TRANSFERÊNCIAS DE MOMENTO LINEAR EM COBERTURAS VEGETAIS NA
BACIA AMAZÔNICA
Alessandro Augusto dos Santos Michiles
Universidade do Amazonas – Depto. de Física. Av. Gal. Rodrigo O. Jordão Ramos, 3000 Manaus – AM, 69077-000
Marcílio de Freitas
Universidade do Amazonas – Depto. de Física. Av. Gal. Rodrigo O. Jordão Ramos, 3000 Manaus – AM, 69077-000. Tel. 0XX92 644-1510, r. 28 (marcilio@fua.br)
RESUMO − Este artigo desenvolve a modelização matemática das transferências de momento linear resultantes da interação entre a cobertura vegetal e as camadas atmosféricas, através da aplicação das Equações de Navier-Stokes, em regime estacionário. A cobertura é simulada como sendo um meio absorcivo, onde vigem distribuições linear de temperatura e de pressão, em períodos noturnos. Alguns cenários previstos pelo modelo analítico são confrontados com perfis de momento linear, construídos com medidas micrometeorológicas realizadas na bacia amazônica, em especial na Reserva Florestal Ducke.
Palavras Chave: Bacia Amazônica, momento linear, física do meio ambiente
ABSTRACT − This article develops the mathematical modelling of the transfers of lineal moment resultants of the interaction between the canopy and the atmospheric layers, through the application of the Equations of Navier-Stokes, in stationary regime. The canopy is simulated as being a absorptive media, in the validity of lineal temperature distributions and of pressure, in night periods. Some sceneries foreseen by the analytic model are confronted with profiles of lineal moment, built with micrometeorological measurements accomplished in the amazon basin, especially in the Forest Reservation Ducke.
Keywords: Amazon Basin, lineal momentum, environment physics 1. INTRODUÇÃO
Os estudos da dinâmica dos deslocamentos de massas de ar de grandes dimensões ou de pequenas parcelas são importantes para a caracterização mecânica da região de interesse. Uma fração da quantidade de movimento do ar pode ser transferida aos obstáculos que se interpõem em sua trajetória, resultando em danos de intensidades proporcionais ao momento linear transferido. Genericamente, a abordagem física-matemática dos processos de deslocamento do ar na atmosfera terrestre torna-se complexa pelo fato de ambas, atmosfera e Terra, encontrarem-se em movimento (Ometto, 1981).
Neste artigo, utilizando as equações de Navier-Stokes, reproduz-se um modelo matemático que descreve o transporte de momento linear no interior de coberturas vegetais na Bacia Amazônica, considerando uma distribuição vertical superficial de massa do tipo triangular (Marques Filho, 1992; Freitas, 2000) e um perfil linear de temperatura.
2. FUNDAMENTOS TEÓRICOS
( )
( ) ( )
( )
∇
∇
⋅
+
∇
+
∇
−
−
−
=
∇
⋅
+
∂
∂
V
V
p
k
g
z
u
z
V
V
t
V
3
1
'
'
'
.
β
α
ν
2ε
(1)sendo ε a porosidade do meio, ν o coeficiente de viscosidade do meio e β(z’) uma grandeza que expressa a eficiência com que o momento linear transportado pelas parcelas de ar é absorvido pelos diversos elementos que compõem a cobertura.
Admite-se a vigência de um perfil de temperatura no interior da cobertura vegetal, do tipo T(z’) = Γz z’ + T0, com z’ ≥ 0; sendo Γz (gradiente vertical de temperatura) e T0 (valor da temperatura no plano z’ = 0) constantes positivas. Também admite-se que β(z’) = va x a(z’), sendo va um parâmetro
que expressa a velocidade de absorção de momento linear na região em consideração e a(z’) uma função que representa a distribuição vertical de área foliar nesse local (Freitas, 2000).
Figura 1: Distribuição vertical de área foliar obtida para a floresta da Reserva Adolfo Ducke (Marques Filho, 1992).
Considera-se os componentes de velocidade v’ → 0 e w’ → 0, e parametriza-se a(z’) por uma função do tipo a(z’) = (z’/zm’)a0, para 0 < z’ ≤ zm’; e a(z’) = (H −z’/H − zm’)a0 para zm’ < z’ ≤ H. Essa
parametrização representa uma distribuição do tipo triangular (figura 1), sendo a0 a altura do triângulo,
localizada no plano zm’ que simula a região no interior da cobertura com maior concentração foliar, e H
a altura da cobertura, conforme proposto por Marques Filho (1992).
