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CLARABOIA. Revista do Curso de letras e do Mestrado Profissional em Letras PROFLETRAS - da UENP ISSN:

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Academic year: 2021

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CLARABOIA

Revista do Curso de letras e do

Mestrado Profissional em Letras – PROFLETRAS - da

UENP

V. 5 – jan./jun. 2016

ISSN: 2357-9234

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REVISTA CLARABOIA

Universidade Estadual do Norte do Paraná

Câmpus de Cornélio Procópio e câmpus de Jacarezinho Centro de Letras, Comunicação e Artes (CLCA)

Rua Padre melo, 1200 – Jardim Marimar Jacarezinho – PR – CEP 86400-000 – BRASIL

Tel.: +55 (43) 3525-1640 Site: http: www.uenp.edu.br/claraboia

e-mail: claraboia@uenp.edu.br

Diretórios

Diretório de Políticas de Acesso Aberto das Revistas Científicas Brasileiras - Diadorim

- IBICT -Latindex

Periódico licenciado no Creative Commons

Capa- ilustração Stanis David Lacowicz

FICHA CATALOGRÁFICA

Claraboia: Revista do Curso de Letras e do Mestrado Profissional em Letras – PROFLETRAS - da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP)

Volume 5 (janeiro/junho 2016) Jacarezinho, 2016.

Periodicidade: semestral

1. Linguística e Literatura – Periódico. 1. Centro de Letras, Comunicação de Artes da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP).

As ideias emitidas nos artigos são de inteira responsabilidade de seus autores. É permitida a reprodução dos artigos desde que seja citada a fonte.

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Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP) Reitora: Fátima Aparecida da Cruz Padoan

Centro de Letras, Comunicação e Artes – câmpus Cornélio Procópio Diretor: Thiago Alves Valente

Centro de Letras, Comunicação e Artes – câmpus Jacarezinho Diretora: Luciana Brito

Editores

Ana Paula Franco Nobile Brandileone (UENP-CP) Eliana Merlin Deganutti de Barros (UENP-CP)

Luciana Brito (UENP-CJ)

Marilúcia dos Santos Domingos Striquer (UENP-CJ)

Conselho Editorial

Dra. Adenize Aparecida Franco, Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO), campus Guarapuava/PR

Dr. Alvaro Santos Simões Junior, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Assis/SP.

Dr. Carlos Eduardo Mendes de Moraes, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Assis/SP.

Dra. Cláudia Consuelo Amigo Pino, Universidade Estadual de São Paulo (USP), São Paulo/SP.

Dr. Clecio Santos Bunzen Júnior, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Campus Guarulhos/SP.

Dr. Fernando Moreno da Silva, Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP), campus Jacarezinho/PR.

Dr. Frederico Augusto Garcia Fernandes, Universidade Estadual de Londrina (UEL), Londrina/PR.

Dr. Ivan Marcos Ribeiro, Universidade Federal de Uberlância (UFU), Uberlândia/MG. Dr. João Carlos Cattelan, Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), campus Cascavel/PR.

Dra. Maria Cristina de Almeida Mello, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Coimbra/Portugual

Dra. Maria de Lourdes Rodrigues Morgado Sampaio, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Porto/Portugal

Dr. Mauro Nicola Póvoas, Universidade Federal do Rio Grande (FURG), campus Carreiros, Rio Grande/RS.

Dr. Núbio Delanne Ferraz Mafra, Universidade Estadual de Londrina (UEL), Londrina/PR.

Dra. Patrícia Peterle Figueiredo Santurbano, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis/SC.

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Dr. Renilson José Menegassi, Universidade Estadual de Maringá (UEM), Maringá/PR. Dr. Rildo José Cosson Mota, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte/MG.

Dra. Rosângela Hammes Rodrigues, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis/SC.

Dr. Sebastião Elias Milani, Universidade Federal de Goiás (UFG), Goiânia/GO.

Dra. Silmara Cristina Dela da Silva, Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói/RJ

Conselho Científico

Dr. Altamir Botoso, Universidade de Marília (UNIMAR), Marília/SP, Brasil

Dra. Ana Paula Marques Beato Canato, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro/RJ.

Dra. Andreia Nogueira Hernandes, Universidade Paulista (UNIP), Assis/SP., Brasil Dr. Artarxerxes Tiago Tácito Modesto, Faculdade do Litoral Sul Paulista (FALS), Guarujá/SP.

Dra. Cássia Regina Tomanin, Universidade do Estado do Moto Grosso (UNEMAT), Sinop/MT.

Dra. Cláudia Lopes Nascimento Saito, Universidade Estadual de Londrina (UEL), Londrina/PR.

Dra. Denize Gabriel Witzel, Universidade Estadual do Centro Oeste (UNICENTRO), campus Guarapuava/PR.

Dra. Dóris Nátia Cavallari, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo/SP.

Dr. Eduardo Tadeu Roque Amaral, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte/MG.

Dra. Eliza Adriana Sheuer Nantes, Universidade Norte do Paraná (UNOPAR), Londrina/PR.

Me. Enrique Vetterli Nuesch, Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), Apucarana/PR.

Dra. Fernanda Aparecida Ribeiro, Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL), Alfenas/MG.

Dr. Francisco Carlos Fogaça, Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba/PR. Dr. Geraldo Vicente Martins, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Campo Grande/MS.

Dra. Gladys Plens de Quevedo Pereira Camargo, Universidade de Brasília (UNB), Brasília/DF.

Me. Guido de Oliveira Carvalho, Universidade Estadual de Goiás (UEG), campus Inhumas/GO.

Dr. João Nilson Pereira de Alencar, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Dra. Josalba Fabiana Santos, Universidade Federal de Sergipe (UFS), São Cristóvão/SE.

Dra. Juliana Casarotti Ferreira, Faculdade de Tecnologia de Presidente Prudente (FATEC), Presidente Prudente/SP.

Dra. Juliana Bevilacqua Maioli, Fundação Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Porto Velho/RO.

Dra. Juliana Cristina Bonilha Nunes, Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia do Sul de Minas Gerais (IFSULDEMINAS), campus Muzambinho/MG.

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Dra. Juliana Santini, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Araraquara/SP.

Dra. Juliene Lopes Ribeiro Pedrosa, Universidade Federal da Paraíba (UFPB), João Pessoa/PB.

Dra. Keli Cristina Pacheco, Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Ponta Grossa/PR.

Dra. Luciane Braz Perez Mincoff, Universidade Estadual de Maringá (UEM), Maringá/PR., Brasil

Dra. Luciane Schroder, Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), campus Cascavel/PR.

Me. Luiz Antônio Xavier Dias, Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP), campus Jacarezinho/PR.

Dr. Marcelo Machado Martins, Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Recife/PE.

Dra. Marcela Verônica da Silva, Universidade Vale do Rio Verde (Unincor), campus Três Corações-MG.

Dra. Márcia Cristina Grego Ohuschi, Universidade Federal do Pará (UFPA), campus Castanhal/PA.

Dr. Marcio Matiassi Cantarin, Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), campus Curitiba/PR.

Dra. Maria Aparecida Garcia Lopes Rossi, Universidade de Taubaté (UNITAU), Taubaté/SP.

Dra. Marilene Weinhardt, Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba/PR. Dra. Marília Lima Pimentel, Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Porto Velho/RO.

Me. Mirielly Ferraça, Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP), campus Jacarezinho

Dr. Neil Armstrong Franco Oliveira, Universidade Estadual de Maringá (UEM), Maringá/PR.

Dr. Paulo Mosânio Teixeira Duarte, Universidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza/CE.

Me. Rafaela Stopa, Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP), campus Jacarezinho/PR.

Me. Raquel Gamero, Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP), campus Cornélio Procópio/PR.

Dr. Ricardo Magalhães Bulhões, Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), Campo Grande/MS.

Dra. Sílvia Maria Azevedo, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Assis/SP.

Dra. Telma Maciel Silva, Universidade Estadual de Londrina (UEL), Londrina/PR. Dr. Wander Melo Miranda, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte/MG.

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Apresentação

O volume 5, número 1 da Claraboia - Revista do Curso de Letras e do Mestrado Profissional em Letras – PROFLETRAS - da UENP - apresenta aos seus leitores uma coletânea cuja diversidade temática contempla artigos, dispostos em ordem alfabética de título, subjacentes à área dos Estudos Literários em seus mais diferentes ramos.

