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Política de Concorrência: um estudo comparado entre o Brasil e a União Européia

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Revista da AMDE – ANO: 2015 – VOL. 14

Política De Concorrência:

Um Estudo Comparado Entre O Brasil E A

União Européia

Anna Carolina de Oliveira Azevedo

Rômulo Magalhães Fernandes

O presente artigo visa analisar os desafios e os entraves da política de concorrência no contexto atual de mundialização da economia. A partir de uma pesquisa bibliográfica, aprofunda-se a doutrina e a jurisprudência sobre a política econômica de concorrência estabelecendo um paralelo entre as regras aplicadas no Brasil e na União Européia. A política de concorrência desempenha um papel fundamental na consolidação do mercado interno e externo dos países e blocos econômicos, na medida em que é capaz de regular os agentes comerciais e evitar práticas desleais no mercado. Apesar das diferenças entre a realidade brasileira e européia, nota-se, de forma geral, o empenho da sociedade e dos governos em se criar uma cultura de livre concorrência, em que se torna possível associar desenvolvimento econômico e respeito aos direitos dos cidadãos. Dessa forma, o estudo comparativo entre o Brasil e a União Européia contribui para o aprimoramento do sistema jurídico e da atuação das instituições que regulamentam a matéria de concorrência, apontando novos desafios para o próximo período.

Palavras-chave: Brasil. Concorrência. União Européia.

Resumo

This article aims to analyze the challenges and competition policy barriers in the current context of economic globalization. From a literature search, deepens the doctrine and case law on economic competition policy establishing a parallel between the rules applied in Brazil and the European Union. Competition policy plays a key role in consolidating the internal and external markets of countries and economic blocs, in that it is able to regulate commercial agents and prevent unfair practices in the market. Despite the differences between Brazilian and European reality, there is, in general, the participation of society and governments in creating a culture of free competition, where it is possible to combine economic development and respect for the rights of citizens. Thus, the comparative study of Brazil and the European Union contributes to the improvement of the legal system and the performance of the institutions that regulate the competition, pointing new challenges for the next period.

Keywords: Brazil. Competition. European Union.

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1. INTRODUÇÃO

As origens da política de concorrência, ou antitruste, em sua denominação original, remontam ao processo de concentração e centralização de capital nos países industrializados no último quartel do século XIX (SALGADO, 2015, p. 1).

Conforme Gerson Anversa, Nessa ocasião o capitalismo se mostrou um modo-de-produção amadurecido. É possível afirmar que a construção da política antitruste surge e se consolida como resposta à tendência, que parece ser imanente ao capitalismo, à concentração econômica e, consequentemente, ao risco de concentração do poder político nas mãos de poucos indivíduos ou grupos sociais (ANVERSA, 2004, p. 11).

A defesa da concorrência relaciona-se, necessariamente, com a tendência de interdependência entre as economias nacionais e do alargamento dos mercados, exigindo, cada vez mais, a cooperação entre as autoridades de concorrência de todo o mundo.

Segundo afirma Luis S. Cabral de Moncada, de um ponto de vista sociológico, a defesa da concorrência traduz-se na garantia de escolha racional de consumo e, sob uma ótica eminentemente política, significa salvaguardar o Estado da imposição arbitrária de interesses privados, por parte dos agentes detentores de poder econômico (MONCADA apud FIGUEIREDO, 2015, p. 1).

Dessa forma, a legitimidade da política de defesa da concorrência decorre do reconhecimento dos impactos negativos do exercício abusivo do poder de mercado para o interesse público, a exemplo de ineficiência, produtos e serviços de baixa qualidade, pouca inovação tecnológica, preços abusivos e aumento da concentração da renda (CARVALHO; JOPPERT, 2013, p. 14).

No atual contexto de mundialização da economia, percebe-se a consolidação de uma nova realidade em matéria de concorrência praticada por diferentes países e blocos econômicos. O que se visualiza é o predomínio da interdependência entre as economias e do alargamento dos mercados, exigindo-se, cada vez mais, uma maior cooperação entre as autoridades de concorrência no mundo.

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Para Martha Asunción Enríquez Prado, esse novo cenário é, notadamente, marcado pela abertura à concorrência de setores antes controlados pelo poder público, pelo desenvolvimento de novas tecnologias e pela liberalização do comércio internacional (2008, p. 118), destacando a necessidade da adequação dos agentes econômicos em matéria de concorrência.