'
'
'
'
'
2 2u
z
u
x
p
−
∂
∂
=
∂
∂
α
β
α
ν
(2) Admitindo, ainda, que a velocidade horizontal u’ = u’(z’,t’), da equação de Navier-Stokes, obtém-se a seguinte expressão, para o regime estacionário:Utilizando a componente y’ da equação (1), aplicando as condições de contorno e derivando a equação obtida em relação a x’, resulta:
Como p’(x’,z’) é uma função contínua de x’ e z’, substituindo (2) em (3) e utilizando α(∂p’/∂z’) = − g, obtém-se:
0
'
x
g
'
z
'
p
'
x
'
z
'
p
'
x
∂
=
∂
−
=
∂
∂
∂
∂
α
+
∂
∂
∂
α
∂
(3)
Como α = α(p’,T’), tem-se que:
e
Substituindo as equações (5) e (6) em (4), e considerando (∂α/∂T’)p’ = α/T’ e (∂α/∂p’)T’ =
−α/p’, obtém-se:
onde considerou-se que (∂T’/∂x’) = 0. A equação (7) descreve a distribuição de momento linear em função da altura z’, no regime estacionário.
Introduzindo as variáveis adimensionais u = u’/uH, z = z’/H, zm = zm’/H e T = T’/T0, obtém-se,
para a região a(z’) = (z’/zm’)a0:
sendo z0 = T0/Γz x H e γ = va x a0 x H2/ν x zm.
Rearranjando a equação (8), obtém-se a equação diferencial de 2.ª ordem:
Resolvendo a equação (9) por meio de uma solução em forma de série, Σanzn, e admitindo as
condições de contorno u(0) = 0, du(0)/dz = 0 e u(1) = 1, resulta:
sendo
0
g
'
x
'
u
'
z
'
u
'
z
'
z
'
u
'
z
'
u
'
z
'
z
'
u
2 2 3 3=
α
∂
α
∂
−
β
−
∂
α
∂
α
β
+
∂
∂
β
−
∂
∂
∂
α
∂
α
ν
−
∂
∂
ν
(5)
∂
∂
∂
α
∂
+
α
β
−
∂
∂
α
ν
∂
α
∂
=
∂
α
∂
'
x
'
T
'
T
'
u
'
z
'
u
'
p
'
x
2 p' 2 ' T
∂
∂
∂
α
∂
+
α
−
∂
α
∂
=
∂
α
∂
'
z
'
T
'
T
g
'
p
'
z
p' ' T0
'
u
'
z
'
u
'
z
'
T
'
T
'
z
'
u
'
z
'
u
'
z
'
T
'
T
1
'
z
'
u
2 2 3 3=
ν
β
−
∂
∂
ν
β
+
∂
∂
ν
β
−
∂
∂
∂
∂
−
∂
∂
(7)
(
)
(
)
z
u
0
dz
du
z
z
z
dz
u
d
dz
u
d
z
z
2 0 0 2 3 3 0−
−
γ
−
+
γ
=
−
(8)
( )
( )
(
)
0 2 2z
z
'
c
z
zu
dz
z
u
d
−
=
γ
−
(9)
( )
+
γ
−
γ
+
γ
−
+
−
=
z
...
2240
z
z
180
z
40
z
6
z
z
2
z
'
c
z
u
0 8 2 6 5 0 3 2 0(10)
(4)
(6)
Similarmente, para a região a(z’) = (H −z’/H − zm’)a0, obtém-se uma equação que gerencia o
transporte de momento linear em função da coordenada z, ou seja,
sendo θ = zm/(1 −zm).
Admitindo uma solução geral para a equação (11), em forma de série, e as condições de contorno, u(0) = 0, u(1) = 1 e a condição de continuidade das 2 soluções no plano z = zm, obtém-se:
sendo
e a constante c expressa em função dos termos d, k, i, p e m, abaixo relacionados:
com c’ expresso como anteriormente;
(
)
(
) (
) (
)
(
) (
)
[
]
γ
×
+
γ
×
+
γ
×
−
+
×
+
×
−
×
=
0 2 2 3 0 3 4 0 4 4z
10
60
,
3
10
48
,
4
z
10
16
,
20
10
40
,
13
z
10
32
,
40
10
64
,
80
'
c
( )
(
) ( ) (
)
0 2 2z
z
c
z
u
z
1
dz
z
u
d
−
γθ
−
=
−
(11)
( )
...
