• Nenhum resultado encontrado

Processo nº 8B1182 Acórdão de:

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Processo nº 8B1182 Acórdão de:"

Copied!
7
0
0

Texto

(1)

PDF elaborado pela Datajuris

Processo nº 8B1182 Acórdão de: 08-05-2008

Acórdão no Supremo Tribunal de Justiça

I

AA e BB intentaram, no dia 9 de Maio de 2005, contra CC, acção declarativa constitutiva condenatória, com processo ordinário, pedido a resolução do contrato denominado “Cessão de Exploração“ do DD”, sito em ... e a condenação da ré a restituir-lho e a pagar-lhe € 14 965 a título de prestações vencidas, bem como as prestações vencidas e as vincendas a partir de Junho de 2005.

Motivaram a sua pretensão na cedência da exploração do referido estabelecimento comercial mediante o pagamento de uma prestação mensal, que na data da propositura da acção era de € 365, e na omissão do seu pagamento pela ré a partir de Janeiro de 2002. A ré, na contestação, afirmou que os autores nunca foram donos do estabelecimento, mas apenas do local onde ele está instalado, que arrendaram, ser o mesmo de DD, que lho trespassou, e ter pago a renda.

Os autores, na réplica, negaram os factos alegados pela ré na contestação, foi seleccionada a matéria de facto assente e a controvertida, e, realizado o julgamento, foi proferida sentença, no dia 26 de Janeiro de 2007, por via da qual a ré foi absolvida do pedido.

Apelaram os autores, e a Relação, por acórdão proferido no dia 27 de Novembro de 2007, revogando a sentença proferida no tribunal da primeira instância, declarou resolvido o contrato de locação do estabelecimento comercial e condenou a ré a restituir-lhes o estabelecimento com o equipamento que lhe foi cedido, bem como a pagar-lhes as quantias objecto do pedido.

Interpôs a apelada recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:

- para que haja cessão de exploração de estabelecimento comercial é necessário que o cedente seja o seu dono;

- tendo as instâncias considerado tratar-se de acção de reivindicação, cabia aos autores a prova de que o estabelecimento lhes pertencia, e, mesmo que tal se não entendesse, tinha a recorrente suscitado a dúvida razoável sobre a titularidade do estabelecimento;

- não se pode considerar serem os recorridos donos do estabelecimento dada a diferença do capital pago pela recorrente àqueles e a EE, a circunstância de eles só guardarem num canto do estabelecimento trastes sem valor, de a maquinaria, os balcões, o recheio, o aviamento e a clientela serem do último, terem podido demonstrar serem donos do mesmo face ao disposto na alínea k) do artigo 89º do Código do Notariado, por exibição do próprio contrato e não através de prova testemunhal;

- cabia aos recorridos o ónus da prova de que a recorrente não pagou o preço parcelar da exploração ou das rendas por virtude da sua inversão, e porque alegou que aqueles nunca lhe passaram os recibos, criando-lhe intencionalmente a dificuldade, inverteu-se o ónus de prova;

- dando-se como provado não terem sido emitidos os recibos, era legítimo à recorrente recusar o pagamento das prestações;

- o tribunal recorrido não pode bastar-se com a confirmação da decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal da primeira instância;

- a prova da celebração do contrato de cessão de exploração era então fácil de fazer, mas não por testemunhas, dado o disposto no artigo 393º, nº 1, do Código Civil;

- parece ter sido isso que ocorreu com o respigar dos depoimentos das testemunhas ao referiram-se ao termo explorava, interpretado erroneamente pelos juízes do tribunal a quo; - a prova testemunhal revela que os recorridos usaram da escapatória, eventualmente para defraudar o Estado, mas com consequências na criação de enormes dificuldades de prova à recorrente, de exigir o pagamento em dinheiro, em envelope fechado, sem emissão de recibo;

