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ANÁLISE DA PROPOSTA METODOLÓGICA PARA A EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR FORMULADA POR COLETIVO DE AUTORES. por. David de Almeida. Dissertação Apresentada ao

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ANÁLISE DA PROPOSTA METODOLÓGICA PARA A EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR FORMULADA POR COLETIVO DE AUTORES

por

David de Almeida

______________________________________

Dissertação Apresentada ao

Programa de Pós-graduação em Educação Física da Universidade Gama Filho

Como Requisito Parcial à Obtenção do Título de Mestre em Educação Física

(2)

ANÁLISE DA PROPOSTA METODOLÓGICA PARA A EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR FORMULADA POR COLETIVO DE AUTORES

DAVID DE ALMEIDA

Apresenta a Dissertação

Banca Examinadora:

________________________________________

DR. VITOR MARINHO DE OLIVEIRA

-Orientador-________________________________________ DRA. MIRIAN PAÚRA

________________________________________ DR. HELDER GUERRA DE RESENDE

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Dedico esse trabalho à Elenir, minha esposa e fonte de estímulo.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, pelos valores morais que me foram transmitidos.

À Universidade Gama Filho, na figura do Professor Helder Guerra de Resende, pela competência administrativa no desenvolvimento do curso.

À CAPES, pelo apoio material.

Aos meus companheiros e amigos de curso, especialmente à Neyse Muniz e ao grande Nelmar Fernandes, por todo o incentivo, apoio logístico e capacidade de diálogo.

Ao Professor José Paulo Netto, pelo exemplo de intelectual, de dedicação acadêmica e de acolhimento.

Especialmente, ao Professor Vitor Marinho de Oliveira, exemplo de competência acadêmica e compromisso político, pela paciência pedagógica e pela orientação nos meandros da Educação Física e da vida. Ao Vitor devo uma eterna gratidão.

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ALMEIDA, David (1997). Análise da proposta metodológica para a Educação Física escolar formulada por Coletivo de Autores. (Dissertação de Mestrado). Rio de Janeiro: PPGEF/UGF.

Orientador: Dr. Vitor Marinho de Oliveira

RESUMO

Este trabalho insere-se na linha de pesquisa denominada Metodologia do Ensino da Educação Física, desenvolvida no Programa de Pós-graduação em Educação Física da Universidade Gama Filho. A sua questão central foi construída a partir de uma leitura da história da Educação Física no Brasil, onde se identificou, num certo momento dos anos 1980, dentro de uma determinada perspectiva pedagógica, a necessidade de uma obra que abordasse a problemática do método e do conhecimento a serem desenvolvidos nas aulas de Educação Física escolar. Tal necessidade foi assumida por alguns indivíduos e também por grupos que, no início dos anos 1990, procuraram sistematizar algumas propostas metodológicas para a Educação Física escolar. Dentre as obras produzidas nesse período destaca-se aquela de autoria do Coletivo de Autores (1992), a qual vem a ser o objeto de estudo deste trabalho. A questão que se coloca, então, é: para qual perspectiva metodológica esta obra aponta? Para dar conta desta questão, optou-se, num primeiro momento, por uma identificação dos principais traços característicos das perspectivas teórico-metodológicas clássicas no trato de fenômenos de origem social. Num segundo momento, procedeu-se a uma análise interna da obra, à luz de alguns procedimentos indicados por Goldmann, em busca dos fundamentos teóricos que são perspectivados para a construção de conhecimentos sobre a Educação Física. A análise identificou traços de uma concepção metodologicista, onde o método seria a aplicação de princípios lógicos no trato do conhecimento dos elementos da cultura corporal.

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ALMEIDA, David (1997). Analysis of the methodological proposal for the school physical education formulated by Coletivo de Autores. (Master Dissertation). Rio de Janeiro: PPGEF/UGF.

Adviser: Dr. Vitor Marinho de Oliveira

ABSTRACT

This work is inserted in the line of research denominated Methodology of the Teaching of the Physical Education, developed in the Program of Masters degree in Physical Education of the Gama Filho University. Its central subject was built starting from a reading of the history of the Physical Education in Brazil, where it was identified, in a certain moment of the years 1980, inside of a certain pedagogic perspective, the need of a work that approached the problem of the method and of the knowledge to be developed in the classes of school Physical Education. Such need was assumed by some individuals and also by groups that, in the beginning of the years 1990, tried to systematize some methodological proposals for the school Physical Education. Among the works produced in that period stands out that of responsibility of Coletivo de Autores (1992), which comes to be the object of study of this work. The question that is placed, then, is: for which methodological perspective this work does point? To cope with this subject it was made, in a first moment an identification of the main characteristic lines of the classic theoretical-methodological perspectives in the treatment of phenomena of social origin. In a second moment, it was developed an internal analysis of the work, based on some procedures indicated by Goldmann, searching for the theoretical foundations that are relevant for the construction of knowledge about Physical Education. The analysis identified lines of a methodologistic conception, where the method would be the application of logical principles in dealing with the knowledge of the elements of the corporal culture.

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ÍNDICE

CAPÍTULO PÁGINA

I. SITUANDO O OBJETO DE ESTUDO... 1

1.1 - Educação Física: Um Fenômeno da Vida Social Moderna... 1

1.2 - A Institucionalização das Atividades Corporais... 3

1.3 - Da Sistematização das Atividades Corporais... 6

1.4 - A Educação Física no Brasil... 8

1.5 - A Educação Física Escolar nos Anos 1980... 14

1.6 - As Propostas Metodológicas para a Educação Física Escolar nos Anos 1990... 28

II. REFERENCIAL TEÓRICO... 36

2.1 - Introdução às Matrizes Teórico-Metodológicas Sócio-Históricas... 38

2.1.1 - A perspectiva marxiana... 47

2.1.2 - A perspectiva durkheimiana... 55

2.2 - A Análise Textual e a Perspectiva Estruturalista-Genética de Goldmann... 66

III. EM BUSCA DO SIGNIFICADO DA PROPOSTA METODOLÓGICA FORMULADA PELO COLETIVO DE AUTORES... 75

IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS... 102

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CAPÍTULO I

SITUANDO O OBJETO DE ESTUDO

1.1 - Educação Física: Um Fenômeno da Vida Social Moderna

A vida nas sociedades modernas apresenta como uma de suas marcantes características a incursão em instituições que oferecem espaço e tempo para a realização de atividades de cunho eminentemente corporal. É certo que, ainda hoje, nem todos os cidadãos têm acesso a essas instituições, sejam elas escolas, clubes, academias, associações, hotéis etc. Por outro lado, temos várias instituições que, mesmo não envolvidas diretamente com a sistematização das atividades corporais, acabam por incentivá-las. Nesse sentido, verifica-se que os meios de comunicação reservam grandes espaços para tratarem de temas relativos às atividades corporais; as indústrias procuram vincular os seus produtos a imagens de pessoas realizando atividades corporais; os médicos quase sempre recomendam aos seus pacientes a realização de algum tipo de atividade corporal como parte do tratamento de várias doenças; algumas construções residenciais, bem como alguns projetos de urbanização das cidades, procuram reservar certo espaço para a prática dessas atividades. Enfim, as atividades corporais — institucionalizadas ou não, sistematizadas ou não — apresentam-se como um fenômeno que movimenta uma quantidade imensa de recursos, que demanda a criação e implementação de políticas públicas, e que desperta o interesse de uma parcela significativa de pessoas em todas as classes sociais.

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Estes são apenas alguns exemplos de como é intensa a presença das atividades corporais no cotidiano das pessoas, o que conduz à percepção de que seja necessário — para um melhor entendimento da vida em nossa sociedade — uma compreensão da forma como este fenômeno se produz, das necessidades que atende e das relações que estabelece com outros fenômenos sociais. Não obstante, esta construção lógica permite também a inferência de que as atividades corporais não podem ser plenamente entendidas e explicadas sem referência ao modo de organização social no qual estão inseridas.

A referência à vida social moderna tem apenas o objetivo de situar o fenômeno em seu contexto e de simplificar a identificação das diferentes formas de organização social que se constituíram após a queda do modo de produção feudal. Portanto, esta referência não quer afirmar a inexistência de sistematizações das atividades de feição eminentemente corporal em sociedades anteriores, mas tão somente chamar a atenção para o fato de que é na ordem social criada pela burguesia que este fenômeno torna-se mais evidente.

