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VALORES E ATITUDES NO JUDÔ: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE O TEMA

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VALORES E ATITUDES NO JUDÔ: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

SOBRE O TEMA

Vicente Paulo Kannebley JUNIOR

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Prof. Ms. Fernando Paulo Rosa de FREITAS

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Resumo

O objetivo desse trabalho foi verificar se as atitudes ensinadas originariamente juntamente com a prática do Judô ainda têm representação na atualidade e se ainda contribuem para a formação dos alunos. Por meio de uma pesquisa bibliográfica, esse estudo levantou aspectos como: os fundamentos filosóficos dessa arte marcial; a influência do Jiu-jitsu e dos sistemas religiosos (arte zen) em sua formação; e a revolução de costumes ocorrida no Japão, berço do Judô, a partir da abertura de seus portos ao ocidente. Também foram colhidas referências que indicam que o Judô, sendo bem orientado, pode ajudar o praticante a interagir melhor com as pessoas. Pôde-se ainda verificar que os princípios filosóficos que regem o Judô ainda são uma característica muito importante para essa arte marcial. Em uma perspectiva de ensino voltado à educação integral da pessoa, nota-se que esses princípios não deveriam ser esquecidos, mesmo que, atualmente, se valorize muito mais o aspecto esportivo dessa arte marcial. Nesse sentido, é importante que as academias que oferecem a prática do Judô encontrem um ponto de equilíbrio entre o ensino desses valores e as expectativas em relação aos resultados esportivos.

Palavras-chave: Judô. Valores. Atitudes. Ética.

1 Introdução

Para Kano (2008), mestre fundador do Judô, o objetivo dessa arte marcial é tornar o corpo forte e saudável, mas, ao mesmo tempo, formar o caráter por meio da disciplina mental e moral.

Considerado o pai da Educação Física japonesa, Jigoro Kano entendia o randori (treino de luta) como uma forma de treinamento mental muito eficiente, já que os alunos precisam da atenção e raciocínio para tomar decisões rápidas, utilizando-se da técnica mais apropriada para vencer o adversário. Isso tudo sem utilizar a força bruta, mas tão somente o esforço necessário (princípio da eficiência máxima da mente e do corpo). Lições que podem ser aplicadas à vida cotidiana, na qual uma persuasão lógica e firme vale muito mais do que o uso da coerção (KANO, 2008).

Assim como em outras práticas e culturas, no Judô e na cultura japonesa em geral, existe um aspecto externo e outro mais profundo. Essas facetas são conhecidas como omote e ura. Para um observador leigo em lutas, por exemplo, uma técnica visível do Judô como o Kata seria uma sequência de técnicas combinadas com antecedência. Já para uma pessoa com conhecimento aprofundado da arte (especialmente sobre o ura, “o que está por trás, escondido”), um bloqueio pode ser na verdade um golpe ou uma maneira de colocar o adversário numa posição favorável para um contra-ataque (LOWRY, 2011).

Esse significado mais profundo existe em praticamente toda a cultura tradicional japonesa e dificulta o real entendimento do significado da prática do Judô para os ocidentais, que o percebem apenas em sua superficialidade, especialmente em seu aspecto esportivo – que recebe a maior parte do destaque nas mídias – desconhecendo os aspectos mais profundos como a disciplina, hierarquia, humildade, relacionamentos, bem-estar, controle da energia, entre outros.

Outra questão de difícil compreensão para os ocidentais, especialmente para os brasileiros, é o aspecto religioso dessa arte-marcial. O praticante do Judô não precisa abraçá-lo como religião (xintó),

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mas deve adaptar o xintoísmo para poder praticar o Budô (arte marcial), para compreender os rituais e, também, os códigos de conduta dessa atividade.