Voltados para os mais diversos segmentos teóricos, este volume apresenta artigos que circulam amplamente pela área dos estudos literários, cujo escopo vai desde a literatura brasileira a outras literaturas vernáculas, de diversos períodos e correntes estéticas. Assim, temos artigos sobre a obra de Machado de Assis, como Dom Casmurro ou o conto "Luís Soares", em pleno realismo brasileiro, ou ainda os textos clássicos de Helena, de Eurípedes, ou Elogio de Helena, de Górgias. A questão do significante na obra literária surge através do cotejo da prosa experimental de Finnegans Wake, de James Joyce, do texto poético e semiótico de Galáxias, de Haroldo de Campos, e alguns poemas esparsos de Paulo Leminski. A questão da representação do feminino é tematizada através da análise das obras O guarani, de José de Alencar, do já citado romance de Machado, Dom Casmurro, e do romance contemporâneo de Domício Proença Filho, Capitu - Memórias póstumas. Outra questão de gênero, a partir da análise do feminino e da sociedade patriarcal, parte do regionalismo mágico de Guimarães Rosa, em Grande sertão: veredas. O dialogismo literário apresenta-se através de Um lugar ao sol, de Érico Veríssimo, encerrando com as questões de polifonia e voz na obra O idiota, de Fiodor Dostoiévski.

Os artigos, arrolados de acordo com a ordem alfabética de títulos, principiam o texto elaborado a partir da teoria de "estratégias de contenção", de Fredric Jameson, de autoria da pesquisadora Maylan Esteves (UFSCAR), intitulado "As estratégias de contenção de 'Luís Soares'", propõe apresentar a relação entre Luís Soares – protagonista de um conto de idêntico nome de Machado de Assis – e a decadente aristocracia carioca do começo do século XIX, com o objetivo de analisar a crise nos meios de manutenção aristocrata, aliada aos casamentos por interesse a heranças.

Já o artigo intitulado "A figura de Helena em Eurípedes e em Górgias - contrapontos", de autoria do pesquisador Fernando Crespim Zorrer da Silva (UFES), tem como objetivo estudar um personagem icônico da literatura grega que, apesar das críticas, ainda é considerado paradigmático para constituição da literatura ocidental. O autor propõe, para este fim, contrapor duas obras de áreas do conhecimento distintas, isto é, Helena de Eurípides e o Elogio de Helena, de Górgias. O texto dramático sugere que a personagem não foi para Tróia e nem traiu o marido; apresenta igualmente outros traços da personagem que o dramaturgo não mencionou em outras tragédias. Já o texto filosófico considera do viés da inocência de Helena, partindo em sua defesa, sem por em questão os motivos que a conduziram a ir a Tróia junto com Páris.

Pautado nas teorias dialógicas de Mikhail Bakhtin (1990) e na crítica e teoria literária de Umberto Eco (1968), o artigo intitulado "A multiplicidade em 'Um lugar ao sol', de Érico Veríssimo", de autoria da pesquisadora Mariana Mansano Casoni (UNESP), propõe uma análise das múltiplas vozes presentes no romance Um lugar ao sol (1936), de Érico Veríssimo, obra que, segundo a autora, é fundamental para a compreensão tanto da estética quanto do discurso da narrativa contemporânea brasileira, particularmente da estrutura da obra do escritor gaúcho. Portanto, segundo a autora, a literatura torna-se um objeto em discussão através das vozes das personagens, bem como um pretexto para refletir sobre sua importância.

Por outro lado, partindo das teorias literárias de representação do feminino, no artigo intitulado "A personagem feminina na literatura brasileira romântica, realista e contemporânea", de autoria dos pesquisadores Josiele Kminski Corso, Cleiser Schenatto Langaro e Stefany Silva do Nascimento (UNIOESTE), propõe um estudo acerca de três obras cronológica e esteticamente pertencentes a três períodos literários que demonstram, em suas construções narrativas, a gradativa transformação da representação da personagem feminina em termos narratológicos, evidenciando assim marcas expressivas de mudanças, progressos históricos e sociais acerca da posição e voz da

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mulher. Os autores, para alcançar tal fim, selecionam, para a análise interpretativa, as seguintes obras, em suas respectivas edições: O Guarani (2006), de José de Alencar; Dom Casmurro (1994), de Machado de Assis; e Capitu – Memórias Póstumas (1998), de Domício Proença Filho, respectivamente pertencentes ao Romantismo; Realismo e Período Contemporâneo (ou Pós-Modernista). Desse modo, os autores tiveram como objetivo precípuo destacar importantes aspectos nas narrativas que efetivamente demonstram as diferentes características no comportamento feminino ao longo de tempo. Para fundamentar a análise, utilizam como aporte e fundamentação as teorias de Bosi (1994), Brait (1985), Cadermatori (1987), Campestrini (1976), Candido (1976, 1998 e 2006), Chaui (2008), Chavez (1988), Franchetto (1981), Koch (2008), Kothe (1987), Luchesi (1998), Perrone-Moisés (1978), Perrone-Moisés (1995), Priore (2008), Proença Filho (1989 e 1995), Samoyault (2008), Sant’Anna (1990), Schuprejer (2008) e Sodré (1976).

Seguindo outra vez na linha dos estudos bakhtinianos, o artigo intitulado "A voz do narrador no romance polifônico de Dostoiévski", de autoria da pesquisador Cláudia Tavares Alves (UNICAMP), propõe um análise das obras seminais de Bakhtin, Problemas da poética de Dostoiévski [1929-1963] e Questões de literatura e estética [1934-1935], quando o pesquisador russo se dedicou a estudar a produção literária de Dostoiévski, constatando, em sua teoria, que o escritor russo foi o grande responsável por criar o que o crítico denomina de romance polifônico moderno. A partir do rastro da conceitualização dessa ideia de polifonia, a autora percorre o caminho teórico de Bakhtin, no qual realiza-se uma análise que defende a construção dos personagens dostoievskianos como excepcional para a história da literatura moderna, em razão de propor personalidades e vozes próprias a cada sujeito da narrativa. Portanto, a partir da teoria de Bakhtin, realiza-se a defesa de que não é mais a voz do autor que determina o movimento e o fluxo dos acontecimentos narrativos, mas sim as vozes dos personagens, que deixam de ser passivos à narração e passam a ser sujeitos de suas próprias atitudes, como criaturas autônomas. Nesse sentido, a autora pretendeu demonstrar, através deste artigo, como, a partir do conceito do romance polifônico de Bakhtin, a voz do narrador no romance O Idiota, de Dostoiévski, assume destacado espaço na narrativa, a ponto de, nessa obra em particular, a voz do narrador colocar-se em relação às vozes já identificáveis dos outros personagens e do autor, sendo possível dizer que sua voz equivale às outras vozes que compõem a história, de forma que mesmo o narrador pode ser considerado um personagem.

Por sua vez, o artigo intitulado "Leitura de significantes", de autoria do pesquisador Ricardo Gessner (UNICAMP), tem como objetivo uma releitura da teoria saussuriana do signo, através da qual o psicanalista francês Jacques Lacan funda a instância do significante como autônoma, considerando que o “significado”, segundo o psicanalista francês de formação estruturalista, avalia como “efeitos de significante”. Para o autor do artigo, tal deslocamento comporta uma leitura não dos significados, mas particularmente das cadeias significantes, as quais validam, por esse viés, a atribuição de significados distintos para o que se tem de enunciado. Assim, para o autor, da releitura lacaniana da teoria do signo é possível inferir e formular um modo de leitura aplicável a determinados estilos de escrita literária, cujo enfoque recairia, desse modo, na instância do significante. Para tanto, o autor aplica tal hipótese em análises de excertos de obras como Finnegans Wake, de James Joyce, Galáxias, de Haroldo de Campos, e alguns poemas de Paulo Leminski.

Partindo das teorias antropológicas de Geertz (2008) e sociológicas de Bourdieu (2008), nas quais se questionam as fontes simbólicas da cultura e suas formas de transmissão de ideologias, o artigo intitulado "Maria Mutema, a pedra no caminho da ideologia patriarcal: modelos simbólicos e relações de poder em Grande sertão: veredas", de autoria dos pesquisadores Ester Myriam Rojas Osório e Fernanda de Andrade (UNESP), tem como objeto e objetivo analisar as transgressões ideológicas da personagem Maria Mutema, protagonista de um dos episódios mais emblemáticos do romance Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa. A proposta das autoras é analisar os atos e crimes da personagem feminina como símbolos de uma subversão ao poder patriarcal que atravessa a narrativa do romance de Rosa, alegorizado particularmente no assassinato do marido, do padre, e nas concepções do narrador jagunço, sobretudo nos embustes e na confissão pública

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durante o rito católico, tida pelas autoras como índices da revolta. A fim de atingir este intento, as autoras analisaram possibilidades sociais, exíguas e praticamente inexistentes, da condição feminina diante do contexto social e histórico delineado pela narrativa roseana, recheado de rígidos modelos morais impostos pelo catolicismo, aliados à cultura sexista do sertão mineiro. Nesse encalço, as autoras constatam que o escritor mineiro relaciona a identidade feminina da personagem com os mitos universais de insubmissão, como Maria Madalena e Lilith, permitindo assim uma profícua leitura histórica das relações de gênero.