- se os autores transmitiram coisa que lhes não pertencia, o contrato é nulo como cessão de exploração de estabelecimento comercial, nos termos do artigo 892º do Código Civil, por analogia com o caso de arrendamento de coisa que não pertença locador, e válido como contrato de arrendamento;

(2)

- porque o contrato celebrado entre os recorridos e EE e o celebrado entre o primeiros e a recorrente se regiam pelo artigo 1085º do Código Civil, passando a valer como arrendamento, teriam de ser feitos por escritura pública, nos termos do artigo 89º, alínea k), do Código do Notariado;

- deve declarar-se que os recorridos cederam coisa que lhes não pertencia e que arrendaram apenas as instalações do imóvel e não o estabelecimento comercial ali instalado;

- dando-se por provado que o estabelecimento comercial não pertencia à recorrente, a acção instaurada era imprópria, porque a adequada seria a de despejo com fundamento na falta de pagamento de rendas;

- a recorrente não tinha de fazer prova do pagamento das rendas de 2002, porque sempre teria a oportunidade de se defender nessa acção em que se discutiria o tempo, o local de pagamento das rendas, a obrigação da sua reclamação pelo senhorio ou a sua entrega pelo inquilino;

- violaram-se as normas substantivas acima referidas e as dos artigos 668, nºs 1, alíneas e) e d), e 2, 712º, nºs 1, alínea b), e 3, 721º, nº 2 e 722º, nº 2, 2ª parte, do Código de Processo Civil;

-deve a recorrente ser absolvida do pedido ou considerar-se a acção imprópria e se absolva da instância ou se ordene a remessa do processo às instâncias para que se considere invertido o ónus de prova.

Responderam os recorridos em síntese de conclusão de alegação:

- o contrato em causa, celebrado por escritura pública, é de locação ou cessão de exploração;

- a recorrente, cessionária, deixou de pagar as prestações a partir de Janeiro de 2002, e cabia-lhe o ónus de prova desse pagamento, mas não o cumpriu;

- a falta de pagamento das referidas mensalidades é fundamento da resolução do contrato. II

É a seguinte a factualidade considerada provada pelo acórdão recorrido, inserida por ordem lógica e cronológica:

1. Em escritura pública, intitulada Locação de Estabelecimento, outorgada pelo Notário do Segundo Cartório Notarial ..., no dia 27 de Novembro de 1995, AA e BB, por um lado, e CC, por outro, declararam:

- os primeiros ceder à última e esta aceitar a exploração de um estabelecimento comercial, denominado Café DD, instalado e a funcionar na fracção autónoma designada pela letra B, correspondente ao rés do chão esquerdo do prédio urbano em propriedade horizontal sito na Rua ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...;

- ser a cessão mencionada feita por um ano e pelo preço de setecentos e oitenta contos, e regular-se pelas cláusulas constantes de documento complementar;

2. Antes do acordo referido sob 1 era EE quem explorava o estabelecimento, tendo sido este quem transmitiu à ré parte do seu recheio, designadamente vitrinas, máquina de café, frigorífico e torradeira, que lhe pertenciam, vendendo-lhos quando ela passou a explorar o estabelecimento.

3. Do recheio que compunha o estabelecimento os autores só eram donos de oito mesas de fundo em ferro e tampo de fórmica, doze cadeiras, um lava-loiça em inox e uma balança Leureau, não tendo adquirido as coisas mencionadas sob 2.

4. No documento complementar mencionado sob 1 expressa-se serem as mensalidades de sessenta mil escudos de Janeiro a Junho, e de setenta mil escudos de Julho a Dezembro, com início em Janeiro de 1995.

5. Em Janeiro de 2002, a referida mensalidade cifrava-se na quantia de 73 000$ mensais, correspondentes a € 365.

6. Os factos referidos mencionados sob 2 e 3 eram do conhecimento dos autores. III

A questão genérica decidenda é a de saber se a recorrente deve ou não ser condenada a entregar o estabelecimento comercial aos recorridos e a pagar-lhes as rendas vencidas e a indemnização correspondente às rendas vincendas.

Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação formuladas pela recorrente e pelos recorridos, a resposta à referida questão genérica pressupõe a análise da seguinte problemática.

- pode ou não este Tribunal sindicar a decisão da matéria de facto proferida pela Relação? - natureza e efeitos do contrato que resulta dos factos provados;

(3)

- cumpriu ou não a recorrente as obrigações decorrentes do mencionado contrato?

- têm ou não os recorridos o direito de impor à recorrente a resolução do contrato que celebraram e a exigir-lhe a entrega do estabelecimento e o pagamento pretendido?

- releva ou não no caso espécie a inadequação da acção a que o recurso se reporta? Vejamos de per se cada uma das referidas subquestões.

1.

Comecemos pela análise da subquestão de saber se este Tribunal pode ou não sindicar a decisão da matéria de facto proferida pela Relação.

Em quadro de ampliação do objecto do recurso de apelação, a recorrente impugnou a decisão da matéria de facto proferida no tribunal da primeira instância no que concerne às respostas aos quesitos terceiro a quinto, pretendendo que, com base na prova testemunhal, a respectiva resposta fosse integralmente no sentido afirmativo, isto é, ser EE o dono do estabelecimento, os recorridos donos da fracção predial e que o primeiro lho trespassou pelo preço de cinco milhões de escudos.

Analisando o depoimento das testemunhas FF, GG, HH, II, JJ, KK e LL, a Relação concluiu no sentido de que a recorrente não logrou contrariar o teor do contrato constante de escritura pública, ou seja, que os outorgantes apenas tiveram em mente celebrar um contrato arrendamento comercial.

O regime geral nesta matéria é o de que, salvo casos excepcionais legalmente previstos, este Tribunal apenas conhece de matéria de direito (artigo 26º do Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro -LOFTJ).

Nessa conformidade, como tribunal de revista, a regra é a de que este Tribunal aplica definitivamente aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido o regime jurídico que julgue adequado (artigo 729º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

Excepcionalmente, pode apreciar o erro na apreciação das provas e ou na fixação dos factos materiais da causa cometido pela Relação se houver ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou fixe a força probatória de determinado meio de prova (artigos 722º, n.º 2 e 729º, n.º 2, do Código Civil).

Assim, só pode conhecer do juízo de prova formado pela Relação sobre a matéria de facto quando ela tenha dado como provado algum facto sem produção da prova por força da lei indispensável para demonstrar a sua existência ou quando ocorrer desrespeito das normas reguladoras da força probatória dos meios de prova admitidos no ordenamento jurídico. Por isso, o erro na apreciação das provas e a consequente fixação dos factos materiais da causa, isto é, a decisão da matéria de facto baseada em meios de prova livremente apreciáveis pelo julgador, excede o âmbito do recurso de revista (artigo 655º, nº 1, do Código de Processo Civil).

Como a recorrente impugna a decisão da matéria de facto proferida pela Relação com base em erro de apreciação de meios de prova de livre apreciação judicial, não pode este Tribunal sindicar o juízo probatório em que ela assentou.

2.

Prossigamos com a análise da natureza e dos efeitos do contrato que resulta dos factos provados.

A Relação, interpretando os factos provados, considerou que o contrato celebrado entre os recorridos e a recorrente é de cessão de exploração comercial, enquanto a última entende que se trata de um contrato de arrendamento para o exercício do comércio.

Uma vez que o contrato em análise foi celebrado no dia 27 de Novembro de 1995, coloca-se uma questão de sucessão de leis no tempo, e a lei toma por referência, nuns casos, o momento em que ocorreu o facto gerador dos efeitos jurídicos que são regulados pela lei que vigorava ao tempo da ocorrência do facto, e, noutros, a situação gerada pelo mencionado facto, abstraindo deste (artigo 12º, nº 2, 2ª parte do Código Civil)

Considerando a data da celebração do mencionado contrato, a lei substantiva aplicável à determinação da sua natureza e conteúdo são o Código Civil de 1966 e o Regime do Arrendamento Urbano aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro - RAU (artigo 12º, nº 1, do Código Civil de 1966).