A política da concorrência, além de definir regras que evitem práticas abusivas e desleais na atividade econômica, também deve estimular o crescimento por intermédio da promoção da produtividade, do empreendedorismo e da criação de condições para inovação tecnológica. Com isso, espera-se um mínimo de segurança jurídica nas relações econômicas, que garanta, ao mesmo tempo, o desenvolvimento econômico, a estabilidade dos países e blocos econômicos e a proteção dos seus cidadãos.

No Brasil, as primeiras iniciativas legislativas sobre concorrência datam da década de 1930, mas é a partir da promulgação da Constituição da República de 1988 que se consolida a política de defesa da concorrência. O texto constitucional estabelece um conjunto de regras que buscam combater situações de abuso do poder econômico, sem que isso implique no impedimento deste mesmo poder.

A União Européia, por sua vez, especialmente pela ação conjunta entre a Comissão Européia e as autoridades nacionais de concorrência dos Estados-Membros, aplica regras em matéria de concorrência que procuram coibir ou corrigir práticas anticoncorrenciais, supervisionar as fusões entre empresas e os auxílios estatais e incentivar a política de liberalização de mercados (COMISSÃO EUROPÉIA, 2014, p. 4).

O mercado de concorrência da União Européia, apesar de assegurar a liberdade de ação das empresas, não visa uma competição selvagem em que impera a lei do mais forte, ou, em outros termos, “o mercado comum europeu obedece, certamente, os princípios do laissez passer, mas não consente o lassez faire socialmente irresponsável” (CAMPOS, 1997, p. 489).

Diante dessas duas realidades específicas, o presente artigo busca apresentar um panorama geral sobre o direito de concorrência no Brasil e na União Européia,

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destacando os principais desafios, ou mesmo entraves, para a consolidação dessa política na atualidade.

Para tanto, desenvolve-se um estudo da doutrina e da jurisprudência brasileira e européia sobre o tema da concorrência, estabelecendo um paralelo entre esses dois contextos, que guardam diferenças e proximidades na forma de conduzir suas diretrizes econômicas e políticas.

No primeiro capítulo, apresenta-se a evolução da ordem constitucional e dos outros desdobramentos jurídicos no que se refere à política de concorrência no Brasil e no MERCOSUL. Espera-se, com isso, analisar a concorrência sem perder de vista outros princípios constitucionais brasileiros, como da ordem econômica, da livre concorrência e da defesa do consumidor, bem como as demais regras sobre a repressão ao abuso do poder econômico no âmbito do MERCOSUL.

No capítulo seguinte, busca-se identificar e caracterizar a noção de concorrência desenvolvida na União Européia ao longo dos últimos anos, em particular, a partir da vigência do Tratado de Lisboa em 2007. Durante esse processo, nota-se a formação de um sistema jurídico e orgânico que tenta construir uma visão ampla da concorrência, considerando a perspectiva das empresas, dos consumidores e da eficiência do mercado como um todo.

Por fim, no terceiro capítulo, este artigo sinaliza três desafios centrais para a política de concorrência, tanto para o Brasil quanto para a União Européia. Esses desafios consideram, dentre outros aspectos, os efeitos da competitividade para o desenvolvimento econômico de um país, o contexto de liberalização de mercados e a importância da atuação de instituições supranacionais na resolução de conflitos em matéria de concorrência.

2. POLÍTICA DE CONCORRÊNCIA NO BRASIL

No Brasil, os antecedentes legislativos relacionados à defesa da concorrência datam da década de 1930: a primeira referência expressa à liberdade econômica na Constituição de 1934 e o Decreto-lei nº 869, de 18 de novembro de 1938, que, visando à

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proteção da economia popular, caracterizava como delito condutas destinadas a impedir ou dificultar a concorrência (SALGADO, 2015, p. 11).

A primeira legislação antitruste, porém, encontra seu marco em 1962, com a edição da Lei nº 4.137, de 26 de setembro, que criou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), entidade vinculada à Presidência da República, com atribuições de coibir o abuso do poder econômico (SALGADO, 2015, p. 12).