Na seção Entrevista, destacam-se a "Entrevista com Milton Hatoum" e "Entrevista com Gustavo Bernardo", ambos importantes e premiados escritores brasileiros. A primeira foi realizada por Danívia Cassiano Feliciano e Letícia Barboza, enquanto a segunda foi realizada por Ieda Maria Sorgi Pinhaz Elias. Ambas as entrevistas são resultado de uma das atividades dos alunos do PIBID - Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência/CAPES, através do subprojeto intitulado “Letramentos na escola: práticas de leitura e produção textual”, Eixo 1 - Letramento Literário, turma de 2015, da Universidade Estadual do Norte do Norte do Paraná (UENP), campus de Cornélio Procópio, de acordo com os pressupostos teóricos de Rildo Cosson (2006). A entrevista com Milton Hatoum ocorreu no dia 24 de novembro de 2015, por telefone, e contou com a participação dos acadêmicos bolsistas, da supervisão e coordenação do projeto, bem como dos alunos do 2º ano B, do Colégio Estadual Monteiro Lobato, no município de Cornélio Procópio – PR, escola na qual as atividades foram desenvolvidas. Importante destacar que as perguntas dirigidas ao escritor foram elaboradas pelos alunos e bolsistas, as quais foram selecionadas pelo grupo de trabalho, e que esta entrevista está publicada na seção “Farol”. Já a entrevista com Gustavo Bernardo ocorreu no dia 3 de novembro de 2015, via Skype, no Laboratório de Informática do Colégio Estadual Zulmira Marchesi, Cornélio Procópio, PR, contando com a participação dos pibidianos – graduandos e supervisora -, e da coordenação do projeto, bem como dos alunos da primeira série do ensino médio da referida escola, na qual as atividades foram desenvolvidas.

Fecha esta edição a resenha de autoria de Josilene Pinheiro Mariz e José Veranildo Lopes da Costa Júnior (UFCG). A resenha apresenta e discute a dissertação em Línguística Aplicada, defendida no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Estadual do Ceará, de autoria de Paulo Henrique Moura Lopes, intitulada "A leitura de obras literárias nos cursos de língua estrangeira: de justificativa para avaliação oral a um uso eficaz para o fomento da competência leitora", no ano de 2015.

É com satisfação, portanto, que publicamos o volume 5, da Claraboia – Revista do Curso de Letras e do PROFLETRAS da UENP, agradecendo aos autores, aos membros dos conselhos editorial e científico e, sobretudo, à equipe que fez este número da revista acontecer: Ricardo André Ferreira Martins, Luciana Brito, Marcela Verônica da Silva, Ana Paula Franco Nobile Brandileone, Adenize Aparecida Franco, Luiz Antônio Xavier Dias e Stanis David Lacowicz, ilustrador da capa deste nosso periódico.

CLCA-UENP, junho de 2016. Marilúcia dos Santos Domingos Striquer

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Sumário

Experiente 1-5

Apresentação 6-9

ARTIGOS

A figura de Helena em Eurípides e em Górgias - contrapontos

Fernando Crespim Zorrer da SILVA 10-20

A multiplicidade em “Um lugar ao sol”, de Érico Veríssimo

Mariana Mansano CASONI 21-31

A personagem feminina na literature brasileira romântica, realista e contemporânea

Stefany Silva do NASCIMENTO Josiele Kminski Corso OZELAME Cleiser Schenatto LANGARO

32-48

A voz do narrador no romance polifônico de Dostoiévski Cláudia Tavares ALVES

49-58 As estratégias de contenção de “Luis Soares”

Maylah ESTEVES 59-68

Leitura de significantes Ricardo GESSNER

69-92 Maria Mutema, a pedra no caminho da ideologia patriarchal: modelos simbólicos

e relações de poder no Grande Sertão: Veredas Fernanda de ANDRADE

Ester Myriam Rojas OSÓRIO

93-114

ENTREVISTA

Entrevista com Gustavo Bernardo

Ieda Maria Sorgi Pinhaz ELIAS 115-123

RESENHA

A leitura de obras literárias nos cursos de língua estrangeira: de justificativa para avaliação oral a um uso eficaz para o fomento da competência leitora.

José Veranildo Lopes da COSTA JUNIOR Josilene Pinheiro MARIZ

124-128

FAROL

Entrevista com Milton Hatoum Danivia Cassiano FELICIANO Letícia BARBOZA

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CLARABOIA, Jacarezinho, v.5, p. 10-20, jan./junh., 2016. ISSN: 2357-9234.

A FIGURA DE HELENA EM EURÍPIDES E EM

GÓRGIAS – CONTRAPONTOS

THE CHARACTER OF HELEN IN EURIPIDES AND IN GORGIAS – SOME CONTRASTS

Fernando Crespim Zorrer da SILVA1 Resumo: Helena representa um ícone na literatura grega, e, apesar das críticas, ainda se constitui em um símbolo de beleza. Trata-se, aqui, de contrapor duas obras de áreas do conhecimento distintas, isto é, Helena de Eurípides e o Elogio de Helena de Górgias. O texto dramático sugere que a personagem não foi para Tróia e nem traiu o marido; apresenta também outros traços da personagem que o dramaturgo não havia mencionado em outras tragédias. Já o texto do filósofo avalia a inocência de Helena, defendendo-a, independentemente dos motivos que a conduziram a ir a Tróia junto com Páris. Deste modo, ambos os textos convergem em apontar não só os defeitos bem como as virtudes de Helena.

Palavras-chave: Helena. Górgias. Eurípides. Tragédia Grega. Retórica Grega

Abstract: Helen is an iconic figure in Greek literature and, despite some criticisms, she is still an archetype of beauty. This study compares two works from distinct areas of knowledge: Euripides’s Helen and Gorgias’s Encomium of Helen. The drama by Euripides suggests that the character neither went to Troy nor betrayed her husband and also describes other traits of the character not mentioned by the playwright in other tragedies. Gorgias’s rhetorical work, on the other hand, argues for Helen’s innocence, defending her regardless of the reasons why she eventually went to Troy with Paris. Therefore, both works converge in pointing out Helen’s vices and virtues. Keywords: Helen. Gorgias. Euripide. Greek Tragedy. Greek Rhetoric

Examinar a figura de Helena demanda compreender a complexidade do tema, considerando os inúmeros ataques os quais a personagem sofreu ao longo da Antiguidade. Em termos de tradição, a figura de Helena carrega tanto o poder como a beleza de Afrodite e de eros, além de trazerem junto de si a destruição (WOLFF, 1973, p.62). A duplicidade e todos os aspectos que podem estar nela contidos aparecem em Helena. Neste sentido, considerando os limites que são necessários para este texto, a proposta é examinar uma imagem mais positiva dessa heroína em duas obras, isto é, na tragédia homônima, do tragediógrafo Eurípides, e no Elogio de Helena, do

1 Bolsista de Pós-Graduação no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Espírito Santo

(UFES). Doutor em Letras pela Universidade de São Paulo (UESP). Endereço eletrônico: Fernando.zorrer@gmail.com.

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filósofo sofista Górgias de Leontino. No caso do dramaturgo grego, há outras obras que também tratam da mesma personagem, no entanto, as críticas ali apresentadas não serão examinadas por completo; não se procura, aqui, traçar um contraponto exaustivo, mas, quando for o caso, poderemos mencionar as peças Troianas (415), Orestes (408), Andrômaca (429? 417?) e até o drama satírico Ciclope (415), no qual a filha de Leda é considerada uma mulher de muitos homens, v. 179-187. Há muitas referências sobre Helena nas tragédias gregas e poderia ainda ser mencionado o drama Agamêmnon, de Ésquilo, bem como outros textos. No caso de Górgias, não há outra obra que trate desse mito. É bom lembrar que os filósofos sofistas apreciam os caracteres míticos, pois lhes proporcionam vantagens em suas investigações (INNES, 1991, p.229). Trata-se, assim, de obras provenientes de pensadores de áreas distintas do conhecimento humano mas que mantém elos em comum. A questão maior é salientar a inocência dessa personagem, pelo menos, em tais documentos, assinalando que pode haver erros de julgamento quando se analisa uma figura tão importante como é Helena, condenada sem uma melhor avaliação. Além disso, Charles Segal comenta que o modo como Helena é analisada por Górgias aproxima-se do método empregado por Eurípides, isto é, utiliza mecanismos racionais e psicológicos do modo mais moderno (SEGAL, 1962, p.101). Desta forma, tal afirmação revela-nos como ambos os pensadores podem ser contrapostos sem que haja algum tipo de erro no enfoque deste trabalho.

