• Nenhum resultado encontrado

O Rio de Janeiro da ficção machadiana: um passeio com o mestre pelo centro da Cidade Maravilhosa

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "O Rio de Janeiro da ficção machadiana: um passeio com o mestre pelo centro da Cidade Maravilhosa"

Copied!
139
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE TURISMO E HOSPITALIDADE

CURSO DE TURISMO

LISANDRA MACHADO QUINTANILHA

O RIO DE JANEIRO DA FICÇÃO MACHADIANA: UM PASSEIO TURÍSTICO-LITERÁRIO COM O MESTRE PELO CENTRO DA CIDADE MARAVILHOSA

NITERÓI 2014

(2)

LISANDRA MACHADO QUINTANILHA

O RIO DE JANEIRO DA FICÇÃO MACHADIANA: UM PASSEIO TURÍSTICO-LITERÁRIO COM O MESTRE PELO CENTRO DA CIDADE MARAVILHOSA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de graduação em Turismo da Universidade Federal Fluminense, como requisito final de avaliação para a obtenção do grau de Bacharel em Turismo.

Orientadora: Prof.ª Dra. Erly Maria de Carvalho e Silva.

Coorientador: Prof. Dr. Adonai Teles.

NITERÓI 2014

(3)

O RIO DE JANEIRO DA FICÇÃO MACHADIANA: UM PASSEIO TURÍSTICO-LITERÁRIO COM O MESTRE PELO CENTRO DA CIDADE MARAVILHOSA

Por

Lisandra Machado Quintanilha

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de graduação em Turismo da Universidade Federal Fluminense, como requisito final de avaliação para a obtenção do grau de Bacharel em Turismo.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________

Prof.ª Dra.. Erly Maria de Carvalho e Silva – Orientadora – UFF. _____________________________________________________ Prof. Dr. Adonai Teles – Departamento UFF.

_____________________________________________________

Prof. Dr. Ari Fonseca Filho – Convidado.

(4)

A Vovó Tide, que apesar de pouco tempo juntas, me mostrou como uma mulher forte e corajosa deve ser.

(5)

AGRADECIMENTOS

À minha família, que sempre incentivou minhas leituras e escritas: minha vó Aurélia e tia Wanda, mas em especial meus pais Angela e Edson, pelo suporte incondicional em todos os momentos, sempre me fazendo crer em meu potencial.

A pessoas especiais cujas presenças tornaram-se indispensáveis em minha vida: Patrick, pelo constante empenho em ver-me feliz, e Sonia e Armando, pelo carinho e preocupação de sempre.

À minha orientadora Profª. Erly e ao meu coorientador Prof. Adonai, pelo grande incentivo e entusiasmo que demonstraram, pela dedicação ao meu tema, disponibilidade concedida e sugestões valiosas.

Aos amigos e companheiros de trabalhos na jornada universitária, que a tornaram mais fácil e prazerosa, em especial: Anne Louise, Fabiane, Higor e Tatiana.

Ao Sr. Marco André, turismólogo e atual gestor do Circuito Guimarães Rosa, pela grande cordialidade e tempo despendido em ajudar-me com a entrevista concedida.

(6)

Aponto-lhe o melhor dos mestres, o estudo; e a melhor das disciplinas, o trabalho. Estudo, trabalho e talento são a tríplice arma com que se conquista o triunfo.

(7)

RESUMO

Machado de Assis é o escritor carioca que melhor soube captar a essência do Rio de Janeiro, por meio de histórias e personagens que, embora retratassem a cidade de sua época, representam questões sociais ainda muito atuais. O Rio antigo, imortalizado por Capitu, Brás Cubas, Rubião e tantos outros personagens, é símbolo de uma época que hoje só existe nos livros e na imaginação popular, mas que se traduz nas ruas que ainda conservam os ares do passado no centro da cidade. O Rio de Janeiro é ainda pouco explorado pelo turismo literário, apesar do potencial que possui. Com a criação de roteiros que estimulem turistas e moradores locais a conhecer a cidade utilizando uma abordagem que mistura realidade à ficção, envolta em uma atmosfera de nostalgia, é possível despertar a conscientização da população e do governo para a valorização do patrimônio carioca. Sendo assim, o objetivo geral deste trabalho é propor um roteiro turístico para o centro da cidade do Rio de Janeiro com base nas obras de Machado de Assis. É nesse contexto que surge ―Caminhando com Machado‖, visando ser uma ferramenta para o incentivo ao turismo literário. A possibilidade de se aliar a tecnologia à utilização do roteiro permite uma abordagem dinâmica, atrativa e independente, sendo uma alternativa à tradicional excursão em grupo. A metodologia utilizada consiste em uma pesquisa bibliográfica e documental. Por meio de um levantamento de nove obras, foram identificados os locais mais relevantes a serem incluídos no itinerário, seja pela quantidade de menções feitas pelo escritor, ou por sua importância em determinada obra. De forma a viabilizar uma visão geral da época que permeou as criações de Machado e inseri-la no roteiro turístico criado, contextualizamos certos aspectos da História como política, economia, cultura, educação, religião e costumes do Brasil e do Rio de Janeiro, além da literatura da época.

Palavras-chave: Turismo literário. Roteiro. Machado de Assis. História. Literatura brasileira.

(8)

ABSTRACT

Machado de Assis is the carioca writer who best knew how to capture the essence of Rio de Janeiro through his stories and characters that even though picturing the city of his time, still represent very current social issues. The old Rio, immortalized by Capitu, Brás Cubas, Rubião and so many other characters, is a symbol of a time that nowadays exists only in books and in popular imagination, but that still can be represented by the streets which preserve the air of the past in the city center. Rio de Janeiro is still not very much explored by literary tourism despite its potential. By creating itineraries that encourage tourists and locals to get to know the city through an approach that combines reality and fiction, surrounded by an atmosphere of nostalgia, it is possible to raise public and government‘s awareness about the value of the carioca patrimony. Therefore, the general objective of this work is to suggest a touristic itinerary to Rio de Janeiro city center based on Machado de Assis‘ works of fiction.It is in this context that the itinerary "Caminhando com Machado" (―Walking with Machado‖) intends to be a tool to encourage literary tourism. The possibility of combining technology to the itinerary enables a dynamic, attractive and independent approach, being an alternative to the traditional group tour. The methodology employed consists of a bibliographic and documental research. After collecting information on nine works, the most important places to be included in the itinerary were identified on the basis of either the number of references made by the writer or their importance in a certain work. In order to facilitate an overview of the time that surrounded the creations of Machado and insert it into the touristic itinerary created, we contextualized certain aspects of History such as politics, economy, culture, education, religion and customs of Brazil and Rio de Janeiro, alongside literature of the era.

(9)

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Mapa do Circuito Guimarães Rosa ... 27

Figura 2 - Mapa do Quarteirão Jorge Amado ... 31

Figura 3 - Machado de Assis e Carolina ... 95

Figura 4 - Lugares por obra ... 115

Figura 5 - Obras por lugar ... 117

Figura 6 - Mapa ―Caminhando com Machado‖ ... 119

Figura 7 – Quadro de identificação dos pontos secundários do mapa... 120

Figura 8 - Mapa ―Caminhando com Machado‖ ampliado ... 121

Figura 9 - Quadro de identificação dos pontos do roteiro... 122

Figura 10 - Descrição da Rua de Matacavalos no roteiro ―Caminhando com Machado‖... 123

(10)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 12

1. TURISMO LITERÁRIO ... 16

1.1 PAISAGENS LITERÁRIAS E LUGARES LITERÁRIOS ... 17

1.2 O LEITOR-TURISTA E O TURISTA-LEITOR ... 20

1.3 TURISMO E LITERATURA: CONTEXTO INTERNACIONAL ... 21

1.3.1 Eça de Queiroz e Lisboa ... 22

1.4 TURISMO E LITERATURA: CONTEXTO NACIONAL ... 25

1.4.1 Guimarães Rosa e o sertão de Minas Gerais ... 25

1.4.2 Jorge Amado e Ilhéus... 30

1.4.3 Machado de Assis e o Rio de Janeiro ... 34

2. A HISTÓRIA E A LITERATURA NA ÉPOCA DE MACHADO ... 40

2.1 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA: UM PANORAMA BRASILEIRO ... 41

2.1.1 O Segundo Reinado ... 41

2.1.1.1 Política e economia ... 45

2.1.1.2 Educação ... 52

2.1.1.3 Cultura e sociedade ... 54

2.1.2 A República Velha ... 57

2.2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA: UM PANORAMA CARIOCA ... 63