Em sua primeira fase, de 1963 a 1990, o Cade cuidou de 337 procedimentos ingressados, dos quais foram instaurados 117 processos e apenas 16 foram condenados. Destes, todos tiveram a condenação suspensa pelo Poder Judiciário, após recurso das partes inconformadas. Ademais, nenhum dos processos com base na lei antitruste vigente teve repercussão significativa, no sentido de ter chegado a condenar empresa de grande porte no país [...] (SALGADO, 2015, p. 12-13).

Como elementos limitadores da eficácia dessa legislação antitruste, são apontados: a) a tradição jurídica brasileira de antecipar a norma ao fato, sendo que, no início dos anos 60, não se podia falar ainda da consolidação de um padrão de concorrência capitalista cujas regras fosse necessário disciplinar; b) o padrão intervencionista do Estado brasileiro, historicamente anterior à sociedade e estruturador do mercado; c) o modelo norte-americano que inspirou todas as legislações antitruste, idealizado no trinômio liberdade individual, propriedade privada e igualdade de oportunidades (SALGADO, 2015, p. 13).

Ademais, vale ressaltar que o padrão brasileiro de desenvolvimento econômico e produtivo da década de 1970 estruturava-se a partir do papel do Estado:

Do mesmo modo como, desde os anos 30, a estrutura industrial brasileira fora montada com a iniciativa, o estímulo e o apoio do Estado, os padrões de concorrência capitalista predominantes foram também, em grande medida, uma obra “pública” (SALGADO, 2015, p. 13).

Destaca-se, ainda, a fragilidade e/ou a ausência de provas das supostas práticas desleais e anticoncorrenciais, num contexto de limitados mecanismos de instrução dos processos julgados e pouca efetividade das ações do Cade nessa época (CARVALHO;

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JOPPERT, 2013, p. 44).

A Constituição da República de 1988 inaugurou uma nova fase das políticas de defesa da concorrência, ao definir, dentre os princípios da ordem econômica, a livre concorrência e a defesa do consumidor (art. 170, incisos VI e V), bem como prever, em seu artigo 173, §4º, a repressão ao abuso do poder econômico que vise ao domínio dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.

Note-se que a Constituição de 1988 não impõe o combate ao poder econômico, mas ao abuso desse poder. Tratando-se de Carta constitutiva de uma sociedade fundada sob a forma econômica capitalista, assegura a possibilidade de movimentação e conquista de espaço por agentes econômicos tidos como mais eficientes.

Nas palavras de José Afonso da Silva:

A Constituição reconhece a existência do poder econômico. Este não é, pois, condenado pelo regime constitucional. Não raro esse poder econômico é exercido de maneira anti-social. Cabe, então, ao Estado intervir para coibir o abuso. [...] Essa prática abusiva, que decorre quase espontaneamente do capitalismo monopolista, é que a Constituição condena, não mais como um dos princípios da ordem econômica, mas como um fator de intervenção do Estado na economia, em favor da economia de livre mercado (SILVA, 1999, p. 769).

Dada a nova ordem constitucional e o contexto de liberalização econômica, a defesa da concorrência ganhou força na década de 1990, com a aprovação da Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994. Dentre as principais contribuições desse diploma, podem-se citar a constituição do Cade como autarquia, a implementação do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), a instituição do controle de atos de concentração e a previsão de instrumentos efetivos de investigação contra condutas anticompetitivas (CARVALHO; JOPPERT, 2013, p. 15).

[...] Na linha do que vinha sendo feito por autoridades antitruste em todo o mundo, o Brasil transformou o combate a cartéis em prioridade e passou a lançar mão de algumas das mais avançadas ferramentas investigativas. O foco, a partir de 2003, foi a atuação repressiva aos cartéis. Essa conduta anticompetitiva caracteriza-se pela existência de acordo explícito ou implícito entre concorrentes de um setor econômico visando, principalmente, à fixação de preços e à divisão de mercados.

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Por meio de ação coordenada entre empresas que deveriam concorrer entre si, elimina-se a competição e a livre flutuação de preços. É um crime contra a ordem econômica e a mais grave forma de lesão à concorrência. Prejudica os consumidores com a elevação de preços e a restrição da oferta, compromete a inovação tecnológica e impede a entrada de novos produtos e processos no mercado (CARVALHO; JOPPERT, 2013, p. 90-91).

A Lei nº 8.884/1994 foi revogada pela Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, atualmente vigente, a qual deu nova estrutura ao SBDC e dispôs sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, tendo por perspectiva os ditames constitucionais.

