De acordo com o que defende Labov ([1972] 2008), o estilo de fala seria uma espécie de subcódigo distinto utilizado para suprir a necessidade de comunicar um determinado significado em dada interação linguística, isto é, representa um sistema de comunicação controlador da interação social, no sentido de indicar como os usuários da língua devem.

(20) 20. produzir ou interpretar uma mensagem e isso implicaria optar entre várias possibilidades de expressão. Considerando a necessidade de se estudar a dimensão estilística, Labov ([1972] 2008, pp. 101-110) elaborou um modelo de análise de estilos com cinco níveis: informal (A), cuidadoso (B), leitura de texto (C), leitura de palavras (D) e leitura de pares mínimos (E), todos organizados sobre um eixo em função do grau de atenção que o falante presta à linguagem. Partindo do estilo casual até chegar ao de leitura de pares mínimos, o que será levado em conta é o grau de atenção ou de monitoramento da pronúncia das palavras, estabelecendo-se um continuum que se inicia com a máxima informalidade (distensão linguística) até a máxima formalidade (tensão linguística). Por esse viés, o estilo informal – definido por ele como o vernacular – é aquele que demanda pouca ou nenhuma atenção; e o estilo formal aquele que mais dela exige. Em meio a essa polaridade, vemos que, para Labov ([1972] 2008), há níveis intermediários de atenção e, por isso mesmo, de formalidade/informalidade. Görski (2011) mostra que Labov (2001), ao buscar padrões de regularidade estilística, consegue elaborar um refinamento das categorias contextuais, por meio do tratamento metodológico de estilo que ele denomina de “árvore da decisão”. Mesmo com a “árvore da decisão”, Labov estaria ainda focado na “tensão existente entre duas abordagens para a troca de estilo contextual: como um fenômeno de natureza etnográfica que envolve uma relação dialógica entre falante e ouvinte e como um mecanismo de mensuração de graus de monitoramento da fala”. (GÖRSKI, 2011, p. 5) É preciso destacar que se deve ao próprio Labov o pioneirismo em fornecer uma abordagem operacional da noção de estilo. Dessa forma, um mesmo indivíduo alternará diferentes formas linguísticas, conforme uma gama de circunstâncias que cercam a interação verbal, dentre as quais se pode citar o contexto social propriamente dito, o assunto abordado, a identidade social do falante e do interlocutor, enfim, a relação sociopessoal estabelecida entre eles, dentre outros fatores. Ao tratar do encaixamento da mudança linguística – processo segundo o qual as mudanças são encaixadas no sistema de relações linguísticas e sociais – Labov ([1972]2008) defende que Parece razoável, portanto, conectar o comportamento linguístico com a medição do status atribuído ou adquirido pelos falantes. Uma vez que alterações da expressão linguística podem registrar mudanças momentâneas de atitudes sociais, nos preocuparemos sobretudo com séries bem estabelecidas de expressão linguística – o.

(21) 21. modo como o indivíduo habitualmente se apresenta a si mesmo em vários ambientes sociais. (LABOV, [1972]2008, p. 327). Labov afirma que grande parte das mudanças em andamento primeiro segue as distinções sociais para, depois, registrarem as respectivas alterações estilísticas. Depois de termos vislumbrado o que, para Labov, é estilo e como ele iniciou a operacionalização do estudo da variação estilística buscaremos em Coupland (2001) uma complementação para o desenvolvimento da fundamentação teórica deste trabalho. 1.2.2 A contribuição de Coupland no estudo da variação estilística A opção em utilizar Coupland (2001) para fundamentar o presente trabalho se deve ao fato de ele ter ampliado a noção de estilo que Labov pioneiramente apresentara. Para Coupland, o estilo pode ser compreendido como a realização de situação, como a execução de fins comunicativos positivos, os quais podem ser representados consciente ou nãoconscientemente, em relação às diversas situações sociais.Vejamos seu principal argumento: O estilo deve estar localizado dentro de um modelo de práticas, realizações e fins comunicativos humanos, e como um aspecto da manipulação de recursos semióticos em contextos sociais. Ao falar sobre o estilo é preciso distinguir a variação do “estilo dialetal” da variação dentro e entre os modos de falar. No entanto, interpretações de estilo ao nível da variação dialetal devem cruzar-se e se referirem a processos estilísticos em outros níveis. Nossa compreensão teórica do estilo em geral, e nossas interpretações de desempenho estilístico em casos particulares, não deve ser limitada por qualquer procedimento empírico ou interpretativo único. (COUPLAND, 2001, p. 186, tradução nossa)2. Coupland segue. afirmando que,. enquanto. atores. sociais,. à. medida que. experimentamos os estilos dialetais, estamos também realizando inferências sociais da sua utilização. Dessa forma, os estilos dialetais passam a ser significativos para a nossa própria identidade, assim como para os nossos relacionamentos através das formas pelas quais eles remetem a outros processos simbólicos no discurso. Esse autor atrela sua investigação de estilo à teoria da acomodação comunicativa (CAT). Para ele, no momento de interação social o estilo é algo que vai muito além de um contínuo de informalidade x formalidade, pois há que se atentar para os diversos objetivos. 2. “Style needs to be located within a model of human communicative purposes, practices and achievements, and as one aspect of the manipulation of semiotic resources in social contexts. In talking about style we need to distinguish variation in “dialect style” from variation within and across ways of speaking. Nevertheless, interpretations of style at the level of dialect variation must cross-refer to stylistic processes at other levels. Our theoretical understanding of style in general, and our interpretations of stylistic performance in particular instances, should not be limited by any single empirical or interpretive procedure.”.