Foi, assim, na sociedade organizada sob a direção da burguesia e que passou por uma série de fatos históricos que alteraram radicalmente a vida em sociedade — tais como: revolução industrial, revolução técnico-científica, revolução política, concentração urbana da população, expansão dos sistemas de ensino etc. —, que se sentiu a necessidade de sistematização e institucionalização das atividades corporais.

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1.2 - A Institucionalização das Atividades Corporais

Segundo Betti (1991), a institucionalização das atividades corporais, ou seja, a utilização das atividades corporais dentro de determinadas instituições e segundo os objetivos destas, é um fato que tem as suas primeiras manifestações na Europa dos séculos XVIII e XIX, sendo marcado pela forte influência das idéias de Rousseau (1712-1778), Pestalozzi (1746-1827) e Fichte (1762-1814), que, diante das necessidades impostas pela conjuntura sócio-histórica, propunham a formação de um novo modelo de homem.

Tratava-se de um período de revoluções e de guerras de libertação nacional, tendo à frente a burguesia revolucionária, com todo o seu ímpeto para a implantação de uma nova ordem social. Assim, diante da necessidade de formação de jovens sadios, fortes, ativos, disciplinados e combativos, algumas escolas responderam com a introdução em seus currículos de atividades corporais e de contato com a natureza.

Por outro lado, em face da necessidade de defesa do território diante das invasões por exércitos estrangeiros, vários países começam a criar sistemas ginásticos para a preparação das tropas e, conseqüentemente, a organizar instituições específicas para a formação de instrutores.

Assim, ainda de acordo com Betti (1991), a institucionalização das atividades corporais foi marcada nesses primeiros momentos por duas influências: de um lado, um movimento de caráter pedagógico, que pretendia contribuir para a formação de um novo tipo de homem; de outro, por um movimento de caráter militar, que procurava preparar a juventude para as guerras de libertação nacional.

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A essa presença das atividades corporais na escola, acompanhada de valores, conhecimentos e representações, denominaremos, de acordo com a tradição, de Educação Física1.

Goellner (1992) dá indicações de que a Educação Física sistematizada teve como força impulsionadora o conjunto de idéias renascentistas que, estabelecendo uma oposição ao modelo de homem medieval, procurava formar um “homem total [e] sadio — de corpo e espírito — capaz de enfrentar os percalços de uma vida ativa” (p. 23). Desse modo, a Educação Física aparecia como um conjunto de atividades capazes de atingir fins éticos, sociais e higiênicos:

éticos porque eram consideradas um válido instrumento de disciplina e formação da juventude; sociais, prevalentemente militares, porque fortificavam o corpo tornando-o mais resistente às fadigas da guerra e, por conseguinte, úteis à pátria; higiênicos porque eram tratadas como um indispensável meio para fortalecer o organismo e manter a saúde corporal. (ibidem)

Fica evidente, assim, o caráter utilitário das atividades corporais na formação do novo modelo de homem, imposto pelas novas condições históricas. Isso demonstra o quanto a Educação Física está sujeita às determinações sócio-históricas e, ao mesmo tempo, mostra a capacidade de interferir em seu meio, buscando a realização de ideais e valores.

1 Cabe alertar, no entanto, que a expressão educação física, de um ponto de vista extenso, pode referir-se

a qualquer processo de produção, transmissão e apreensão de valores, conhecimentos, habilidades e sentidos acerca das atividades corporais humanas. Assim, pode-se pensar numa educação física na escola, numa educação física no trabalho, no lazer, na família, nas atividades religiosas etc. — enfim, em diferentes espaços sociais. O elemento de ligação entre estas atividades, realizadas sob diferentes condições, é o fato de todas, de alguma forma — ao expressarem por meio do movimento corporal humano uma forma de estar no mundo, uma forma de se relacionar com a sociedade e a natureza —, fornecerem elementos para a constituição de qualidades humanas. Dentro desta perspectiva, a educação física seria um fenômeno presente em todos os momentos da vida do ser humano, abarcando atividades sistematizadas ou não, intencionais ou não. Porém, a tradição consagrou a utilização da expressão

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Em Rousseau (1712-1778), este tipo de pensamento ganha maior expressividade. Para este pensador (cf. Betti, 1991: 36 e Goellner, 1992: 25), a educação deveria priorizar o desenvolvimento da saúde em relação ao conhecimento. E para isto as atividades corporais eram essenciais: somente com um corpo sadio e forte é que o indivíduo poderia desenvolver a sua inteligência e o seu caráter.

Segundo Soares (1994), é a Rousseau que se deve o maior impulso para a introdução das atividades corporais na educação do novo homem. A força de suas idéias iria influenciar a formulação de políticas para a educação pública na França, através de nomes como os de Condorcet (1743-1794) e Leppelletier (1760-1793), e na Alemanha o trabalho de Basedow (1723-1790), responsável pela criação da primeira escola onde as atividades corporais foram incluídas como componente do currículo.

Portanto, estes pensadores parecem ter contribuído para a consolidação de uma nova visão da realidade. Ao contrário do pensamento medieval, o homem agora aparece como algo que está por ser feito, e não mais como algo natural e acabado. Além disso, esse mesmo homem em construção é capaz também de fazer a realidade social. Aliás, todas essas propostas de formação de um novo homem não tinham outro objetivo a não ser a construção de uma sociedade mais racional e mais justa.

Assim, a Educação Física foi vislumbrada inicialmente dentro do projeto da Ilustração2, funcionando como um instrumento para a emancipação humana3.

educação física ao conjunto de atividades, conhecimentos e valores relativos à cultura de movimentos corporais, sistematizados e veiculados através de um componente curricular escolar.

2 De acordo com indicações de Rouanet (1993), o projeto da Ilustração corresponde a um período da

história onde a burguesia em ascensão constrói uma nova forma de ver e pensar o mundo. Tendo a Razão como principal instrumento, este projeto apontava para a necessidade de emancipação do homem e de construção de um mundo mais justo e eficaz, orientando-se pelos princípios da universalidade, individualidade e autonomia. Nas palavras deste autor, “a universalidade significa que ele visa todos os seres humanos, independentemente de barreiras nacionais, étnicas ou culturais. A individualidade significa que esses seres humanos são considerados como pessoas concretas e não como integrantes de

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1.3 - Da Sistematização das Atividades Corporais

Em função da institucionalização da Educação Física e da sua utilização como instrumento para a produção de um novo tipo de homem, fez-se necessário um tratamento mais rigoroso de suas atividades e de seus princípios norteadores. Já não era suficiente apontar a atividade corporal como promotora de saúde; era preciso explicar cientificamente como acontece o processo, sistematizar e racionalizar estratégias para o seu tratamento pedagógico.

Isso ocorre a par do desenvolvimento do conhecimento científico-positivo, que, apoiado na ascensão econômica e social da burguesia, contrapõe-se ao conhecimento estabelecido a partir de dogmas teológicos e privilegia a ação lógico-racional sobre o mundo.

Assim, ao contrário de contemplar o mundo, tratava-se de conhecer as suas leis de funcionamento e, a partir daí, agir sobre ele, buscando a realização de um mundo mais racional e, portanto, controlado pelo homem. Pensava-se então que tal

uma coletividade e que se atribui valor ético positivo à sua crescente individualização. A autonomia significa que esses seres humanos individualizados são aptos a pensarem por si mesmos, sem a tutela da religião ou da ideologia, a agirem no espaço público e a adquirirem pelo seu trabalho os bens e serviços necessários à sobrevivência material.” (Rouanet, 1993: 9)

3 Ao que tudo indica, parece ser possível traçar um paralelo entre a constituição das teorias sociais e a

institucionalização da Educação Física. Situando-se no marco do projeto da Ilustração, o pensamento social moderno se constitui com o objetivo de conhecer profundamente a sociedade e assim ter condições de intervir em sua ordem, em busca da plena realização humana. Mais tarde, porém, quando a burguesia já possuía o domínio econômico e o poder político, e a classe trabalhadora começa a organizar movimentos reivindicativos de mudanças estruturais, um segmento do pensamento social sofre uma drástica mudança de sentido, passando, então, a compactuar com a ordem social vigente. A Educação Física parece sofrer a mesma mudança de sentido. A princípio foi pensada como instrumento de intervenção social, na busca da construção de um novo tipo de homem. Mais tarde, ao incorporar princípios da ciência positivista, passa a ter uma visão reducionista do homem em movimento, e, conseqüentemente, a contribuir para a manutenção dos valores vigentes. Entretanto, esta temática — relação entre a constituição das teorias sociais modernas e a institucionalização da Educação Física — demanda um estudo histórico aprofundado, o que não se constitui em objetivo deste trabalho.

