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Aline Rodrigues Vinholes 1

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Caderno Intersaberes, v. 1. n.1, jul./dez., 2012 Página 128

Compreendendo o papel do professor na construção de representações sobre

gênero

Understandingthe role of theteacher in the constructionof representations

ofgender

Aline Rodrigues Vinholes1

1

Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Santa Maria.Atualmente, nesta mesma instituição, opera como membro de grupo de estudos que discute e pesquisa relações de gênero, principalmente, no contexto educativo escolar.alinevinholes@yahoo.com.br

RESUMO

As definições de masculino e feminino enfatizam o caráter social e histórico das concepções baseadas nos papéis designados para homens e mulheres. Por meio de suas relações sociais, suas representações e as práticas que vivenciam, os sujeitos vão se constituindo. O espaço escolar se define como ambiente importante nessa construção, considerando que a criança, além das informações que traz consigo, tem contato com diversas situações, representações e concepções diferentes. Neste estudo, busca-se compreender de que modo as relações entre professores e alunos, nos diferentes espaços da escola, frente às questões de gênero podem interferir na construção das identidades de meninos e meninas. A reflexão emerge de uma experiência de interação com as crianças em uma instituição de Educação Infantil e apoiou-se nos pressupostos da pesquisa qualitativa, buscando compreender a importância do papel do professor. Admite a grande responsabilidade do professor na formação de referências, representações, subjetividades e identidade das crianças.

Palavras-chave: Relações de Gênero. Relação professor e alunos. Formação da identidade.

Educação infantil.

ABSTRACT

The definitions of masculine and feminine emphasize the social and historical conceptions based on the roles assigned to men and women. Through their social relationships, their representations and practices that experience, subjects are constituted. The school space is defined as important in this environment construction, whereas the child, besides the information it brings, has contacted several situations, different conceptions and representations. In this study, we seek to understand how the relationships between teachers and students in different spaces of the school, facing gender issues can interfere with the construction of the identities of boys and girls. The reflection emerges from an experience of interaction with children in a kindergarten institution and relied on assumptions of qualitative research, trying to understand the important role of the teacher. Admits the great

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Caderno Intersaberes, v. 1. n.1, jul./dez., 2012 Página 129 responsibility of the teacher in training references, representations, subjectivities and identities of children.

Keywords: Gender Relations. Relationship between teacher and students. Identity

formation. Early childhood education. INTRODUÇÃO

Pensar e problematizar a respeito das questões de gênero presentes no espaço escolar se apresenta como um processo importante, principalmente, se considerar que as expressões, atitudes, falas, crenças e concepções presentes na prática diária do professor assumem um papel significativo na construção de representações da criança, podendo problematizar ou reproduzir estereótipos.

É preciso alertar para o fato de que as palavras e as ações que são dirigidas às crianças produzem significados e criam realidades. Nesse contexto, as interações entre professores e alunos e as formas de organização do trabalho pedagógico frente às questões de gênero podem ser marcantes na formação de identidades.

Segundo Louro (1998) a escola é atravessada pelos gêneros, e torna-se impossível pensar sobre a instituição sem que se lance mão das reflexões sobre as construções sociais e culturais de masculino e feminino:

Afinal, é “natural” que meninos e meninas se separem na escola, para os trabalhos de grupos e para as filas? É preciso aceitar que “naturalmente” a escolha dos brinquedos seja diferenciada segundo o sexo? É de se esperar que os desempenhos nas diferentes disciplinas revelem as diferenças de interesse e aptidão “características” de cada gênero? (LOURO, 1998, p.64).

Nesse sentido, as relações pedagógicas que são construídas na escola estão carregadas de simbolizações por meio das quais as crianças aprendem normas, conteúdos, valores, significados, que lhes permitem interagir e conduzir-se de acordo com o gênero.

Desde o seu nascimento meninos e meninas estão sujeitos a seguir um determinado comportamento, pois toda a cultura tem uma definição de conduta e sentimentos apropriados para homens e mulheres. (LOURO, 1998). Normalmente a primeira característica identitária que se recebe é a identidade de sexo, pois já no nascimento ocorre uma classificação como feminino ou masculino de acordo com as características biológicas e, consequentemente, papéis de gênero começam a ser definidos pela sociedade, onde nos

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Caderno Intersaberes, v. 1. n.1, jul./dez., 2012 Página 130 cabe corresponder às exigências que nos serão feitas. Quando meninos e meninas não seguem os padrões culturais de masculinidade e feminilidade exigidas ficam expostos a situações de rejeição e preconceito.