(22) 22. comunicativos imbricados na interação, fato que, de acordo com Coupland (2001), foi totalmente negligenciado pela teoria laboviana. Assim, diversas identidades podem estar em jogo ao longo das diferentes mudanças de estilo. Coupland (2001) acrescenta a dimensão do dinamismo à abordagem do estilo, ocupando-se da saliência presente nas variadas identidades sociais que possam surgir. Além disso, defende que é preciso reconhecer ainda que mais de uma imagem pode ser projetada em um curto espaço de tempo, pois “quando temos a análise do estilo, vemos indivíduos interagindo com seu próprio espaço, tempo e contexto relacional.”3 (COUPLAND, 2001, p. 191, tradução nossa). A questão que se coloca é: como observar o fenômeno do estilo ao nos determos na análise de personagens literários? Coupland (2001, p. 189) – ainda que não se refira às situações ficcionais de usos linguísticos, mas sim a contextos de interações verbais reais – mostra que é preciso considerar o estilo como realização situacional, e como o cumprimento de fins comunicativos (consciente ou não conscientemente representados) em relação a situações sociais. O caminho que se deve percorrer, quando partimos para uma análise de uma obra literária, é verificar como as escolhas linguísticas situacionais ficcionais, atribuídas aos personagens, marcam-nos socialmente. Entender como está organizada a teoria da acomodação (GILES, 1973) também pode nos ajudar a apreender a construção dos personagens de História da Minha Infância. A Teoria da Acomodação da Comunicação (originalmente CAT, Communication Accommodation Theory) toma as estratégias usadas pelo falante para acomodar-se linguisticamente ao seu interlocutor. Assim, veremos que há relevantes estratégias implicadas por essa teoria: a convergência, a divergência e a manutenção. A primeira estratégia se dá a partir do momento em que o falante assimila traços de comportamento linguístico do outro, objetivando assemelhar-se a ele bem como ser aceito. Já a divergência ocorre devido ao falante acentuar as diferenças por motivos de identidade ou até de desaprovação. E por fim, pode haver a manutenção, a qual se dá em razão de o falante não modificar nada em suas atitudes linguísticas nem para se acomodar nem para divergir do falante com quem interage. Vemos que fatores de diversas ordens culminarão nas três estratégias, restando ao pesquisador buscar captá-las adequadamente nos variados contextos linguísticos. A divergência (que é nosso maior interesse aqui) parece ser uma estratégia mais facilmente observável - se pertencente a. 3. “when we come to the analysis of style, we see individuals interacting within their own space, time, and relational contexts.”.