z
120
a
720
cz
180
c
z
120
a
40
cz
120
c
z
a
2
cz
12
z
6
a
c
z
2
cz
z
a
z
u
6 1 0 5 1 0 4 1 0 3 1 2 0 1+
+
γθ
+
γθ
γθ
−
+
+
+
γθ
γθ
+
+
γθ
−
+
γθ
+
−
=
( )
[
]
(
+
γθ
)
γθ
+
γθ
+
γθ
−
+
−
=
60
720
cz
cz
12
c
2
cz
360
c
120
720
a
2 0 0 0 1( )
[
]
(
i)
mk i kp
720
d
'
c
c
+
−
=
(
)
(
)
(
)
(
)
(
)
(
2
6
30
40
56
)
z
z
30
6
2
z
56
40
2
z
z
56
30
6
2
z
56
40
30
2
z
z
56
40
30
6
d
8 m 2 0 6 m 5 m 0 3 m 2 m 0⋅
⋅
⋅
⋅
γ
⋅
⋅
−
γ
⋅
⋅
+
⋅
⋅
⋅
+
⋅
⋅
⋅
−
⋅
⋅
⋅
γ
+
−
=
( )
( )
6 m 2 5 m 2 4 m 3 m mz
120
z
120
z
12
z
6
z
k
=
+
γθ
−
γθ
+
γθ
−
γθ
γθ
+
=
720
60
i
(12)
e
As soluções (10) e (12) descrevem as distribuições de momento linear numa região com cobertura vegetal que absorve momento linear numa taxa −β(z)u(z), sendo β(z) uma função linear, e que possui um perfil de temperatura do tipo T(z’) = Γz z’ + T0 (sendo Γz > 0 e T0 > 0).
3. RESULTADOS DA APLICAÇÃO DO MODELO
A partir das soluções (10) e (12), obtém-se os perfis de momento linear no interior de coberturas vegetais. Nestas curvas o momento u(z) e a altura z, estão representados como grandezas adimensionais.
Consideram-se como conhecidos, a porosidade, ε; a máxima amplitude da distribuição vertical de área foliar, a0; o gradiente de temperatura, Γz; a altura da cobertura, H; a temperatura ao nível do
solo, T0; o coeficiente de viscosidade, ν; o nível de maior concentração de biomassa, zm, e as
velocidades de absorção.
Os gráficos traçados apresentam os perfis de momento linear em função de altura z, no interior de coberturas vegetais para uma distribuição linear de temperatura, T(z’) = Γz z’ + T0. Para as figuras
assumiu-se que ε = 0,98, Γz = 0,001ºC/cm, T0 = 23ºC e ν = 0,12 cm2/s. Além disso, considerou-se que
as velocidades de absorção assumem os valores va = 1×10-6; 5×10-5; 1×10-4; e, 0,20 cm/s.
Figura 2: Distribuições de momentos lineares em função da altura, no interior de uma cobertura de altura H = 5 m. Assumiu-se que a máxima amplitude da distribuição vertical de área foliar a0 = 0,0036 cm-1 encontra-se
localizada no plano zm = 0,5.
De acordo com os gráficos, a absorção é intensificada na região em que existe a maior
+
γθ
γθ
−
+
γθ
+
γθ
−
+
−
=
6 m 0 5 m 0 4 m 0 3 m 2 m 0z
720
z
4
z
120
z
3
1
z
24
z
6
z
z
2
z
p
( )
2 0 0 02
12
z
z
z
360
120
m
=
−
+
−
γθ
+
γθ
+
γθ
que compõem as camadas atmosféricas presentes nos locais próximos ao referido plano.
Figura 3: Distribuições de momentos lineares em função da altura, no interior de uma cobertura de altura H = 40 m. Assumiu-se que a máxima amplitude da distribuição vertical de área foliar a0 =
0,0036 cm-1 encontra-se localizada no plano zm = 0,5.
Na medida em que a região com maior concentração de biomassa viva desloca-se em direção ao solo, o momento linear é absorvido com maior eficiência, conforme constatado nas figuras 4 e 5, resultando em maior força de cisalhamento. As moléculas dos diferentes gases que compõem o ar atmosférico, deslocando-se em direção ao solo, quando se aproximam de zm, são submetidas a um forte
processo absorcivo, de forma que a biomassa acima do solo nesta região, comporta-se como um intenso sorvedouro de momento.