2.2.1 Morre Machado de Assis e renasce o Rio de Janeiro: a Belle Époque brasileira ... 65

2.3.1 Romantismo x Realismo e as obras de Machado ... 71

3. O RIO DE MACHADO DE ASSIS ... 78

3.1 MONTANDO O CENÁRIO ... 79

3.1.1 Modo de vida e cotidiano ... 79

3.1.2 Entretenimento ... 81

(11)

3.1.4 Moda... 92

3.1.5 Alimentação ... 96

3.1.6 Meios de Transportes ... 98

3.2 RUAS DO CENTRO DO RIO MACHADIANO ... 101

3.2.1 Rua da Quitanda ... 102

3.2.2 Rua de Matacavalos (Rua Riachuelo) ... 103

3.2.3 Rua Direita (Rua Primeiro de Março)... 104

3.2.4 Rua do Ouvidor ... 105

3.2.5 Rua dos Inválidos ... 106

3.2.6 Rua dos Ourives (Rua Miguel Couto)... 107

3.2.7 Rua São José ... 108

3.2.8 Campo da Aclamação (Praça da República) ... 109

3.2.9 Largo São Francisco de Paula ... 109

3.2.10 Passeio Público ... 110

3.2.11 Rocio Grande/ Praça da Constituição (Praça Tiradentes) ... 111

4. SEGUINDO OS PASSOS DO MESTRE: UM ROTEIRO PARA DESVENDAR O RIO DE MACHADO DE ASSIS ... 112

4.1 LEVANTAMENTO DAS OBRAS DE MACHADO DE ASSIS ... 113

4.2 CAMINHANDO COM MACHADO... 117

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 127

REFERÊNCIAS... 130

APÊNDICE A – ENTREVISTA POR E-MAIL COM MARCO ANDRÉ O. MARTINS MALAQUIAS. ... 137

(12)

INTRODUÇÃO

Carvalho (2009) aponta que os estudos realizados na área do turismo literário ainda são escassos, sendo grande parte proveniente da área da Cultura e da Literatura, mas não do Turismo. Confirmando a constatação da autora citada, observamos que a cartilha ―Turismo Cultural: orientações básicas‖, lançada pelo Ministério do Turismo em 2010, em uma série de cartilhas que buscam segmentar a atividade turística, reconhece e define apenas os seguintes tipos de Turismo Cultural: Turismo Cívico, Religioso, Místico e Esotérico, Étnico, Ferroviário, Cinematográfico, Arqueológico, Gastronômico e Enoturismo. Na apresentação das cartilhas, encontramos:

O comportamento do consumidor de turismo vem mudando e, com isso, surgem novas motivações de viagens e expectativas que precisam ser atendidas. Em um mundo globalizado, onde se diferenciar adquire importância a cada dia, os turistas exigem, cada vez mais, roteiros turísticos que se adaptem às suas necessidades, sua situação pessoal, seus desejos e preferências.

O Ministério do Turismo reconhece essas tendências de consumo como oportunidades de valorizar a diversidade e as particularidades do Brasil. Por isso, propõe a segmentação como uma estratégia para estruturação e comercialização de destinos e roteiros turísticos brasileiros. Assim, para que a segmentação do turismo seja efetiva, é necessário conhecer profundamente as características do destino: a oferta (atrativos, infraestrutura, serviços e produtos turísticos) e a demanda (as especificidades dos grupos de turistas que já o visitam ou que virão a visitá-lo). Ou seja, quem entende melhor os desejos da demanda e promove a qualificação ou aperfeiçoamento de seus destinos e roteiros com base nesse perfil, terá mais facilidade de inserção, posicionamento ou reposicionamento no mercado. (BRASIL, 2010, [s.p.]).

Apesar de reconhecer a necessidade de valorizar as particularidades do potencial turístico brasileiro, o documento não reconhece o turismo literário como um tipo de turismo cultural. A cartilha apenas menciona a literatura como uma das bases desse tipo de turismo, assim como a pintura, escultura, dança, teatro, folclore, artesanato, gastronomia, entre outros. Os eventos literários aparecem na cartilha apenas como atividades que podem ser agregadas ao patrimônio material, trazendo uma possibilidade de vivência das culturas locais, assim como festivais e exposições temáticas, eventos musicais, brincadeiras lúdicas, entre outros. (BRASIL, 2010).

(13)

Reconhecendo a insuficiência de estudos vindos da área de Turismo e o grande potencial da cidade do Rio de Janeiro para o turismo literário ainda pouco explorado, pretendemos incentivá-lo por meio de um roteiro turístico, elaborado com base nas obras daquele que acreditamos ser o escritor que melhor representa a cidade: Machado de Assis.

Ao longo de seus 69 anos de idade, Machado pouco saiu do estado do Rio de Janeiro e jamais saiu do Brasil. Suas obras mencionam localidades como Petrópolis, Nova Friburgo e Itaguaí, mas apenas a cidade do Rio mereceu papel de destaque em suas histórias: as ruas do Rio antigo são testemunhas de amores, celebrações e fatos históricos, mas também de desilusões e atrocidades desumanas. A vida cotidiana dos cariocas do século XIX também é retratada pelo escritor, que não deixa escapar costumes, crenças e diversões, montando um verdadeiro panorama da sociedade de sua época.

Pensando em transportar o universo machadiano para a realidade do leitor atual, de forma a atrair uma nova demanda turística para a cidade, criamos ―Caminhando com Machado‖, um roteiro voltado para turistas e cariocas.

Para Lucas (2003, apud MENEZES, 2008), quando os moradores locais percebem o valor dado pelos turistas ao que vão visitar, seja por aspectos ligados a tradição ou a paisagem, passam a olhar de maneira diferente o que normalmente lhes passaria despercebido: os moradores desenvolvem orgulho pelo patrimônio e buscam preservá-lo para as gerações futuras. Esse fenômeno é o que ocorre com os cariocas de uma forma geral, que se orgulham em ―morar em um lugar onde o mundo passa as férias‖. O que uma grande parte dos cariocas ainda não sabe é que há mais motivos para se orgulhar de sua cidade do que imagina. Nesse contexto, ―Caminhando com Machado‖ representa uma possibilidade de redescoberta do patrimônio carioca e incentivo a literatura nacional.

Para a realização deste trabalho formulamos o seguinte problema: Como as obras de Machado de Assis podem contribuir na elaboração de um roteiro turístico para a cidade do Rio de Janeiro?

Sendo assim, o objetivo geral desta pesquisa é propor um roteiro para o centro do Rio com base nas obras de Machado. Seus objetivos específicos destinam-se a identificar, por meio de uma análise da ficção machadiana, seus

(14)

cenários e contexto histórico, que locais do centro da cidade podem ser inclusos no itinerário.

A pesquisa de natureza qualitativa consta de revisão bibliográfica para fundamentação teórica, baseada em livros, artigos, teses e dissertações, além de uma pesquisa documental para construção do corpus de análise, constituído pelas obras de Machado de Assis. O corpus empírico compreende a identificação nos romances machadianos, dos locais que deveriam constar de um roteiro, por meio de um levantamento feito em planilha do programa Microsoft Excel, contabilizando a quantidade de citações feitas por Machado de Assis a pontos da cidade do Rio de Janeiro.

Conscientes da amplitude do tema deste trabalho, optamos por dividi -lo em quatro partes, objetivando ao fim caracterizar o Rio de Janeiro de Machado de Assis e ilustra-lo com o roteiro elaborado.

O primeiro capítulo dedica-se ao turismo literário, pois, antes de tudo, faz-se necessário discutirmos alguns conceitos relacionados à prática. Para mostrar a forma como esse tipo de turismo funciona no mundo e em algumas partes do Brasil, escolhemos Eça de Queiroz como exemplo internacional, Guimarães Rosa e Jorge Amado na esfera nacional, e introduzimos a relação de Machado de Assis com o Rio de Janeiro.

O segundo capítulo busca contextualizar a história do Brasil e do Rio de Janeiro na época de Machado, e a literatura. Para isso, abordamos em especial o Segundo Reinado e algumas de suas particularidades na política, economia, educação, cultura e sociedade. Para construir o panorama carioca, buscamos focar o Rio que viu Machado nascer e morrer, já que mais detalhes foram dados no capítulo 3. Já a contextualização literária buscou inserir a genialidade de Machado no contexto dos movimentos do Romantismo e Realismo, abordando também as diferenças entre a primeira e a segunda fase do escritor.