(23) 23. um lugar diferente, a identidade do falante é bem marcada, por meio, por exemplo, do ato de reforçar o sotaque. Para ilustrar o processo da divergência com um dos personagens amadianos podemos destacar o bisavô paterno (Manuel Luís) do narrador-personagem, cujos hábitos portugueses – tanto os culturais (alimentos, vestimentas, religiosidade) quanto a forte ligação linguística – são mantidos mesmo depois de ele estar estabelecido longos anos na pequena vila de Itaporanga, em Sergipe. Relata-se, por exemplo, que seus diálogos tinham sempre por tema a sua cidade natal e sobreleva-se o fato de o bisavô ter sua fala marcada pela pronúncia da vibrante múltipla alveolar “r”, característica do português europeu: “Mal me podia suster nos braços e no entanto me erguia neles para que eu olhasse de perto o Porto, o Porrto, como dizia. [...] Nesse diálogo constante, o leit-motiv, a nota predominante era sempre o Porrto.” (AMADO, 1999, p. 11, grifo nosso). A convergência é um processo mais complexo, pois além da intenção envolve a percepção. Para melhor embasar as estratégias da teoria da acomodação comunicativa, Coupland prevê a distinção entre objetivos instrumentais, relacionais e de identidade. Quem nos dá a definição do que sejam esses objetivos é Rickford (2001): Notoriamente os objetivos instrumentais [ou tarefa], em que é necessária uma resposta de um(s) ouvinte(s) relacionada com um obstáculo ou problema específico definindo a tarefa da situação comunicativa, (2) objetivos inter-pessoais [ou relacionais] que envolvem o estabelecimento ou a manutenção de uma relação com o outro(s), e (3) objetivos de identidade [auto-apresentação], em que existe a gestão da situação comunicativa com o fim de apresentar uma auto-imagem desejada para o falante e criar ou manter um sentido particular de si para o outro(s).(RICKFORD, 2001, p. 224, tradução nossa) 4. É claro que surgem várias indagações a respeito de como identificar esses três tipos de objetivos, mas, ainda assim Coupland defende que é possível realizar análises com base neles, ainda que os objetivos sejam numerosos, difíceis de definir, e impossíveis de vincular a qualquer discurso transparente, no relacionamento um-a-um. No entanto o terceiro tipo de objetivo – o de autoapresentação – é o que mais poderemos apreciar no decorrer da análise principalmente no que toca o personagem Gilberto Amado, já que suas falas e auto-. 4. (1) overtly instrumental [or task] objectives, in which a response is required from one‟s listener(s) related to a specific obstacle or problem defining the task of the communicative situation, (2) inter-personal [or relational] objectives, involving the establishment or maintenance of a relationship with the other(s), and (3) identity [or self-presentational] objectives, in which there is management of the communicative situation to the end of presenting a desired self image for the speaker and creating or maintaining a particular sense of self for the other(s)..

(24) 24. caraterizações têm por objetivo o delineamento constante da persona5 - aqueles tipos sociais que são explicitamente bem localizados na ordem social - de jovem bem educado, esforçado, autodidata, inteligente e cauteloso além da pontual identificação de outros personagens na escola social, mas esperemos o momento da análise. Considerando a dificuldade na identificação pontual de cada um dos objetivos aos quais Coupland se refere, é possível destacar da abordagem couplandiana seu foco no estilo como um marcador de identidade, ou a apresentação de si mesmo. Ao se adotar esse ponto de vista é preciso ter em mente que há limites para a extensão na qual os indivíduos podem conscientemente adaptar seu estilo de projetar uma certa persona ou se identificar com um grupo particular. Ainda que direcionemos nossa atenção para este ponto da abordagem couplandiana, temos que considerar o fato de não darmos à construção da identidade a posição de único fator relevante ou fator primário a interferir na abordagem do estilo. É preciso, além disso, dar relevo a outros fatores como o público, a finalidade, o tema, anteriormente já demonstrados pela abordagem laboviana - e assim por diante, os quais interferem na mudança de estilo, ainda que a identidade se mantenha constante. Uma consideração interessante Coupland faz ao se apoiar em Giddens (1991) em relação ao fato de a „autobiografia... no sentido amplo de uma história interpretativa autoproduzida pelo indivíduo... [ser] realmente o cerne da auto-identidade no mundo moderno.‟ Coupland (2001) sustenta esse argumento por ser uma interpretação particular do caso geral defendido por Mead (1974), o qual teria percebido a criação do “eu” como embutida na partilha de experiências: O que o indivíduo faz é indicar o que os personagens importantes em um processo cooperativo são. Ele indica isto a outros membros da comunidade, mas... especialmente no caso dos gestos vocais, ele indica-o para si como para os outros, e só na medida em que ele indica a si mesmo como para os outros, ele tende a chamar a si mesmo a mesma atitude que em outros. (MEAD, 1974, p. 104 apud COUPLAND, 2001, p. 203)6. A relevância dessa perspectiva para a análise sociolinguística do estilo, de acordo com Coupland, é que os falantes, que são obrigados a falar em estilos dialetais mais ou menos 5. Para Eckert (2005, p. 17), “[...] personae in turn are particular social types that are quite explicitly located in the social order.” De maneira sucinta, poderíamos explicar este conceito como sendo a denominação das várias identidades que o falante pode dispor em diferentes ou em semelhantes contextos, manifestadas através da variação estilística. 6 “What the individual does is to indicate what the important characters in a co-operative process are. He indicates this to other members of the community; but... especially in the case of vocal gestures, he indicates it to himself as to others; and just insofar as he does indicate it to himself as to others, he tends to call out in himself the same attitude as in others.”.

