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Resumo. Cesar Kuzma (R)

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Academic year: 2021

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Texto

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(T)

Crer no mundo de hoje: um estudo a partir

do método de Joseph Ratzinger (Bento XVI)

para explicar o “crer” em sua

obra Introdução ao Cristianismo

(I)

To believe in the present world: a study from of the

method by Joseph Ratzinger (Bento XVI) to explain the

“believing” in his work

Introduction to Christianity

(A)

Cesar Kuzma

Doutorando em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), professor de Teologia Sistemática e Teologia Pastoral na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Curitiba, PR - Brasil, e-mail: cesar.kuzma@pucpr.br

(R) Resumo

O artigo apresentado neste trabalho de pesquisa procura acentuar a questão do “crer” para o mundo de hoje. Pretende-se demonstrar com isso a importância da fé para a teologia e o modo como a teologia dialoga com o mundo atual. Utilizamos para isso as reflexões apresentadas pelo teólogo Joseph Ratzinger, hoje Bento XVI. O artigo está dividido em três partes: a primeira traz uma reflexão sobre o ser humano diante de Deus, colocando o dilema da dúvida e da fé; a segunda apresenta o caminho que pode ser feito da dúvida para a

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fé; por fim, a terceira nos mostra como que é crer no mundo de hoje, levando em conta o que foi apresentado nas duas etapas anteriores. Temos consciência de que o artigo não é uma resposta final para o tema em questão, mas aponta caminhos que podem ser observados pela teologia e pela fé cristã de um modo geral.

(P)

Palabras-chave: Crer. Fé. Teologia. Mundo atual. Joseph Ratzinger.

(B)

Abstract

The article presented in this research seeks to accentuate the question of the “believing” to the world today. The paper intends to demonstrate the importance of the faith to the theology and the way theology dialogs with the present world. For this, it utilizes the reflections presented by theologian Joseph Ratzinger, today Bento XVI. The article is divided in three parts: the first part brings a reflection about the human being before God, placing the doubt and faith dilemma; the second part shows the way that can be traced from the doubt to the faith; and in the end, the third part shows how it is believe in word today, taking on account what was presented in the two previous stages. We have conscience that the article is not a final answer to the thematic in question, but it indicates paths that can to be observed by theology and by the Christian faith, generally.

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Keywords: Believing. Faith. Theology. Present world. Joseph Ratzinger.

Introdução

O presente trabalho destina-se a refletir, de modo sistemático, em que consiste o crer dentro da obra Introdução ao Cristianismo de Joseph

Ratzinger (RATZINGER, 2005), hoje Bento XVI. Não se trata de um crer

em geral, mas do crer dentro do mundo de hoje, diante das vicissitudes

humanas presentes em todos. Nesse crer, o papel da teologia torna-se cada

vez mais importante, por apresentar uma fundamentação séria e convicta do que nos transcende. Optou-se, assim, por trazer um breve ensaio de

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parte de sua obra que coincida com essa questão,1 levando a caminhar

primeiramente a partir da situação atual em que se encontra o ser humano diante de Deus. O método que ele utiliza, mesmo compreendendo para isso o ser humano a partir da realidade, é o do conceito de fé e o que isto significa para o ser humano concreto. Parte, portanto, de uma visão teológica para dentro da realidade. Esse ser humano de que ele fala está no mundo, e a maneira como esse Deus é apresentado ao mundo e entendido por ele pode, em alguns casos, tornar-se um tanto estranha à realidade. Ele aponta que esse ser humano vive num dilema conflituoso entre a dúvida e a fé, que num segundo momento pode saltar definitivamente para a fé, a partir de uma experiência verdadeira, algo sem igual neste mundo. Por fim, a proposta de Ratzinger com essa obra é confrontar o que consiste a fé para o ser humano moderno, como ele pode crer e o que isto implica em sua vida concreta e em seu destino.