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conhecimento seria capaz de produzir a felicidade e a libertação humana em relação a todos os preconceitos, dogmas e forças naturais.

Dentro deste espírito surgem a astronomia, a física, a química e a biologia como áreas científicas que buscavam a produção de conhecimentos que fossem objetivos, isto é, segundo as leis do real e passíveis de serem comprovados por qualquer indivíduo. Assim, o desejo de explicar e compreender as atividades corporais e seus efeitos para a formação do homem correspondeu ao modelo científico vigente, cabendo à biologia, com todo o seu referencial metodológico, explicar o homem em movimento.

De fato natural que parece ser, esta apreensão das atividades corporais pela biologia tem historicamente produzido efeitos indesejáveis para uma Educação Física comprometida com a formação dos homens, pois transformou-se num reducionismo explicativo. A atividade corporal humana, de um complexo de determinações sociais, culturais, biológicas e psicológicas que é, ficou reduzida à sua dimensão estritamente orgânica e natural. Logo, todo o conhecimento produzido em relação às atividades corporais pelas ciências biológicas redundou numa naturalização da Educação Física e, conseqüentemente, na sistematização de estratégias pedagógicas que se reduziam à reprodução e treinamento de habilidades, capacidades e variáveis fisiológicas.

Contudo, este não foi um problema específico da Educação Física. A própria sociedade e todos os fenômenos societários passaram a ser explicados segundo aquele modelo orgânico-natural. As ciências sociais também foram constituídas dentro daquele espírito. Ao reduzir todos os fenômenos a uma ordem natural e biológica, a ciência positivista acabou legitimando todas as diferenças e desigualdades entre os homens e justificando a ordem social instaurada pela burguesia — logo, tornou-se funcional ao modo capitalista de produção. Em conseqüência, qualquer tentativa de explicar os

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fenômenos sociais por via não biológica, ou como resultado da ação dos homens, passa a ser considerada como ideológica e a-científica.

Infere-se da leitura de Oliveira (1985), Betti (1991) e Soares (1994), que as primeiras sistematizações da Educação Física — fossem elas orientadas para a instituição escolar, ou para os quartéis, ou ainda para associações civis — apresentavam algumas características marcantes: a) fundamentavam-se nos conhecimentos produzidos pelas ciências biológicas; b) objetivavam a promoção da saúde e a preparação do organismo para situações de combate; e c) estavam atravessadas por valores que orientavam a prática pedagógica para a inserção dos indivíduos na ordem social burguesa.

Assim, parece que, de instrumento a serviço da humanidade, a Educação Física transfigura-se em ferramenta do pensamento conservador.

1.4 - A Educação Física no Brasil

No Brasil, as primeiras manifestações de uma Educação Física sistematizada datam do século XIX, quando, sob a influência dos médicos higienistas e de militares estrangeiros, as atividades corporais são introduzidas nas escolas e nos quartéis com a denominação de “Ginástica”, sendo inicialmente praticada de acordo com o modelo vigente na Alemanha.

No final do século XIX, com o início das reformas do sistema de ensino, um ilustre personagem da vida política brasileira, Rui Barbosa, relata um projeto de lei onde

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defende a introdução da ginástica de origem sueca nos currículos das escolas primárias, por considerá-la mais adequada às crianças e aos objetivos educacionais4.

No entanto, a ginástica sueca parece ter cedido espaço muito rapidamente às sistematizações de origem francesa (cf. Castellani Filho, 1988b; e Goellner, 1992). Adotada oficialmente nos meios militares, a ginástica francesa foi recomendada aos estabelecimentos de ensino no final da década de 1920, perdurando a sua influência neste meio até meados da década de 1950 (cf. Goellner, ibidem).

Neste período, para dar conta da demanda de instrutores, foi criada a Escola de Educação Física do Exército, em 1933 e em 1939 a Escola Nacional de Educação Física, no marco da Universidade do Brasil (atual UFRJ).

Vê-se que a ligação da Educação Física com o ambiente militar é muito grande, desde a determinação dos modelos ginásticos até a formação de professores. Em todo este processo verifica-se que, para além das suas implicações de caráter biológico, a Educação Física passa a ser pensada também como um instrumento moralizador, capaz de reforçar valores sociais vigentes.

Como prova da importância que a Educação Física adquiriu no contexto sóciopolítico deste período, a Constituição de 1937 faz, pela primeira vez na história do Brasil, referência direta a esta atividade. Neste sentido, o artigo 131 expressa-se nos seguintes termos:

4 Estas referências às origens dos modelos ginásticos, para além da simples localização geográfica,

indicam diferenças de orientação. Assim, a ginástica de origem alemã era fortemente marcada pelo caráter militar, pois havia sido sistematizada como instrumento de preparação para a guerra. Outra característica marcante desse tipo de ginástica era a presença de obstáculos artificiais, mais tarde denominados de aparelhos ginásticos. Já a ginástica de origem sueca apresentava como principal característica o fato de ser construída em bases científicas, a partir de análises anatômicas e fisiológicas. Possuía também uma forte identidade educacional, devida, sobretudo, ao seu combate aos vícios e aos defeitos posturais (cf. Oliveira, 1985; e Soares, 1994).

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a Educação Física, o ensino cívico e os trabalhos manuais, serão obrigatórios em todas as escolas, normais e secundárias, não podendo nenhuma escola de qualquer desses graus ser autorizada ou reconhecida sem que satisfaça àquela exigência. (apud Castellani Filho, 1988b: 80)

Assim, a Educação Física escolar tornou-se um dos espaços privilegiados para a efetivação dos princípios higienistas e militares, passando a transmitir para toda a população escolarizada o seu modelo de cidadão, qual seja, o soldado disciplinado, forte, sadio, submisso às ordens e resistente aos sacrifícios impostos.

No final dos anos 1950, a Educação Física escolar começa a incorporar outros elementos ao seu rol de atividades. Para além da ginástica, conteúdo dominante até então, passa a ser incisiva a inclusão de jogos e desportos em suas aulas. Isto, porém, não fez com que a fundamentação científica dessas atividades fosse modificada, uma vez que as concepções que matrizavam a Educação Física permaneciam basicamente no terreno biológico. O que parece sofrer alguma modificação é a figura do cidadão formado por esta atividade: no lugar do soldado, começa a ganhar prestígio a figura do atleta. Do mesmo modo que o soldado, ele deve ser forte, sadio, disciplinado etc. Mas, acima de tudo, ele deve ser competitivo.

Fruto dos novos tempos, a figura do atleta parece representar o conjunto de valores vividos no País pela entrada em um novo modelo de desenvolvimento econômico, onde a competição parece funcionar como a palavra chave. Assim, sem fugir à regra, a Educação Física parece se apresentar novamente como um instrumento a serviço da ordem social vigente.

Mais uma vez, demonstrando gozar de prestígio no cenário sociopolítico, a Educação Física mantém a sua obrigatoriedade legal no ensino primário e médio, através da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei no 4024, de

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1961). Tal obrigatoriedade permaneceu com a Lei no 5692 de 1971, e se expandiu, através do decreto no 69.450, de 1971, para todos os graus de ensino.

Apesar das mudanças na conjuntura política e da introdução de novas estratégias em sua prática pedagógica, a Educação Física manteve a tradicional fundamentação biologicista. No artigo 3o, parágrafo 1o, do Decreto 69.450, esta fundamentação teórica aparece de forma bem explícita, através da sistematização recomendada: “A aptidão física constitui referência fundamental para orientar o planejamento, controle e avaliação da Educação Física, desportiva e recreativa, no nível dos estabelecimentos de ensino” (apud Carmo, 1990: 9).