Há um contraponto importante na compreensão não só na figura de Helena, da parte de Górgias, mas na própria forma desse filósofo encarar um indivíduo, pois examina-o sob diversos aspectos; neste caso, o sofista não necessita de um enredo, como sucede em uma tragédia, para poder argumentar; mas, livremente busca os mais diferentes argumentos para defender uma ideia como sucede aqui. O filósofo não coloca a personagem em ação para examinar como Helena reage diante de ações e das falas de outros indivíduos; neste caso, atribuiu um ato a ela e procura examinar tal assunto de todas as formas, e, apresenta, mais do que nunca, uma solução que resulta na defesa da filha de Leda. Tal texto expressa uma visão da literatura e da oratória que deveria se aproximar não só da prática do filósofo bem como de suas crenças (SEGAL, 1962, p. 102).

No caso de Eurípides, apesar das críticas condenatórias que se observam em sua obra trágica em relação à esposa de Menelau, o dramaturgo construiu uma peça, Helena, na qual há indícios da humanização dessa personagem, além de, de certo modo, se observar ironias e julgamentos velados ao seu comportamento; não se vislumbra, em tal obra, uma condenação contundente contra Helena como se verifica nas Troianas. Na realidade, em Helena, a personagem homônima não está sozinha mas segue acompanhada de seu marido o qual também recebeu

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julgamentos desfavoráveis pelos seus atos não só nesta obra bem como em Andrômaca; além disso, nem Menelau é mencionado no texto de Górgias. Naquele texto de Eurípides, o irmão de Agamêmnon, ao avaliar a sua aparência, o seu comportamento, a sua carência de iniciativa, além da desenvoltura de Helena, terminam por despojá-lo de toda a sua glória (LEE, 1986, p.312). Há pensadores que pensam diferente da nossa concepção, mas não seguimos os seus raciocínios (PODLECKI, 1970, p.403 ss).

Górgias, de certo modo, não faz só uma apologia dos atos de Helena, também aproveita para dissertar sobre outros assuntos de seu interesse. Neste caso, Helena se constitui o ponto para as suas reflexões, para a sua defesa, bem como para a exposição de seu método de trabalho. No caso de Eurípides, de acordo com F. Solmsen (1934), Eurípides não é o primeiro a colocar Helena no Egito e a sua imagem, eidolon, em Tróia. Há registros de tal possibilidade em Hesíodo bem como em Heródoto, mas não são tão importantes e consistentes. O helenista julga melhor mencionar o texto de Estesícoro, na sua obra Palinódia, que suporta a ideia de Eurípides, pois Helena não teria ido a Tróia mas somente a sua imagem teria seguido até a cidade de Príamo. Apesar das dúvidas em torno da ideia de Estesícoro, Heródoto seria, na verdade, a primeira fonte (SOLMSEN, 1934, p.119).

Antes de mais nada, Helena se apresenta da seguinte forma:

Quanto a mim, tenho por pátria a célebre Esparta e é Tíndaro o meu pai. Conta-se, porém, que Zeus, sob a forma alada de um cisne, voou sobre a minha mãe, Leda, e, fingindo escapar à perseguição de uma águia, logrou unir-se a ela com este embuste (20) – se é que a história é verdadeira… .

Há em tal passagem ironia bem como questionamento do autor em relação à paternidade da personagem, ou seja, realmente Helena é só filha de Tíndaro. Górgias igualmente relata a descendência de Helena, revelando a sua nobreza; de modo sutil expõe a descendência da heroína; ressalta a grandeza tanto de Tíndaro como a de Zeus. Além disso, antes de ter exposto a descendência, enfatiza que Helena quer seja por sua natureza quer seja por sua genealogia, é o que de melhor existe entre as mulheres e os homens, isto é, Helena está acima de todos os mortais de acordo com essa lógica. Górgias sabia das críticas contra a paternidade divina de Helena, pois comenta que Zeus foi tratado com desprezo, § 32. Se, no texto de Eurípides, há a dúvida quanto à

paternidade, aqui, tal questionamento é mencionado, mas não é referendado, pois Zeus é o senhor

2 - Toda a vez em que aparecer um § (marca de parágrafo) remete ao texto de Górgias, O elogio de Helena, que igualmente é mencionado nas Referências.

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do universo. Desta forma, por ter dois grandes pais, isto é, pela paternidade especial que ela possui, merece todo o destaque possível.

Não há nada que se aprove dos atos e dos pensamentos de Helena, se examinarmos a maioria das tragédias de Eurípides. As censuras mais comuns são a sua cobiça, a sua banalidade no comportamento, a sua falta de respeito diante do sagrado. Analisemos uma de tantas cenas: Helena é acusada de ser uma mulher pouca piedosa, como Electra, pois essa reclama e censura a esposa de Menelau, em Orestes, quando observou que ela cortou um pequeno pedaço do cabelo, como faz parte do ritual grego, para realizar as libações nos sacrifícios, v. 128-129. Através desse pequeno corte, Helena estaria, assim, preservando a sua beleza. Aqui, em Helena, se observa a personagem homônima atuando boa parte do tempo junto ao túmulo de Proteu, cujo filho, Teoclímeno, deseja desposá-la à força, isto é, a fidelidade ao marido está ameaçada (WOLFF, 1973, p.64). Trata-se de uma opção de fuga diante da ameaça, pelo menos é o que se observa em um primeiro momento. Eis o quadro inicial da filha de Tíndaro: presa em uma ilha, com ameaças de um casamento forçado em um lugar muito distante de sua casa e de Tróia. Agora o pensador Górgias trabalha com outra hipótese e, neste caso, faz justamente o contrário, pois, Helena foi para Tróia e não é culpada pelos seus atos. O que importa para esse filósofo consiste em retirar a acusação, isto é, a culpa que Helena tem por ter seguido Páris até Tróia bem como libertá-la da calúnia a qual recebeu, conforme o § 2. Eis o centro de reflexão do texto filosófico. Não faz um exame de outros tipos de ações dessa personagem.

Se Helena realizasse um severo corte nos cabelos, revelaria o quanto a personagem é piedosa? A questão é que o dramaturgo nos coloca em uma situação complexa, pois será que esta Helena, a que aparece na peça homônima, não é como a das peças Troianas e Orestes? Tal personagem teria realizado, de fato, tal corte de cabelo se Melenau, efetivamente, estivesse morto? De acordo com o texto trágico em questão, em Helena, a tendência é que sim. Se observamos um pouco mais de perto o comportamento da filha de Tíndaro, podemos encontrar indícios positivos, como, por exemplo, o encontro amoroso entre o casal; a postura da personagem diante da irmã de Teoclímeno; também ela não tolerou ter um outro casamento por meio do qual obteria grandes benesses materiais, e, assim, faria jus à crítica que Hécuba a fez, nas Troianas, pois a acusa de ter cobiçado joias, tesouros e outros bens e por isso veio à Tróia e dessa cidade não quis se afastar, mesmo tendo diversas chances para tanto. Helena, sem sombra de dúvida, dado o poder que Teoclímeno demonstra ter, teria tudo o que desejasse, mas não o quis. Ela não apresenta na peça, com exceção do término dessa (ato que poderia ser encarado como um grito de liberdade, de todas

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as coisas que necessitou suportar ao longo de tantos anos), um atitude de fúria em relação ao conjunto dos bárbaros, pois ela mesma confessa que é bem tratada pelos indivíduos com os quais convive. No entanto, o dramaturgo não a coloca em diálogo com outros servos, a não ser com Teoclímeno e com a sua irmã, Teónoe. Fato importante e, talvez, decisivo é que Teónoe tudo enxerga, tudo vê, possui o dom de ver o futuro – é uma profetisa. Se Helena fosse tão pérfida e mesquinha, de modo algum, a adivinha tê-la-ia ajudado na sua fuga se aquilo que ela mais desejava era ver o marido e os seus familiares, não passasse de um engodo, de uma atitude vil.