De acordo com Louro (1998), a escola não apenas reflete as concepções de gênero que circulam na sociedade, mas ela própria às produz, exemplificando com falas de professoras diante de uma pesquisa a respeito do desempenho de meninos e meninas:

Sobre uma menina que alcançara o nível superior da turma, comentavam que ela era “uma trabalhadora muito, muito esforçada”; sobre um menino que “mal sabia escrever seu nome”, diziam que isso ocorria “não porque ele não é inteligente” (...), mas não pode sentar-se quieto, não consegue se concentrar... muito perturbador... mas muito brilhante. (LOURO, 1998, p. 68).

Nesse contexto, torna-se necessário compreender a importância do tipo de intervenção realizada pelo professor, pois, quando na escola são disseminados discursos em que se diz implícita ou explicitamente o esperado para o comportamento de meninas e para o comportamento de meninos, estabelecendo o que se pode e o que não se pode, vão sendo construídas idéias de feminino e masculino como polos opostos, de maneira hierárquica, classificando e dividindo os que não correspondem às expectativas determinadas pelo regime de verdade adotado pela sociedade.

É preciso alertar para o fato de que não se pretende acusar ou culpar os professores, mas refletir e discutir sobre como estas construções discriminatórias sobre o gênero ocupam as práticas, mesmo que não seja de forma intencional. São conceitos incutidos na sociedade que acabam por serem vistos como naturais. Não se poderia, portanto, deixar de considerar o professor como referência importante dentro das construções das crianças sobre gênero.

De acordo com Louro (1998) as questões sobre gênero ganham espaço a partir das discussões e manifestações do movimento feminista que concebe o conceito de gênero como parte da formação da identidade do sujeito. É considerado, portanto, que não são somente as características biológicas que determinam a construção da identidade, mas as representações que se construíram pela sociedade ao longo da história acerca dessas características. Nas palavras de Louro: “A ótica está dirigida para um processo, para uma construção, e não para algo que exista a priori. O conceito passa a exigir que se pense de

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Caderno Intersaberes, v. 1. n.1, jul./dez., 2012 Página 131 modo plural, acentuando que os projetos e as representações sobre mulheres e homens são diversos”. (LOURO, 1998, p. 23).

Na virada do século XIX, fase considerada a primeira onda do feminismo, as manifestações contra a discriminação feminina conquistaram uma visibilidade maior no movimento voltado para a conquista do direito da mulher ao voto. Contudo, é no final da década de 1960, na segunda onda do movimento feminista que as preocupações sociais e políticas se estenderam as construções teóricas. É nesse contexto que se discute e problematiza o conceito de gênero.

É por meio das feministas que acontece uma diferenciação entre gênero e sexo, passando-se a “rejeitar um determinismo biológico implícito no uso de termos como sexo ou diferença sexual”. (LOURO apud, SCOTT 1998, p. 72).

Este movimento tocou em questões importantíssimas para a construção de identidades, pois trouxe novas problematizações em relação ao processo de formação e identificação enquanto sujeitos generificados.

Segundo Oliveira (1996, p. 29), a trajetória do sujeito na socialização primária se passa basicamente com pessoas significativas para sua história de vida. A família é a primeira referência adotada pela criança, sendo seguida pelas relações que constrói na escola, onde tem início o seu processo de socialização. Todo esse processo faz parte da formação da sua identidade como sujeito social, por meio de pessoas consideradas importantes e confiáveis pela criança e, por assim ser, geralmente reproduz conceitos e ações de tais pessoas. Neste sentido, a socialização primária, envolve aspectos cognitivos e emocionais:

A socialização primária, que o indivíduo experimenta na infância, demanda mais do que um aprendizado puramente cognitivo, pois ocorre em circunstâncias carregadas de alto grau de emoção. Este processo implica uma dialética entre identificação pelos outros e a auto-identificação, entre a identidade objetivamente atribuída e a identidade subjetivamente apropriada. (OLIVEIRA apud, BERGER; LUCKMAN, 1996, p.33).