Sem questionar a quem se destinavam as suas atividades, em que condições elas se realizavam, em que tipo de sociedade se inscreviam, as sistematizações da Educação Física brasileira acabavam promovendo uma visão reducionista das atividades corporais. Uma visão que, ao não conseguir focalizar as determinações sociais de suas atividades e as conseqüentes implicações políticas, acabava por restringir o seu campo de imagem àquilo que é estritamente biológico.

Mesmo assim, nos anos 1970 a Educação Física passou por um grande processo de expansão. Apesar da manutenção daquela visão reducionista de homem em movimento, esta década foi o palco de fatos marcantes para a caracterização daquele fenômeno social. Primeiro, tem-se a expansão da obrigatoriedade da Educação Física escolar para todos os níveis de ensino; num segundo momento, surgem os programas governamentais de estímulo à prática de atividades corporais para toda a população (“Esporte Para Todos” e “Ruas de Lazer”); um terceiro fato marcante foi a explosão de cursos de graduação em Educação Física, passando de algumas poucas unidades para várias dezenas; em quarto lugar, mas não menos importante, tem-se o estímulo aos

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professores de Educação Física para a realização de cursos de pós-graduação e o convite a professores estrangeiros para ministrarem cursos de atualização.

Todos estes fatos acabaram contribuindo para aumentar a influência da Educação Física no cotidiano da população brasileira, mas também, e num caminho inverso, provocaram o surgimento de uma visão crítica sobre si mesma. No final dos anos 1970 e início dos 1980 iriam se reunir condições para que alguns autores desenvolvessem uma visão crítica dos princípios norteadores da Educação Física e de sua relação com a sociedade.

Nos anos 1980, a Educação Física parece querer voltar os olhos para outros horizontes. No entendimento de Oliveira (1994), por exemplo, este é o momento em que a Educação Física brasileira começa a se perceber como prática social. Segundo este autor, a produção bibliográfica deste período começa a manifestar alguma preocupação com as implicações políticas de seu agir pedagógico. Isto é, surgem vários trabalhos demonstrando que, por trás dos objetivos que a Educação Física se propunha atingir, bem como da fundamentação teórica que os sustentavam, havia interesses nem sempre explicitados — interesses quase sempre voltados para a manutenção e perpetuação da ordem social vigente.

Este novo olhar da Educação Física parece ter sido influenciado, segundo indicações de Oliveira (1994) e Resende (1994), por dois fatos. O primeiro foi a possibilidade de democratização do País, em face da abertura política da ditadura militar. O Brasil viveu então um momento de grande entusiasmo, onde dominava a crença na possibilidade de construção de um país mais justo; para isto se efetivar, era necessária uma crítica do passado, uma análise das forças que estavam em confronto no presente e, conseqüentemente, a construção de uma nova realidade.

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O segundo fato que parece ter contribuído para o surgimento de uma nova visão da Educação Física foi o ingresso de alguns professores em cursos de pós-graduação em Educação. Neste espaço, o profissional de Educação Física parece ter sentido a necessidade de fundamentar a sua prática em outros conhecimentos, que não apenas os de base biológica.

Assim, a conjugação destes dois fatores proporcionou à Educação Física a visualização do seu condicionamento histórico, de sua sujeição à ideologia burguesa e do reducionismo biológico sobre o qual se fundamentava.

Este período foi, então, marcado por uma série de críticas à Educação Física tradicional — ao reducionismo biológico, à disciplinarização, à pretensa neutralidade política do ato pedagógico, ao dualismo corpo/mente etc. — e pela necessidade de construção de novas propostas pedagógicas. No entanto, conforme se demonstrará no próximo tópico deste capítulo, as tentativas de construção de uma proposta pedagógica que fosse conseqüente, isto é, que superasse as críticas apontadas à Educação Física tradicional e ao mesmo tempo avançasse no engajamento pela construção de uma nova sociedade, não chegaram a se materializar nos anos 1980.

A análise da produção teórica deste período oferece indicações do estado do conhecimento em relação à Educação Física escolar brasileira e contribui para a elucidação dos caminhos a serem trilhados durante a década seguinte. Assim, dada a importância dos anos 1980 para o desenvolvimento da Educação Física brasileira, serão apresentados os resultados de alguns estudos no que tange ao surgimento e sistematização de novas idéias durante este período, bem como algumas de suas lacunas, de modo a focalizar de forma mais precisa o objeto do presente trabalho.

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1.5 - A Educação Física Escolar nos Anos 1980

Após realizar uma revisão histórica da Educação Física no Brasil, Castellani Filho (1988b) constatou a existência de três tendências em confronto no interior desta área. A primeira tendência, de traço dominante, constitui-se numa visão de base biológica, fortemente marcada pelo pensamento dos médicos, e que propõe o desenvolvimento da aptidão física como meio para a aquisição da saúde e aumento da produtividade. Fruto de uma visão estritamente biológica do ser humano, as atividades corporais são pensadas, dentro desta tendência, unicamente pelos efeitos de ordem fisiológica.

A segunda tendência, denominada pelo autor de “psicopedagogização da Educação Física”, possui uma concepção de criança, de homem e de escola que é abstrata e a-histórica, podendo ser classificada, juntamente com a anterior, como integrante da concepção acrítica da filosofia da educação. Infere-se, a partir destas indicações, que o autor quer fazer referência a todos aqueles trabalhos que se situam no marco do escolanovismo5, isto é, aquelas concepções que priorizam o desenvolvimento de relações interpessoais, objetivando a auto-estima e a integração no grupo. Assim, esta tendência, que aparentemente traz um certo avanço em relação à “biologização da Educação Física”, acaba caindo em outro tipo de reducionismo. Os seus representantes

5 O escolanovismo pode ser entendido como um movimento de caráter político-pedagógico que se opõe à

escola tradicional. Seus principais representantes — dentre eles pode-se destacar Dewey (1859-1952) e Montessori (1870-1952) — defendem uma postura mais ativa do aluno no processo educativo, ou seja, a auto-educação ao invés da imposição do ensino tradicional. No Brasil, este movimento ganha importância a partir da década de 1920. Mas, como bem lembra Resende (1994), a Educação Física parece ter passado ao largo deste movimento. Somente na década de 1980 é que alguns dos princípios escolanovistas foram por ela incorporados. Apesar da aparente mudança na forma de entender a educação, o discurso escolanovista escondia os mesmos fundamentos da escola tradicional, quando analisado em suas relações com o conjunto da sociedade. Por isso Saviani (1989) o situa no âmbito das teorias acríticas da educação.

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não conseguem ver que a Educação Física cumpre papéis históricos, determinados socialmente, e com isso acabam por propor a formação de um homem ideal sem qualquer vínculo com a ordem social dada.

Porém, Castellani Filho percebe a emergência de uma terceira tendência, que, respaldada pela concepção histórico-crítica de filosofia da educação, entende o homem como um ser eminentemente cultural e, por conseguinte, concebe o movimento humano tanto como produto cultural quanto como fator de cultura. Dessa forma, procura ir além das visões anteriores e trata as atividades corporais a partir dos seus determinantes sócio-antropológicos. Neste sentido, busca o desenvolvimento da consciência corporal, entendida como a capacidade de compreensão dos determinantes históricos que agem sobre o corpo humano, e o conseqüente engajamento na luta pela construção de um novo tempo. Apesar de não contar com a adesão de muitos profissionais, análises de conjuntura estariam apontando para a conquista de maior espaço por esta última tendência.

Infelizmente, o autor não ofereceu em toda a sua exposição sobre as tendências nenhuma referência explícita sobre os principais autores que as representam, o que dificulta bastante a identificação e o posicionamento do leitor.

Infere-se, a partir da leitura de Castellani Filho (1988b), que o pensamento contestador da tradição da Educação Física no Brasil constitui-se a partir das teorias pedagógicas sistematizadas e identificadas no interior da educação brasileira. Como foi visto, a incorporação desse referencial teórico teria sido facilitado pelo acesso de profissionais de Educação Física aos cursos de pós-graduação e também pelo momento histórico de abertura política e democratização vivido pelo País. Somando-se a esses

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fatores, o processo de formulação de uma nova Constituição parece ter contribuído para que a Educação Física começasse a ser pensada sob um novo prisma.