(25) 25. identificáveis socialmente, inevitavelmente projetam versões de si mesmos de forma contínua e em todos os contextos. Entre outros fatos, é isso que pretendemos verificar ao analisarmos as personagens amadianas. Na seção seguinte, veremos como Eckert trabalha a noção de persona para o estudo do estilo. 1.2.3 Persona: a visão de Eckert Eckert, na mesma linha de Coupland, também pontua que não se deve exclusivamente à falta de atenção o uso de dada variante vernacular. Segundo ela, Labov toma como ponto central de sua análise de mudança de estilo unicamente a atenção que é colocada naquele momento de fala. E ela acrescenta à atenção uma série de outros fatores, vejamos: Labov opõe a atenção dada à fala ao “etnográfico”, ou ao que se pode referir a motivações socialmente significativas para a mudança de estilo. Enquanto ele só menciona o projeto público como tal motivo, pode-se expandir a lista para incluir outros aspectos do estilo [...] tais como: gênero, tema, público-alvo, gestão da persona. (ECKERT, 2001, p. 122-123). Segundo Eckert, é importante ressaltar, porém, que a atenção dada à fala está relacionada a motivações socialmente significativas de formas heterogêneas: determinados gêneros podem ocorrer em situações que exigem maior ou menor atenção à sua performance, determinados temas podem fazer com que as pessoas atentem para o modo como elas estão falando, diferentes interlocutores podem deixar os falantes nervosos acerca de sua autoapresentação, etc. Eckert defende que, na verdade, o automonitoramento tende a diminuir quando estamos nos divertindo, quando somos nós mesmos, quando tomamos controle da fala e discorremos sobre as coisas que nos preocupam, etc. Mas ela não acha que esteja claro que é a falta de monitoramento ou o ato de sermos nós mesmos que é a mais saliente na nossa produção de variantes vernáculas. O mais provável, é que sejam ambos e uma série de outros fatores. Eckert vê o estilo como um processo criativo, atrelando-o ao significado social implicado pelas ações dos falantes, e conclui a respeito do estilo e significado social: “o estilo não é apenas o produto da construção de significado social, ou mesmo o locus da construção do significado social, é o que faz a negociação de tal significado possível.” (ECKERT, 2001, p. 126)7. Observamos que, para Eckert, é primordial levar em consideração o pressuposto. 7. “style is not just the product of the construction of social meaning, or even the locus of the construction of social meaning; it is what makes the negotiation of such meaning possible.”.

(26) 26. segundo o qual “o significado social não é incidental ao estilo, é exatamente o estilo” (ECKERT, 2004, p. 213)8. Assim, essa autora mostra que dois conceitos são fundamentais para entender como ela trabalha o estilo ligado a essa perspectiva de significado social: a performance – conceito ligado às atitudes linguísticas que proporcionam credibilidade ou mesmo falta de credibilidade a determinado falante – e a persona – imagem social que o falante projeta no sentido de fazer com que os demais membros da comunidade – ou mesmo de outras comunidades – interpretem suas ações de acordo com tal projeção. No entanto, para que o falante obtenha um êxito positivo na execução da performance e mesmo no delineamento da persona, precisa estar de acordo com as regras do grupo do seu interlocutor; precisa estar, de alguma forma, inserido na comunidade para poder conhecer as regras em relação às quais ele deve se adequar. Eckert (2004) considera que a estratificação dos usos normativos leva o falante a se valer do artifício do reconhecimento dos diferentes usos feitos pelos grupos da comunidade. Dessa forma, para que o participante consiga de fato se integrar em uma dada comunidade ele precisa reconhecer e interpretar o valor atribuído a formas de falar diferentes. Ainda para essa autora normas são resultantes de um comportamento tido como normal (aquele que se tem por adequado e no qual não é prevista a variação). No entanto, a partir do momento em que o falante “fere” essa norma, ele está sendo avaliado e passa a sofrer o processo de estratificação social. Esse fator pode ser ilustrado com a autoconstrução da persona do narrador Gilberto Amado, a qual apenas em uma das falas – “Soletrei, repeti: „estomágo‟. Foi o diabo.” (p. 49) – fere a norma padrão da língua, no entanto, ao construir a persona daqueles detentores de uma variedade desprestigiada, o faz de forma a estratificá-los. Nessa situação, vemos o falante/personagem, tomando como parâmetro o próprio comportamento individual, obtido através de uma mescla do conhecimento das normas da comunidade passar a perceber e a distinguir, a depender do contexto, aquilo que é tido como prestigioso daquilo que é estigmatizado. Ao conseguir realizar essa diferenciação (estigma x prestígio), o falante, utilizando-se de fatores internos e externos, adotará o estilo mais apropriado de seleção linguística para a situação de interação verbal da qual está participando. Portanto, para Eckert, da combinação de variáveis que criam as formas distintas de falar é que resulta o significado social do estilo.. 8. “Social meaning is not incidental to style, but is very much what style is about.”.