De acordo com os conceitos de identidade objetivamente atribuída e identidade subjetivamente apropriada, ao estar inserido na sociedade automaticamente, o sujeito se envolve na dialética entre indivíduo e sociedade. Consequentemente, ao tomar contato com condições historicamente determinadas, objetivas, a sua realidade subjetiva sofre influências na sua constituição.

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Caderno Intersaberes, v. 1. n.1, jul./dez., 2012 Página 132 Ao tratar sobre identidade é preciso considerar que apesar dessa temática estar sendo abordada frequentemente na atualidade trata-se de um conceito "demasiadamente complexo, muito pouco desenvolvido e muito pouco compreendido". (HALL, 2006, p.8).

Para Melucci (2004) o desenvolvimento de identidades tem início com a interação que se estabelece com o meio em que se vive e, portanto, de acordo com o universo social e cultural do qual se faz parte. De acordo com o autor a identidade define a capacidade de se auto conhecer e de ser reconhecido. Nesse processo os indivíduos precisam um dos outros para formar a sua própria identidade, pois não há como alguém construir a sua identidade independentemente das identificações concedidas pelos outros. É necessário que haja coerência entre a identidade atribuída e a identidade subjetivamente apropriada.

Pensando nos aspectos que envolvem as relações de gênero e identidade, é preciso considerar, que no ambiente escolar, as dimensões, cognitiva e afetiva, ficam diretamente relacionadas. Pois, quando as crianças reproduzem concepções discriminatórias, muitos desses resultados do meio adulto, acabam causando momentos de constrangimento para outras crianças, podendo afetar no seu relacionamento consigo e com os demais colegas.

Dessa forma, intimidações, insultos, gozações podem afetar o aluno emocionalmente e como consequência pode acabar se refletindo na aprendizagem. Brincadeiras do tipo que ridicularizam um menino, chamando-o de “menininha”, ou perseguições de bandos de meninas por bandos de meninos que passam despercebidos ou naturalizados diante do olhar dos professores, são exemplos de situações que podem deixar marcas na criança.

As representações de gênero e formação da identidade são de fundamental importância para o entendimento da constituição do ser social, sendo necessário entender as representações trazidas pelas crianças e as formas como são percebidas e entendidas no ambiente escolar, um dos principais lugares de construção dos saberes, incluindo as construções das identidades e, consequentemente, das diferenças.

Torna-se possível compreender, portanto, a importância dos discursos produzidos e reproduzidos acerca das relações de gênero. Considerando que servem como referência para as crianças, sendo significativos em relação à construção da imagem do que é ser menino e do que é ser menina.

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DELINEAMENTOS DA PESQUISA: CAMINHOS PERCORRIDOS

A realização desta pesquisa conta com um processo de investigação e de ação de forma concomitante. Para tanto foi utilizada a observação participante, visto que o objeto da pesquisa consiste em observar, descrever e analisar o desfecho de situações entre professores e alunos frente às questões de gênero. Considerando a abordagem qualitativa, o processo e os significados são os aspectos considerados ao longo da pesquisa.

A observação participante se caracteriza pelo contato direto e prolongado com os sujeitos e os contextos da pesquisa, considerando a participação e a interação do pesquisador, que se dará de forma reflexiva frente ao observado. Por meio deste processo é que se viabiliza o desenvolvimento da situação pesquisada.

Dessa forma, a metodologia escolhida foi entendida como o melhor modo para compreender os significados extraídos das falas, vivências, valores, percepções e atitudes das crianças e professores, que estão interagindo no ambiente escolar e construindo significados frente às relações de gênero. Os métodos e procedimentos utilizados na elaboração desta pesquisa consistem na observação e na produção de um diário de campo.

A observação do contexto escolar oferece informações que permitem a análise das relações sem que haja grandes interferências no cotidiano pesquisado, considerando a possibilidade de entender como e porque determinadas situações se realizam no contexto escolar.

O diário de campo por sua vez foi utilizado para reunir e registrar relatos de situações reais e significativas para o levantamento de hipóteses sobre o objeto de pesquisa.