Bracht (1987), utilizando uma terminologia muito semelhante à empregada por Castellani Filho, aponta a existência de algumas visões no interior da Educação Física escolar brasileira, com as mesmas características descritas por este último. Pode-se dizer, no entanto, que Bracht avança em relação a Castellani Filho em dois pontos. Primeiro, porque em sua análise busca, para além das teorias pedagógicas, as fontes teóricas básicas de explicação dos fenômenos sociais. Assim, identifica aquelas tendências que no interior da Educação Física se identificam com os princípios da teoria estrutural-funcionalista da sociedade e aquelas que se apóiam numa teoria ou abordagem do conflito. A primeira estaria empenhada na manutenção da estrutura social capitalista, através da veiculação de valores e conhecimentos funcionais a esta ordem. Em torno da outra teoria reúnem-se aqueles que, a partir das contradições postas pela sociedade capitalista, buscam, através de estratégias pedagógicas, contribuir para a transformação dessa sociedade.

O segundo ponto em que Bracht avança está justamente na indicação de estratégias pedagógicas que contribuam para a consolidação de uma Educação Física fundamentada em novas bases6.

Assim, parece que nos anos 1980 uma nova Educação Física começa a se materializar, indo além da simples identificação de possibilidades teóricas — as quais já haviam sido levantadas, por exemplo, por Medina (1983) — e chegando à formulação das primeiras orientações metodológicas.

6 Esta observação, porém, merece ser matizada, já que não era objetivo do trabalho de Castellani Filho

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Ghiraldelli Jr. (1988) é outro autor que também faz uma revisão histórica da Educação Física brasileira e identifica a presença de várias tendências — todas mantendo uma visão acrítica em relação aos determinantes sociais. Procurando romper com esta situação, o autor desenvolve algumas sugestões para uma Educação Física comprometida com a construção de uma nova sociedade.

Anos mais tarde (1990), este mesmo autor iria chamar a atenção para o fato de que o grupo que se reunia em torno da idéia de uma Educação Física comprometida com a transformação social não era homogêneo. Ghiraldelli Jr. identifica, então, a presença de duas correntes de pensamento — os racionalistas e os anti-racionalistas. Para a primeira corrente, a Educação Física deveria agregar ao movimento corporal um discurso crítico de cunho sociológico, antropológico, político etc., de modo a permitir a identificação e explicação das ideologias presentes em cada atividade. Dessa forma, a aula de Educação Física seria uma aula sobre o movimento, ou então uma aula nas condições tradicionais, acrescida de um estudo crítico. Já os anti-racionalistas, por não confiarem na capacidade da razão e no pensamento analítico, acabam oferecendo uma outra saída para a sujeição da Educação Física aos desígnios da sociedade burguesa. Para estes, a Educação Física deveria oferecer condições para os alunos agirem livremente, na busca da felicidade e do prazer. Assim, de acordo com o autor, a aula de Educação Física acabava adquirindo um caráter espontaneísta.

Após apontar as falhas das duas correntes, Ghiraldelli Jr. (1990) afirma que somente a dialética materialista permite apanhar o movimento corporal humano em toda a sua concreticidade. Nessa direção, retoma e aprofunda as indicações feitas na obra anterior, buscando contribuir para a sistematização de uma Educação Física verdadeiramente progressista.

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Desse modo, o autor oferece indicações de que nos anos 1980 a Educação Física começa a ser percebida como um fenômeno social sujeito as determinações históricas e culturais. Além disso, demonstra também a necessidade de se fundamentar nas teorias sociais básicas, tanto para se conseguir uma explicação consistente sobre este fenômeno quanto para a elaboração de estratégias metodológicas coerentes.

Betti (1991) constata uma mudança de discurso na Educação Física brasileira durante os anos 1980. Chama porém a atenção para o fato de que esta mudança não repercutiu na prática pedagógica e credita este problema à natureza filosófico-ideológica das críticas sobre a visão tradicional da Educação Física. Esta abordagem filosófico-ideológica contribui, segundo o autor, para a identificação dos condicionantes sociais das atividades corporais, mas o faz de um ponto de vista muito geral, permitindo que sejam transferidas de uma forma mecânica características da sociedade para as atividades corporais.

Para avançar mais, Betti afirma ser necessária uma análise sociológica daquilo que é intrínseco à Educação Física: a relação professor-aluno-matéria de ensino. Nesse sentido, propõe-se a construir um modelo sociológico explicativo da Educação Física, baseado na Sociologia da Educação e na Sociologia do Esporte. Insatisfeito com o que denomina de “paradigmas sociológicos tradicionais” (1991: 15) — positivismo e marxismo — o autor busca fundamentação metodológica na teoria dos sistemas.

Apesar das críticas que podem ser feitas a algumas idéias assumidas por Betti neste trabalho7, há que se considerar como extremamente importante o fato de ter

7 1) O objetivo de analisar a Educação Física pelos seus condicionantes intrínsecos, de forma a evitar

transposições mecânicas de características da realidade social para as atividades corporais, levando em consideração suas especificidades, parece-me que deve ser contrabalançado pela criação que o autor faz de um modelo explicativo com categorias fixas, onde só cabe à realidade se encaixar em alguma destas. 2) A defesa que o autor faz da teoria dos sistemas, como supostamente superior às demais teorias

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analisado a Educação Física enquanto fenômeno social, utilizando para tal um referencial teórico de base sociológica, ao invés de se prender exclusivamente às teorias pedagógicas.

Resende (1994) descreve os anos 1980 como o momento em que surgem várias idéias alternativas à Educação Física tradicional (entendida como a defensora da desportivização e do biologicismo). Neste sentido, aponta para a existência de quatro correntes no cenário da Educação Física escolar brasileira. A primeira corrente traduz a força da tradição da Educação Física de base biologizante, que, apesar de todas as críticas sofridas durante este período, mantém o caráter dominante. À segunda corrente o autor vincula todos os trabalhos de cunho psicopedagogizante, inspirados nas teorias pedagógicas do escolanovismo8 (Oliveira, 1985; Taffarel, 1985; Le Boulch9; Silva10). Sob a designação de emergente, a terceira corrente é descrita como sendo fundamentada nos pressupostos da concepção histórico-crítica da educação e inserida num projeto de democratização da sociedade (Medina, 1983; Castellani Filho11; Carmo12; Ghiraldelli

clássicas, deixa passar em branco a herança que esta recebe de Durkheim e Weber (cf. Demo, 1987: 39-60; e Cuin & Gresle, 1994: 198). 3) O subterfúgio que encontra para se afastar dos “paradigmas sociológicos tradicionais” parece-me que se constitui num ledo engano, pois tanto a Sociologia da Educação quanto a Sociologia do Esporte podem estar fundamentadas em uma das grandes matrizes teórico-metodológicas clássicas.

8 Optamos por apresentar em nota de rodapé aquelas referências bibliográficas utilizadas pelos autores em

análise, e que não fazem parte de nossa bibliografia.

9 LE BOULCH, Jean (1987). Educação psicomotora: psicocinética na idade escolar. Porto Alegre: Artes

Médicas.

10 SILVA, João Batista Freire da (1989). Educação de corpo inteiro: teoria e prática da educação física.

São Paulo: Scipione.

11 CASTELLANI FILHO, Lino (1983). (Des)caracterização profissional filosófica da educação física.

Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas, 4 (3): 95-101.

12 CARMO, Apolônio Abadio do (1985). Competência técnica e compromisso político em busca de um

movimento simétrico. Uberlândia: UFUb.

CARMO, Apolônio Abadio do (1987). Educação Física: uma desordem para manter a ordem. In: OLIVEIRA, V. M. (Org.). Fundamentos pedagógicos educação física. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico. p. 41-47.

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Jr., 1988 e 1990; Coletivo de Autores, 1992). A quarta corrente representa aqueles que preconizam a desescolarização da Educação Física.