No terceiro capítulo, ―O Rio de Machado de Assis‖, buscamos desvendar mais detalhes do universo machadiano, desta vez concentrando-nos exclusivamente na cidade do Rio e seu cotidiano, formas de entretenimento, religião, moda, alimentação e meios de transporte. Finalmente, abordamos a história e a

(15)

importância das principais ruas do centro da cidade que aparecem nas obras machadianas e que fazem parte do roteiro proposto.

No último capítulo apresentamos o roteiro ―Caminhando com Machado‖, elaborado com base em um levantamento de nove obras feito pela autora. Ao fim, apresentamos também algumas sugestões de operação do roteiro, de forma a torna-lo mais democrático e atingir os objetivos almejados neste trabalho.

(16)

1. TURISMO LITERÁRIO

A literatura é uma das grandes responsáveis pela construção de imagens, cenários, e consequentemente da identidade cultural de uma localidade: por meio de descrições, relatos ou representações de simples objetos, vestuário da época, paisagens ou comportamentos sociais, um autor é capaz de transportar o leitor através do tempo e do espaço, em uma viagem cujo único veículo necessário é a imaginação. O autor também se torna formador de opiniões, na medida que expõe seu olhar crítico e pessoal sobre questões culturais, sociais, geográficas e políticas, emprestando seu ponto de vista particular à obra e moldando as características da localidade a seu gosto. Para Weir (2003, p. 119 apud HENRIQUES; QUINTEIRO, 2011, p. 606): ―[...] as experiências/vivências do turista não assentam no espaço como ele é, mas sim como foi visto e recriado por um determinado autor ou personagem‖. Para Queiroz (2010), tudo depende da experiência subjetiva do escritor, da linguagem usada, da seleção de temas e características exaltadas, além da carga metafórica ou simbólica na ligação dos cenários com os personagens.

Um destino que tenha sido retratado em uma obra literária pode apropriar-se deste fenômeno para atrair visitantes, desenvolvendo ou intensificando seu potencial turístico, ao direcionar sua oferta (infraestrutura turística, atrativos, serviços e produtos) para essa demanda que busca praticar o Turismo Literário. Magadán (2012, apud PLEGUEZUELOS, [s.a.]) define o Turismo Literário como um tipo de turismo cultural que se desenvolve em lugares relacionados com os acontecimentos dos textos de ficção ou com a vida dos autores. Isto poderia incluir seguir a rota de um personagem de ficção de um romance, visitar os cenários em que se ambienta uma história ou percorrer os lugares vinculados à biografia de um romancista.

Complementarmente, para Mendes, o Turismo Literário:

[...] privilegia os lugares e os eventos dos textos ficcionados, bem como a vida dos seus autores e tem como palco a promoção de locais onde há uma ligação directa [sic.] entre a sua produção literária e artística e os turistas que as visitam. (2007, p. 87).

(17)

Podemos observar que Magadán (2012, apud PLEGUEZUELOS, [s.a.]) classifica o Turismo Literário, em termos de tipologia, como uma modalidade do Turismo Cultural. Ambas as autoras, Magadán e Mendes, destacam que não só a ficção (histórias, personagens e situações criadas) é uma condição para a ocorrência do Turismo Literário, mas também a própria realidade da vida pessoal e profissional do escritor. Xicatto (2008) cita ainda as feiras, festivais e salões literários como mais uma das vertentes deste tipo de turismo. Como se depreende, essa modalidade é rica em perspectivas, especialmente quando se detém nos cenários descritos.

1.1 PAISAGENS LITERÁRIAS E LUGARES LITERÁRIOS

Mendes (2007) compara o Turismo Literário ao Turismo Artístico em geral, já que ambos encontram-se no Turismo Cultural e tratam do campo do conhecimento humano (intercultural), relacionando-se à criação de obras que evocam a vivência e a interpretação sensorial, emocional e intelectual da vida das comunidades. Para Mendes (2007), ―[...] a Literatura é a Arte que se manifesta pela palavra‖ (2007, p. 89) e sendo a Literatura uma manifestação artística, pode criar novas formas de se perceber a realidade.

Pimentel (2012) aponta que na ficção literária, quando se constrói uma representação social da realidade, o mundo nos passa a ser como bem o concebemos, sentimos e avaliamos. Graças à ficção literária também descobrimos as formas de ver e sentir a realidade de outro tempo, resgatando a forma como possivelmente as pessoas agiam e pensavam, além dos seus temores, ânsias e expectativas. De acordo com Pimentel (2012), tanto a literatura que trata de um passado remoto quanto a que projeta a narrativa para o futuro são testemunhos do seu tempo, com o que concordamos, pois é por meio da maneira de pensar, do vocabulário usado e das ideias e suposições expostas que um escritor deixa registradas as marcas culturais da sua geração.

A percepção da realidade é individual e subjetiva, variando de leitor a leitor e dependendo do grau de veracidade que o autor concede à obra, além da maneira

(18)

com que narra suas percepções, ao tentar ser imparcial ou não. Por exemplo, a representação de uma paisagem feita por um escritor e a percepção do leitor acerca da mesma paisagem podem ser divergentes. Para Queiroz (2010), a paisagem pode ser apreendida subjetivamente pelas pessoas, uma vez que quando textos literários descrevem uma paisagem e desenvolvem sua narrativa em torno de um espaço geográfico, temos o conceito de paisagem literária. Para Alves:

As palavras que constroem as paisagens literárias são pois um modo de conferir sentido ao mundo e uma manifestação da memória colectiva [sic.] e da identidade de um povo; são, em suma, uma forma de compreensão da sua história e da sua inscrição no mundo. (2012, p. 36)

Queiroz (2010) enfatiza que a paisagem literária estabelece uma relação de verossimilhança com a realidade dos lugares, que pode provocar no leitor um sentimento de identificação territorial e uma ilusão de conhecimento, a partir do momento em que ele absorve a descrição do espaço e da geografia feita pelo escritor, aspectos esses corroborados por Olivier Rolin ao afirmar:

[...] os escritores contribuem muito para nos enganar e para errarmos dentro e acerca das cidades. Lemos um desses livros cujo objecto [sic.] é a cidade e depois, ao desembarcarmos um dia pela primeira vez, constatamos que nada mudou desde que lá nunca estivemos. (2001, p. 27, apud QUEIROZ, 2010, p. 1-2).

Podemos dizer que o leitor acaba se sentindo parte do cenário e do enredo, idealizando a cidade com suas construções, sua gente local e seus costumes, ao mergulhar em uma obra que trata de uma realidade a quilômetros ou até séculos de distância da dele; sente-se nostálgico de um passado que sequer teve a oportunidade de vivenciar.

Para Urry (1990, apud MENDES, 2007, p. 32), vivemos em uma sociedade que tende à nostalgia, que se manifesta também em uma atração nostálgica pelo patrimônio cultural. Para Rodrigues (2001), o patrimônio é parte integrante da memória social. Esta, que é uma forma de se recompor a relação entre o presente e

(19)

o passado, é portadora de historicidade e reflete a valorização que a sociedade atribui ao passado:

Feito de fantasias, parecendo sempre melhor que o presente, ele [o passado] aflora idealizado, porque reconstruído por nós que já não somos o que éramos e, movidos pela nostalgia, queremos que ele nos traga de volta as sensações já vividas. (RODRIGUES, 2001, p. 18).

O que as cidades são e o conhecimento que se tem delas, alicerçam-se na memória – ―[...] processo através do qual o homem pode não só repetir as suas experiências passadas, mas também reconstruir essa experiência‖ (CASSIRER, 1972 apud HENRIQUES; QUINTEIRO, 2011, p. 602). A literatura, por sua vez, (re)constrói essa memória, o que conduz à valorização de diversos elementos integrantes da cidade: os tangíveis, como monumentos, lugares, edifícios e objetos materiais; e os intangíveis, como histórias, sentimentos, costumes e atmosferas (HENRIQUES; QUINTEIRO, 2011)

Herbert (1996), remetendo-se a diversos autores1, discorre sobre lugares literários e artísticos (literary and artistic places), definindo-os primeiramente como lugares que atraem pessoas interessadas na vida pessoal de escritores e artistas. Uma segunda definição aponta que esses lugares não só se conectam com a vida do escritor ou artista, mas também com suas obras. O referido autor também diz que há uma fusão entre o ―real‖ e o ―imaginado‖, o que confere um significado especial a esses lugares. Um lugar literário ou artístico pode ser considerado como um lugar ao qual as pessoas atribuem um significado, e é justo o valor desse significado para elas que as atrai ao local. Herbert (1996) também aponta que em alguns casos, a ida a um lugar literário pode ser comparada à visita a uma residência anterior ou algum outro local de intensa experiência pessoal que provoca lembranças no visitante. Outros locais, segundo Herbert (1996), já seriam suficientemente atrativos por si só, independentemente da presença de conexões literárias ou artísticas, seja por possuir um produto turístico suficientemente forte, ou por fazer parte de uma configuração mais ampla, como um produto turístico mais amplo, por exemplo.