Não é, por isso, aplicável no caso-espécie o Novo Regime do Arrendamento Urbano aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro (artigo 59).

A locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição, designando-se por arrendamento se versar

(4)

sobre coisa imóvel (artigos 1022º e 1023º do Código Civil).

O arrendamento urbano é o contrato pelo qual uma das partes concede a outra o gozo temporário de um prédio, no todo ou em parte, mediante retribuição (artigo 1º do RAU). É, por seu turno, arrendamento para comércio ou indústria o que tem por objecto mediato prédios urbanos ou partes destes com vista à prossecução de fins directamente relacionados com alguma actividade comercial ou industrial (artigo 110º do RAU).

A propósito do contrato de cessão de exploração de estabelecimento, expressa a lei não ser havido como arrendamento de prédio urbano ou rústico o contrato pelo qual alguém transfere temporária e onerosamente para outrem, juntamente com o gozo do prédio, a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado (artigo 1085º, n.º 1 do Código Civil e 111º, n.º 1, do RAU).

Salvaguarda-se a validade do referido tipo contratual, não obstante o seu duplo objecto mediato, envolvente do prédio, sede do estabelecimento, e dos bens móveis e direitos integrantes do seu substrato material, à margem das regras especificas dos contratos de arrendamento.

A lei refere-se em várias normas ao estabelecimento, mas não o caracteriza expressamente (artigos 316º, 317º, alínea a), 495º, nº 2,1559º, 1560º, nº 1, alínea a), 1682º-A, nº 1, alínea b), 1938º, nº 1, alínea f), 1940º, nº 4 e 1962º, nº 1, do Código Civil, 862º-A do Código de Processo Civil e 111º, 115º e 116º do RAU).

A noção mais concreta do conceito de estabelecimento decorre do artigo 862º-A do Código de Processo Civil, que se reporta à respectiva penhora, donde resulta que ele é susceptível de integrar bens e direitos de crédito e de outra natureza.

Dir-se-á que o estabelecimento comercial ou industrial é a estrutura material e jurídica integrante, em regra, de uma pluralidade de coisas corpóreas e incorpóreas – coisas móveis e ou imóveis, incluindo as próprias instalações, direitos de crédito, direitos reais e a própria clientela ou aviamento - organizados com vista à realização do respectivo fim.

A referida estrutura varia, como é natural, em função de circunstâncias diversas, desde logo em razão dos diversos ramos de actividade que operem. Por outro lado, o conjunto dos elementos de determinado estabelecimento comercial ou industrial é variável ao longo do tempo, consoante a vontade do respectivo titular, segundo os seus interesses, em regra condicionados, além do mais, pela evolução da tendência de mercado, pelas necessidades de reestruturação, de especialização ou de economia de meios.

O próprio elemento humano que implementa a actividade de cada um dos estabelecimentos também é, naturalmente, susceptível de variar, além do mais, por virtude da utilização de novas tecnologias.

Dir-se-á, por isso, em síntese, que o contrato de locação de estabelecimento é aquele pelo qual uma pessoa convenciona com outra a transferência temporária e onerosa, com ou sem o gozo do prédio, a exploração da universalidade que constitui o estabelecimento.

É essencialmente um contrato de locação de estabelecimento porque o respectivo titular cede a outrem, temporária e onerosamente, a fruição da universalidade dos elementos materiais e dos direitos que o integram (artigo 1022º do Código Civil).

É regido pelas cláusulas postas pelas partes, de harmonia com a liberdade contratual, prevista no artigo 406º, n.º 1, do Código Civil, e, subsidiariamente, pelas pertinentes normas de aplicação não excluída do contrato típico de estrutura mais próxima - o arrendamento comercial - e, na sua falta, pelas regras comuns dos contratos (artigos 1022º, 1023º e 1086º, n.º 1, do Código Civil, 1º e 110º do RAU).