Examinemos mais de perto a cena em que Helena e Menelau simulam que esse último tenha morrido, além de retomarmos a questão dos atos da filha de Leda; se essa personagem o faz, é para produzir uma cena de luto de tal modo que persuada a Teoclímeno, permitindo que ela escape juntamente com Menelau; é uma farsa, é o teatro dentro do teatro (esse emprego da metalinguagem por parte de Eurípides faz realçar ainda mais a trama), que exige roupa adequada, palavras de acordo com a ocasião (mais adiante, se observará que Helena poderia ter deixado tudo a perder, se Teoclímeno fosse mais esperto, mais propenso ao exame das palavras, pois não compreende plenamente o significado de todo o discurso da esposa de Menelau (PIPPIN, 1960, p.153-4). Na verdade, o irmão de Teónoe é ludibriado não tanto pela esperteza de Helena mas por sua patética esperança que tudo o que ela diz é verdade, além de estar presente a sua avidez em vê-la como esposa (LEE, 1986, p.313). Esse personagem fará tudo o que ela pedir para tê-la em seu domínio. Com as respectivas ressalvas, é um retorno do embuste de Odisseu em relação a Polifemo, que é enganado facilmente por um jogo de palavras, conforme aparece no canto IX da Odisséia. Desse modo, ambas as cenas que se referem ao corto de cabelo, tanto a de Orestes como a de Helena, se combinam e indicam a capacidade para a simulação, para o aspecto teatral, tudo é demonstrado pela filha de Leda.

Ela, a filha de Tíndaro, é vil ou não, afinal? Será que há uma definição além dessa dualidade? O dramaturgo estaria, assim, apresentando uma tragédia na qual, mais uma vez, Helena, não importa se está junto aos muros de Tróia ou junto ao povo de Teoclímeno, agirá do mesmo modo? A tragédia Helena se constituiria na versão da mesma personagem Helena que aparece nas Troianas? Na verdade, o dramaturgo, que é um criador, um escritor, examina o mesmo assunto de diferentes formas. Vale trazer a imagem que Jacqueline de Romilly apresenta a seu respeito, como o mais moderno dentre os dramaturgos (ROMILLY, 1986, p.10). Ele constrói novas obras sobre o mesmo tema, sempre buscando uma melhor clareza sobre o assunto e/ou procura um novo enfoque. Já no texto de Górgias, o filósofo sofista apresenta uma ampla defesa de Helena sem deixar maiores

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dúvidas sobre o comportamento da heroína. Na verdade, o escritor é um indivíduo que pode criar e recriar a sua obra literária. É o caso, por exemplo, na obra de Eurípides, da segunda tragédia sobre Hipólito e Fedra, uma vez que a primeira tragédia a respeito desse mesmo mito não foi bem recebida pelo público. Neste caso, o dramaturgo poderia, simplesmente, não ter criado novamente sobre o mesmo assunto, no entanto, não foi esse o caso.

Christian Wolff analisa a atuação de Helena e consegue apresentar uma nova síntese de como compreender a esposa de Melenau. O helenista assinala que a nova Helena é diferente da anterior, que abarcava tanto eros como a ruína, fazendo uma perfeita combinação. Na verdade, possuía os ingredientes para a discrepância. Agora a referida personagem é virtuosa, age como esposa exemplar e está longe do mundo público. É verdade que ela não repudia a antiga Helena, como se observa no desenrolar da peça, mas a assimila, seus desejos, sua atração sexual, além da inspiração para lutar (WOLFF, 1973, p.76-7). No nosso entendimento, não há a marca de uma Helena pura, virtuosa, sem indignação em relação às circunstâncias as quais tem passado ao longo de muitos anos. Já na visão de Donatella Galeotti Pappi, essa teórica questiona qual não seria o melhor recurso, do que apresentar uma suplicante na abertura da peça. A questão é que ali Helena não corre qualquer risco que a faça uma suplicante diante de uma situação trágica, como sucede, por exemplo, nas Suplicantes, de Ésquilo, na qual as danaides buscaram o altar para a proteção. A helenista acredita haver um indicativo de que Helena não deve ser tão seriamente encarada. De certo modo, ao longo da tragédia, há o registro de traços ambíguos que insinuam a comparação com as atitudes e o comportamento dessa personagem nas Troianas (PAPPI, 1987, p.34). Além disso, é importante que se esclareça que Menelau e Helena não são semelhantes, mas há outros teóricos, que, por diversos motivos, pensam diferentemente (PODLECKI, 1970, p. 405). Após todas essas opiniões, entendemos que o que resulta é a imagem de uma mulher com traços humanos, com defeitos, com inseguranças e com a possibilidade de não ser tão culpada assim, como sugere o texto de Górgias, de modo mais incisivo.

Em Eurípides, poder-se-ia avaliar a beleza de Helena apesar de tantos anos após o seu encontro com o esposo; a partir do relato de Menelau, é assinalado que a guerra de Tróia durou dez anos e está preso no mar faz sete anos, ou seja, dezessete anos já se passaram, v. 775-776. Na verdade, o rei local quer desposá-la; ele representa a figura do bárbaro; há passagens no texto no qual se compara indiretamente esse personagem à figura de Páris. Para Górgias, a beleza de Helena é absoluta, isto é, no que diz respeito a um período anterior a toda essa confusão reportada por Eurípides. Ela foi capaz de trazer inúmeros homens, com as melhores credenciais, como, por

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exemplo, com fama, com riqueza, com genealogia. Além disso, no texto de Eurípides, a beleza ainda é significativa, mas é duramente questionada por Helena. Nos versos 195 ss, é mencionado pela heroína que “As ruínas de Tróia, consome-as um fogo devastador, por causa de mim, origem de tantas mortes, por causa do meu nome, fonte de tantas penas”3. O nome dela traz a destruição

e remete à dor; Teucro quando a viu, não clamou nada quanto à beleza de Helena, somente se fixou sobre a semelhança com a 'suposta Helena' feita pelos deuses; é um indício de que a heroína esteja realmente diferente. Na verdade, há uma tensão entre nome e objeto que é enfaticamente repetida no texto de Eurípides (ver SOLMSEN, 1934, p.119-20), questionamento que não ocorre no texto de Górgias, pois ali o filósofo está apresentando os argumentos para tirar a culpa bem como eliminar as calúnias que Helena padeceu; não há espaço para tais problemáticas, pois afetariam toda a argumentação. Além disso, a questão da beleza é avaliada tanto da parte de Helena, atuando como sujeito das ações, pois ela abandonou a família, por ter contemplado Alexandre e dele se enamorado, bem como a filha de Leda serviu como objeto de desejo por muitos homens; não importa o motivo, se partiu dela ou não a ruptura: sempre será inocente. Além disso, no verso 256, do drama de Eurípides, é mencionada a “malfadada beleza” no que contribui com a afirmação no prólogo, proclamada pela própria Helena, de que, v. 25 ss, “Ora, Cípris, que me prometera a Páris em casamento, aliciando-o com a minha beleza – se pode chamar-se belo ao que traz infortúnio – , foi a deusa vencedora”. Em nenhum momento, Górgias trabalha com a crítica em relação à beleza ou a associa à desgraça.

A própria filha de Leda roga que não tivesse a beleza que possui a fim de não causar tantos danos “O certo é que a minha vida e os seus reveses são já um prodígio, uns por causa de Hera, outros por culpa da minha beleza. Quem dera que, branqueada como uma estátua e de novo pintada, a minha imagem, em lugar de bela, se tornasse disforme”, v. 259 ss. Mais adiante, nos versos 300 ss, menciona a beleza como infortuna na sua vida se comparada com a das outras mulheres, “Afortunadas são as outras mulheres pela sua beleza, enquanto, para mim, foi precisamente esta a causa da minha perdição”. Na verdade, a personagem não consegue entender certas questões; a beleza que ela possui faz parte de si mesma, do seu corpo (WOLFF, 1982, p.81 ss). Poderia fazer algo nesse sentido, tornando-se feia, v. 262 ss, que é o que ocorre posteriormente, quando até faz isso, em tornar-se temporariamente não-atraente, destruída pelo suposto luto pela morte do seu marido, com a intenção de enganar e de escapar do lugar no qual está. Por fim,

3 - Todas as traduções da peça Helena, de Eurípides, são da helenista Alessandra Cristina Jonas Neves Oliveira cuja obra é citada nas referências.

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Christian Wolff enfatiza que realmente ela não é culpável, mas unicamente possui uma má reputação, duskleês, ver verso 270, dessa tragédia, além de Orestes, v. 600 ss, também de Eurípides. É justamente o que Górgias deseja fazer em seu texto: livrar Helena da má reputação, § 15. Para tal tarefa, articula um conjunto de possibilidades que teriam interferido nas ações de Helena, como o Destino, a Necessidade, os deuses, ou foi raptada, persuadida pelos discursos ou, simplesmente, arrebatada pelo Amor, § 2. A partir dessa constelação de agentes, Helena pode ter sida agenciada por um deles e realizou os atos do qual foi acusada.