Para exemplificar esse conceito, podemos citar uma etiqueta oriental, a reverência. Ela faz parte dos hábitos japoneses desde a infância. Para os antigos samurais era um modo mais seguro de estar entre outros lutadores, demonstrando que não tinham más intenções. O praticante iniciante de Judô pode até achar que está num culto quando começa a fazer reverências e que seria suficiente um cumprimento com um aperto de mão. No Japão, o fato de uma pessoa fazer reverência não significa um ato religioso, mas uma forma de cumprimento ou reconhecimento, e tem sido assim há séculos.

A observação dessas práticas e atitudes nasceram com o Judô e, não importa quanto este se modernize, se perder suas raízes filosóficas e espirituais, não será mais o Judô idealizado pelo seu fundador.

2 Justificativa

A partir da experiência como professor de Judô, constatamos as expectativas que alguns pais têm ao encaminhar seus filhos para a prática dessa arte marcial. Eles esperam que a prática do Judô ofereça suporte para uma formação atitudinal de seus filhos, em aspectos como a disciplina, o autocontrole e o respeito ao semelhante. Em sequência a essa constatação, notamos a razão para tanto durante a aplicação das aulas para essas crianças: muitas delas têm pouca noção em relação a essas atitudes.

A partir dessas observações, entendemos que era importante um estudo sobre essas questões, inicialmente, feito a partir de uma pesquisa bibliográfica em que pudessem ser colhidas informações sobre as potenciais colaborações do Judô para a formação atitudinal de seus praticantes.

4 Objetivo

O objetivo desse estudo foi identificar os valores e as atitudes presentes nos aspectos filosóficos e disciplinares do Judô e quais as possibilidades e contribuições de seu ensino em conjunto com os aspectos técnicos dessa arte marcial.

5 Metodologia

Este trabalho é de natureza qualitativa, para o qual se utilizou o método bibliográfico. Segundo Mattos, Rosseto Júnior e Blecher (2004, p. 18), o método da pesquisa bibliográfica “[...] procura explicar um problema a partir de referência teóricas e/ou revisão de literatura, de obras e documentos que se relacionam com o tema pesquisado”. Trata-se, portanto, de um método de pesquisa indireto. Este incluiu artigos colhidos em revistas especializadas, trabalhos de conclusão de curso, dissertações, teses, livros, além de sites e documentos eletrônicos.

6 A origem do judô

O Jiu-jitsu foi a primeira forma de autodefesa sistematizada que não previa o uso de armas. Foi criada por monges budistas há pelo menos 2500 anos na China, disseminando-se logo após para o Japão e para outros países (GURGEL, 2007).

Na era feudal, no período medieval localizado entre o século XVII e XVIII, muitas artes marciais eram praticadas no Japão. Eram voltadas, especialmente, para o uso militar. Essas práticas faziam uso de espadas, lanças, do arco e flecha e, também, de métodos de combate sem armas (F.P.J., 2013).

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O Jiu-jitsu era uma dessas artes marciais, na qual se permitia arremessar o oponente, bater, torce-lhe os membros ou imobilizá-lo. Era utilizado pelos grandes guerreiros japoneses, na época chamados de samurais, nas lutas corpo a corpo. Eles obedeciam e defendiam os seus senhores feudais até a morte. Esses exímios guerreiros tiveram de desenvolver uma forma de controlar os seus impulsos para enfrentar todas as dificuldades nas batalhas, inclusive a morte. Daí o árduo treinamento, não somente físico, mas também filosófico, a fim de promover o espírito de luta caracterizado pelo Budô, que é descrito como uma modalidade de treinamento físico, estético e espiritual, o caminho das artes marciais (F.P.J., 2013).

Com forte influência no budismo, o código de honra, ética e moral dos samurais, o Bushido, preservava a lealdade, a obediência, o respeito e a integridade. Foi com a introdução do budismo no século VI, juntamente com o xintoísmo primitivo (conjunto de crenças populares, com reverência aos antepassados), que começou a ser reconhecida uma religião nacional no Japão. O xintoísmo é a religião indígena do Japão, japonesa por excelência, embora só uma parte da população se declare xintoísta. A grande maioria é budista, e o restante divide-se em taoísta, confucionista, cristão ou de numerosas novas seitas (BATH, 1998).