As situações e reflexões aqui desenvolvidas servem como forma de desencadear um processo reflexivo sem, contudo, serem prescritivas. De forma que, “(...) é preciso reconhecer que há muito mais procuras, ensaios e perguntas, do que respostas. (BRANDÃO, 1999, p. 9)”. Considerando-se, portanto, que o interesse maior encontra-se no processo e não, unicamente, na busca por respostas, certezas ou resultados fechados.

DISCURSOS E PRÁTICAS ACERCA DO FEMININO E DO MASCULINO: O QUE PODE E O QUE NÃO PODE?

As possíveis distinções produzidas e reproduzidas, de acordo com um modelo social baseado em desigualdades, podem resultar em efeitos prejudiciais sobre os sujeitos,

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Caderno Intersaberes, v. 1. n.1, jul./dez., 2012 Página 134 principalmente, quando os sujeitos envolvidos são crianças. Considerando que não são seres passivos as crianças se envolvem com as informações que recebem e tendem a se utilizar de práticas e comportamentos adultos como parâmetros para compreensão das relações que constitui.

No convívio escolar criam-se, encontram-se e modificam-se construções, representações e identificações que fazem parte das relações ali constituídas. Segundo Matos (2007):

[...] Na escola, a disposição física dos indivíduos, os lugares permitidos e proibidos, as falas e os silenciamentos vão, pouco a pouco, permitindo que sejam construídas determinadas representações de masculinidade e feminilidade, o que contribui também para a heterossexualidade ser defendida como única e aceitável orientação sexual. (LOURO apud MATOS, 2007, p.62).

Como se vê, a forma de organização escolar revela o lugar que meninos e meninas devem ocupar, fazendo-os acreditar que tais condutas exigidas são comportamentos naturais, inerentes a feminilidade ou a masculinidade. Sendo assim, aqueles que apresentam atitudes não compatíveis com o que lhes foi apresentado como “forma correta” de ser e agir são vistos como os “alunos problema” pelos professores e muitas vezes são rejeitados pelos colegas.

Foi possível perceber tais fatos durante o período de observações e intervenções em uma Escola de Educação Infantil, localizada na cidade de Santa Maria – RS, onde a pesquisa foi realizada, com crianças de 4 a 5 anos no período de seis meses. Para tanto, foi necessário o consentimento e a colaboração da professora regente para que as observações e intervenções fossem realizadas, buscando perceber como se desenvolvia a sua prática e como tal se refletia na formação das crianças, considerando o problema de pesquisa em questão.

Analisando e refletindo sobre as situações presenciadas encontra-se no discurso dos adultos elementos, mesmo que sutis, indicativos de como se deve ser para ser menino e como se deve ser para ser menina. E em outras situações reproduções das crianças acerca de características e comportamentos próprios de meninos e características e comportamentos próprios de meninas.

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Caderno Intersaberes, v. 1. n.1, jul./dez., 2012 Página 135 Com base nas observações, vivências, experiências e reflexões desencadeadas durante o período de realização desta pesquisa,inserida no espaço escolar, buscando perceber de que forma se passavam as questões ligadas ao gênero, serão apresentadas algumas situações, marcantes, que foram presenciadas.

Os fragmentos que seguem foram retirados do Diário de Campo e ilustram aspectos das relações de gênero diante de professores e alunos nos espaços da escola.

Meninas para cá e meninos para lá.

Neste dia percebi que ao organizar as crianças para uma saída da sala de aula até a pracinha, a professora solicitou: “Pessoal,vamos lá! Fila das meninas aqui e fila dos meninos aqui do outro lado, certo gente? Acelerando para não perder tempo.”.

Fonte: Diário de Campo, (05 de março de 2012), Pré-Escola, Educação Infantil, EEIPR.

De acordo com a forma de organização da professora meninos e meninas deveriam estar separados em filas distintas. Provavelmente, essa separação, fruto de uma prática escolarizada, encontra-se presente também na designação de brinquedos para meninos e brinquedos para meninas, nos espaços que cada um pode ocupar e nas formas como cada qual deve se comportar.

Para Bujes (2002), é dessa forma que se vigia e se controla os corpos e ações desde a infância, pois os discursos e práticas que circulam no meio em que a criança está inserida acabam classificando e separando ações e comportamentos como próprios do gênero feminino ou masculino e, consequentemente, estas distinções e separações se incorporam em seus comportamentos e modos de pensar.