O ser humano diante de Deus: dúvida e fé

Logo no início, Ratzinger coloca que falar da fé cristã dentro do mundo de hoje leva o cristão a uma situação de estranheza com o mundo. Produz-se uma sensação de dúvida e fé. O modo como as coisas são experimentadas e a maneira como o ser humano se encontra e vê a sua realidade certamente foram transformados ao longo dos anos. O mesmo ocorre com a visão religiosa que ele tem e a sua relação consigo mesmo, com os outros e com Deus. Mas o que fazer com isso? Como levar a mensagem cristã, que é fonte de verdade, para um mundo que se vê às voltas com inúmeras outras “verdades”?

É aqui que ele coloca o lugar do teólogo na sociedade, como aquele que deve anunciar uma mensagem que seja capaz de levantar uma crítica e um discernimento para quem se destina. A teologia deve produzir algo, deve concretizar aquilo que transmite, para que não seja entendida apenas como uma filosofia, ou um modo de ver as coisas. Essa mensagem que o

1 A obra de Joseph Ratzinger (2005) aborda toda a questão do crer, refletida a partir do Símbolo Apostólico.

Ele aprofunda a noção do que consiste e o que implica na verdade a expressão eu creio. Porém, no presente trabalho será utilizada apenas a introdução do artigo, que ainda não entra no Símbolo, mas que reflete a situ-ação do ser humano atual diante da questão de Deus e, consequentemente, do seu crer. O que será exposto concentra-se propriamente nas páginas 31-44.

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teólogo traz (a teologia) não é algo elaborado por ele a partir de um contexto puramente seu, mas uma verdade revelada que é refletida e amadurecida por uma experiência de fé. Se a teologia não parte desse princípio (fé), ela perde o seu rumo e o seu foco.2 Ao fazer a comparação do teólogo com o

palhaço3 – texto de Kierkegaard, também contado por Harvey Cox –, ele

comenta da dificuldade que a teologia tem nos dias de hoje de apresentar um discurso capaz de desfazer alguns estereótipos de pensamentos muito bem consolidados na sociedade. Dentro dessa perspectiva, o teólogo tem uma grande causa ao se defrontar com o mundo atual e assumir que a teologia trata de um assunto da maior importância para a vida humana (RATZINGER, 2005, p. 31-32).

Sem dúvida, isso leva a um enfrentamento com o mundo, no qual se situam a dúvida e a fé. Ao se inserirem no mundo para levar sua mensagem, o cristão ou o teólogo veem-se confrontados num mundo diferente, num mundo com outras posturas e desejos, que faz com que se sintam diferentes, estranhos, “fora dos padrões” daquela sociedade. Em outras palavras, podem parecer-se com o “palhaço” citado anteriormente. Nesse caso, há o risco de um distanciamento do discurso, o que não é o propósito da fé cristã. No entanto, se ele se despir totalmente para encontrar-se com o mundo, aquela aproximação que pode ser feita pode também não ocorrer, pois periga perder algo essencial para a sua comunicação: a verdade de fé na qual se sustenta. Para o princípio bíblico da encarnação, despojar-se não é o mesmo que anular-se. Percebemos, então, que não basta despir-se, há que se confrontar com o mundo; para tal, faz-se necessária a verdade da fé. Apontamos aqui que o método de Ratzinger, proposto nesse livro, sempre leva a fé e a verdade que ela traz para um confronto com a realidade, não

2 Esse é um ponto básico para toda a teologia cristã, que reflete a partir da fé. Sem ela não se produz teologia,

porque perde o que lhe é essencial. Essa mesma abordagem – numa perspectiva metodológica – aparece na obra de Clodovis Boff sobre o método, que diz: “o que desperta a teologia é a fé e o espírito crente. Mas antes de qualquer determinação particular (visão, experiência, prática), a fé, em sua raiz mais profunda, é irrupção do ‘ser novo’, da ‘vida nova’. É novo nascimento. Numa palavra, fé significa ‘conversão’, como transforma-ção profunda do ser, como morte e ressurreitransforma-ção. Tal é a fé em sua unidade e globalidade: um novo modo de existir” (BOFF, 1999, p. 28).