Atualmente, o SBDC é formado pelo Cade, autarquia vinculada ao Ministério da Justiça, e pela Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (SEAE), conforme disposto nos artigos 3º e 4º da Lei nº 12.529/2011.

A lei n° 12.529 introduziu profundas alterações no SBDC. Tais alterações foram abrangentes, e envolveram não só a mudança no desenho institucional do SBDC, como também modificações substanciais nas suas principais áreas de atuação: a análise de estruturas, a análise de condutas e o exercício da advocacia da concorrência (CARVALHO; LIMA, 2012, p. 19).

Nos termos do Capítulo II, da Lei nº 12.529/2011, o Cade passa a ser composto por um Tribunal Administrativo de Defesa Econômica, encarregado de julgar os atos de concentração e processos administrativos para apuração de infração à ordem econômica; uma Superintendência-Geral, com atribuição para instruir os atos de concentração e os processos administrativos para apuração de condutas; e um Departamento de Estudos Econômicos, responsável pela elaboração de estudos e pareceres, com vistas à garantia do rigor técnico e da atualização científica do Conselho.

Nota-se, assim, a unificação das funções de investigação de casos de conduta, de instrução de atos de concentração e de decisão final no Cade, o que significou o abandono da sobreposição de funções entre agências distintas característica da estrutura anterior.

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Acerca da nova estrutura do Cade, vale destacar a seguinte observação:

Ao contrário do que ocorre na Comissão Européia (foco das críticas à combinação das funções investigativas e decisórias em uma mesma agência), o exercício das funções de investigação e de decisão já foi desenhado de forma claramente separada pelo legislador brasileiro, ainda que tais funções sejam atribuídas a um só ente da administração pública (CARVALHO; LIMA, 2012, p. 22).

A atuação do SBDC é pautada pelas diretrizes de controle das estruturas de mercado, de repressão à prática de atos anticompetitivos e de promoção da cultura em matéria de concorrência.

Em relação ao controle das estruturas de mercado, a Lei nº 12.529/2011 inovou ao prescrever o controle prévio dos atos de concentração econômica que devam ser obrigatoriamente submetidos à aprovação do Cade. Assim, tais atos não poderão ser consumados antes de apreciados pelo Conselho, de forma que até a decisão final sobre o ato de concentração, deverão ser preservadas as condições de concorrência entre as empresas envolvidas.

A nova legislação trouxe avanços também no controle de condutas, a exemplo de novos critérios para a aplicação de multas, ampliação das hipóteses de concessão de leniência e reforço na persecução civil e criminal de cartéis no país (CARVALHO; LIMA, 2012, pp.3 1-32).

Quanto à terceira diretriz mencionada, vale destacar as atribuições da SEAE/MF previstas no artigo 19 da Lei nº 12.529/2011, voltadas quase que exclusivamente à advocacia da concorrência, que consiste, em suma, “na promoção da cultura da concorrência entre os órgãos do governo e perante a sociedade” (ROQUE, 2012, p. 71).

1.1. A política de defesa da concorrência no MERCOSUL

A política de concorrência tem funções peculiares e fundamentais nos blocos econômicos regionais, como é o caso do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), do qual o Brasil faz parte, concernentes ao auxílio no processo de integração.

Há, assim, uma íntima relação entre concorrência e integração. É que a integração de mercados favorece a concorrência, por permitir que os agentes

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econômicos se estabeleçam no local mais vantajoso, de sorte a reduzir custos e aumentar a produtividade. Dessa forma, as empresas fazem uso de todos os meios disponíveis, buscando reduzir os preços dos bens e serviços e aperfeiçoando os produtos, com fito de satisfazer as expectativas dos consumidores, os quais são ainda beneficiados pela entrada de novos produtos no mercado. Por outro lado, a concorrência traz avanços à integração, pois garante a competição entre os agentes econômicos, os quais podem sair de forma transfronteiriça para abrir filiais e fusionar-se em busca de vantagens comparativas [...] (BARZA; GUIMARÃES, 2015, p. 8).

Até porque “seria inócuo afirmar a liberdade de circulação de mercadorias ou de capitais se se tolera a criação ou o uso de posições dominantes capazes de estabelecer entraves à entrada de produtos de concorrentes de outro Estado-Membro” (BARZA; GUIMARÃES, 2015, p. 8).