1

Dentre os quais: Marsh (1993), Pocock (1987), Pocock (1992), Daniels and Rycroft (1993), Cosgrove and Domosh (1993) e Squire (1993).

(20)

1.2 O LEITOR-TURISTA E O TURISTA-LEITOR

Ao visitar locais cenários das obras de determinado escritor ou locais por onde passou, o leitor-turista ou turista-leitor sai da sua realidade para vivenciar in

loco o cotidiano de outrem e de outrora. É importante salientar que as expressões

―leitor-turista‖ e ―turista-leitor‖ são aqui utilizadas em termos de motivação de viagem: ―leitor-turista‖ designa aquele cuja principal ou única motivação da viagem se dá após ter visto a localidade retratada em alguma obra e ter seu interesse despertado em visitá-la; sendo assim, trata-se de um leitor transformando-se em turista. Já o ―turista-leitor‖ é aquele cujas razões diversas o levaram a viajar, sua principal motivação não é praticar turismo literário, mas já que aprecia determinada obra ou autor relacionados à localidade que está visitando, aproveita a oportunidade para conhecer determinados atrativos ligados ao assunto. Complementarmente, Simões (2002) utiliza o fator deslocamento como referencial para explicar os dois termos: analisando o caso de Jorge Amado e sua relação com Ilhéus, Simões (2002) define o ―leitor-turista‖ como aquele que independentemente de onde esteja fisicamente, consegue ―visitar‖ a cidade por meio das páginas dos livros. Este se torna um ―turista-leitor‖ após o seu efetivo deslocamento para Ilhéus. Segundo Simões:

Passando de leitor a turista, o tornado turista-leitor desloca-se em busca de reconhecer a região das páginas de Jorge Amado. Se o fluxo turístico da cidade de Ilhéus cresce devido à ação da obra sobre o leitor – que, como eu disse, depois de realizar ―viagens‖ através do livro é movido a visitar o local palco da ficção – esse mesmo fluxo turístico aumenta quando a repercussão e aceitação da obra amadiana torna-se alvo de maior atenção nacional e internacional. Dessa forma, a obra do escritor grapiúna tem trazido às terras dos ―frutos de ouro‖ um turista-leitor ávido por re-conhecer a Gabriela, o Vesúvio, o Bataclan... Provar o fruto do cacau, o bolinho da Gabriela. Sentar na praça da catedral, ou andar nas ruas estreitas da cidade por onde passavam Malvina e Gerusa. Ansioso por ―ler‖ a cidade como texto cultural. (2002, [s. p.]).

Nessa citação Simões (2002) retrata de maneira verossímil a familiaridade do turista-leitor com os personagens da obra, que saem das páginas para serem pessoas reais e povoar um espaço geográfico configurado pela imaginação do leitor.

(21)

1.3 TURISMO E LITERATURA: CONTEXTO INTERNACIONAL

Países como Inglaterra e Espanha, por exemplo, conseguem captar melhor a demanda de leitores-turistas e turistas-leitores por possuírem mais infraestrutura turística voltada ao assunto: criam atrativos que conseguem aguçar a curiosidade do turista e estimular o consumo, contribuindo ainda mais para movimentar a economia local. Londres, por exemplo, além de possuir o Sherlock Holmes Museum, ambientado no endereço onde supostamente vive o personagem – 221b, na Baker Street, e o Sherlock Holmes Pub, conta com diversas agências de turismo que oferecem tours para quem quer seguir os passos do detetive. Além disso, a Inglaterra explora também outros autores clássicos como Shakespeare, Jane Austen, Emily e Charlotte Brontë, além de outros contemporâneos como J.K. Rowling. Já na Espanha, Miguel de Cervantes ainda hoje atrai leitores de ―Dom Quixote‖.

Em Portugal, podemos destacar Eça de Queiroz2, por sua importância na literatura portuguesa e consequentemente no turismo, especialmente na cidade de Lisboa, pela forte influência que exerceu sobre escritores brasileiros, além do fato de sua contemporaneidade com Machado de Assis e também por conta da polêmica travada entre os dois escritores, quando da crítica feita por Machado, sob o pseudônimo de Eleazar, ao romance ―O Primo Basílio‖, acusando Eça de aderir às novas modas do naturalismo de Émile Zola (BUENO, 2012). No prefácio do livro ―O Crime do Padre Amaro‖, intitulado ―Idealismo e Realidade‖ Eça responde a Machado, dizendo-se adepto dessa ―nova moda‖ que em Portugal e no Brasil passa a ser chamada de ―Realismo‖. Polêmicas à parte, o próprio Machado acabou se rendendo e esse novo estilo literário, na segunda parte de sua obra.

2

Não há consenso na grafia do sobrenome de Eça, pois devido ao acordo ortográfico vigente a partir de 1945, a forma original Queiroz passou a ser grafada Queirós. Acompanhando a Fundação Eça de Queiroz, que grafa o sobrenome com ―z‖, utilizamos essa grafia no presente trabalho.

(22)

1.3.1 Eça de Queiroz e Lisboa

José Maria Eça de Queiroz nasceu em 25 de novembro de 1845, em Póvoa do Varzim, Portugal, e faleceu aos 54 anos em 16 de agosto de 1900, em Paris. Em 1866 forma-se pela Faculdade de Direito de Coimbra e vai morar em Lisboa, iniciando a publicação de folhetins no jornal ―Gazeta de Portugal‖. Em 1869 viaja para Palestina, Síria e Egito, onde assiste à inauguração do Canal de Suez e publica no ―Diário de Notícias‖ os relatos de sua viagem no ano seguinte. Em 1873 viaja pelo Canadá, Estados Unidos e América Central. Dois anos depois publica ―O Crime do Padre Amaro‖. Em 1878 publica ―O Primo Basílio‖ e inicia sua colaboração com um jornal do Rio de Janeiro, ―Gazeta de Notícias‖. Dez anos depois é eleito cônsul em Paris e publica ―Os Maias‖ (FUNDAÇÃO EÇA DE QUEIROZ, 2014).

Apesar das viagens internacionais que fez e que influenciaram sua obra, Eça nunca veio ao Brasil, mas viu sua vida ligada ao país de várias formas: começando por suas origens, já que seu pai era brasileiro. Além disso, Rosa e Mateus, um casal de negros que sua família trouxe do Brasil, lhe inseriram um pouco, quando pequeno, na cultura brasileira, cantando-lhe canções e contando histórias do sertão. Eça também travou amizade com brasileiros como Paulo Prado, Magalhães de Azeredo, Domício da Gama, Eduardo Prado, o barão de Rio Branco e Olavo Bilac. Mais tarde publicou a crônica ―O brasileiro‖, que apareceu no periódico ―As Farpas‖ (fundado por ele) que caracterizava o brasileiro comicamente, ridicularizando-o, o que ofendeu a muitos (FUNDAÇÃO EÇA DE QUEIROZ, 2014).

Para Queiroz (2010), Eça foi um retratista da cidade de Lisboa sem igual, tendo muitas de suas obras servido para demonstrar como os escritores contribuem para manter a memória histórica dos locais. Carvalho (2009) aponta que Eça conseguiu retratar o panorama cultural da época de forma completa e expressiva, e por meio da leitura é como se quase pudéssemos visualizar a sociedade portuguesa do fim do século XIX.

Portugal, devido a sua posição geográfica, absorvia tardiamente as mudanças que ocorriam na Europa, e por isso, Eça começa a combater o imobilismo cultural, buscando uma mudança política, social, ideológica e estética no país. Por isso, foi contra o Romantismo, corrente literária vigente na época de seu surgimento como

(23)

escritor. Eça foi criticado pelos seguidores da linha romântica e considerado um escândalo pela orientação para mudança que demonstrava em seus primeiros folhetins publicados. O folhetim já era um gênero corrente na Europa, porém, ainda novidade em Portugal, violava todas as normas literárias utilizadas até então no país (PINHO; PINHO, 2004).