3 Esta história que Ratzinger reproduz em seu livro conta sobre um palhaço que vai a uma vila mais próxima

para comunicar de um incêndio que se aproximava. Quando lá chegou para dar a notícia, os habitantes da vila não acreditaram que era verdade o que ele contava, pois viam o palhaço trajado com seu figurino e maquila-gem e entendiam como se fosse uma representação. Por mais que o palhaço se esforçasse, a verdade que ele trazia não era perceptível para aquelas pessoas. O trágico fim é que o fogo alcançou a vila e, como já era tarde, destruiu-a por completo (RATZINGER, 2005, p. 31).

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o contrário. Para ele, essa fé tem algo a dizer, e este algo é só ela que pode fazer. Nesse caso, a teologia tem um papel preponderante.

Aqui entra a questão do crer que ele apresenta neste livro. Esse crer

traz uma resposta da pessoa completa e dirige-se àquilo que é inatingível. Portanto, se a realidade interpela é porque exige da teologia uma resposta que deve ser dada dentro de um horizonte próprio da teologia, pois esta também a questiona. É aqui que entra o crer e o diferencial que este traz; o que não quer dizer que para crer não deva inculturar-se no mundo para um melhor empreendimento. Lembramos que esse crer é realizado dentro deste mundo e não fora, parte de uma experiência que leva o ser humano a uma visão transcendente da própria realidade. Porém, a teologia, alimentada pela fé que a produz, não é sua refém, mas se destina a algo além dela.

Sobre isso, diz Ratzinger:

Quem, na estranheza do empreendimento teológico dirigido aos homens de nosso tempo, levar a sério a sua missão, experimentará e reconhecerá não apenas a dificuldade de fazer-se entender, mas também a insegurança da sua própria fé e o poder aflitivo da incredulidade presente em sua própria vontade de crer (RATZINGER, 2005, p. 33).

Novamente estamos diante da dúvida e da fé que interpelam o ser humano diante de Deus. Não se trata apenas da dificuldade de se fazer entender, mas também da insegurança da própria fé; algo natural da condição humana, pois esse crer produzido pela fé lança-se ao que não se vê. Para responder a isso, Ratzinger aponta que existe no fiel, primeiramente, uma “ameaça da incerteza” (RATZINGER, 2005, p. 33); tudo aquilo que parecia certo e evidente torna-se frágil e obscurece-se na falta de algo concreto. Significa que, “num mundo aparentemente sólido e blindado, um ser humano se vê confrontado, de repente, com o abismo que se esconde debaixo da estrutura firme das convenções que nos sustentam” (RATZINGER, 2005, p. 33). Nessa relação entre o ser humano e o mundo não está em jogo apenas

parte dessa fé, mas o todo dessa fé. Essa fé, que pela experiência parece ser

sólida, vê-se às voltas com um abismo que a questiona.

Segundo Ratzinger, o mesmo ocorre com o não crente, que está sempre ameaçado pela pergunta: “será que a verdadeira realidade não está na fé e no que ela proclama?” (RATZINGER, 2005, p. 35). Portanto, há também do outro lado uma insegurança, uma incerteza. Essa sensação

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faz parte do dilema humano e da forma como ele se relaciona consigo mesmo, com o mundo, com os outros e com o seu transcendente – para o que crê, Deus. Dentro desse contexto não existe uma fuga, mas um enfrentamento: “Quem quiser fugir das incertezas da fé terá de suportar as incertezas da ausência de fé e nunca poderá dizer com certeza definitiva que a fé não é a verdade. Só na recusa da fé se revela a sua incredulidade” (RATZINGER, 2005, p. 35-36). Porém, Ratzinger alerta que para ambos resta-lhes o assombro da palavra “talvez”, pela qual nenhum pode fugir totalmente da dúvida. Ela pode ser a alternativa para continuar como um não crente ou um desafio para aquele que decide continuar no caminho do crer (RATZINGER, 2005, p. 36-37).