Todos esses sistemas religiosos da Ásia influenciaram o Xintó, reforçando a ética e valores da sociedade primitiva japonesa, como a prevalência da comunidade ao indivíduo e a visão do imperador como o grande pai. A arte Zen, que busca a serenidade, simplicidade, fortalecimento do caráter, o caminho da iluminação, foi adotada rapidamente pela classe dos samurais, pois podia ser praticada em qualquer lugar, em silêncio, sem necessidade de grandes rituais. A arte Zen seria esse conjunto de religiões que influenciaram o Xintó, responsável por elevar, espiritualmente, os guerreiros (samurais). Através desta eles obtinham conforto, paz, sabedoria e coragem para enfrentar todas as dificuldades no campo de batalha. Com foco no trabalho árduo, pode-se dizer que o Zen define a identidade do samurai (LOWRY, 2011).

Com o fim do sistema feudal, a abertura dos portos japoneses em 1865 à cultura ocidental e a chegada das armas mais modernas, houve uma rejeição da cultura e das instituições japonesas, o que acabou provocando uma decadência também das artes marciais, vistas como antiquadas (GURGEL, 2007).

Com a revolução de costumes que ocorreu nessa época, o aprendizado das artes marciais tornou-se disponível para poucos e com tornou-segredos que somente os que mais tornou-se destacavam tinham a oportunidade de adquirir. Foi com a ideia de oferecer uma arte marcial acessível à maioria das pessoas, sem segredos, evitando ações que pudessem ser lesivas ou prejudiciais, que um jovem professor de filosofia, aluno de vários mestres de Jiu-jitsu, chamado Jigoro Kano, criou, a partir dessa arte marcial, o Judô, em 1882. O Judô podia ser aprendido em escolas na Educação Física e era destinado à formação integral dos indivíduos por meio das lutas e de princípios filosóficos, uma forma de viver centrada numa boa utilização da energia humana (FRANCHINI; DEL VECCHIO, 2008).

7 Os valores e as atitudes do judô

Com relação à filosofia do Judô, vale a pena antes citar uma pesquisa realizada em Florianópolis sobre o conhecimento de antigos professores de Judô a respeito dessa questão: mais da metade dos professores consultados tinham pouco ou nenhum conhecimento, sendo que apenas sete conheciam dois princípios ou máximas do Judô, que são a máxima eficiência com o mínimo de esforço e o bem-estar e benefícios mútuos (SILVA; SANTOS, 2005).

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O Judô seria a elevação de uma simples arte, ou técnica (jitsu), a um princípio de vida, ou caminho (do). Judô é, portanto, o caminho ou o princípio da suavidade e do conhecimento (KANO, 2008). O conhecimento da arte Zen, essência da filosofia do Judô, com princípios de ética e moral que enfatizam a disciplina e a educação.

Quando Jigoro Kano, a partir do Jiu-jitsu, transformou uma arte voltada para a guerra em um instrumento educativo, ele queria um melhor uso da energia física e mental para a formação integral das pessoas. A filosofia do Judô foi fortemente influenciada pela filosofia de vida oriental: equilíbrio do corpo e da mente, respeito às pessoas mais velhas, saber perder e ganhar, conter a ansiedade, desenvolver a agilidade, o reflexo, o pensamento rápido, a coordenação motora, o espírito de coletividade, a amizade e buscar a prosperidade mútua, a eficiência no uso da energia, entre outras (ARAÚJO, 2005).

As duas máximas por que é composto o espírito do Judô são: Seryoku Zenyo (máxima eficiência com o mínimo de esforço) e Jita Kyoei (bem-estar e benefícios mútuos). No primeiro, o menor dispêndio de energia, necessário para aplicar a técnica. Tanto na luta como na vida devemos economizar nossos recursos e aplicá-los somente quando necessário e na quantidade adequada. No segundo, devemos lembrar de que se machucarmos nosso parceiro de luta, amanhã não teremos com quem treinar. Devemos, assim, tratar nosso oponente, tanto no tatame como na vida diária, como nós gostaríamos de ser tratados (VIRGÍLIO, 1986).