Assim, além da identificação das principais correntes de pensamento no interior da Educação Física brasileira, Resende (1994) aponta também para a necessidade de construção de novas sínteses pedagógicas, que representem uma superação em relação às perspectivas conservadoras. O autor reconhece a existência de uma obra pioneira em termos de proposição didático-metodológica dentro de uma perspectiva histórico-crítica — Coletivo de Autores, 1992. No entanto, tal obra não foi analisada pormenorizadamente por Resende, devido ao fato de não se constituir no foco de seu estudo naquele momento; o exame limitou-se à idéia de disciplina curricular defendida pelos autores. Buscando contribuir para a sistematização da Educação Física numa perspectiva superadora dos modelos tradicionais, o autor oferece então algumas linhas gerais de ação calcadas na concepção histórico-crítica da educação.

Oliveira (1994) inicia o seu trabalho constatando que a Educação Física brasileira nos anos 1980 começou a se perceber como prática social. Afirma que a influência médica e militar impedia que as atividades corporais fossem analisadas por suas implicações políticas, pensando-as como algo neutro. Dessa forma, a Educação Física adquiriu um caráter reprodutivista, contribuindo para a adaptação do cidadão à ordem social vigente. Esta Educação Física constitui-se, segundo o autor, dentro dos princípios da pedagogia do consenso — uma forma de pensar que não questiona a ordem social e que contribui, portanto, para a sua manutenção.

Percebendo indicativos em algumas obras dos anos 1980 da necessidade de transformação social, Oliveira (1994) parte, então, para uma análise da produção mais significativa deste período, na tentativa de verificar até que ponto foram incorporados

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princípios de uma pedagogia do conflito — entendida como uma forma de pensamento que contesta os valores da sociedade burguesa e procura contribuir para a criação de uma sociedade socialista.

A conclusão do autor é que as obras analisadas, apesar de apresentarem uma série de críticas às características conservadoras da Educação Física tradicional, avançaram pouco na construção de uma pedagogia do conflito. Em suas palavras, “apesar (...) [dos] avanços significativos em alguns textos analisados, pareceu-me ficar faltando o substantivo: o anúncio” (Oliveira, 1994: 184). Esta carência, segundo o autor, deve ser creditada, em parte, à falta de utilização de fontes primárias do pensamento social no tratamento dispensado a algumas temáticas.

Caparroz (1996), ao analisar a produção teórica dos anos 1980, constatou uma certa carência no entendimento da Educação Física enquanto componente curricular. Segundo o autor, a produção deste período dedicou uma grande atenção à Educação Física escolar, aplicando-lhe, entretanto, condicionantes econômicos, políticos e sociais de uma forma mecânica e reducionista (cf. pp. 11; 15; 17-18). Mesmo assim, Caparroz se propõe a realizar uma análise do conteúdo da produção teórica dos anos 1980 e início dos 1990, com o objetivo de identificar o entendimento dos autores sobre a trajetória histórica da Educação Física no currículo escolar e os elementos utilizados para justificar a sua existência como componente curricular.

Essa análise permitiu-lhe perceber que a Educação Física, ao ser pensada enquanto componente curricular, explicitava uma condição de marginalização no interior da escola. Segundo o autor, este entendimento é fruto das críticas que foram dirigidas ao passado utilitarista (diga-se, a serviço das instituições militar, médica e desportiva) e à falta de sintonia com uma educação crítica e libertadora. Na busca de

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saídas para esta situação, a produção teórica deste período apontou para a construção de uma identidade que justificasse a importância da Educação Física no currículo escolar.

De acordo com Caparroz (1996: 162-184), uma das saídas encontradas foi a tentativa de igualar a Educação Física às demais disciplinas do currículo, priorizando, então, o desenvolvimento cognitivo (p. ex.: Silva13). Outro recurso foi a utilização de justificativas generalizantes, onde a Educação Física assume para si tarefas da educação escolar como um todo. Em alguns momentos, estas tarefas — interação entre os indivíduos; atividades lúdicas e prazerosas; integração do desenvolvimento afetivo, cognitivo e motor — são defendidas como se outros componentes não pudessem assumi-las também (p. ex.: Daolio14; Oliveira, 1985; e Faria Júnior15).

Segundo o autor, uma outra saída defende a idéia de que “a Educação Física escolar só se materializará como educação na medida em que sua prática incorporar uma discussão política sobre os fatores sociais amplos” (Caparroz, 1996: 172), isto é, na medida em que conseguir tratar das questões sociais amplas a partir dos conteúdos. No âmbito desta perspectiva, que denomina de idealista, o autor identifica o trabalho de: Carmo16; Ferreira17; Coletivo de Autores (1992); e Grupo de Trabalho Pedagógico UFPe-UFSM (1991).

13 A referência completa encontra-se na nota de rodapé número 10.

14 DAOLIO, Jocimar (1986). A importância da educação física para o adolescente que trabalha: uma

abordagem psicológica. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas, 8 (1): 134-139.

15 FARIA JÚNIOR, Alfredo Gomes de (1985). Fundamentos pedagógicos: avaliação em educação física.

Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico (Cap. 3).

FARIA JÚNIOR, Alfredo Gomes de (1987). Didática da educação física: formulação de objetivos. Rio de Janeiro: Guanabara.

16 A referência completa encontra-se na nota de rodapé número 12.

17 FERREIRA, Vera Lucia (1984). Prática de educação física no 1° grau: modelo de reprodução ou

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A última saída oferecida pela produção teórica dos anos 1980, com relação às críticas ao passado utilitarista é, segundo Caparroz, uma tentativa de estabelecer a especificidade da Educação Física escolar (p. ex.: Soares, 1990; Bracht18; Tani et alii19; e Coletivo de Autores, 1992). O que confere esta especificidade é o fato de ter como objeto o movimento humano produzido culturalmente. O autor afirma também que tal perspectiva permite um significativo avanço no entendimento da Educação Física como componente curricular, sem, contudo, explicitar o sentido desta afirmação.

O resultado da análise empreendida por Caparroz sobre a produção teórica dos anos 1980 e início dos anos 1990, parece ter sido reflexo do seu ponto de partida, ou seja, a percepção de que a produção teórica deste período se orientou pela necessidade de superação de sua condição marginal no currículo. Assim, ele só pôde ver saídas argumentativas em prol de uma determinada identidade. No entanto, as indicações dos autores anteriormente apresentados (Castellani Filho, 1988b; Bracht, 1987; Ghiraldelli Jr., 1988 e 1990; Betti, 1991; Oliveira, 1994; e Resende, 1994) são no sentido de que a principal necessidade deste período era a construção de uma nova prática e, conseqüentemente, de uma fundamentação teórica diferente da que vinha sendo utilizada até então. É lógico que a questão da identidade não está ausente. Contudo, parece-nos que está subordinada à questão da prática pedagógica.

Em suma, o que fica claro com a revisão desses autores é que os anos 1980 realmente colocaram a possibilidade de construção de uma Educação Física diferente da que vinha sendo implementada até então. Esta observação, contudo, não quer

18 BRACHT, Valter (1989). Educação física: a busca de autonomia pedagógica. Revista da Educação

Física, Maringá, 1(0): 28-33.

19 TANI, Go et alii. (1988). Educação física escolar: fundamentos para uma abordagem

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afirmar, nem infirmar, que tal possibilidade já tivesse se materializado na prática pedagógica. Como bem vimos, é opinião de vários autores que esta materialização não ocorreu durante este período, deixando em aberto tal possibilidade para os anos 1990. Isto demanda a realização de estudos tanto da produção teórica dos últimos anos, quanto análises da prática pedagógica em si. Todavia, parece-nos que ainda estamos carecendo de maior maturidade em termos de referencial teórico-metodológico para a análise da prática. O que é comum são estudos em que a observação da prática é regulada pela quantificação de categorias previamente determinadas, onde o real é apenas enquadrado (p. ex.: Costa, 1987).

Por outro lado, o que é certo é que a possibilidade posta pelos anos 1980 colocou em ação uma série de esforços na tentativa de fundamentar teoricamente uma nova visão da Educação Física, bem como a de formular diretrizes metodológicas para o trato dos conteúdos no interior da escola. A referência aos anos 1980 não é uma referência a algo abstrato, fruto de forças ocultas, mas a uma situação histórica precisa, onde entram em jogo uma série de fatos. Dentre eles, pode-se destacar: expansão do ensino privado; aumento do número de cursos de Educação Física; inserção de professores de Educação Física em cursos de pós-graduação em Educação; abertura política da ditadura militar e processo de democratização da sociedade; elaboração da nova LDB; críticas à forma de ação pedagógica tradicional; e necessidade de fundamentação da Educação Física enquanto prática de origem sociocultural.