Da dúvida para a fé

Dentro desse dilema humano, Ratzinger coloca a dificuldade em entender o que está por trás da afirmação “creio”. Se este crer é recheado de dúvidas e incertezas, até que ponto isso se trata de uma afirmação sólida e verdadeira. Ele parte da pergunta: o que significa esse “creio” nas condições da nossa existência atual e do nosso posicionamento diante da realidade? (RATZINGER, 2005, p. 37).

Para ele, esse crer deve envolver toda a pessoa, deve trazer uma resposta da fé na sua totalidade. Aí sim será possível compreender como um caminhar da dúvida para a fé. Caso contrário, a dúvida – que de certa forma sempre estará um tanto presente – terá maior força e domínio. O problema é que na condição humana Deus é visto por um abismo, como algo que nos separa. Deus é entendido como o invisível, distante, que se encontra fora do nosso campo visual (RATZINGER, 2005, p. 39). O ser humano, ao contrário, é o ser que vê, é limitado pelo espaço daquilo que ele pode ver e tocar. Neste universo visível e tocável Deus não está. Essa compreensão vem já do Antigo Testamento, que colocava Deus para além da realidade que era apresentada, visível e tocável. Porém, a grande novidade que traz a fé cristã é que este inatingível se torna tangível, porque se revela como algo indispensável à nossa existência (RATZINGER, 2005, p. 39).

É aqui que entra a fé, que se produz como conversão a essa resposta. A dúvida que sempre persiste deixa espaço para a certeza. Não para uma certeza visível e palpável, mas para uma certeza que traz o ser

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humano para dentro de si mesmo e o faz experimentar aquilo que não se vê. É o que já aparece na Carta aos Hebreus: “A fé é garantia antecipada do que se espera, a prova de realidades que não se veem” (Hb 11,1). Assim, se ficamos apenas com o que vemos, a fé torna-se dispensável e inexistente. Mas não, ela exige do ser humano algo a mais, produz nele essa força, esse voltar para dentro de si, um despertar para outra e nova realidade. Essa sim é uma força capaz de transformar, pois mexeu no mais íntimo do coração humano e o provocou a uma resposta. Não é algo mágico, mas um esforço de todo dia; só a partir de uma verdadeira experiência é que se pode entender o que de fato significa dizer “eu creio” (RATZINGER, 2005, p. 40).

Ratzinger vê essa ruptura da dúvida e da fé como um salto arriscado, porque representa um risco de aceitar uma realidade que não é visível ou palpável. Ele diz:

A fé nunca foi simplesmente uma atitude que descesse de forma automática ao desnível da existência humana; ela foi sempre uma decisão que envolve toda a profundeza da existência, exigindo sempre uma virada do ser humano condicionada por uma decisão (RATZINGER, 2005, p. 40).

Todavia, não se trata de uma decisão que acontece facilmente na vida de uma pessoa, mas que vai sendo construída e fortalecida a cada instante. É por isso que essa fé sempre trará também um alicerce da razão, para fundamentar. E aqui é um ponto que João Paulo II tratou na sua encíclica Fides et ratio: “Foi Deus quem colocou no coração do ser humano o

desejo de conhecer a verdade e de conhecer a Ele, para que, conhecendo-o e amando-o, possa chegar também à verdade plena sobre si próprio” (JOÃO PAULO II, 1998, p. 5). Reafirma aqui a ação primária sempre de Deus e do ser humano como uma ação resposta, mas decorrente da graça que o envolve. Com isso, também continua dizendo que “impelido pelo desejo de descobrir a verdade última da existência, o ser humano procura adquirir aqueles conhecimentos universais que lhe permitam uma melhor compreensão de si mesmo e progredir na sua realização” (JOÃO PAULO II, 1998, p. 8). Isso leva a fé cristã para um patamar alto na teologia, pois ela é a base de todo o seu conteúdo. Essa fé, reproduzida do ser humano a partir de sua experiência única e irrepetível, produz uma sensação de encontro com esse Deus que pela fé torna-se perceptível, conhecido e amado. Eis aí um grande desafio para a fé cristã na atualidade, que em meio a um mundo de dúvidas e incertezas deve levar a sua verdade, sendo esta capaz de despertar

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nos demais algo novo e encantador. Se a teologia, como interlocutora da fé, não produz esse impacto esperado, ela perde o seu papel. É o que defende Ratzinger, ao acentuar a fé e, principalmente, a experiência da fé, que envolve o mais profundo da existência humana e produz nela uma decisão. No entanto, ela se confronta com a realidade, com o dilema do crer no mundo de hoje, certamente mais desafiador.