Ao contrato de trespasse do estabelecimento comercial ou industrial, refere-se o artigo 115º do Regime do Arrendamento Urbano, estabelecendo ser permitida a transmissão por acto entre vivos da posição de arrendatário, sem dependência da autorização do senhorio (nº 1). Excluí a lei do conceito de trespasse as situações em que a transmissão não seja acompanhada da transferência em conjunto das instalações, utensílios, mercadorias ou outros elementos integrantes do estabelecimento ou quando, transmitido o gozo do prédio, passe a exercer-se nele outro ramo de comércio ou indústria ou lhe seja dado outro destino (nº 2).

Resulta, pois, das mencionadas normas que o contrato de trespasse é aquele por via do qual se transmite definitiva, em princípio a título oneroso, para outrem, juntamente com o gozo do prédio, a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado. Trata-se, no fundo, de um contrato de compra e venda de um estabelecimento comercial, susceptível de envolver o contrato de arrendamento do prédio em que ele esteja instalado. A determinação da natureza do contrato em causa, celebrado entre a recorrente e os recorridos, deve decorrer da interpretação das suas declarações, nos termos dos artigos 236º, nº 1 e 238º, nº 1, do Código Civil.

(5)

Relação, a que acima se fez referência, pode operá-la, por estar em causa a determinação do sentido juridicamente relevante de declarações negociais, segundo o critério estabelecido naqueles normativos.

A regra nos negócios jurídicos em geral é a de que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante.

A excepção ocorre nos casos em que não seja razoável imputar ao declarante aquele sentido declarativo ou em que o declaratário conheça a vontade real do declarante (artigo 236º, nº 2, do Código Civil).

O sentido decisivo da declaração negocial é, pois, o que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, por alguém medianamente instruído e diligente e capaz de se esclarecer acerca das circunstâncias em que as declarações foram produzidas.

No que concerne aos negócios jurídicos formais, como ocorre no caso vertente, há, porém, o limite de a declaração não poder valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 238º, nº 1, do Código Civil).

Assim, o sentido hipotético da declaração que prevalece no quadro objectivo da respectiva interpretação, como corolário da solenidade do negócio, tem que ter um mínimo de literalidade no texto do documento que o envolve.

Na interpretação da vontade dos outorgantes podem relevar várias circunstâncias, designadamente as prévias negociações entre as partes, a qualidade profissional destas, a terminologia técnico-jurídica utilizada no sector e a conduta de execução do contrato.

Os recorridos declararam que eram titulares do estabelecimento e que cediam a sua exploração à recorrente.

Na expressão das partes, trata-se de um estabelecimento cujo objecto é a indústria de restaurante e de café e referiram-se ao equipamento constante de documento complementar.

A referência à exploração de estabelecimento por parte de EE que consta de II 2 é insusceptível de significar que ele a operava como proprietário do mesmo, porque essa expressão também se reporta ao locatário do estabelecimento.

Sabe-se que parte do recheio do estabelecimento, designadamente vitrinas, máquina de café, frigorífica e torradeira, pertencia a EE que os alienou à recorrente.

Todavia, o recheio de um estabelecimento de café e restaurante não se resume aos objectos que a recorrente adquiriu a EE.

A referida factualidade não permite a conclusão de que EE era o dono do estabelecimento e que o alienou à recorrente, nem de que a recorrente e os recorridos celebraram um contrato de arrendamento para o exercício da indústria.

O facto de EE ter alienado à recorrente os referidos elementos do estabelecimento, cujas circunstâncias de aquisição se ignoram, não permitem a conclusão de que o contrato que ela celebrou com os recorridos assume a última mencionada natureza jurídica.

Perante este quadro, tal como foi considerado nas instâncias, um declaratário normal, colocado na posição contratual da recorrente e dos recorridos, concluiria no sentido de que eles celebraram um contrato de cessão de exploração de estabelecimento industrial.