O princípio da máxima eficiência requer ordem e harmonia entre as pessoas. Ele só pode ser obtido através do auxílio e da compreensão. Como resultado, temos o bem-estar e o benefício mútuo.

No Judô a prosperidade e os benefícios mútuos são a finalidade última, e a máxima eficiência, o meio para atingir esse fim (KANO, 2008).

A prática dos princípios filosóficos como “conhecer-se e dominar-se é triunfar” ou “quem teme perder já está vencido” é o meio para o aprimoramento do físico, do intelecto e do caráter das pessoas. Um dos princípios mais populares do Judô é aquele que diz que você deve usar a força do seu adversário contra ele próprio. Este é o princípio da não resistência: se empurrado, puxe; se puxado, empurre. Usar a suavidade diante da dureza para neutralizar e redirecionar a força. É o significado de JU, suavidade como via de ceder. Primeiro é necessário ceder para obter a vitória (VIRGÍLIO, 1986).

Os princípios do Judô, segundo seu criador, devem ser adotados, tanto dentro como fora do dojo: prestar atenção ao ambiente e ao adversário; tomar a dianteira induzindo o adversário a reagir, logo após tomar decisão, agir sem hesitação (golpe ou contragolpe), saber quando parar após ser aplicada a técnica correta e, por último, não ficar vaidoso ou desanimado de acordo com o final da luta. No Judô a grandeza não está em ser forte, mas em usar adequadamente a força. A flexibilidade é a prova mais evidente da não resistência (KANO, 2008).

Há, ainda, outros princípios estabelecidos para o Judô, como o Shingitai: Shin- espírito: respeito ao ritual e aos adversários.

Ghi- técnica: de defesa e de ataque aperfeiçoada com muita repetição.

Tai- valor do combatente: desenvolvimento das capacidades técnicas e força mental para se tornar um verdadeiro combatente.

O código moral do Judô, por sua vez, consiste em amizade, autocontrole, coragem, cortesia, honra, modéstia, sinceridade e respeito (ALEIXO, 2001). Cada pessoa dentro de uma sociedade pode construir o seu próprio sistema de valores, isso irá identificá-lo e influenciará a sua conduta. O aluno do Judô, por sua vez, tem de se adaptar aos códigos de conduta dessa arte, senão, nunca se tornará um verdadeiro judoca, dentro ou fora do tatame.

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Esses princípios e códigos filosóficos do Judô, arraigados em mais de um século de fortes convicções morais, podem colaborar na educação dos jovens, especialmente nesse momento de forte crise de valores. Um professor bem formado pode direcionar o aprendizado dos valores e atitudes corretos a serem utilizados dentro e fora do dojo (local onde se aprende o Judô), auxiliando os pais, que cada vez mais têm dificuldades em ensinar lições de moral e ética para seus filhos.

Para tanto, a justiça das crianças não pode ser considerada autocentrada e não se pode dizer que elas não agem moralmente. Elas sabem reconhecer valores como justiça, direitos, honestidade, generosidade e sabem diferenciá-los daqueles valores pessoais relacionados ao conforto e bem-estar individual. Por exemplo: sabem que bater em uma pessoa é pior que comer com as mãos; exigem igualdade quando o irmão dormiu na noite anterior na cama dos pais e nessa noite vão reclamar pelo seu direito, pela sua vez (LA TAILLE; MENIN, 2009).

Para desenvolvermos o juízo moral de uma criança não basta apenas ensinarmos valores de ética e moral da sociedade em que vivemos, pois assim estaríamos dividindo a trajetória moral da criança em dois momentos: aquele em que ela nada sabe da moral vigente; e aquele em que a aprendizagem moral já aconteceu. Longe de resumir a essa interiorização passiva de valores, o produto da moral da criança é a ressignificação dos valores, dos princípios e regras que lhe são apresentados (LA TAILLE, 2006).