O crer no mundo de hoje

A grande pergunta que aqui é proposta é a seguinte: ainda somos capazes de ter fé? No que ela se sustenta para responder às interpelações do mundo atual, para o que ela se destina? A grande questão levantada pelo autor é que a fé sempre está ligada à tradição, ela sempre tem um terreno que aparece como elemento protetor, no qual ela se sustenta. O fato é que esse elemento está em crise no mundo atual. Não há uma permanência, tudo é mutável e passageiro. Logo, o ser humano não se encontra mais em determinado lugar, mas sim no espaço entre o progresso e o futuro, entre aquilo que acabou de ser e o que pode vir a ser, mas nunca como algo

definitivo (RATZINGER, 2005, p. 40-41).

Desse modo, fica difícil identificar o ser humano atual com o conceito de fé, porque se para ele nada é definitivo, nada é real, o discurso torna-se mais distante de sua realidade, que podemos questionar se é real ou não. Portanto, a grande novidade trazida pela fé cristã, por meio do mistério de Jesus Cristo, torna-se fundamental para o mundo de hoje. Em Jesus Cristo podemos rever o nosso conceito de Deus distante, invisível, como um abismo, porque nele tudo se fez diferente. Em Jesus Cristo tudo aquilo que era distante se tornou próximo, o que era invisível tornou-se visível (Cl 1,1). Esse é o escândalo e a novidade da fé cristã, que não se preocupa apenas com o eterno, antes ela tem a ver com o Deus que está dentro da história, o Deus que se fez humano (RATZINGER, 2007).4 Vence-se aqui o abismo, agora o eterno aparece

também como temporal, como um de nós, a fé apresenta-se como revelação (RATZINGER, 2005, p. 42). Para a fé cristã, “o intocável tornou-se tocável e o distante tornou-se próximo” (RATZINGER, 2005, p. 59).

4 Uma breve reflexão atual sobre a cristologia de Ratzinger, embora a obra não traga um tratado completo,

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Porém, a novidade apresentada por Jesus de Nazaré não deve ser vista como um elemento que tenha a intenção de fixar o ser humano em um determinado momento da história. Não! Esse momento – único e salvífico – refaz toda a existência humana, a ponto desta questionar-se sobre si mesma e sua visão do mundo. Entra aqui novamente a questão da palavra “talvez”, que vimos anteriormente. Este talvez questiona o

cristão (o que crê) como também o não cristão (o que não crê). O que vai fazer prevalecer um lado ou outro é a capacidade do cristianismo atual de incomodar e de ser incomodado. Esse incômodo perpassa por ambos, pois o mesmo ocorreu com Jesus de Nazaré. O modo como esse homem de Nazaré percorreu o seu caminho deve servir de sinal para nós hoje, diante dos problemas atuais. A fé cristã não é saudosista, mas é puramente esperança (BENTO XVI, 2007, p. 4).5 A visão de cristianismo

produzida pela fé deve ser uma visão que traga incômodo ao mundo, que o questione, porque tem algo importante para dizer que, como falamos antes, só ele pode expor.

É por isso que trazer para a discussão teológica um tema como o crer traz consigo uma imensa responsabilidade naquilo que ele implica.