(27) 27. Essa autora acrescenta ainda que “formas de falar são a chave para a produção de personas, personas por sua vez são tipos sociais particulares que são muito explicitamente localizados na ordem social” (ECKERT, 2005, p. 17). Eckert defende também que o falante elabora sua persona partindo das experiências obtidas inicialmente na comunidade de fala de que faz parte. Assim, da experiência advinda dos discursos familiares e mesmo dos da vizinhança, o falante vai gradativamente inserindo o material linguístico que obtém das interações com colegas da escola - isso inclui professores e demais profissionais daquele ambiente, bem como os outros alunos -, outras crianças da vizinhança, pais dos amigos, comerciantes, etc. Em tais pessoas, o falante pode observar as mais variadas personalidades: há aqueles mal-humorados, atenciosos, rudes, esnobes, mandões, etc. Nessa participação em diferentes comunidades, o falante precisa estar a todo tempo buscando a concordância dos outros membros e evitando confrontar-se com eles. Nessa busca por adequação, o falante precisa se utilizar do que Eckert (2004) denomina de “endereço social”. Para entender a noção de endereço social, o falante precisa estar consciente de que cada falante dispõe de um endereço social distinto. Apesar disso, o falante está sempre em contato com membros de outras comunidades – os quais, por sua vez, também apresentam um endereço social próprio – e precisa manter a conexão com outras comunidades, a fim de que a rede de contato seja mantida, mesmo mediante essa infinidade de endereços sociais. Assim, é preciso que o falante seja bastante habilidoso ao fundir determinada persona a novas realidades, para que obtenha credibilidade em comunidades nas quais busca se inserir. Em comunidades nas quais características específicas apresentam um delineamento claro – sejam elas culturais, econômicas, físicas, linguísticas, etc. – fica mais fácil perceber se um falante pertence ou não a elas, e aqui se faz necessário ressaltar o quão distinta dos demais membros é a persona do narrador, já que suas realização linguísticas são sempre distanciadas das dos demais garotos e sertanejos e mesmo estudantes com quem partilhara as mais diversas experiências. Segundo Eckert (2004), vai depender da avaliação social pela qual passará o falante, que tanto lhe possibilitará rapidamente adquirir relevantes direitos, quanto não adquirir quaisquer desses direitos. Em virtude da ampla participação em diversas comunidades de fala e de prática (família, escola, vizinhança, etc.), é possível vislumbrar o real posicionamento social do indivíduo que não pode, a todo tempo, esconder-se sob personas e variações estilísticas que não condizem com sua verdadeira personalidade. Na obra de Gilberto Amado, a persona mais claramente esboçada foi a de um jovem totalmente.