O fato descrito abaixo serve para exemplificar que as crianças começam a perceber, no seu convívio, modos de corresponder ao estereótipo social de gênero e passam a reproduzir comportamentos. Não é difícil para a criança entender que cores deve gostar ou não, já que suas roupas, brinquedos e espaços estão divididos por cores representativas.

Caixa de brinquedos cor-de-rosa para as meninas e caixa de brinquedos azul para os meninos

Em um dia ensolarado, ao levar as crianças para o gramado da escola, a professora estendeu um tapete e disponibilizou duas caixas de brinquedos para as crianças, uma cor-de-rosa e uma azul. Ela posicionou uma caixa em cada extremidade do tapete, na caixa azul havia carrinhos, ferramentas e super-heróis, enquanto na caixa das meninas havia bonecas e utensílios de cozinha.

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Caderno Intersaberes, v. 1. n.1, jul./dez., 2012 Página 136 Fonte: Diário de Campo, (12 de abril de 2012), Pré-Escola, Educação Infantil, EEIPR.

Para Roveri (2012), meninos e meninas são educados também por seus brinquedos e influenciados constantemente pela publicidade que investe em carregá-los de feminilidade ou masculinidade. Nesse processo, percebe-se por meio dos brinquedos considerados masculinos e dos brinquedos considerados femininos a existência de estímulos diferentes, pois aos meninos se destinam brinquedos que propagam ideia de movimentação, velocidade, atividade constante, enquanto os brinquedos voltados para as meninas ressaltam a passividade e a maneira dócil como devem se comportar.

As palavras mencionadas pela criança do relato abaixo ilustram como as práticas e atitudes do professor são parte importante na construção de referências das crianças, reforçando, muitas vezes, aquelas representações que estão sendo construídas em outros espaços.

Super-heróis e princesas, como cada um deve se comportar!

De um lado de uma das paredes da sala a figura do homem aranha estampada, do outro lado desta mesma parede a figura de uma princesa com olhar dócil em uma pose delicada. A figura do super-herói acompanhava as datas de aniversário dos meninos e, do mesmo modo, a figura da princesa acompanhava a data de aniversário das meninas. Esse fato já havia me chamado atenção, mas não tanto quanto neste dia. As crianças brincavam livremente pela sala, quando uma das meninas gritou para que a colega devolvesse a boneca com que estava brincando, quando uma terceira menina envolvida no grupo fez a seguinte observação: “Não grita! A gente é princesa...princesa é bem querida e não grita, né profe?”.

Fonte: Diário de Campo, (24 de abril de 2012), Pré-Escola, Educação Infantil, EEIPR.

Este relato apresenta, certamente, a reprodução de um discurso adulto, onde se usa figuras representativas estereotipadas como estratégia para que meninos e meninas possam compreender o comportamento e as atitudes que lhes cabem de acordo com as regras e padrões estabelecidos social e historicamente. Para Paechter (2009), dentre uma variedade de fatores que influenciam o modo como a masculinidade e a feminidade são construídas nos primeiros anos em sala de aula, o ambiente e as influências específicas a que as crianças são expostas ocupam um espaço importante neste processo.

Bujes (2002)destaca a importância dos discursos que predominam numa determinada realidade e os seus significados:

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Caderno Intersaberes, v. 1. n.1, jul./dez., 2012 Página 137

Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua “política geral” de verdade: isto é, os tipos de discurso que aceita e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e instâncias que permitem distinguir entre sentenças verdadeiras e falsas, os meios pelos quais cada um deles é sancionado. (FOULCAULT apud, BUJES, 2002, p. 22).

Dessa forma, constata-se que a cultura discriminatória presente cria as suas verdades, estabelecendo o que pode ser aceito ou não. Assim, são construídas diferenças e identidades sustentadas por tais verdades.

Nesse contexto, pode-se compreender como comportamentos femininos e masculinos vistos como naturais próprios de cada gênero são na verdade construções culturais, condutas criadas pelo meio social. Pois, a forma como se aprende a atuar na sociedade orienta-se pelos conceitos, concepções e valores da cultura dominante.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo da realização da pesquisa foi possível constatar que todas as referências, influências e construções presentes na escola fazem parte do processo de formação de identidade da criança como sujeito social.