Do referido contrato resultaram, para os recorridos a obrigação de entrega à recorrente do estabelecimento e causa, e para a recorrente a obrigação de pagar àqueles a renda convencionada.

3.

Atentemos agora na subquestão de saber se a recorrente cumpriu ou não as obrigações decorrentes do contrato que celebrou com os recorridos.

Apenas está em causa no caso-espécie a obrigação de pagamento da renda aos recorridos por parte da recorrente.

No tribunal da primeira instância considerou-se, face à resposta negativa ao quesito primeiro da base instrutória, não ter sido provado que a recorrente deixou de pagar as prestações acordadas como contrapartida da exploração do estabelecimento industrial em causa.

A Relação, por seu turno, decidiu no sentido de que o ónus de prova do pagamento da renda incumbia à recorrente, e, como o não cumpriu, se impunha considerar assente que ela o omitiu.

A recorrente alegou, porém, caber aos recorridos o ónus da prova de que ela não pagou o preço parcelar da exploração ou das rendas por virtude da respectiva inversão, sob o argumento da sua inversão por ter alegado no sentido de eles nunca lhe terem passado os

(6)

recibos, criando-lhe intencionalmente a dificuldade probatória.

A regra é no sentido de que o credor tem de provar a celebração do contrato e, consequentemente, as obrigações dele decorrentes, nos termos do artigo 342º, nº 1, do Código Civil.

O cumprimento da respectiva obrigação, designadamente do pagamento o montante da renda convencionada, como facto extintivo do direito de crédito invocado, incumbe, todavia, ao devedor (artigo 342º, nº 2, do Código Civil).

Há, porém, regras especiais de distribuição do ónus de prova para dirimir o non liquet probatório, por via da inversão desse ónus, conforme decorre do artigo 344º do Código Civil. Um desses casos de inversão do ónus de prova ocorre quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado (artigo 344º, nº 2, do Código Civil). A recorrente alegou a recusa dos recorridos da emissão e entrega dos recibos comprovativos do pagamento da renda, mas não lograram provar esse facto, e tal lhe incumbia, pelo que tal omissão não pode relevar no caso vertente.

Em consequência, a conclusão é no sentido de se considerar assente que a recorrente omitiu o pagamento aos recorridos das rendas invocado pelos últimos no confronto da primeira.

4.

Vejamos agora se os recorridos têm ou não o direito de impor à recorrente a resolução do contrato que celebraram e a exigir-lhe a entrega do estabelecimento e o pagamento pretendidos.

O referido contrato, nominado, atípico, envolvente de uma relação jurídica duradoura, é regido, conforma acima se referiu, pelas cláusulas postas pelas partes, de harmonia com a liberdade contratual, prevista no artigo 406º, n.º 1, do Código Civil, e, subsidiariamente, pelas pertinentes normas de aplicação não excluída do contrato típico de estrutura mais próxima - o arrendamento comercial - e, na sua falta, pelas regras comuns dos contratos (artigos 1022º, 1023º e 1086º, n.º 1, do Código Civil, 1º e 110º do RAU).

No caso de contrato de arrendamento para o exercício do comércio ou da indústria, o senhorio pode resolvê-lo se o arrendatário não pagar a renda no tempo e lugar próprios nem fizer depósito liberatório (artigo 64º, nº 1, do RAU).

No geral, á admitida a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção (artigo 432º, nº 1, do Código Civil).

A resolução é, em regra, equiparada quanto aos efeitos à nulidade ou anulabilidade do negócio (artigo 433º do Código Civil).

Tem, em regra, efeito retroactivo, e, no caso de contratos de execução continuada ou periódica, como ocorre no caso vertente, não abrange as prestações já efectuadas (artigo 434º do Código Civil).

Uma dos fundamentos do incumprimento definitivo das obrigações é a perda do interesse do credor na prestação, apreciada em termos objectivos, em consequência da mora (artigos 801º, nº 2 e 808º do Código Civil).