Em sentido diverso ao verificado na União Européia, o MERCOSUL não experimentou um grande desenvolvimento legislativo da matéria concorrencial. O Tratado de Assunção, de 1991, não estabeleceu princípios gerais sobre o tema e diretrizes básicas da política concorrencial mercosulina, ficando os Estados-Membros responsáveis pela posterior regulamentação da matéria (BARZA; GUIMARÃES, 2015, p. 24).

Em 1996, editado o Protocolo de Defesa da Concorrência do MERCOSUL, também chamado de Protocolo de Fortaleza, o qual previu, em geral, normas de defesa da concorrência aplicáveis em todo o bloco (Artigos 1º a 3º), os ilícitos a serem combatidos (Artigos 4º a 6º), a competência dos órgãos de aplicação do Protocolo (Artigos 8º e 9º), o procedimento a seguir para apurar e reprimir as práticas (Artigos 10 ao 21) e as penas aplicáveis aos infratores (Artigos 27 a 29), os procedimentos de cooperação entre os órgãos de defesa da concorrência nacionais (Artigo 30), a possibilidade de celebração de compromissos de cessação de prática (Artigos 22 a 26) e a forma de solução de controvérsias (Artigo 31).

O referido Protocolo foi ratificado apenas por Brasil e Paraguai. À sua edição, seguiu-se um período de inatividade, vinculado a um contexto de internalização a norma regional pelos países e de crises econômicas que afetaram a América do Sul (BARZA;

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GUIMARÃES, 2015, p. 18).

Já na década de 2000, houve mudanças na forma de construção do processo de desenvolvimento da defesa da concorrência no MERCOSUL, com a regulação vertical cedendo lugar a um processo de predomínio do fluxo horizontal, “em que as autoridades nacionais assumem o protagonismo, sendo reconhecidas pelos Estados como alternativas possíveis às tradicionais iniciativas dos meios diplomáticos” (BARZA; GUIMARÃES, 2015, p. 25). Atualmente, a matéria concorrencial é disciplinada pelo Acordo de Defesa da Concorrência do MERCOSUL, aprovado pela Decisão CMC 43/2010. Conforme aduzido por BARZA e GUIMARÃES:

[...] A nova regulação é menos ambiciosa que o Protocolo de Fortaleza, uma vez que consolida a importância dos modelos nacionais de proteção da concorrência para o desempenho eficiente do sistema e prevê a eliminação das condutas anticompetitivas através das regulações nacionais. Por outro lado, apesar de não definir os comportamentos proibidos, como ocorria no sistema anterior, o Acordo os enuncia, de modo geral (prática anticompetitiva e concentração econômica), tendo em vista que tais condutas devem ser qualificadas de acordo com as normas nacionais (2015, p. 22).

Até o momento, somente a Argentina ratificou o citado Acordo.

3. POLÍTICA DE CONCORRÊNCIA NA UNIÃO EUROPÉIA

Atualmente, a União Européia possui um mercado comum composto por 28 países e com uma produção total de bens e serviços, em 2012, de €12.945.402 (doze milhões, novecentos e quarenta e cinco mil, quatrocentos e dois euros).

Mesmo com um longo e gradativo processo de integração econômica e política, os diferentes Tratados da União Européia não forneceram um conceito definitivo sobre. A União Européia não defende uma concorrência pura e perfeita, mas uma concorrência praticável, que considere as especificidades do continente europeu. Num cenário de mercado comum tradicionalmente pouco concorrencial, a política de concorrência efetiva e eficaz deve ter como finalidade garantir a presença na economia de um número suficiente de empresas independentes, funcionando em condições adequadas a proporcionar aos consumidores e usuários uma razoável possibilidade de escolha (CAMPOS, 1997, p. 491).

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entendimento sobre as regras de concorrência apresentaram variações (RODRIGUES, 2008, p. 4). Com a assinatura do Tratado de Lisboa, em 2007, dividido em Tratado da União Européia (TUE) e Tratado de Funcionamento da União Européia (TFUE), as regras de concorrência passaram a considerar tanto a tutela da estrutura do mercado, pela qual se protegem os consumidores e as empresas em competição, quanto a tutela da defesa da concorrência sob a perspectiva da proteção da eficiência do mercado (RODRIGUES, 2008, p. 10).