Refletir sobre o crer no mundo de hoje é falar do que há de mais íntimo no ser humano, na medida em que este, por meio de sua experiência de fé, entra em contato com Deus. Tal situação suscitará nele uma verdade que é, muitas vezes, a única força capaz de fazê-lo transcender para outro horizonte. Tal fé, quando fundamentada e refletida, lança para nós alguns desafios imediatos: primeiro por ser uma virtude importante do cristianismo que, quando aliada à esperança e à caridade, formam o conjunto das três virtudes teologais (1Cor 13,13); em segundo lugar, é uma temática audaciosa para a teologia hodierna, que se depara atualmente com uma sociedade que insiste, muitas vezes, em se sustentar num mundo sem fé, sem esperança e sem amor, de maneira alienada e ofuscada diante das luzes da contemporaneidade.

Essas luzes que mencionamos correspondem respectivamente a diversos fatores atuais (culturais, sociais, políticos e religiosos) que permeiam todo o mundo contemporâneo e dificultam um discurso teológico que aponte para um futuro novo.6 Frisa-se aqui futuro novo porque a teologia na

5 Ver também MOLTMANN, 2005. 6 Indica-se LIBANIO, 1992.

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sua essência ousa especular para algo além da realidade apresentada, cujos discursos não alcançam significativamente: “O que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram e o coração do homem não percebeu, tudo o que Deus preparou para os que o amam” (1Cor 2,9).

Diante de situações assim, o discurso teológico necessita,

urgentemente, de maior solidez e firmeza naquilo que se propõe. Não pode ser

algo vazio ou sem perspectiva, nem mesmo mera repetição. Ao contrário, deve impulsionar a fé para dentro da realidade a ponto de dar testemunho convicto da sua verdade, mesmo que o mundo e a sociedade atuais afirmem que ela é algo supérfluo ou desnecessário. Na verdade, solidez e firmeza no discurso são características que pede a teologia e é a isso que ela se propõe. Como nos diz Clodovis Boff: “A pessoa de fé quer naturalmente saber o que é mesmo aquilo que acredita, se é verdade ou não. Quer saber também o que implica tudo aquilo em sua vida concreta e em seu destino” (BOFF, 1999, p. 25). Concluindo com Ratzinger: “Só a verdade é o fundamento adequado em que o ser humano pode firmar-se” (RATZINGER, 2005, p. 57). E a verdade cristã só é encontrada pela fé.

Conclusão

Ao refletir neste trabalho sobre o crer no mundo de hoje, por meio da obra Introdução ao Cristianismo, de Joseph Ratzinger, decidimos por

destacar também a metodologia que ele utiliza na qual a fé tem total primazia. Ele parte do conceito teológico para a realidade. Não é a realidade que questiona a fé, mas a fé que questiona esta realidade, pois é o fundamento no qual o ser humano sente firmeza e segurança. Para ele, essa fé é o ato do ser humano firmar-se na realidade como um todo, sem que esse ato seja redutível apenas ao conhecimento. É o que traz sentido a ele, sem o que não teria razão a própria existência. Refletir esse dilema é o que se propõe a obra de Ratzinger por meio das Preleções sobre o Símbolo Apostólico, em que o ser humano confronta-se com o verdadeiro sentido do verbo

crer. O que é crer? O que é ter fé? Para ele, é uma resposta que está dentro

do próprio ser humano, no mais íntimo de seu ser, onde só Deus pode lhe mostrar a verdade sobre si mesmo.

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Referências

BENTO XVI. Spes salvi. São Paulo: Paulinas, 2007.

BOFF, C. Teoria do método teológico. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1999.

JOÃO PAULO II. Fides et ratio. São Paulo: Paulinas, 1998.

LIBANIO, J. B. Teologia da revelação a partir da modernidade. São Paulo:

Loyola, 1992.

MOLTMANN, J. Teologia da esperança: estudos sobre os fundamentos e as

conseqüências de uma escatologia cristã. São Paulo: Loyola, 2005.

RATZINGER, J. (Bento XVI). Introdução ao Cristianismo: preleções sobre o Símbolo Apostólico com um novo ensaio introdutório. São Paulo: Loyola, 2005.

______. Jesus de Nazaré. São Paulo: Planeta, 2007.

Recebido: 12/03/2010 Received: 03/12/2010 Aprovado: 25/05/2010

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