A partir dos episódios descritos ao longo desta pesquisa, pode-se perceber, principalmente, a importância da figura do professor nas construções das crianças a respeito do gênero e da formação de identidades. É muito importante considerar como os docentespensam e agem frente às relações de gênero, pois a sua conduta se constitui como importante influência na formação de seus alunos.

Pesquisas nesse campo destacam que nem sempre o professor está preparado para lidar com questões de gênero, que não são hegemônicas na sociedade. Essas questões são vivenciadas pelos professores em sala de aula, mas são pouco discutidas e trabalhadas na sua prática diária.

Dessa forma, torna-se necessário que propostas concretas acerca das questões de gênero estejam presentes na formação de professores, como subsidio para que possam compreender a importância e estejam mais atentos e preparados para tratar de tais questões no seu contexto em sala de aula, promovendo interlocução com a prática pedagógica.

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Caderno Intersaberes, v. 1. n.1, jul./dez., 2012 Página 138 Conclui-se, por meio deste estudo, que se torna extremamente importante discutir e problematizar as relações de poder que se estabelecem entre os gêneros, uma vez que tais iniciativas podem provocar um processo de estremecimento neste caráter de oposição binária estabelecido como permanente, que concebe a ideia de homem e mulher como opostos em uma relação de dominação versus submissão. Assim, o respeito, a compreensão, a valorização de outras ou novas identidades poderá se tornar possível, ultrapassando, as barreiras do preconceito, da discriminaçãoe dos constrangimentos. Claramente, por meio da realização desta pesquisa, esse processo de desconstruções não se constitui como simples, mas sim como algo complexo que certamente se desmistificará em longo prazo, mas cada passo dado é válido.

Espera-se que os relatos e as reflexões aqui expostas sirvam para contribuir no entendimento de outro olhar acerca das relações de gênero, no sentido de que o conceito de gênero não restringe a perspectiva biológica, mas uma construção sócio-cultural que interfere no processo constituinte da identidade dos sujeitos.

REFERÊNCIAS

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Pesquisar-Participar. In: BRANDÃO, Carlos Rodrigues (org.)

Pesquisa Participante. – São Paulo: Brasiliense, 1999. Cap. 1.

BUJES, Maria Isabel Edelweiss. Descaminhos. In: COSTA, Marisa Vorraber (org.). Caminhos

Investigativos II: outros modos de pensar e fazer pesquisa em educação. Rio de Janeiro:

DP&A, 2002. Cap. 1.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade; tradução Tomaz Tadeu da Silva, Guacira Lopes Louro – 11. ed. – Rio de Janeiro: DP&A, 2006.

LOURO, Guacira Lopes. Currículo, gênero e sexualidade: o “normal”, o “diferente” e o excêntrico. In: Guacira Lopes Louro, Jane Felipe e Silvana VilodreGoellner (org.). Corpo,

gênero e sexualidade: Um debate contemporâneo na educação. 6. Ed. – Petrópolis, RJ:

Vozes, 2010. Cap. 3

______Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista. Rio de Janeiro: Vozes, 1998.

MATOS, Seris de Oliveira. A construção de representações sobre o corpo na sociedade e o

papel da escola na desconstrução dos padrões impostos. – 2007. Dissertação de Mestrado,

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Caderno Intersaberes, v. 1. n.1, jul./dez., 2012 Página 139 MELUCCI, Alberto. O jogo do Eu: a mudança de si em uma sociedade global., Editora Feltrinelli, 2004.

OLIVEIRA, Sonia Grubits Gonçalves de, A Construção da Identidade Infantil: A sociopsicomotricidadeRamin-Thiers e a ampliação do espaço terapêutico / Sonia Grubits Gonçalves de Oliveira. São Paulo: Casa do Psicólogo. 1996.

PAECHTER, Carrie. Meninos e meninas: aprendendo sobre masculinidades e feminidades; tradução Rita Terezinha Schmidt. Porto Alegre: Artmed, 2009.

ROVERI, Fernada. Barbie: tudo o que você quer ser ou considerações sobre a educação de

meninas. Revistapontocom, mar. 2012. Disponível em:

http://www.revistapontocom.org.br/materias/barbie-50-anos-ditando-a-moda-de-meninas. Acesso em: 09 jun. 2012.

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