2.1. O direito de concorrência na União Européia

O sistema jurídico das regras de concorrência da União Européia decorre, principalmente, dos artigos 101º a 109º do TFUE, dos Regulamentos da Comissão Européia nº. 139/2004 e nº. 1/2013. Essas regras buscam regularizar os comportamentos das empresas que são suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados-Membros e as intervenções dos Estados-Membros que afetem a concorrência leal no mercado interno europeu.

O artigo 101º do TFUE, nº. 1 determina que:

São incompatíveis com o mercado interno e proibidos todos os acordos entre empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas que sejam susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados-Membros e que tenham por objectivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno [...] (UNIÃO EUROPÉIA, 2010, p. 88).

5 Exemplo disso foi o Acórdão do TJUE de 25 de Outubro de 1977, Metro SB-Grossmaerkte & CO KG contra Comissão, Proc. 26/76 (CAMPOS, 1997, p. 491).

Tal proibição supõe o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: (1) a existência de duas ou mais empresas; (2) a coligação entre elas, na forma de acordo, decisão de associação de empresas ou práticas concertadas; (3) afetação do comércio entre os EstadosMembros; e, por fim, (4) a existência de uma restrição da concorrência que legitime a intervenção da Administração para defesa da liberdade de concorrência no mercado (GORJÃO-HENRIQUES, 2010, p. 655).

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individuais das empresas, e sim com as ações nas quais duas ou mais empresas estabelecem uma das coligações citadas acima.

Adverte-se, ainda, que basta que se trate de uma prática combinada ou um acordo informal para que se aplique o artigo 101º TFUE 6 (GORJÃO-HENRIQUES, 2010, p. 659), ou, em outras palavras, necessita-se apenas que o comportamento em causa seja suscetível de afetá-lo (CAMPOS, 1997, p. 493).

Outro requisito do artigo 101º (e também do 102º) do TFUE é a afeção do comércio dos Estados-Membros por conta de uma prática anticoncorrencial. Trata-se, de forma sintética, da prática de obstaculizar ou interferir – ainda que em nível potencial – na desejada realização do mercado interno (GORJÃO-HENRIQUES, 2010, p. 667).

Como último requisito é necessário a identificação de situações de restrição da concorrência. Neste caso, o artigo 101º TFUE não exige, necessariamente, que seja apurado o resultado do dano causado à concorrência leal, mas tão-somente a tentativa ou mesmo a intenção das partes7 envolvidas na prática anticoncorrencial para que seja considerado proibido. Além disso, na aplicação do artigo 101º do TFUE dispensa-se a necessidade de averiguação do propósito ou da intenção das partes em produzir os efeitos anticoncorrenciais, necessitando apenas que esses efeitos sejam considerados previsíveis8 (CAMPOS, 1997, p.516).

O artigo 102º do TFUE determina que:

É incompatível com o mercado interno e proibido, na medida em que tal seja susceptível de afectar o comércio entre os Estados-Membros, o facto de uma ou mais empresas explorarem de forma abusiva uma posição dominante no mercado interno ou numa parte substancial deste (UNIÃO EUROPEIA, 2010, p. 89).

Esse artigo não proíbe a existência de uma empresa em posição dominante no mercado, bem como não sanciona os esforços que uma empresa dinâmica ou grupo de empresas realizem para conquistar tal posição (CAMPOS, 1997, p. 541), mas coíbe a prática abusiva da empresa em situação dominante em determinado mercado.

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O artigo 102º do TFUE possui três requisitos, entre os quais a afeção do comércio entre os Estados-Membros (assim como no artigo 101º do TFUE), a existência de uma posição dominante e o abuso dessa posição.

Entende-se como posição dominante aquela que exclui a existência de uma concorrência efetiva em determinado mercado e que supõe a capacidade da empresa dominante para exercer uma influência decisiva sobre os comportamentos das outras empresas do setor que, eventualmente, poderiam estar em concorrência (CAMPOS, 1997, p. 544).

Quanto à noção de exploração abusiva da posição dominante, pode ser esclarecida pela jurisprudência da União, uma vez que o artigo 102º não resultou em definição específica9 sobre tal tema. Dessa forma, existirá o abuso quando uma empresa utilizar o poder que dispõe no mercado para obter vantagens, como preço ou condições de transação não equitativas, que não poderia aspirar num quadro de concorrência efetiva (CAMPOS, 1997, p. 550).