De acordo com as autoras supracitadas, algumas cidades e regiões portuguesas tiveram um papel marcante na vida e obra do escritor: Coimbra, por exemplo, viu Eça formar-se em Direito e iniciar sua trajetória literária. Évora foi onde o escritor dirigiu o jornal ―Distrito de Évora‖. No Porto, Eça se casa na quinta de Santo Ovídio, hoje inexistente. Outras localidades foram importantes para caracterizar os tipos psicológicos impressos na obra do escritor: Leiria (―O Crime do Padre Amaro‖) e Viana do Castelo (―A Relíquia‖), a Freguesia de Santa Cruz do Douro (―As cidades e as Serras‖), entre outros. Já Lisboa concentra os enredos de alguns dos romances mais conhecidos: ―Os Maias‖, ―O Primo Basílio‖, ―Alves e Companhia‖, ―A Capital‖ e a ―Tragédia da Rua das Flores‖.

De acordo com Carvalho (2009), Sintra, localizada no distrito de Lisboa e classificada como Patrimônio da Humanidade na categoria de Paisagem Cultural pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), está presente em toda a obra de Eça de Queiroz, seja como palco da ação dos personagens (como ocorre em ―Os Maias‖, ―O Primo Basílio‖, ―A Tragédia da Rua das Flores‖, ―Correspondência de Fradique Mendes‖ e ―Alves e Companhia‖) ou textualmente (―O Crime do Padre Amaro‖, ―A Ilustre Casa de Ramires‖, ―A Capital‖, ―O Conde de Abranhos‖, ―A Relíquia‖, ―O Mistério da Estrada de Sintra‖ e ―As Farpas‖). Ainda de acordo com Carvalho (2009), Sintra é mostrada como um local de eleição das classes ociosas, da realeza, da aristocracia e da burguesia de Lisboa em diversas obras. Rodil (2000, apud CARVALHO, 2009, p. 47) aponta que a vila de Sintra é também retratada como um ―ninho de amores‖, local de romance e jogos amorosos, aparecendo também como um espaço de reconciliação e retiro espiritual ao longo da obra de Eça, o que podemos observar em ―Os maias‖:

Chegavam às primeiras casas de Sintra, havia já verduras na estrada, e batia−lhes no rosto o primeiro sopro forte e fresco da serra. [...] Com a paz das grandes sombras, envolvia−os pouco a pouco uma lenta e embaladora

(24)

sussurração de ramagens e como o difuso e vago murmúrio de águas correntes. Os muros estavam cobertos de heras e de musgos [...]. Aqui e além, nos ramos mais sombrios, pássaros chilreavam de leve; e naquele simples bocado de estrada, todo salpicado de manchas do sol, sentia−se já, sem se ver, a religiosa solenidade dos espessos arvoredos, a frescura distante das nascentes vivas, a tristeza que cai das penedias e o repouso fidalgo das quintas de Verão... (QUEIROZ, 1888, p. 346)

Carvalho (2009) observa que há diversos roteiros queirosianos em Portugal, como na cidade do Porto, Vila do Conde, Póvoa do Varzim, Leiria, Coimbra e Lisboa, além de Tormes, onde se localiza a Fundação Eça de Queiroz.

O ―Roteiro Queirosiano em Sintra‖, por exemplo, é de responsabilidade da Divisão do Patrimônio Histórico-Cultural do Departamento de Cultura e Turismo da Câmara Municipal de Sintra, possuindo como objetivo divulgar a história e o patrimônio de Sintra, bem como a obra de Eça de Queiroz, além de aprofundar o interesse de alunos pela leitura de ―Os Maias‖. Possui como público-alvo, além dos alunos e professores de Português do Ensino Secundário, as associações culturais (como a Associação de Amigos dos Castelos e a UNESCO). É gratuito e pode ser realizado por agendamento prévio. (CARVALHO, 2009)

Carvalho (2009) aponta que o roteiro está relacionado com ―Os Maias‖. São mencionados ou visitados os seguintes pontos durante o percurso: Hotel Vítor, Hotel Nunes (hoje Hotel Tivoli Sintra), Hotel Lawrence, Palácio de Seteais, além do centro histórico de Sintra e uma cascata, onde o personagem Alencar teria aparecido pela primeira vez. Na medida em que os locais são visitados, os guias citam trechos da obra, aludindo aos momentos em que os lugares são mencionados no enredo, além de acrescentar detalhes históricos sobre eles.

No entender de Carvalho (2009) para que esse roteiro seja turístico-literário e não somente educacional, algumas adaptações teriam de ser feitas de modo a proporcionar mais experiências e atividades lúdicas para o turista, como dramatizações, passeios a cavalo, entre outros. Porém, ressaltamos que a própria experiência turística já é lúdica e educacional em si, tornando-se, na verdade, mais diferenciada e marcante ao adicionarmos os elementos mencionados por Carvalho (2009).

(25)

De modo a demonstrar como o turismo literário vem sendo praticado no Brasil, adiante selecionamos alguns escritores e discutimos a forma como impactaram a literatura nacional, escolhendo circuitos que os homenageiam.

1.4 TURISMO E LITERATURA: CONTEXTO NACIONAL

O Brasil possui um grande potencial para o turismo literário, mas ainda é pouco explorado e os estudos sobre o tema são escassos. Dentre alguns dos escritores responsáveis por atrair a demanda de turistas que busca seguir os passos de seus escritores e personagens favoritos, destacamos Jorge Amado (1912 – 2001), grande símbolo do Modernismo brasileiro, que consagrou a cidade de Ilhéus, e Guimarães Rosa (1908 – 1967), que retratou o sertão de Minas Gerais em diversas obras, como ―Grande Sertão: Veredas‖.

1.4.1 Guimarães Rosa e o sertão de Minas Gerais

João Guimarães Rosa era contista, novelista, romancista, médico e diplomata. Nasceu em 27 de junho de 1908, em Cordisburgo, Minas Gerais, vindo a falecer aos 59 anos, em 19 de novembro de 1967, na cidade do Rio de Janeiro. Em 1929 fez sua estreia literária, ao publicar o conto ―O mistério de Highmore Hall‖ na revista ―O Cruzeiro‖. Em 1930, formou-se pela Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais. Segundo artigo publicado em Circuito Guimarães Rosa (2014), em 1938, é nomeado Cônsul Adjunto em Hamburgo e vai para a Europa, onde, durante a Segunda Guerra Mundial, protegeu e facilitou a fuga de judeus, concedendo vistos em seus passaportes de forma a facilitar sua fuga para o Brasil. Em 1952, junto com um grupo de vaqueiros, realiza uma viagem de dez dias pelo sertão, cujo objetivo era levar uma boiada de uma fazenda em Três Marias até outra em Araçaí. Durante a viagem, Guimarães fazia anotações sobre a fauna, a flora e a gente sertaneja, com seus costumes, crenças, linguagens, superstições,

(26)

canções, etc., o que teria ajudado o escritor a criar o cenário, as histórias e os personagens em sua obra de maior sucesso, ―Grande Sertão: Veredas‖, em 1956. De acordo com informações obtidas em Academia Brasileira de Letras (2014), em 1963, Guimarães Rosa é eleito o terceiro ocupante da Cadeira 2 na Academia Brasileira de Letras, vindo a ocupá-la apenas três dias antes de sua morte.

Como uma forma de homenagear o escritor que se tornou a expressão da identidade cultural de um povo que simboliza Minas Gerais, e ao mesmo tempo objetivando explorar o Turismo Cultural, foi criado o Circuito Turístico Guimarães Rosa - CGR (Figura 1). Destinado às pessoas que querem conhecer, sentir e explorar a vida simples e a cultura singular do sertão, o circuito abrange os municípios de Araçaí, Buritizeiro, Corinto, Curvelo, Inimutaba, Morro da Garça, Pirapora, Presidente Juscelino e Santo Hipólito, além da Basílica de São Geraldo, em Curvelo.

(27)

Figura 1: Mapa do Circuito Guimarães Rosa. Fonte: Circuito Guimarães Rosa, 2014.

De acordo com Circuito Guimarães Rosa (2014), o CGR foi criado legalmente em 05 de dezembro de 2003 e certificado pela Secretaria de Estado de Turismo de Minas Gerais em 11 de fevereiro de 2005, sendo sua sede inicial no município de Morro da Garça. Hoje o circuito é gerido pelo turismólogo Marco André O. Martins Malaquias e sua sede encontra-se em Curvelo, devido à sua localização geográfica

(28)

central e sua capacidade de gerar mais fluxo de visitantes, atendendo à necessidade da organização do circuito de possuir um espaço maior3.