No caso vertente, estamos perante uma relação contratual duradoura, e é significativo o montante das prestações da renda cujo pagamento foi omitido pela recorrente.

Tal como se referiu no acórdão recorrido, face à estrutura do contrato em causa, a referida omissão é suficientemente grave para que se considere, objectivamente, a perda do interesse dos recorridos na continuação da relação contratual em causa.

Em consequência, importa concluir no sentido de se justificar a resolução do contrato de locação do estabelecimento em causa, nos termos e com as consequências considerados no acórdão recorrido.

5.

Atentemos agora na subquestão da adequação ou não da acção ao objecto do litígio.

Alegou a recorrente que a dar-se como provado que o estabelecimento comercial não pertencia aos recorridos, a acção instaurada era imprópria, porque a adequada seria a despejo com fundamento na falta de pagamento de rendas.

Não foi provado não ser o estabelecimento em causa da titularidade dos recorridos, pelo que, independentemente de outros fundamentos de ordem formal, essa circunstância não assume qualquer relevo no quadro da pretensão formulada pela recorrente.

6.

Finalmente, a síntese da solução para o caso-espécie decorrente dos factos provados e da lei.

(7)

em causa não fosse, ao tempo da celebração do contrato, da titularidade dos recorridos. Não havia fundamento legal para a inversão do ónus da prova em termos de os recorridos deverem provar que a recorrente lhe não pagou as rendas em causa, além do mais, porque a última não logrou provar a recusa dos primeiros de lhe entregarem os recibos de quitação. A sindicância da decisão da matéria de facto proferida pela Relação excede o âmbito do recurso de revista.

Os recorridos e a recorrente celebraram um contrato de cessão de exploração de um estabelecimento industrial de café e restaurante, válido e eficaz.

A recorrente não cumpriu a sua obrigação de pagamento da renda concernente ao mencionado contrato de execução continuada.

Os recorridos têm, por isso, direito de impor à recorrente a resolução do contrato que celebraram e a exigir-lhe a entrega do estabelecimento e o pagamento pretendido.

Não releva no caso espécie a questão suscitada da inadequação da acção a que o recurso se reporta.

A Relação não infringiu, no acórdão recorrido, qualquer das normas invocadas pela recorrente.

Improcede, por isso, o recurso.

Vencida, é recorrente responsável pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

IV

Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso e condena-se a recorrente no pagamento das custas respectivas.

Supremo Tribunal de Justiça, 08 de Maio de 2008

Salvador da Costa (Relator) Ferreira de Sousa

Referências

Documentos relacionados

Our contributions are: a set of guidelines that provide meaning to the different modelling elements of SysML used during the design of systems; the individual formal semantics for

entre este tratamento e o enxerto de tecido conjuntivo subepitelial em relação ao grau de recobrimento radicular obtido após o tratamento (observar gráficos 1 e 2), embora o

As abraçadeiras tipo TUCHO SIMPLES INOX , foram desenvolvidas para aplicações que necessitam alto torque de aperto e condições severas de temperatura, permitin- do assim,

As questões acima foram a motivação para o desenvolvimento deste artigo, orientar o desenvol- vedor sobre o impacto que as cores podem causar no layout do aplicativo,

Após a gastroplastia, a hidroginástica tem sido uma atividade física de suma importância, uma vez que segundo Gonçalves (1996) pode proporcio- nar aos seus adeptos: auxílio no

Os dados referentes aos sentimentos dos acadêmicos de enfermagem durante a realização do banho de leito, a preparação destes para a realização, a atribuição

Não tem informações sobre a sua modificação química e, pelo exposto acima, no presente trabalho tem-se estudado a modificação química deste amido variando a concentração

Jornal da Metrópole, Salvador, 8 de abril de 2021 13 400 CIDADE 55 R$ para oferta do vale- alimentação O PANORAMA DA EDUCAÇÃO NO ESTADO. Com pandemia, rede de ensino na Bahia