Outro aspecto importante é o controle das operações de concentração, uma vez que a conjugação de forças entre empresas, por intermédio de operações de concentração, como a fusão, absorção, tomada de capital por acionista ou outras formas, pode restringir a concorrência e fortalecer uma posição dominante.

João de Mota Campos afirma que, conforme a jurisprudência da União, a concentração é uma prática anticoncorrencial combatida pelo artigo 86º do TCE [102º do TFUE] quando a empresa em posição dominante abusa dessa situação de domínio para vergar as empresas concorrentes à sua vontade, levando-as a aceitar uma concentração a que não adeririam se estivessem libertas da pressão daquela (CAMPOS, 1997, p. 563).

Nem todas as concentrações que restringem a concorrência são proibidas. Neste sentido, a Comissão Européia possui papel central na análise dessas operações de concentração, bem como na avaliação da sua proibição ou da adoção de medidas que tentam minimizar essa distorção na concorrência. Tais ações fundamentam-se no Regulamento (CE) nº. 139/2004, conhecido como “Regulamento das Concentrações”.

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O artigo 107º do TFUE aborda o tema dos auxílios estatais, afirmando que: 9 Ver Acórdão “CONTINENTAL CAN” de 21.2.1973 (CAMPOS, 2007, p. 50).

Salvo disposição em contrário dos Tratados, são incompatíveis com o mercado interno, na medida em que afectem as trocas comerciais entre os Estados-Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções (UNIÃO EUROPÉIA, 2010, p. 92).

Dessa maneira, não é permitida a concessão, pelos Estados-Membros, de auxílio para empresa, categoria de empresa ou setor da produção, que altere as condições de uma concorrência leal, estabelecendo, assim, vantagem à(s) empresa(s) beneficiária(s) dessa ajuda em face de seus competidores (CAMPOS, 1997, p. 593).

A noção de auxílio estatal do artigo 107º do TFUE é ampla e engloba auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam. Todavia, vale ressaltar que o artigo 107º nº. 2 do TFUE admite auxílios estatais que são ou podem ser compatíveis com o mercado interno, como no caso do nº. 3 do mesmo artigo. Elenca, dessa maneira, um conjunto de exceções.

2.2. Aplicação das regras de concorrência da União Européia

Assim como é importante um sistema jurídico para a defesa das regras de concorrência, torna-se fundamental um sistema orgânico, no qual diferentes instituições busquem salvaguardar as regras do Tratado de Lisboa e as demais orientações sobre a política de concorrência da União Européia (PRADO, 2008, p. 118).

A Comissão Européia e o Tribunal de Justiça da União Européia são os principais órgãos para garantir a aplicação do direito de concorrência. Além disso, destaca-se cada vez mais o apoio das autoridades nacionais dos Estados-Membros e de uma rede internacional de cooperação sobre o tema.

A Comissão Européia, no âmbito dos artigos 103º, 104º, 105º, 108º e 109º do TFUE, é encarregada de zelar pelo equilíbrio da concorrência na União Européia e, de uma forma geral, possui o privilégio da iniciativa legislativa e extensos poderes em

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matéria de concorrência para propor ações judiciais, investigar, decidir, sancionar e aplicar o direito material da União Européia.

A Comissão conta com a Direção Geral da Concorrência, órgão técnico e especializado, que atua em conjunto com as autoridades de concorrência dos Estados- Membros e a rede de cooperação internacional para intervir sempre que houver provas do desrespeito de regras concorrenciais, seja por empresas privadas ou públicas, seja pelos próprios governos dos Estados-Membros (SCHULTES, 2013, p. 32).

A Direção Geral, sem o papel de propor atos legislativos, é um órgão de atuação tipicamente administrativa no controle de concorrência, que pode impor medidas, multas e outras formas de intervir nessa regulação. Ressalta-se que os atos da Direção Geral estão sempre sujeitos à revisão do Tribunal de Justiça da União Européia (SCHULTES, 2013, p. 33).

Com a entrada em vigor do Regulamento (CE) nº. 1/2013 – que substituiu o Regulamento (CE) nº. 17/1962 – embora a Comissão tenha ampliado os seus poderes, o controle da concorrência na União Européia assumiu uma perspectiva de atuação descentralizada (GORJÃO-HENRIQUES, 2010, 646). Assim, a Comissão continua desempenhando papel central, mas, em determinada medida, passa a partilhar algumas atribuições com as autoridades e os tribunais nacionais.