O Circuito Guimarães Rosa (CGR) oferece roteiros que levam os viajantes aos lugares reais onde se passam as estórias de João Guimarães Rosa e que definem o ―sertão roseano‖. O ―sertão roseano‖, além de ser uma experiência literária, é uma viagem ao coração do Brasil, muito distante do turismo convencional.

[...] Para conduzir os viajantes a esse mundo da ficção, o CGR conta com guias especiais que conhecem a geografía [sic.] roseana e que levam os viajantes às belezas da flora e da fauna, do Cerrado que ainda existe no sertão, e tudo isso ouvindo os Contadores de Estórias do CGR narrando as estórias de Guimarães Rosa, nos próprios cenários onde elas se passam. [...] Os viajantes do CGR encontram nos 13 municípios, além dos cenários da obra, em vias de sinalização, festas religiosas com suas capelas enfeitadas, procissão, violeiros, Café Sertanejo, barraquinha e forró e a deliciosa culinária sertaneja. E sempre encontrarão uma Lojinha com o artesanato local e artesanato ―roseano‖4

.

Como observamos pelo trecho acima, o Circuito Turístico Guimarães Rosa começou então incorporando 13 municípios: Três Marias, Várzeas da Palma, Felixlândia, Lassance, Cordisburgo, Araçaí, Buritizeiro, Corinto, Curvelo, Inimutaba, Morro da Garça, Pirapora e Presidente Juscelino. Com uma melhor estruturação do programa, Três Marias e Felixlândia juntaram-se no ―Circuito Lago de Três Marias‖ e Lassance e Várzea da Palma, no ―Circuito Serra do Cabral‖, deixando, portanto, de fazer parte do CGR, já que por lei não é permitido que um município faça parte de mais de um circuito. Cordisburgo, então, optou por fazer parte do ―Circuito das Grutas‖ e também deixou o programa. Posteriormente, entraram Santo Hipólito e a Basílica de São Geraldo, em Curvelo5.

De acordo com Circuito Turístico Guimarães Rosa (2014), Cordisburgo, a pequena cidade onde nasceu o escritor, também contribui para o circuito com o Museu Casa Guimarães Rosa e os Contadores de Estórias Miguilim, que narram

3

Informações obtidas em entrevista por e-mail com Marco André O. Martins Malaquias, turismólogo e atual gestor do CGR, em 1 Abr. 2014.

4

Folheto de divulgação do circuito encontrado em Bezerra; Heidemann (2006, p. 10).

5

Informações obtidas em entrevista por e-mail com Marco André O. Martins Malaquias, turismólogo e atual gestor do CGR, em 1 de abril de 2014.

(29)

trechos das obras de Guimarães nos locais originais onde foram ambientadas. Cordisburgo é considerada o Município de Honra do CGR. Curvelo e Pirapora são as cidades com melhor infraestrutura de hospedagem e alimentação, enquanto que Morro da Garça, Araçaí, Inimutaba, Presidente Juscelino e Buritizeiro possuem ainda pequenos e simples meios de hospedagem e restaurantes, mas se destacam justamente pela sua singeleza e hospitalidade acolhedora. No próprio site oficial (CIRCUITO GUIMARÃES ROSA, 2014) admite-se que estas últimas estão ainda se esforçando para se organizar e desenvolver sua infraestrutura turística.

O Circuito não atua como gestor de atrativos ou como agência receptiva, mas fornece assistência aos municípios que querem desenvolver suas potencialidades e colocá-las no mercado. Portanto, o acesso pode se dar por meio de operadores locais ou ser promovido pelos próprios municípios integrantes através de eventos. Atualmente, a entidade encontra-se em um processo de estruturação de um Centro Regional de Apoio ao Turista, com o objetivo de facilitar o acesso do visitante às informações. Dentre as maiores dificuldades enfrentadas está a falta de conhecimento e sensibilização dos principais atores do processo: o poder público municipal, a iniciativa privada e a comunidade, o que acaba prejudicando o seguimento do que prega a definição do Programa de Regionalização do Turismo. 6

Em ―Grande Sertão: Veredas‖, obra de maior visibilidade de Guimarães, nos sentimos seduzidos pela linguagem, que facilmente transmite as emoções dos personagens e aproxima-os a nós, além dos elementos típicos do cerrado presentes na narração, compondo um cenário que geograficamente, culturalmente e politicamente permeia o imaginário humano, vindo a confirmar ou desmistificar as impressões que temos da região. É como se, por meio do cenário, dos diálogos e das expressões peculiares utilizadas pelos personagens, fizéssemos parte da trama como observadores:

Mas mor o infernal a gente também media. Digo. A igual, igualmente. As chuvas já estavam esquecidas, e o miolo mal do sertão residia ali, era um sol em vazios. A gente progredia dumas poucas braças, e calcava o reafundo do areião – areia que escapulia, sem firmeza, puxando os cascos dos cavalos para trás. Depois, se repraçava um entranço de vice-versa, com espinhos e restolho de graviá, de áspera raça, verde-preto cor de cobra. Caminho não se havendo. Daí, trasla um duro chão rosado ou cinzento, gretoso e escabro – no desentender aquilo os cavalos arupanavam. Diadorim – sempre em prumo a cabeça – o sorriso dele me

6

(30)

dobrava o ansiar. Como que falasse: ―Hê, valentes somos, corruscubas, sobre ninguém – que vamos padecer e morrer por aqui...‖ (ROSA, 1956, p. 62).

Para Walnice Nogueira Galvão7, ao lermos ―Grande Sertão: Veredas‖, temos a impressão de que estamos vendo apenas um sertão, mas na verdade é um sertão múltiplo, que pode ser analisado por três pontos de vista: geográfico, mítico e metafísico. O sertão geográfico é aquele retratado como uma região de matas e florestas, campos, com riachos e pastagens. O mítico é uma comparação feita pela entrevistada entre os conflitos dos jagunços entre si e as histórias medievais como as do Rei Carlos Magno e do Rei Arthur. Já o terceiro sertão, o metafísico, é a visão do sertão religioso, como uma arena de batalha entre Deus e o Diabo. A entrevistada salienta que esta é uma divisão feita em termos de análise da obra, já que os três sertões, na verdade, entrelaçam-se em um só.

Bezerra e Heidemann (2006) fazem uma reflexão sobre o motivo pelo qual talvez tantos visitantes sintam-se atraídos por uma área tão remota quanto o sertão mineiro. São designados pelos autores citados como forasteiros, sertanejos, que possuem o sertão dentro de si. ―É gente que tem saudade do que nunca viveu e uma sede de um mundo primordial não corrompido, onde ainda há o que fazer.‖ (BEZERRA; HEIDEMANN, 2006, p. 11).

A seguir, abordamos a relação de outro importante escritor com a cidade retratada em suas obras: Jorge Amado e a cidade de Ilhéus, na Bahia.

1.4.2 Jorge Amado e Ilhéus

Jorge Amado nasceu em 10 de agosto de 1912, no município de Itabuna, sul da Bahia e faleceu em Salvador, em 6 de agosto de 2001, aos 88 anos. Era filho de um fazendeiro de cacau e com um ano de idade passou a viver em Ilhéus. Com 19 anos publica seu primeiro romance: ―O País do Carnaval‖. Em 1935, formou-se pela Faculdade Nacional de Direito, no Rio de Janeiro. Jorge Amado era militante

7

Informações obtidas em entrevista concedida ao site Folha de S. Paulo. Disponível em:

(31)

comunista e foi obrigado a exilar-se na Argentina e no Uruguai entre 1941 e 1942. Em 1945 foi o deputado federal mais votado no Estado de São Paulo, tendo sido o autor da lei que assegura o direito à liberdade de culto religioso (ainda em vigor). Em 1961 foi eleito para a cadeira de número 23, da Academia Brasileira de Letras, cujo patrono fora José de Alencar e o primeiro ocupante Machado de Assis. A obra de Jorge Amado foi traduzida para 49 idiomas e inúmeras vezes adaptada para cinema, televisão e teatro, e lhe rendeu vários prêmios nacionais e internacionais. Dentre suas obras mais famosas, figuram ―Cacau‖ (1933), ―Capitães de Areia‖ (1937), ―São Jorge dos Ilhéus‖ (1944), ―Gabriela, Cravo e Canela‖ (1953), ―Dona Flor e seus dois maridos‖ (1966), ―Tenda dos Milagres‖ (1969) e ―Tieta do Agreste‖ (1977) (FUNDAÇÃO CASA DE JORGE AMADO, 2014).