Como o assunto da beleza é continuamente retomado na tragédia, negando a ideia de que, se for bela, tudo vai dar certo, entendemos que é justamente a melhor pista para aceitar algo que o texto dramático vem ressaltando desde o início: a beleza não se constitui em um item decisivo para a avaliação pessoal de um indivíduo; também não se deve avaliar Helena somente pela beleza, mas pelo seu comportamento, pelas suas ideias, pelas suas escolhas diante da vida. Trata-se de um truque narrativo que o autor emprega. Não é a primeira vez que Eurípides faz isso. Em Hipólito (428), há o relato de Afrodite, que revela toda a trama da tragédia, no que inclui a paixão de Fedra pelo enteado, bem como a morte de ambos os heróis, além do pedido de Teseu a Posídon que mate o próprio filho. No entanto, a personagem que representa o pivô em termos de desencadeamento da trama, a aia, não é mencionada. Neste sentido, trata-se de um recurso para deslocar a atenção para outro elemento, neste caso, o papel de uma determinada personagem, que merece ser melhor avaliada; a atenção da compreensão da peça tem que estar não só na trama, mas também deve estar centrada em outro elementos que compõe a tragédia.

Eis a equação do texto: Helena, em certos momentos, é encarada e analisada tanto pelo seu corpo bem como pelo seu caráter, como, por exemplo, na conversa que ela manteve com Teucro; por temor, decide não se revelar, ainda mais por saber que é odiada; o herói grego apresenta uma série de acusações contra ela; aqui, ela assume um outro ser; emprega da máscara para conseguir conversar com o guerreiro grego sem que seja descoberta; é o mesmo recurso que empregará tão bem diante de Teoclímeno, ao enganá-lo, simulando o luto por Menelau. Tal capacidade, por parte de Helena, de simular a verdade, não representa algo isolado na cultura grega. Há inúmeros textos na literatura grega nos quais se observa o conhecimento atribuído às mulheres que resulta na capacidade de dupla fala, que engloba verdade e a sua imitação (BERGREN, 1983, p.69 ss). Agora, no final da conversa, após Teucro ser advertido por Helena sobre o perigo em tentar se aproximar de Teóne, profetisa, irmã de Teoclímeno, o guerreiro destaca “Ainda que o teu aspecto seja idêntico ao de Helena, como é diferente o teu coração!”, v. 159-60. Neste caso, não se trata mais de julgar

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unicamente a aparência, mas os atos que a personagem Helena pratica; no entanto, o guerreiro não sabe que se trata da verdadeira Helena; Teucro julga a esposa de Menelau a partir dos atos da filha de Leda, sem saber que se trata, realmente, da própria Helena. A polaridade entre ato e nome perpassa toda essa tragédia, como já se comentou anteriormente. Também Helena poderia, muito bem, levá-lo a uma emboscada e tentar obter algum tipo de benefício junto a Teoclímeno; no entanto, não seguiu tal postura. A filha de Tíndaro agiu de modo cortês, fez perguntas sobre o que houve na guerra de Tróia, tentando, assim, obter informações acerca de sua família, que, por sinal, são notícias profundamente desastrosas. No entendimento da helenista Alessandra Cristina Jonas Neves Oliveira (2015), Eurípides possivelmente teria criado a ideia de que a mãe de Helena se suicidou. Neste caso, o dramaturgo estaria seguindo uma linha diferente do mito, atualizando-o, para obter maior dramaticidade, pois a suposta ida da verdadeira Helena provocou inúmeros desastres não só ao longo da guerra de Tróia bem como no interior de sua própria família. (EURÍPIDES, 2015, p. 119, nota 20).

Agora no plano divino, na interferência dos deuses na vida dos homens, o texto do filósofo sofista apresenta explicações as quais não há a mesma tensão, complexidade e desmandos divinos como acontece no drama Helena. No Elogio de Helena, o filósofo assinala a importância do poder da divindade e nem apresenta qualquer tipo de questionamento até mesmo diante de entidades como o Destino e a Necessidade, ao passo que, na tragédia de Eurípides, a figura dos deuses é amplamente questionada e recebe os mais variados tipos de asserções; veja-se, principalmente, o caso de Afrodite que não só é apontada como a responsável por Helena estar ali, afastada de todos de sua família, bem como é mencionada como uma das divindades que conseguiu persuadir Deméter a demover de seu estado destrutivo. Também é certo que, em outros textos, como nas Troianas, Helena não comenta se foi coagida por Afrodite por ameaças, como também sucede na Ilíada, III, v. 383 ss, ou que a fez cair em amor por Páris, como sugere em Ifigênia em Áulis, v. 573-89 (LLOYD, 1984, p.307). Os exemplos podem ainda ser ampliados, revelando a teia de agenciamentos por parte dos deuses na vida de Helena. A complexidade do texto de Eurípides vai ainda mais longe, conforme atesta Christian Wolff, que comenta a respeito da filha de Tíndaro, pois, após se referir às terríveis origens, censura pela presença de uma terrível agente, v. 261, Hera (WOLFF, 1973, p.80). Também esclarece que é justamente graças à essa divindade que Helena se salvou de Páris, além de não ter perdido a virtude, conforme os versos 241-6, 44-8, 1670-2. Uma das possíveis conclusões é que o que sucede no plano divino também se aproxima do que se desenrola no plano dos mortais. Helena, com certeza, não é boa nem má; é uma constatação. Já os

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deuses também: não são tão bons e nem tão maus. O espelhamento entre esses dois planos parece inevitável. Não há um grupo que seja melhor ou pior, mesmo que se aposte que os deuses são os melhores por sua natureza. O texto dramático de Eurípides leva-nos por esses tipos de constatações e nos põe diante desse tipo de impasse.

No início da tragédia de Eurípides, após o mensageiro saber do que houve, comenta que “Minha filha, como é inconstante e insondável o divino!”. Se para Górgias, as ações dos deuses não permitem culpar o humano, tendo como consequência, o fato de que Helena está absolvida do seu ato se um deus deliberou, aqui, no texto de Eurípides, de certo modo, há uma semelhança quanto à atuação divina, não se sabe, ao certo, se os deuses, por causa das suas ações, são culpáveis ou não. Tal história se aproxima da personagem Íon, da tragédia homônima, cujo deus Apolo, gerou à força o seu filho, porém não apareceu no final da tragédia temendo represálias. Em outra obra do dramaturgo, em Hipólito, as ações humanas terminam por ser desculpáveis, pois os homens erram, quando os deuses o permitem, conforme comenta Ártemis, v. 1433-4. Não que fosse uma ideia claramente decisiva, mas ali, na verdade, consiste em uma saída dramática para um momento tão complexo na peça bem como representa mais uma opinião sobre uma questão que é demarcar os limites das ações dos homens e as dos deuses.

Após o exame de algumas questões, conclui-se que ambas as obras, Helena, de Eurípides, e O elogio de Helena, de Górgias, conseguem, acima de tudo, apresentar uma imagem mais positiva de Helena. O que se ressalta, aqui, é o caráter humano de Helena, com acertos e erros, com egoísmos e tentativas de sobrevivência, principalmente, do ponto de vista de Eurípides. No caso de Górgias, apesar do texto não apresentar tanta tensão como a tragédia em questão, a defesa empreendida em nome de Helena, mesmo que o filósofo siga uma linha menos usual do mito, permitiu pensar em uma alternativa diferente do que tem sido realizado até aquele momento. Ambos os textos conseguem romper com o estigma, cada um a sua maneira, que o nome Helena invoca ao longo da literatura grega. Novas obras sempre são bem-vindas para contribuir na formação de uma imagem de uma personalidade tão importante, como é o caso de Helena.

Referências

BERGREN, Ann L. T. Language and the female in early greek thought. Arethusa, v. 16, p. 69-95, 1983.

EURÍPIDES. Helena. Trad. intr. coment. de Alessandra Cristina Jonas Neves Oliveira. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra / Annablume, 2015.

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GÓRGIAS. Fragmentos e testemunhos. (sofista grego, século V a. C.). Trad. coment. e notas de Manuel José de Sousa Barbosa e Inês Luisa de Ornellas e Castro. Lisboa: Colibri, 1993. (Mare Nostrum). INNES, D. C. Gorgias, Antiphon and Sophistopolis, Argumentation, v. 5, 1991, p. 221-27.