O Judô bem orientado ajuda nesse processo de conhecimento do que é certo, das maneiras de agir e interagir com as pessoas, desenvolvendo no indivíduo habilidade de lidar com a sociedade com serenidade, calma, humildade, tentando resolver os problemas que lhe são apresentados, de maneira que o dispêndio de energia seja mínimo e, principalmente, que o bem-estar mútuo seja alcançado.

8 Dificuldades para a implementação dos valores e atitudes do judô

Como é possível observar neste estudo, a prática das artes-marciais é ancestral e teve diferentes significados e utilidades para as diferentes épocas e sociedades. Sendo assim, fica subentendido que nem todos os valores e atitudes que essas práticas trouxeram ao longo dos tempos são aplicáveis ou mesmo desejáveis na sociedade moderna: a ansiedade e o mal-estar que a sociedade atual sente em razão da falta de valores, respeito, ética, moral, e termos similares, podem trazer consigo a falsa sensação de que “antes, as coisas eram melhores”.

Não é difícil ter esse sentimento quando percebemos que os alunos não respeitam mais os professores, que os filhos não respeitam mais os pais, que os jovens não respeitam os mais velhos e que quase ninguém respeita ou acredita nas classes e entidades que os governam. Mesmo com o surgimento de inúmeras leis que deveriam garantir a igualdade e o direito de todos, percebemos que isso nem sempre acontece.

Por outro lado, não podemos nos esquecer de que muito da antiga ordem das coisas era baseada na subserviência de muitos, na obediência irrestrita, na escravidão imposta pela força de uns poucos. Assim era (e, às vezes, ainda é) na educação, na família, na cidadania.

Logicamente que nos reportamos ao padrão das sociedades ocidentais, já que outras sociedades ainda vivem sob muitos códigos que consideramos hoje ultrapassados. Então, para a nossa sociedade, que busca um pouco de ordem em meio ao caos para o qual está marchando, qual seria a colaboração que a prática do Judô poderia oferecer para a educação das pessoas?

Pelas referências consultadas pudemos perceber que a parte filosófica do Judô nem sempre encontra paralelo em seu aspecto esportivo atual, no qual a força física ganha cada vez mais importância. A lógica do esporte moderno, sob a influência de um sistema capitalista, também não

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exemplo, o princípio da prosperidade mútua com a necessidade de vencer, muitas vezes, a qualquer custo (BRACHT, 1986).

É certo que muito do que se aplicava nas academias de Judô há pouco tempo também já não encontra mais espaço nas academias atuais: os objetivos das academias, as crianças, os pais, os professores, a sociedade, tudo mudou. Praticantes de Judô um pouco mais velhos devem ter na memória que a disciplina “antiga” era bem mais rígida, os professores mais severos, e as crianças, mais disciplinadas.

Hoje, não é difícil ver dojos transformados em parques de recreação, com brincadeiras e até algazarra, algo inimaginável para os mais antigos. Para muitos dos professores atuais, essa atitude é algo até desejável e ajuda a manter o aluno pagante na academia, além de dar um pouco de sossego para os pais que já não os podem controlar.

Em uma perspectiva educacional, porém, mais que “dar um tempo para os pais”, mais que garantir o pagamento da mensalidade, o ensino do Judô, assim como de outras lutas, deve se fundamentar em princípios e atitudes que levem o praticante a evoluir individual e socialmente.

Em uma perspectiva educacional, o ensino do Judô ainda poderia se fundamentar nas três dimensões dos conteúdos pedagógicos: conceitual, procedimental e atitudinal, uma perspectiva de ensino estudada longamente por autores como Zabala (1998) e Darido (1999).

Na dimensão conceitual, abrangendo aspectos históricos e conceituais como regras e normas para que alunos compreendam de forma mais abrangente e também de uma forma mais crítica a origem e a evolução do Judô.