A Ilhéus de Jorge Amado, assim como o sertão de Minas, também ganhou um circuito turístico, chamado Quarteirão Jorge Amado (QJA), conforme ilustrado na figura 2:

Figura 2: Mapa do Quarteirão Jorge Amado. Fonte: Revista Urutágua, 2014.

Como explicitam Carneiro et al. (2011), o QJA foi criado pela Secretaria de Turismo (SETUR) e pela Fundação Cultural de Ilhéus (FUNDACI) na década de 90 e subdividido em circuito Cravo e circuito Canela, em uma referência à sua obra de maior sucesso ―Gabriela, Cravo e Canela‖. O Circuito Cravo inclui aCatedral de São Sebastião, o Bar Vesúvio, o Teatro Municipal, a Casa de Cultura Jorge Amado, a

(32)

Associação Comercial de Ilhéus, a Estátua de Sapho, o Palácio Paranaguá, a Igreja Museu São Jorge, a Casa do Coronel Misael Tavares e a Casa de Tonico Bastos. Já o Circuito Canela, é composto pelo Ilhéos Hotel e Restaurante do Coronel, antigo Porto de Ilhéus, Bataclan, Restaurante Velhos Marinheiros, Cristo Redentor e Outeiro de São Sebastião. (MENEZES, 2003, apud CARNEIRO et al., 2011) A SETUR e a FUNDACI delimitaram a área no centro da cidade, selecionaram os prédios e monumentos de acordo com a sua importância histórica e ligação com a obra amadiana, e elaboraram folhetos com informações sobre cada patrimônio. (MENEZES, 2008)

Ilhéus é um dos destinos turísticos da região sul da Bahia mais procurados devido ao seu patrimônio natural e cultural. Quanto às potencialidades naturais, podemos destacar a variedade da vegetação da Mata Atlântica, áreas de manguezais, praias, cachoeiras e lagoas. Como riquezas culturais, temos elementos ligados à história das Capitanias Hereditárias, da produção do cacau e também a Literatura, que faz Ilhéus ser conhecida como a ―Terra de Jorge Amado‖, Terra da Gabriela‖ ou ―Terra dos Coronéis do Cacau‖. (MENEZES, 2008)

―Gabriela, Cravo e Canela‖ é a principal obra amadiana responsável por atrair turistas brasileiros e estrangeiros à Ilhéus, segundo Simões (2002). Para a referida autora, o turista é exigente em suas expectativas: espera encontrar uma cidade pacata, foge dos shopping centers e busca a pracinha, o centro da cidade, uma paisagem peculiar que ele não encontra nas metrópoles. Ele se surpreende quando não encontra mais cavalos nas ruas, coronéis com seus chapéus de aba larga, burros levando cacau para o porto, moças nas janelas, o Bataclan cheio de mulheres, entre outros elementos.

[...] a cidade esplendia em vitrines coloridas e variadas, multiplicavam -se as lojas e os armazéns, os mascates só apareciam nas feiras, andavam pelo interior. Bares, cabarés, cinemas, colégios.

[...] No entanto ainda se misturavam em suas ruas esse impetuoso progresso, esse futuro de grandezas, com os restos dos tempos da conquista da terra, de um próximo passado de lutas e bandidos. Ainda as tropas de burros, conduzindo cacau para os armazéns dos exportadores, invadiam o centro comercial, misturando-se aos caminhões que começavam a fazer-lhes frente. Passavam ainda muitos homens calçados de botas, exibindo revólveres, estouravam ainda facilmente arruaças nas ruas de canto, jagunços conhecidos arrotavam valentias nos botequins baratos, de quando em vez um assassinato era cometido em plena rua. Cruzavam

(33)

essas figuras, nas ruas calçadas e limpas, com exportadores prósperos, vestidos com elegância por alfaiates vindos da Bahia, com incontáveis caixeiros-viajantes ruidosos e cordiais, sabendo sempre as últimas anedotas, com os médicos, advogados, dentistas, agrônomos, engenheiros, chegados a cada navio. Mesmo muitos fazendeiros andavam sem botas e sem armas, um ar pacífico, construindo boas casas de moradia, vivendo parte de seu tempo na cidade, botando os filhos no colégio de Enoch ou enviando-os para os ginásios da Bahia, as esposas indo às fazendas apenas pelas férias, gastando sedas e sapatos de taco alto, freqüentando as festas do Progresso. (AMADO, 1958, p. 24-25)

Menezes (2008) aponta que em sua ficção, Amado ambienta seus personagens, inspirados em ilheenses e seu modo de vida, em meio a fatos históricos e desenrola os acontecimentos de seu enredo pelas ruas, praças, igrejas, e outros locais característicos de Ilhéus. Segundo a autora mencionada, neste caso, a ―literatura é alimentada pela história‖ (MENEZES, 2008 p. 11).

Simões indica de que forma acontecimentos históricos nos envolvem na obra de Jorge Amado:

Puderam os leitores acompanhar as injustiças sociais, a prepotência dos coronéis, a servidão dos trabalhadores rurais, em Cacau, em 1932; a conquista feudal (Terras do Sem-Fim, 1942), a conquista imperialista dos exportadores (São Jorge dos Ilhéus, 1944), a demonstração da força política (Grabiela [sic.], Cravo e Canela, 1958).

[...] Depois, acompanhou a formação dessa civilização grapiúna já por outra ótica, que foca a identidade, reconhece sergipanos, negros e turcos como elementos formadores dessa cultura. Mostra como as c lasses menos aquinhoadas contribuíram e enriqueceram o panorama cultural local. Conhecem a história contada por outro viés. (2002, [s. p.]).

Sendo assim, a cidade acaba se tornando imortalizada pelas mãos do escritor, que à sua maneira, retratou o cotidiano de uma época e acabou por fortalecer a identidade cultural da localidade até os dias atuais. O surgimento e manutenção do QJA vêm a confirmar isso, servindo também como meio de amplificação da geração de renda e empregos.

Segundo Carneiro et al. (2011), alguns patrimônios do Quarteirão Jorge Amado foram restaurados e/ou reformados por meio do Projeto Básico e Executivo de requalificação urbana do centro histórico de Ilhéus, aprovado em 25 de abril de

(34)

20078, mas ainda há fatores que necessitam ser melhorados, como a falta de integração entre os elementos atuantes no QJA. Ainda de acordo com os referidos autores, a ausência de um calendário de atividades ou meios de comunicação que efetivamente informem o turista e o morador sobre as atividades realizadas é uma reclamação das agências de viagens que sentem dificuldades em vender os atrativos. Já para Menezes (2008), a população local precisa contribuir mais com a preservação do patrimônio histórico com o qual está lidando, e tentar entender o seu valor para a cidade. Parte da população não sabe localizar o Quarteirão e tampouco conhece as histórias de Jorge Amado, ficando por conta dos guias o fornecimento das informações ao turista.

Tanto Guimarães Rosa quanto Jorge Amado, abordados neste trabalho, souberam retratar Minas Gerais e Bahia, respectivamente, de forma singular, inserindo os leitores em seus universos, envolvendo-os e apaixonando-os.

O Rio de Janeiro, por sua vez9, se viu representado com esmero e originalidade nas palavras de um dos maiores romancistas brasileiros; um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras e o seu primeiro presidente; jornalista, contista, cronista, romancista, poeta e teatrólogo, mas antes de tudo, um carioca, e apaixonado por sua cidade: Machado de Assis.

1.4.3 Machado de Assis e o Rio de Janeiro

Joaquim Maria Machado de Assis nasceu no Rio de Janeiro, em 21 de junho de 1839, e morreu em 29 de setembro de 1908 (mesmo ano do nascimento de Guimarães Rosa). De acordo com Piza (2008), nascido no Morro do Livramento, Machado era neto de escravos libertos e filho de uma costureira açoriana com um

8

Segundo Carneiro et al. (2011), esta informação foi obtida em uma entrevista concedida por um representante da Prefeitura Municipal de Ilhéus no ano de 2009.

9

A cidade do Rio já foi explorada em passeios turístico-literários como ―O Rio de Clarice‖, existente há sete anos em uma iniciativa do projeto Caminhos da Arte, que homenageia a escritora Clarice Lispector. Machado de Assis também inspira esse tipo de passeio: a iniciativa mais recente e de maior visibilidade é o passeio oferecido pelo projeto ―O Rio de Machado‖, em 2014, organizado pelo Museu de Arte do Rio (MAR).

(35)

pintor, que sabiam ler e escrever (algo raro entre famílias tão humildes na época). Nunca viajou ao exterior, tendo tampouco conhecido muitas localidades fora do estado do Rio. Fischer (2011) observa que Petrópolis, Vassouras e Barbacena (no estado de Minas Gerais) foram as únicas cidades visitadas pelo escritor.