(28) 28. destoante daqueles demais meninos que, mesmo frequentando as mesmas escolas, nem de longe, comparavam-se ao sensato, inteligente e esperto “filho de seu Melk”. Vemos que tanto Eckert quanto Coupland conciliam seus pontos de vista com tudo que foi exposto até agora no que concerne à construção de personas. Na seção a seguir, mostramos o posicionamento de Irvine para a ampliação do entendimento desse conceito. 1.2.4 Estilo e a construção de personas na visão de Irvine Neste momento passamos a discutir a contribuição de Judith Irvine (2001), a qual traz uma abordagem que necessita de arcabouço antropológico. A autora assevera que não devemos ignorar os significados cotidianos de outros âmbitos – como é o caso do significado da palavra estilo quando referindo-se à moda/vestuário – em nossa volta, pois que não se deve tomar tais acepções como sendo assuntos totalmente diferentes daquele que a Sociolinguística pretende abarcar. Assim, é preciso lançar mão da concepção popular de estilo, pois a partir dela podemos fazer inferências sobre outras compreensões. Essa autora postula que o “estilo” crucialmente se refere à distintividade; embora caracterize um indivíduo, o faz apenas dentro de um quadro social (de testemunhas que prestam atenção). Dessa forma, tanto no mundo da moda, quando no universo da sociolinguística, a noção vai passar por avaliação social e, talvez, estética, interagindo com representações ideologizadas. Ela acrescenta que sejam quais forem os “estilos" – estilo em linguagem ou em outro lugar –, todos eles são parte de um sistema de separação, no qual um modelo contrasta com outros estilos possíveis, e o significado social representado pelo estilo contrasta com outros significados sociais, pois raramente será útil examinar um único estilo isoladamente. O que seria o mais importante para uma visão sociolinguística de estilo são os princípios e processos de distintividade estilística dentro de um sistema em constante evolução sociolinguística. Vemos que essa ideia subjaz ao que tanto Coupland quanto o que Eckert postulam: estilo enquanto uma forma de distinção social. Outro destaque feito por Irvine (2001) é o fato de, em sociolinguística, ser um lugar comum afirmar que as formas da língua são índice das formações sociais (grupos, categorias, personas, tipos de atividades, instituições de práticas internacionais, etc.). Ela ressalta, no entanto, que um índice só pode informar a ação social se ele funcionar como um sinal. Então, esses índices devem participar de entendimentos dos participantes, de seu mundo social e dos recursos semióticos disponíveis nele. Esses entendimentos estão posicionados, dependendo, em alguma medida, da posição social do participante e do seu ponto de vista. Eles também.

(29) 29. são culturalmente variáveis, isto é, eles nem são universais nem inteiramente previsíveis a partir da posição social individual (como classe socioeconômica), sem a consideração da história local e da tradição. Neste ponto é preciso abrir espaço para destacarmos a importância de tomarmos o texto amadiano, o qual, sendo um rico registro sociológico da história e tradição dos locais nele descritos – traz detalhes acerca da cultura, economia, política e costumes da região retratada –, mostra-nos como o autor buscou demonstrar também essa distintividade a que alude Irvine (2001), por meio de determinadas falas de personagens a quem deu vida. Isso nos permite observar também os índices das ações sociais dos personagens ali presentes. É por isso que podemos associar os pressupostos defendidos por Irvine (2001) ao que a obra História da Minha Infância pode nos oferecer. Quando aborda a questão estética – também presente na visão sociolinguística – a autora afirma que o estético leva em conta a consistência dos aspectos linguísticos que constituem o estilo. Em seguida ela lista trabalhos de cunho antropológico que relacionam vários aspectos sociais a aspectos linguísticos, é o caso do trabalho de Dick Hebdige, com seu Subcultura: o significado do estilo, e Pierre Bourdieu, com seu Distinção. Em relação ao último trabalho, ela destaca a perspectiva de Bourdieu de que muitos indivíduos acreditam que suas preferências seriam completamente individuais e conscientes, quando na verdade elas são constituídas em um espaço social. Toda a prática é "notável", visível, se é ou não é realizada de modo a ser vista, é distintiva, se brota ou não da intenção de ser "notável", destacando-se, de distinguirse ou comportar-se com distinção. Como tal inevitavelmente funciona como um sinal distintivo... A busca da distinção - que pode ser expressa em formas de falar ou a recusa de afiliações - produz separações e se destina a ser percebida ou, mais precisamente, conhecida e reconhecida, como diferenças legitimadas. (BOURDIEU, 1986, p. 184 apud IRVINE, 2001, p. 23, tradução nossa).9. Assim, a distinção/notabilidade/visibilidade será um fator recorrente no estudo de estilo empreendido por Bordieu. Irvine entende que os estilos na fala envolvem as formas dos falantes, como agentes no espaço social (e sociolinguístico), negociando suas posições e metas dentro de um sistema de distinções e possibilidades. Para ela, seus atos de fala são ideologicamente mediados, já que esses atos envolvem necessariamente o entendimento de. 9. “All practice is “conspicuous,” visible, whether or not it is performed in order to be seen; it is distinctive, whether or not it springs from the intention of being “conspicuous,” standing out, of distinguishing oneself or behaving with distinction. As such it inevitably functions as a distinctive sign... The pursuit of distinction – which may be expressed in ways of speaking or the refusal of misalliances – produces separations intended to be perceived or, more precisely, known and recognized, as legitimate differences.”.

Referências

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