LEE, Kevin H. Helen's Famous Husband and Euripides Helen 1399, Classical Philology, v. 81, n. 4, 1986, p. 309-313.

LLOYD, Michael. The Helen Scene in Euripides' Troades. The Classical Quarterly, v. 34, n. 2, 1984, p. 303-313.PAPI, Donatella Galeotti. Victors and Sufferers in Eurípides’ Helen. The American Journal of Philology, v. 108, n. 1, 1987, p. 27-40.

PIPPIN, Anne Newton. Euripides' "Helen": A Comedy of Ideas. Classical Philology, v. 55, n. 3, jul., 1960, p. 151-163.

PODLECKI, Anthony J. The Basic Seriousness of Euripides' Helen. Transactions and Proceedings of the American Philological Association, v. 101, 1970, p. 401-418.

ROMILLY, Jacqueline de. La modernité d’Euripide. Paris: Press Universitaires de France, 1986. SEGAL, Charles P. Gorgias and the psychology of the logos. Harvard Studies in Classical Philology, v. 66, p. 99-155, 1962.

SOLMSEN, F., Onoma and Pragma in Euripides’ Helen, Classical Review, v. 48, 1934, p. 119-20. WOLFF, Christian. On Euripides' Helen. Harvard Studies in Classical Philology, v. 77, 1973, p. 61-84.

Chegou em: 31-12-2015 Aceito em: 14-04-2015

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A MULTIPLICIDADE EM “UM LUGAR AO SOL”, DE

ERICO VERISSIMO

THE MULTIPLICY IN UM LUGAR AO SOL, OF ERICO VERISSIMO

Mariana Mansano CASONI4 Resumo: Analisar as múltiplas vozes presentes em Um lugar ao sol, de Erico Verissimo torna-se fundamental para a compreensão tanto da estética, quanto do discurso da obra brasileira. A partir delas, é possível compreender seu contexto histórico, bem como discussões intrínsecas ao homem. Este estudo se pauta em conceitos importantes fornecidos por Mikhail Bakhtin e Umberto Eco que iluminam o caminho de uma análise. Portanto, pode-se observar a literatura em discussão por meio das vozes das personagens, bem como refletir sobre a importância da literatura.

Palavras-chave: Um lugar ao sol. Erico Verissimo. Múltiplas vozes. Literatura brasileira. Discussão da literatura.

Abstract: Analyze the multiple voices present in Um lugar ao Sol, of Erico Verissimo becomes key to understanding both the aesthetic as the discourse of Brazilian work. From them, it’s possible to understand the historical context, as well as discussions intrinsic to man. This study is guided on important concepts provided by Mikhail Bakhtin and Umberto Eco that guides the way of analysis. Therefore, it can be observed in the literature thread through the voices of characters and reflect the importance of literature.

Keywords: Um lugar ao Sol. Erico Verissimo. Multiplice voices. Brazilian literature. Literature discussion.

Introdução

De acordo com Mikhail Bakhtin em Questões de literatura e estética (1990) o romance apresenta múltiplas vozes: “O romance, tomado como um conjunto, caracteriza-se como um fenômeno pluriestilístico, plurilíngue e plurivocal” (BAKHTIN, 1990, p.73), visto que cada personagem apresenta um discurso com características próprias, desta forma o romance, uma espécie de teia,

4 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Letras, linha de pesquisa Literatura Comparada e Estudos Culturais,

pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Assis. Professora efetiva do Estado de São Paulo nas áreas de língua portuguesa e literatura brasileira no ensino fundamental e médio. Endereço eletrônico: mari_casoni@hotmail.com.

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insere múltiplas e variadas vozes. Este é um aspecto importante do romance, pois é assim que o estilo do romance se apresenta.

Esta multiplicidade de vozes ocorre nas obras Caminhos cruzados (1935) e Um lugar ao sol (1936), ambas de Erico Verissimo. Nestas obras, podemos observar a diferença das personagens por meio de seus pensamentos, ações e linguagem (expressões) utilizadas. A estratificação dos romances ocorre em vários níveis: nível da linguagem, características próprias de cada personagem e nível social. A narrativa das obras é realizada em terceira pessoa pelo narrador onisciente e as vozes das personagens são intercaladas por meio do discurso direto.

Percebe-se que, nestas duas obras de Verissimo, há uma discussão sobre questões intrínsecas ao homem. E ele o faz de maneira ampla, a começar pelas características das personagens e seu meio social. Ambos os romances têm como cenário Porto Alegre, a narrativa é feita em terceira pessoa e não apresenta uma personagem principal, visto que várias histórias são narradas e se intercalam, assim como seus diferentes núcleos sociais evidenciando o contraste entre riqueza e pobreza.

Após uma leitura atenta, o leitor pode observar que a narrativa de Caminhos cruzados se prolonga em Um lugar ao sol, já que algumas personagens são retomadas e desenvolvidas com maior profundidade nesta última. As personagens retomadas em Um lugar ao sol são Noel e Fernanda, casal importante para a reflexão de aspectos inerentes ao homem, como a fragilidade da vida, ambições e desejos.

Em Caminhos cruzados os capítulos são divididos em dias da semana; a narrativa tem início no domingo e término na quarta-feira e mostra o que cada personagem fez naquele dia. Desta forma, o leitor tem uma visão geral de todas as personagens. O narrador onisciente expõe ao leitor os vícios, os desejos e as dificuldades de cada personagem.

São narradas as histórias de personagens com poder aquisitivo maior como Virgínia, seu marido Honorato e seu filho Noel; Dona Dodó e seu marido Teotônio Leitão Leiria; a família de Cel. Zé Maria, sua esposa Maria Luísa e seus filhos Chinita e Manuel que vieram da pobreza e graças à loteria tornaram-se ricos e, por fim, as personagens que têm menor poder aquisitivo como D. Eudóxia e seus filhos Fernanda e Pedrinho; Maximiliano, sua esposa e seus dois filhos; o professor Clarimundo e, finalmente, João Benévolo, sua esposa Laurentina e seu filho Napoleão. Ao longo da narrativa, observa-se o dia-a-dia das personagens e como elas fazem para enfrentar as dificuldades impostas pela vida. É interessante observar que a maioria delas, mesmo tendo uma situação econômica confortável, não está satisfeita com a vida que tem. Um exemplo de insatisfação

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é a personagem Virgínia que tem uma condição financeira confortável, mas que não sente outra coisa senão solidão, mesmo não estando só fisicamente.

Solidão na sala de jantar, uma solidão tão grande que para Virgínia ela chega a se transformar numa sensação de frio. As mesmas coisas, as mesmas paredes, os mesmos cheiros. Todos estes móveis, estes objetos estão ligados a duas figuras familiares: Honorato e Noel, o marido e o filho – tudo isto para Virgínia faz parte de um conjunto aborrecível e quase odioso. (VERISSIMO, 1993, p.54)

Solidão esta que revela claramente a falta de afeto pelo marido e filho e, que, por mais que sofra não reage. No entanto, a solidão não é sua única companheira, a futilidade, o medo de envelhecer e o vazio da alma a acompanham também e a faz querer outra vida.

Portanto, o tema que se apresenta como pano fundo é a vida com todas as suas dificuldades, frustrações e ambições. Assim, em Caminhos cruzados são apresentados fatos corriqueiros, por exemplo, Clarimundo que todos os dias acorda pontualmente às cinco e meia da manhã para começar sua longa jornada de trabalho. “Clarimundo ajusta os óculos e, religiosamente, como tem feito todas as manhãs de sua vida, vai ao calendário arrancar a folhinha” (VERISSIMO, 1993, p. 4). Não obstante, a obra não consiste somente em narrar fatos cotidianos, mas junto destes fatos apresentar como cada uma das personagens reage às imposições da vida e a maneira que o autor faz isto revela as características desta obra literária.

Já em Um lugar ao sol, a narrativa é dividida em quatro partes, sem capítulos nomeados. Nesta obra é possível observar uma profundidade maior em relação às personagens, bem como às reflexões geradas por elas. Como dito anteriormente, as personagens Noel e Fernanda são retomadas, eles, agora casados, enfrentam as dificuldades da vida juntos. Assim como em Caminhos Cruzados, em Um lugar ao sol há núcleos sociais, no entanto, diferentemente do que ocorre na primeira obra, os núcleos sociais abastados quase desaparecem, exceto quando há presença de festas e bailes. As personagens principais que compõem estes núcleos são: Dona Clemência, sua filha Clarissa e seu sobrinho Vasco; Fernanda, seu esposo Noel, sua mãe D. Eudóxia e seu irmão Pedrinho; Magnólia, seu esposo Orozimbo e sua filha Luciana; Amaro, Conde austríaco Oskar e o médico Dr. Seixas. As histórias destas personagens são reveladas a partir do encontro entre elas.