De todos estes fatos, a formulação da nova LDB parece ter marcado a Educação Física especialmente. A necessidade de justificar, fundamentar e manter a inclusão da Educação Física no currículo das escolas brasileiras dirigiu as atenções preferencialmente para a área escolar. Há que pensar também que esta questão surge no

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momento em que a Educação Física começa a fazer uma revisão crítica de sua história. Desse modo, parecem confluir tanto a percepção de que a Educação Física vinha sendo um instrumento a serviço da ordem social burguesa, quanto a sensação de ausência de argumentos teóricos que legitimassem a sua presença na escola.

Esse movimento em direção à Educação Física escolar foi influenciado essencialmente pelas teorias advindas da pedagogia (p. ex.: Oliveira, 1985; Taffarel, 1985; Costa, 1987; Castellani Filho, 1988b; Ghiraldelli Jr., 1988; Carmo, 1990; Soares, 1990; Grupo de Trabalho Pedagógico UFPe-UFSM, 1991; Betti, 1992; Bracht, 1992; Coletivo de Autores, 1992; Resende, 1994). Esta influência contribuiu para a visualização da Educação Física enquanto prática social. Mas, ao mesmo tempo, parece ter levado também a um certo fechamento do campo de visão. Ou melhor, as discussões em torno das teorias pedagógicas que fundamentavam a Educação Física nem sempre remetiam a um aprofundamento das teorias explicativas do ser social, isto é, das teorias sociais. Ora, uma característica determinante da Educação Física é a sua constituição social. Conforme já abordamos anteriormente, somente em sociedade, ou seja, em interação social, é que o homem se torna capaz de apreender do seu meio os valores, conhecimentos e habilidades relativos à cultura de movimentos corporais. Portanto, o pleno entendimento da Educação Física exige o emprego de um referencial teórico-metodológico que dê conta dos fenômenos sociais.

Não quero negar com isto a importância das teorias pedagógicas nas discussões acerca da Educação Física escolar. A questão é que tais teorias têm uma certa limitação para o pleno entendimento da Educação Física. As teorias pedagógicas ajudam muito na formulação de estratégias de ensino, mas deixam a desejar na leitura e explicação do

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objeto de ensino. Assim, somente uma teoria explicativa da constituição do ser social poderá dar conta da riqueza do fenômeno Educação Física.

Como descrevemos anteriormente, vários autores parecem ter sentido esta necessidade durante os anos 1980. Mas, por incrível que pareça, este tipo de entendimento ainda não é comum no interior da Educação Física brasileira. Ao que tudo indica, a força da tradição biologicista e tecnicista ainda se constitui num grande estorvo à inclusão desse tipo de conhecimento nos currículos de graduação. E, além disso, parece-me também que o pedagogismo criou um juízo de auto-suficiência, dificultando assim o aprofundamento de conhecimentos. A defesa e posterior aceitação, por exemplo, da Educação Física enquanto atividade educativa — em oposição à atividade de saúde —, parece ter produzido um sentimento de dever cumprido, de tarefa que não necessita de maiores investigações. O fato é que tais entendimentos têm dificultado o acesso às teorias sociais e, conseqüentemente, a realização de estudos de maior envergadura.

Por fim, cabe observar em relação aos anos 1980 que os esforços empreendidos para a sistematização de uma nova Educação Física fundamentaram-se em bases teóricas diferenciadas, o que deu origem ao surgimento de várias tendências. Ao contrário do que alguns podem imaginar, esta diversidade de concepções não é fruto de uma desintegração da Educação Física, mas sim uma forma de conhecimento historicamente situado, onde as contradições da realidade social desencadeiam diferentes posturas diante de si. Ou seja, o movimento não é das idéias; não são as concepções que conduzem a uma perda de identidade. É a própria realidade, contraditória em si, bem como a prática social que sobre ela se faz, que permitem o surgimento de diferentes representações. Assim, não há nada anormal no surgimento de

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várias tendências de pensamento no interior da Educação Física brasileira. O que se pode esperar desta diversidade de concepções é uma luta natural pela conquista de hegemonia.

Verifica-se, assim, que a Educação Física escolar teve um grande impulso durante os anos 1980, principalmente no que se refere à construção de novas propostas pedagógicas. Mas, como bem demonstra Oliveira (1994), as propostas que se vinculavam à criação de um novo projeto de sociedade ainda não se explicitaram suficientemente. Este fato parece estabelecer uma certa continuidade nas discussões em torno das propostas pedagógicas para os anos 1990.

No entanto, este período ainda não foi suficientemente analisado para fazermos qualquer tipo de afirmação sobre a continuidade ou ruptura com os anos 1980. O que se tem são algumas impressões, baseadas em alguns fatos, que podem ser refutadas ou confirmadas com a simples observação de outros fatos. Nesse sentido, sente-se um certo refluxo do pensamento crítico-social dirigido à Educação Física escolar. Observa-se, por exemplo, que: alguns autores anteriormente preocupados com as questões da Educação Física escolar começam a se voltar para outros campos; escolas particulares voltam a financiar os estudos de atletas, dando indicações de retorno à Educação Física tradicional, onde predominava o objetivo de formação de uma elite atlética; o número crescente de eventos sobre fitness e fisiologia do exercício apontam para um retorno às bases teóricas biologicistas. Parece-me que estes fatos estão diretamente relacionados aos desdobramentos do processo de constituição da sociedade brasileira — particularmente no que se refere ao estrangulamento dos serviços públicos de saúde, educação e cultura — e aos acontecimentos no campo socialista do leste europeu. Desse

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modo, teríamos de um lado um constrangimento do pensamento crítico e de outro a criação de obstáculos ao desenvolvimento e implementação de novas propostas.

Mas, por sua vez, temos nos anos 1990 o surgimento de alguns trabalhos que procuram sistematizar uma Educação Física crítica em relação ao modelo tradicional. São a estes trabalhos que pretendemos no próximo tópico dedicar algumas rápidas considerações.

1.6 - As Propostas Metodológicas para a Educação Física Escolar nos Anos 1990

Conforme já apontado anteriormente, nos anos 1980 criou-se uma grande expectativa em relação à sistematização de uma proposta metodológica que significasse a superação das críticas que se estabeleceram até então. Tal sistematização, dada a complexidade de sua constituição, não acontece de uma hora para a outra. É evidente que, durante os anos 1980, foram produzidas uma série de indicações pedagógicas, que procuravam romper tanto com a Educação Física tradicional quanto com as orientações de cunho escolanovista. Todavia, tais indicações nunca chegaram a se manifestar de uma forma orgânica, apresentando fundamentos para uma relação com o objeto de conhecimento, bem como para a avaliação deste processo, de modo a permitir a construção de uma visão concreta dos fenômenos vinculados à Educação Física. Ou seja, eram quase sempre indicações pontuais, sem muita articulação entre os componentes do processo de ensino-aprendizagem.

Parece-nos que este fato só pode ser explicado dentro do contexto histórico-cultural dos anos 1980. Ou seja, dada as primeiras inserções de profissionais de Educação Física nos cursos de pós-graduação em Educação e, também, a pouca

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familiaridade com as teorias advindas das ciências humanas e sociais, a produção teórica deste período parece ter-se posicionado entre a visualização dos determinantes históricos e sociais de seu objeto e a ausência de recursos teórico-metodológicos que permitissem o aprofundamento dos estudos sobre este mesmo objeto.

Assim, a carência teórico-metodológica e o encharcamento da visão com o discurso pedagógico parece ter dificultado a realização de uma síntese superadora durante os anos 1980. No entanto, no início dos anos 1990 surgem algumas obras pleiteando a realização de uma nova proposta para a Educação Física escolar.

Referimo-nos somente a algumas, por terem sido estas as obras de maior divulgação. Isto não impede que se observe a existência de muitas propostas elaboradas pelas equipes pedagógicas dos municípios da Federação. No entanto, dada a imensa quantidade de municípios e a pouca divulgação de tais trabalhos, optamos por trabalhar, nesta seção, somente com aquelas obras às quais o acesso é garantido. Incluímos nesta seção, entretanto, uma tese de livre-docência que, embora ainda não se constitua num material de ampla divulgação, tem seu conteúdo veiculado, em devidas proporções, através de artigos em revistas e livros.