A dimensão procedimental é a mais enfatizada no ensino do Judô, com a suas repetições de golpes e randoris (lutas).

Já a dimensão atitudinal, apesar de ser considerada por muitos professores como a mais importante, pois está relacionada com a disciplina, perde espaço dentro das aulas para as questões procedimentais. No esporte competitivo, o aprimoramento das técnicas com as repetições e os treinos de lutas ocupa a maior parte da aula em detrimento, principalmente, da dimensão atitudinal, que requer reflexão e discussão. Não adianta o professor saber da importância dessa dimensão ou imaginar que ela irá acontecer naturalmente (em Educação, o chamado “currículo oculto”). A ação do professor deve ser intencional e pode ocupar determinada parte da aula, ou mesmo ela toda, dependendo da percepção das necessidades de seus alunos. Essas dimensões ainda podem ser trabalhadas em conjunto, sendo que a integração dessas três dimensões dos conteúdos é fundamental para que o Judô possa ter suas características de formação integral, visando o desenvolvimento do físico do atleta e também do seu caráter.

É necessário que os professores de Judô da atualidade se questionem a respeito do rumo estritamente competitivo e procedimental que a modalidade está tomando. É imprescindível retornarmos as raízes do Judô, para recuperarmos todos os seus aspectos filosóficos. Para isso, precisamos dar mais atenção aos conteúdos conceituais e atitudinais durante as aulas. Para que o Judô desenvolva ética e valores em seus praticantes, é preciso que o professor ensine abordando essas questões (RUFINO, 2012).

9 Considerações Finais

Analisando as informações obtidas nessa pesquisa e a percepção obtida pelos muitos anos de prática, percebemos que a atuação dos professores de Judô tem visado muito mais o aspecto técnico e

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Influenciando a questão da formação dos professores (mais para técnicos, do que para professores) está o direcionamento esportivo do Judô atual e a questão da sobrevivência das próprias academias, ou seja, seu aspecto administrativo/financeiro. Quantas academias estariam dispostas a se arriscar a manter um padrão de disciplina antigo a perder alguns alunos? Como seria essa linha de ensino e quais seriam as expectativas de seus clientes?

Sendo assim, chega-se a conclusão de que a questão dos princípios do Judô nas academias atuais ainda é importante, mas é preciso encontrar um ponto de equilíbrio com outras questões, caso se queira manter viva essa noção de que sua prática é disciplinadora e, ao mesmo tempo, viável comercialmente.

Pelas referências consultadas, pôde-se observar que a prática do Judô bem orientada pode colaborar para a formação integral das pessoas, com práticas e atitudes simples, como as sugestões que se seguem:

Quadro 1: Práticas e Atitudes

Práticas e atitudes que o professor pode desenvolver com os alunos

Atitudes que se espera que sejam desenvolvidas com essas práticas

O aluno deve cumprimentar o professor; estar atento às suas instruções; respeitar o professor e os seus colegas de treino; cumprimentar o sensei com reverência, de frente para ele. Se ele estiver em pé, deve fazer o cumprimento em pé, se estiver ajoelhado, deve fazer o cumprimento ajoelhado.

Noção de hierarquia

Asseio pessoal (judogui, corporal, dojo). Noções de higiene

O aluno deve tratar os colegas de treino de forma cordial, amigável, pois eles não são adversários. Se um colega realmente se machucar e não for ao próximo treino, os outros devem saber que não terão com quem treinar.

Quando estiver escutando uma informação do sensei, o aluno deve ficar de pé com as mãos ao lado do corpo; não cruzar os braços ou segurar as mãos atrás do corpo.

Respeito

Deve-se chegar no horário; não conversar durante as aulas e sentar de maneira correta; pedir permissão para o professor para entrar e sair do dojo, fazendo o cumprimento correto.

Cumprimentar (revência) antes de fazer as técnicas e antes das lutas.

Disciplina

Não chamar atenção para si; estar sempre disponível para uma demonstração; respeitar as diferenças.