Assim, tanto em Caminhos cruzados quanto em Um lugar ao sol a luta humana está presente, seja ela interna ou externa. Apesar de serem obras que apresentam alguns temas em comum, no presente artigo Um lugar ao sol será o sujeito das discussões estabelecidas.

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Uma leitura superficial pode esconder algumas reflexões importantes que ocorrem na obra, visto que a princípio o leitor pode se deter somente em um aspecto evidente, como por exemplo, as dificuldades financeiras pelas quais todas as personagens enfrentam, e que seria o estopim para certas reflexões que permeiam todo o romance, mas que não representam todas as discussões abordadas. Portanto, somente uma compreensão mais profunda permitiria ao leitor entrar em contato com outros aspectos da obra.

Desta maneira, a compreensão ativa do discurso feita pelo leitor é de extrema importância para que se traga algo de novo para a compreensão do discurso e se estabeleça novos sentidos para ele. Sobre este aspecto Mikhail Bakhtin, em Questões de literatura e de estética, afirma que uma “compreensão passiva” do discurso não é de fato uma compreensão efetiva, uma vez que não é assimilado e muito menos ultrapassa os limites do contexto. Para ele, a “compreensão ativa”, ou seja, aquela que não é somente uma reprodução do discurso, está diretamente ligada à resposta que se dá ao discurso interiorizado e compreendido pelo leitor.

Bakhtin ao refletir a importância de uma compreensão efetiva do discurso reafirma a importância do leitor, sobretudo um leitor ativo e atento. E acrescenta que, na tessitura do discurso uma resposta já é esperada: “Todas as formas retóricas e monológicas, por sua construção composicional, estão ajustadas no ouvinte e na sua resposta” (BAKHTIN, 1990, p.89). Assim, cabe ao leitor dar as respostas a este discurso e, consequentemente, dialogar com ele. Este diálogo é efetivado somente por meio da compreensão do texto.

Sobre este diálogo estabelecido entre discurso e leitor, Umberto Eco em Obra aberta (1968) também aborda a questão ao refletir sobre a obra aberta, um tema tão caro a ele e que possibilita muitas discussões. Para o autor italiano, uma obra aberta não é necessariamente uma obra sem delimitações ou que apresente total autonomia ao seu intérprete. Para ilustrar sua teoria ele exemplifica com algumas obras, como o poema Art Poétique, de Verlaine, no qual o intérprete tem a liberdade de usar sua criatividade e suas emoções a fim de completar o sentido da obra. No entanto, esta ação só é possível por meio da própria obra, visto que ela apresenta indicações ao leitor, ou seja, uma espécie de caminho pelo qual o leitor deve percorrer. Estas indicações podem ser, por exemplo, palavras que estimulam o mundo interior do intérprete para que, desta maneira, ele encontre respostas para a compreensão do discurso.

Ainda para Eco, uma obra mesmo que inicialmente não tenha sido criada para ser “aberta”, que foi produzida e acabada em si, pode ser considerada aberta visto que

No ato de reação à teia dos estímulos e de compreensão de suas relações, cada fruidor traz uma situação existencial concreta, uma sensibilidade particularmente

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condicionada, uma determinada cultura, gostos, tendências, preconceitos pessoais, de modo que a compreensão da forma originária se verifica segundo uma perspectiva individual. (ECO, 1968, p.40)

Assim, segundo o autor italiano não é necessário que uma obra apresente um “inacabamento” proposital para ser considerada aberta, visto que cada leitor trará à leitura suas vivências e suas experiências individuais, bem como sua visão de mundo. Portanto, uma mesma obra poderá apresentar diversas interpretações, mesmo que feita pelo mesmo leitor, já que uma leitura nunca é igual a outra. A cada leitura percebem-se elementos novos e aspectos que antes eram obscuros passam a ser iluminados a partir do trajeto da leitura.

A partir das leituras de Mikhail Bakhtin e de Umberto Eco fica claro que cada discurso apresenta tanto lacunas a serem preenchidas pelo leitor atento, quanto sinais para seu intérprete: seu modo próprio de ser lido. Além disso, o leitor atento é posto em evidência como peça fundamental para a compreensão do discurso e, somente por meio de uma leitura ativa o leitor torna-se capaz de fornecer respostas e trazer algo de novo para o discurso, algo que vai além do limite de seu contexto. Esta resposta seria, então, a concretização do diálogo estabelecido entre discurso e leitor, tão importante para a compreensão, já que como afirma Bakhtin é impossível uma compreensão sem uma resposta.

Literatura: percepção do mundo

Todas estas questões abordadas, tanto das múltiplas vozes presentes no discurso, quanto da obra aberta, são encontradas em Um lugar ao sol, de Erico Verissimo. Ao longo do romance, podem-se observar as inúmeras vozes que o permeiam e que são um dos elementos formadores da estética da obra. Para Bakhtin,

O romance é uma diversidade social de linguagens organizadas artisticamente, às vezes de línguas e de vozes individuais. A estratificação interna de uma língua nacional única em dialetos sociais, maneirismos de grupos, jargões profissionais, linguagens de gêneros, fala das gerações, das idades, das tendências, [...] enfim, toda estratificação interna de cada língua em cada momento dado de sua existência histórica constitui premissa indispensável do gênero romanesco. (BAKHTIN, 1990, p.74)

Desta maneira, as múltiplas vozes que são encontradas em um romance, como no de Erico Verissimo, fazem parte da estilística do romance. Esta multiplicidade, portanto, além de compor estilisticamente a obra, traz ao romance do autor brasileiro instrumentos importantes para algumas

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discussões. Antes, porém, de adentrar a discussões estabelecidas por meio das vozes das personagens se faz necessário abordar a questão do discurso.

Sabe-se que, a obra Um lugar ao sol foi publicada em 1936, ou seja, em uma década de intensa atividade política no Brasil, principalmente com a Revolução de 1930, que culminou na tomada de poder pelo governador do Rio Grande do Sul, Getúlio Vargas. Este período teve basicamente duas fases: a primeira conhecida como Governo Provisório (1930-1934), que se caracterizou pelo confronto político entre as oligarquias dissidentes e tenentes, bem como pela dissolução da Constituinte de 1891, sendo que o presidente teria o direito de exercer os poderes Legislativo e Executivo até a organização de uma nova Constituinte. Já a segunda fase do governo Vargas (Governo Constitucional: 1934-1937) foi marcada pelo aparecimento de duas forças ideológicas: a Aliança Nacional Libertadora (ANL), de tendências de esquerda, e a Ação Integralista Brasileira, de caráter fascista. As primeiras manifestações desses novos grupos geraram repressão policial e um novo diploma legal, A “Lei de Segurança Nacional”, que fortalecia os poderes do presidente. Após o fechamento da ANL e da repressão ao levante comunista, em novembro de 1935, o Congresso aprova o decreto do estado de sítio, que foi prorrogado até meados de 1937. Com isso, houve um reforço do autoritarismo que culminou no golpe de 1937.

É neste cenário político brasileiro que a obra de Erico Verissimo é concebida e publicada. Portanto, em um momento conturbado e de grandes mudanças sociais, o autor, sensível a estas transformações, é capaz de transformá-las e inseri-las de modo único em seu discurso. Logo, este momento da história brasileira reflete em sua obra. Sobre esta questão, Bakhtin afirma que

O enunciado existente, surgido de maneira significativa num determinado momento social e histórico, não pode deixar de tocar os milhares de fios dialógicos existentes, tecidos pela consciência ideológica em torno de um dado objeto de enunciação, não pode deixar de ser participante de um diálogo social. (BAKHTIN, 1990, p.86)

E este diálogo social ocorre ao longo de todo o percurso discursivo. Logo no início da narrativa este diálogo já está presente em alguns elementos que ali se encontram como o clima de tensão e angústia predominantes na cena de velório de João de Deus, sua morte na véspera de ano novo é resultado de um homicídio que será depois explicado, assim é neste tom sombrio e sufocante que o leitor é inserido. João de Deus era ligado à política, por isso seu inimigo, o prefeito, manda um capanga tirar-lhe a vida:

O grupo aumentava aos poucos. Chegavam automóveis. Curiosos e excitados acotovelavam-se, quase se agrediam, suados. Formavam-se discussões. O nome do prefeito ligado ao de João de Deus e ao capanga Zé Cabeludo andava de boca

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