Figura 4: Distribuições de momentos lineares em função da altura, no interior de uma cobertura de altura H = 40 m. Assumiu-se que a máxima amplitude da distribuição vertical de área foliar a0 = 0,0042 cm-1
Figura 5: Distribuições de momentos lineares em função da altura, no interior de uma cobertura de altura H = 40 m. Assumiu-se que a máxima amplitude da distribuição vertical de área foliar a0 =
0,0042 cm-1 encontra-se localizada no plano zm = 0,75.
A figura 6 apresenta comparações entre os perfis de momentos lineares construídos com os dados medidos em maio de 1987 (Fitzjarrald et al., 1990), na Reserva Florestal Adolfo Ducke, e os obtidos pelas modelagens teóricas resultantes do modelo analítico reproduzido neste trabalho. Neste experimento foram feitas medidas simultâneas utilizando um conjunto de anemômetros dispostos verticalmente ao longo de uma torre metálica, em 10 níveis localizados nas alturas 13,50 m; 23,30 m; 30,50 m; 35,70 m; 39,30 m; 41,00 m; 42,80 m; 44,70 m e 48,70 m, medidos a partir da base da torre.
Figura 6: Projeções de perfis de momentos lineares, para o período noturno, medidos (Fitzjarrald et al., 1990) e modelados para a Reserva Ducke. As grandezas físicas de interesse estão representadas em forma adimensional.
Nestas projeções tem-se que H = 40 m; T0 = 29,2ºC; a0 = 0,0048 cm-1, e va = 5,5×10-5 cm/s.
Conforme mostrado na figura 6, constata-se uma adequada concordância entre os valores calculados (curva tracejada) e os medidos (curva pontilhada). Assim, através do ajuste das curvas teóricas em função das experimentais é possível determinar os valores que representam a velocidade de
análises constata-se que o modelo analítico, também, mostra-se sensível às mudanças nos valores da viscosidade, não ocorrendo o mesmo para a temperatura T0 e o gradiente Γz, assim, verifica-se que as
influências devido aos processos termodinâmicos são menores que as mecânicas. 4. CONCLUSÕES
Neste trabalho foi reproduzido um modelo analítico, através da aplicação das Equações de Navier-Stokes para um meio absorcivo , para descrever as transferências de momento linear no interior de coberturas vegetais, resultante da interação destas com as camadas atmosféricas, durante o período noturno. Considerou-se um fluido do tipo Newtoniano, em regime estacionário, a existência de um gradiente de pressão, um perfil linear de temperatura e a absorção de momento linear representada por um termo linear do tipo −β(z)u’(z,t).
Após obtidas as soluções das equações diferenciais que regem a dinâmica do fenômeno estudado, construiu-se diversos perfis espaciais de momento linear. A comparação entre resultados produzidos pela aplicação do modelo e as medidas micrometeorológicas apresentou uma boa aproximação, o que comprova a sensibilidade analítica do modelo.
Estudos mais realísticos no interior de coberturas, devem considerar que as distribuições de temperatura, no regime estacionário, possam ser modeladas de perfis polinomiais, obtidos de ajustes das curvas de temperatura medidas no interior destas coberturas. Porém, este tipo de consideração exige cálculos mais complexos que os desenvolvidos neste trabalho e representa um desafio para os pesquisadores que atuam na área.
5. AGRADECIMENTOS
O autor expressa seu reconhecimento aos Professores Marcílio de Freitas e Walter de Castro Jr., pelas valiosas discussões e orientações recebidas ao longo da confecção desta análise; ao Dr. Arí Marques Filho, pela sua colaboração aos meus estudos iniciais nesta linha de pesquisa e à Universidade do Amazonas, pela importante contribuição ao meu desenvolvimento intelectual e humano.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
- Fitzjarrald D.R., Moore K.E., Cabral O.M.R., Scolar J., Manzi A.O., Abreu Sá L.D. (1990) Daytime Turbulent Exchange Beetwen the Amazon Forest and the Atmosphere. Journal of Geophysical Research, v. 95, n.º D10, 16825-16850.
- Freitas M. (2000) Processos de Transporte de Momento Linear no Interior de Regiões com Coberturas vegetais: o Caso Amazônico. Em processo de publicação.
- Marques Filho A.O. (1992) Transferts de Quantité de Mouvement au-dessus et à l’interieur de la Végétation. Acta Amazônica, 22 (4): 567-585.
- Ometto J.C. (1981) Bioclimatologia Vegetal. Agronômica Ceres, São Paulo.
- Vianello R.B. e Alves (1991) Meteorologia Básica e Aplicações. Universidade Federal de Viçosa, Viçosa.