Humildade

Fonte: elaborado pelo autor

Ao final deste trabalho, fica a expectativa de que estudos mais aprofundados sobre esse assunto se fazem necessários, especialmente, se incluírem a perspectiva dos professores e dos pais. Se foram encontradas referências que tratam dos aspectos filosóficos, valores e atitudes presentes no Judô, o mesmo não sucedeu em relação a pesquisas que dão conta de como e se os professores/técnicos tratam

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do ensino dos aspectos atitudinais do Judô em suas aulas/treinos. Para tanto, seria necessário um estudo de campo envolvendo especialmente as academias.

O ensino dos aspectos conceituais e atitudinais parece ser preocupação mais do segmento da educação do que do próprio esporte. Nesse sentido, o Currículo Oficial do Estado de São Paulo pode ser utilizado como exemplo. Ao trazer o conteúdo Judô para os 7º anos do Ensino Fundamental, no quarto bimestre, assim como ocorre com os outros conteúdos, propõe seu ensino abordando os aspectos conceituais, atitudinais e procedimentais (SÃO PAULO, 2013). Fica, no entanto, restrito as limitações da escola em termos de tempo, formação do professor, infraestrutura e materiais. Sendo assim, nas escolas, não se espera mais que um conhecimento introdutório sobre essa arte marcial.

Já em relação às academias, como são ensinados esses aspectos do Judô pelos professores/técnicos? Esse talvez seja o problema para um próximo estudo, que poderá trazer uma importante contribuição para o campo do bacharelado em Educação Física.

10 Referências Bibliográficas

ALEIXO, A. L. A Dimensão Social do Judô na Formação do Jovem. In: The second international Judô Federation World Judô Conference. Munique: [s.n.], 2001.

ARAÚJO, R. V. Judô: da história à pedagogia do esporte. 2005. 70f. Monografia (Licenciatura em Educação Física) – Faculdade de Educação Física, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2005.

BATH, S. Xintoísmo o caminho dos deuses. São Paulo: Ática, 1998.

BRACHT, V. A criança que pratica esporte respeita as regras do jogo... capitalista. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, n. 7, p. 62-68, 1986.

DARIDO, S. C. Educação Física na escola: questões e reflexões. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1999.

FEDERAÇÃO PAULISTA DE JUDÔ. História do judô. Disponível em: <www.fpj.com.br>. Acesso em: 20 maio 2013.

FRANCHINI, E.; DEL VECCHIO, F. B. Preparação física para atletas de judô. São Paulo: Phorte, 2008. GURGEL, F. Manual pessoal do jiu-jitsu. 1. ed. Rio de Janeiro: Axcel Books, 2007.

KANO, J. Judô Kodokan. São Paulo: Cultrix, 2008. LA TAILLE, Y. Moral e ética. São Paulo: Artmed, 2006.

______; MENIN, M. S. S. Crise de Valores. São Paulo: Artmed, 2009. LOWRY, D. O Dojo e seus significados. São Paulo: Pensamento, 2011.

MATTOS, M. G.; ROSSETO JÚNIOR, A. J.; BLECHER, S. Teoria e prática da metodologia da pesquisa em Educação Física: construindo seu trabalho acadêmica, artigo científico e projeto de ação. São Paulo: Phorte, 2004.

RUFINO, L. G. B. A pedagogia das lutas: caminhos e possibilidades. Jundiaí: Paco Editorial, 2012.

SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Educação. Caderno do aluno: Educação Física, Ensino Fundamental – 7º ano. São Paulo: SEE, 2013. v. 4.

SILVA, D.; SANTOS, S. G. Princípios filosóficos do judô aplicados a prática e ao cotidiano. Efdeportes, Buenos Aires, n. 86, 2005. Disponível em: <http://www.efdeportes.com/efd86/judo.htm>. Acesso em: 20 maio 2013.

VIRGÍLIO, S. A arte do judô. Campinas: Papirus, 1986.

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