Machado de Assis, por puro talento e mérito próprio, alcançou a vida tranquila e confortável que tanto desejava. De menino pobre do Morro do Livramento a um dos maiores escritores de sua época, reconhecido ainda em vida, chegou ao alto escalão do serviço público e se tornou o primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras em 1896. Contornou várias espécies de preconceito, já que era mulato, gago, epiléptico e de origem pobre. Fez amizades e conquistou importantes conexões no mundo literário que lhe renderam excelentes oportunidades. Apaixonou-se e casou-se com uma mulher mais velha, que dizia ser o amor de sua vida.

Para Fischer (2011):

Machado foi um elegante. De tudo que dele se sabe, nunca usou expedientes escusos para encontrar seu lugar na sociedade brasileira ou na literatura de seu país. Não teve padrinhos a quem pudesse recorrer para conseguir favores ou subir posições sociais; não praticou as mesquinharias tão comuns no mundo artístico como plataforma para firmar-se na opinião pública. Tudo leva a crer que se trata realmente de um raro caso de cidadão brasileiro que veio muito de baixo e subiu por méritos próprios, sendo simultaneamente um artista de grande poder crítico (FISCHER, 2011, p. 17).

Piza (2008) observa que não se sabe muito sobre a infância de Machadinho (como era chamado), nem ao menos se chegou a frequentar alguma escola. O padre Silveira Sarmento, da Capela de São João Batista, na Quinta da Boa Vista, teria instruído o menino. Ele também teria frequentado a Igreja da Lampadosa, perto da Praça da Constituição, e ali exercido a função de coroinha. Machado já demonstrava dominar o idioma francês antes dos 20 anos, mas as informações de como isso ocorreu são divergentes, já que, de acordo com Piza (2008), o escritor pode ter aprendido na padaria da viúva Gallot, na rua São Luiz Gonzaga, por intermédio do forneiro, a pedido de sua então madrasta (a mãe de Machado faleceu antes que ele completasse 10 anos). Alguns meses após o novo casamento de seu

(36)

pai, Machado resolve deixar o morro e tentar a vida no centro da cidade. Para Piza (2008), toda a ficção de Machado traz os vestígios do universo de peças, óperas, folhetins e sociedades literárias que o Rio imperial ofereceu ao escritor, quando ainda adolescente deixou sua casa.

Em 1854, Machado conhece Francisco de Paula Brito, dono de uma tipografia onde começa a trabalhar, e é neste ano que publica seus primeiros poemas. Sua estreia é em um tabloide chamado ―Periódico dos Pobres‖ com o poema ―Soneto‖, que ainda não possui qualidades suficientes para se igualar às de escritores consagrados da época. A convivência com Paula Brito trouxe importantes conexões a Machado, como Caetano Filgueiras, Casimiro de Abreu, José Joaquim Macedo, Gonçalves Dias, Quintino Bocaiúva, Joaquim Manuel de Macedo e Francisco Otaviano, todos escritores e intelectuais renomados (PIZA, 2008).

Fischer (2011) aponta que, apesar de ter iniciado sua carreira como jornalista, poeta e dramaturgo, principalmente nos anos 1860, uma década depois acaba deixando o drama e o jornalismo para concentrar suas atenções na crítica e na prosa narrativa. A partir dos anos 80, praticamente abandona a poesia e a crítica para dedicar-se mais à narrativa, em romances e contos, e a crônicas. Sendo assim, de acordo com Machado de Assis (2014), em 1859, Machado passa a escrever regularmente para a revista ―O Espelho‖, fazendo crítica teatral. Em 1860 entra como redator para ―O Diário do Rio de Janeiro‖, onde permanece até 1867, ano em que começa a escrever para ―A Semana Ilustrada‖, permanecendo nesta até 1875. É também em 1867 que é nomeado ajudante do diretor de publicação do ―Diário Oficial‖, cargo que exerce até 1874. Finalmente, em 1872 publica seu primeiro romance ―Ressurreição‖.

Na política, em 1889, marca presença como diretor da Diretoria de Comércio da Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Em 1898 é posto em disponibilidade em virtude da reforma no Ministério da Viação. Volta ao Ministério, como secretário do Ministro Severino Vieira. Em 1902 é nomeado diretor-geral de Contabilidade do Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas (MACHADO DE ASSIS, 2014). Ao longo de todo esse período, Machado continua publicando e colaborando para diversos periódicos e revistas, escrevendo contos e romances que abordaremos posteriormente de forma mais detalhada.

(37)

Machado possuía uma personalidade complexa: era admirador de Dom Pedro II, mas criticava o Segundo Reinado. Era monarquista, mas liberal e abolicionista. Nos assuntos morais, era conservador. Como escritor, começou como romântico, depois admirou o realismo, mas diante dos excessos do naturalismo, passou a apontar as limitações das escolas literárias (PIZA, 2008). Tinha dúvidas sobre os rumos da sociedade brasileira e sempre ironizou a noção de ―progresso‖, pois mudanças culturais e arquitetônicas não lhe significavam avanço social: em suas obras, a cidade do Rio ilustra ―[...] a construção do cenário do progresso da mudança, mas igualam-no à barbárie travestida de civilização‖ (BORGES-TEIXEIRA, 2011, p. 81). Sua visão de mundo também se modifica com o passar do tempo, de acordo com Fischer (2011), pois o liberalismo acentuado que demonstrava na juventude transformou-se em desilusão e ceticismo, motivo de sua ironia fina e sutil.

Machado foi um grande espectador da vida cultural e intelectual da cidade do Rio de Janeiro, usufruindo de várias opções de entretenimento que a Corte tinha a oferecer. Segundo Piza (2008), desde jovem, Machado passava muitas tardes lendo no Real Gabinete Português de Leitura, na Rua Luís de Camões. Frequentava o Teatro Lírico (na Rua da Guarda Velha, atualmente Rua Treze de Maio), o Alcazar Lírico (na Rua da Vala, atual Rua Uruguaiana), e o Teatro Ginásio Dramático (na antiga Rua São Francisco de Paula, atual Rua Ramalho Ortigão). O Clube Fluminense, na esquina da Praça da Constituição (atual Praça Tiradentes) com a Rua do Conde (atual Rua Visconde do Rio Branco) segundo Machado (2007), era o local que Machado costumava tomar chá, dançar, jogar xadrez e recitar. Ainda segundo Machado (2007), na década de 60 saraus literários também eram diversão para o escritor, à noite, já que Machado gostava de ouvir música e recitar suas poesias, apesar de sua timidez. Piza (2008) aponta que, àquela altura, Machado vivia uma vida sem luxo, mas confortável: já usufruía de boa reputação como poeta e cronista, frequentava a ópera, encontrava amigos em jantares no Hotel Europa, em geral acompanhados de atrizes portuguesas e cantoras francesas. Jantava com os amigos Bernardo Guimarães (futuro autor de ―A Escrava Isaura‖) e Pedro Luís em um restaurante da Rua dos Latoeiros (atual Rua Gonçalves Dias). Nesta mesma rua, segundo O Globo (2014), frequentava também a Confeitaria Colombo, fundada em 1894. O escritor gostava também de visitar a Livraria Garnier, na Rua do Ouvidor, hábito que conservou até quando seus problemas de saúde lhe permitiram.

Referências

Documentos relacionados

Agora quando eles brigam eu não sinto mais medo: sinto apenas ódio deles e fico nervoso e meu estômago ferve.. Mas do verão eu

Nessa situação temos claramente a relação de tecnovívio apresentado por Dubatti (2012) operando, visto que nessa experiência ambos os atores tra- çam um diálogo que não se dá

[r]

Neste capítulo foram descritas: a composição e a abrangência da Rede Estadual de Ensino do Estado do Rio de Janeiro; o Programa Estadual de Educação e em especial as

De acordo com o Consed (2011), o cursista deve ter em mente os pressupostos básicos que sustentam a formulação do Progestão, tanto do ponto de vista do gerenciamento

Foram realizadas medições de frutos e sementes, com paquímetro digital; massa de 1000 frutos e 1000 sementes, em balança semi-analítica; teor de umidade das sementes,

A versão reduzida do Questionário de Conhecimentos da Diabetes (Sousa, McIntyre, Martins & Silva. 2015), foi desenvolvido com o objectivo de avaliar o

Realizar a manipulação, o armazenamento e o processamento dessa massa enorme de dados utilizando os bancos de dados relacionais se mostrou ineficiente, pois o