A primeira obra data de 1991 e foi escrita pelo Grupo de Trabalho Pedagógico UFPe-UFSM, formado por professores dessas Universidades20, juntamente com o professor visitante alemão Dr. Reiner Hildebrandt. Este trabalho intitula-se Visão didática da educação física: análises críticas e exemplos práticos de aulas.

No entendimento de Kunz (1994), este livro significa uma versão brasileira de obra publicada originariamente na Alemanha e depois traduzida para o português com o

20 São eles: UFPe - Celi Nelza Zülke Taffarel, Eliane de Abreu Moraes, Mércia do Carmo Andrade,

Micheli Ortega Escobar e Vera Luza Lins Costa; UFSM - Amauri Aparecido Bássoli de Oliveira, Carlos Luiz Cardoso, Reiner Hildebrandt (professor visitante) e Wenceslau Virgílio Cardoso Leães Filho.

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título: Concepções abertas no ensino da Educação Física21. “Visão didática” representa, destarte, a força da influência do pensamento de professores visitantes alemães na constituição da Educação Física brasileira. Aliás, é de um outro professor visitante a observação de que a Educação Física brasileira possuía uma lacuna na sua literatura relativa às questões pedagógicas (cf. Dieckert, 1985: prefácio). Procurando preencher esta lacuna, foi traduzida uma série de livros do alemão, formando assim uma coleção, da qual faz parte a obra em apreço.

Partindo do entendimento de que a Educação Física se constitui num fato histórico-social, o grupo apresenta algumas questões pertinentes à organização institucional enquanto limitadora da interação social nas aulas; analisa algumas aulas no intuito de exemplificar a sua tese; e, por fim, apresenta alguns argumentos favoráveis às aulas abertas a experiências dos alunos, juntamente com uma proposta de trabalho prático.

A segunda obra foi publicada em 1992. Escrita pelo Coletivo de Autores22, seu título é: Metodologia do ensino de educação física.

O livro é desdobramento de um texto escrito por Castellani Filho (1988a), onde se apresentam algumas diretrizes para o ensino de Educação Física no 2o grau. Tal texto fez parte das estratégias de um projeto que, coordenado pela PUC-SP, objetivava a reformulação do currículo de formação de professores do 2o grau. Dado o interesse em

editar o conjunto dos textos produzidos pelo projeto, fez-se necessário a incorporação

21 HILDEBRANDT, Reiner et alii (1986). Concepções abertas no ensino da educação física. Rio de

Janeiro: Ao Livro Técnico.

22 Ao que tudo indica, o nome “Coletivo de Autores” foi adotado com o sentido de algo homogêneo, de

uma obra escrita a seis mãos, isto é, de um trabalho onde as idéias são comuns. Em verdade, este “Coletivo de Autores” é formado por Carmem Lúcia Soares, Celi Taffarel, Elisabeth Varjal, Lino Castellani Filho, Michele Escobar e Valter Bracht.

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das críticas a que foi submetido e, por conseguinte, a realização de um novo material. Esta tarefa foi, então, empreendida por um grupo de professores, já que, “pela sua complexidade, não era tarefa para uma só pessoa” (Coletivo de Autores, 1992: 11). Assim, o resultado deste empreendimento foi publicado dentro de uma coleção dedicada ao magistério de 2o grau. Porém, dada a amplitude de sua abordagem, o livro passou a ter como público-alvo professores de todos os níveis de ensino.

O livro está organizado em quatro capítulos, sendo o primeiro uma discussão em torno de duas grandes matrizes norteadoras do ensino de Educação Física — desenvolvimento da aptidão física e reflexão sobre a cultura corporal —, sendo que os autores fazem sua opção pela última. No segundo capítulo são apresentados alguns argumentos que historicamente vêm dando sustentação à Educação Física no currículo escolar, enquanto que no terceiro aparecem os conhecimentos que devem ser veiculados e a metodologia a ser utilizada. No último capítulo, o tema central é a avaliação do processo educativo.

A terceira obra é uma tese de livre-docência defendida por Helder Guerra de Resende, em 1992, na Universidade Gama Filho, cujo título é A educação física na perspectiva da cultura corporal: uma proposição didático-pedagógica. Como o próprio título indica, o objetivo do trabalho foi criar uma proposta didático-pedagógica para a Educação Física escolar, inspirada na cultura corporal que, conforme o entendimento do autor, se insere no contexto teórico da concepção histórico-crítica da educação.

Resende toma como ponto de partida o fato de a Educação Física constituir-se num componente curricular obrigatório nas escolas brasileiras e, em função disto, aponta a necessidade de seus profissionais possuírem clareza dos valores educacionais e sociais que orientam a prática pedagógica. Nesse sentido, procede a uma análise

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histórica das tendências pedagógicas da Educação Física escolar, dando especial atenção àquelas que se inseriram no processo de denúncia e crítica transformadora do modelo oficial. Constata então que os intelectuais ligados à perspectiva histórico-crítica da educação pouco contribuíram para a elaboração de diretrizes didático-pedagógicas que subsidiassem a prática do professor na escola. E, baseado nas idéias de Gramsci23, Freire24 e Saviani25, se propõe a construir uma ação didático-pedagógica que resulte na auto-realização, na autonomia, na liberdade e na emancipação cultural.

A última publicação que identificamos intitula-se Transformação didático-pedagógica do esporte, escrita por Kunz (1994). Da mesma forma que os dois livros anteriormente apresentados, esta obra tem o seu ponto de partida em outro texto. Segundo o próprio autor, a proposta constitui-se num desdobramento das bases teóricas anunciadas em Educação Física: ensino & mudanças26, à qual são incorporados os estudos em ciências da educação e na teoria crítica da sociedade, da Escola de Frankfurt.

O autor parte do pressuposto de que a educação deve formar crianças e jovens para a competência crítica e emancipadora e, com base nisto, procura contribuir para o avanço na reflexão/produção didático-pedagógica da Educação Física. Nesse sentido, o livro analisa a possibilidade de um novo ensino de esportes na escola. Assim, inicia apresentando justificativas para uma concepção crítico-emancipatória do ensino da

23 GRAMSCI, A. (1982). Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.

GRAMSCI, A. (1987). Concepção dialética da história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.

24 FREIRE, P. (1980). Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento de

Paulo Freire. São Paulo: Moraes.

25 SAVIANI, D. (1986). Educação: do senso comum à consciência filosófica. São Paulo: Cortez/Autores

Associados.

SAVIANI, D. (1989). Escola e democracia. São Paulo: Cortez/Autores Associados.

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Educação Física escolar, em seguida apresenta criticas ao esporte de rendimento e termina anunciando mudanças na concepção de ensino, de conteúdo e de método, bem como na ação pedagógica.

Estas são algumas rápidas características das obras mais conhecidas, em termos de proposição metodológica para a Educação Física escolar, até o presente momento.

Rápidas porque são os frutos de uma primeira impressão, de um contato imediato, de

uma visão das características mais aparentes, daquilo que está na superfície das propostas. São, portanto, características que qualquer leitura pode identificar.

Assim, uma das necessidades impostas por este momento histórico é a de uma análise mais profunda dessa produção teórica, de modo a permitir uma melhor compreensão da Educação Física brasileira nos anos 1990. Uma análise que, para além da mera descrição das principais características, possa contribuir para revelar a essência e as determinações mais profundas da visão de realidade inaugurada ou desenvolvida por tais propostas metodológicas.

Uma proposta metodológica parece representar o nível mais alto de produção teórica vinculada a um componente curricular, pois, como se supõe, ela deve manifestar, além de uma análise rigorosa da realidade, uma projeção, a partir do existente, de uma outra configuração para o real, bem como uma articulação coerente dos elementos que a compõem. Desse modo, uma proposta metodológica deve, em tese, estar ao mesmo tempo com um olho no que é e outro no que deve ser; o que exige, de uma análise, a busca de sua coerência ou de suas incongruências.

Uma das possibilidades de compreensão de tais propostas seria através da análise da prática pedagógica de seus adeptos; assim talvez fosse possível discutir a coerência e objetividade de suas formulações teóricas. Todavia, conforme já alertamos

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