O Tribunal de Justiça da União Européia, por sua vez, traz legitimidade e obrigatoriedade às normas supranacionais da União (SCHULTES, 2013, p. 26). A partir das atividades de consulta jurídica e de criação de jurisprudência, o Tribunal de Justiça exerce o controle judicial em matéria de concorrência na União Européia, tendo papel decisivo na interpretação do Tratado de Lisboa, na uniformização das decisões, no desenvolvimento da legislação e na possibilidade de rever as decisões da Comissão por intermédio de recurso.

De forma a enfatizar o papel desse órgão na política de concorrência da União Européia, vale citar exemplos de temas importantes que já foram abordados pelo Tribunal, como é o caso da definição da noção de concorrência, da delimitação da abrangência do conceito de empresa ou do conceito de abuso de poder do artigo 102º do

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TFUE. Tais decisões foram fundamentais para a aplicação e o processo de consolidação da política de concorrência no continente europeu. Por fim, cita-se o papel desempenhado pelas autoridades nacionais de concorrência e a Rede de Cooperação Internacional, que acaba por reforçar a tendência à descentralização da matéria.

Hoje, entende-se possível a aplicação paralela (cumulativa) dos ordenamentos nacionais e da União Européia, desde que respeitada a prevalência do direito da União Européia no caso concreto (GORJÃO-HENRIQUES, 2010, p. 648).

Outro aspecto da descentralização da aplicação das regras de concorrência é a cooperação e articulação entre autoridades nacionais e da União Européia em âmbito internacional, como na Rede Internacional de Concorrência (RIC). Trata-se de uma rede informal que articula as autoridades de concorrência em escala mundial, visando à partilha de experiências e à definição de recomendações, no sentido de uma política de concorrência mais ampla e harmônica, para benefício de associações, consumidores e economias de diferentes países.

4. NOVOS DESAFIOS NA DEFESA DA POLÍTICA DE CONCORRÊNCIA

Com a globalização e o processo de alargamento dos mercados mundiais, a política de concorrência desperta um conjunto de novos e complexos desafios. Tendo em vista o estudo comparativo entre o Brasil e a União Européia, este trabalho destaca três desafios centrais na defesa da política de concorrência: (1) o estímulo da competitividade como forma de desenvolvimento das economias dos países; (2) a importância da liberalização de alguns setores no mercado, visando estabelecer uma nova cultura de livre concorrência; e (3) o fortalecimento dos órgãos supranacionais, para que seja assegurado o cumprimento das regras de concorrência quando numa situação de divergência entre os países vizinhos e/ou do mesmo bloco econômico.

3.1. Competitividade como estratégia de superar os efeitos da crise

A economia brasileira e do continente europeu não ficaram imunes à crise financeira de 2008. Nesse contexto, a consolidação de uma política de concorrência mostra-se fundamental para a restauração da confiança e da retomada de crescimento

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econômico duradouro nessas regiões.

De forma geral, a concorrência deve estimular o crescimento econômico dos países através da promoção da produtividade, do empreendedorismo, da criação de condições de inovação tecnológica e do fortalecimento da base industrial. Tanto o Brasil quanto os Estados- Membros da União Européia precisam definir com centralidade uma agenda política que contemple ajustes estruturais e distribuição eficaz dos recursos, para assim vislumbrarem a superação da crise econômica.

Se por um lado a política de concorrência compreende a definição de um conjunto de regras restritivas às práticas anticoncorrenciais, por outro, também admite um conjunto de ações de caráter propositivo (MATHIJSEN, 1991, p. 290). Dessa forma, Brasil e União Européia carecem de planos estratégicos relacionados ao tema da concorrência, que conjuguem desenvolvimento e integração de suas economias.

O Brasil, por exemplo, pós-crise de 2008, manteve sua posição na produção de conhecimento científico e de inovação tecnológica entre os países em desenvolvimento, enquanto países como China e Coréia do Sul saltaram à frente (EM DISCUSSÃO, 2012, p. 1).

É inegável a importância da inovação tecnológica para a elevação da competitividade de um país e para o crescimento sustentável da sua economia. O Brasil, apesar de ser a sexta economia do mundo, ainda ocupa posição próxima à 50ª no ranking de países sobre a competitividade (BULLA, 2012, p. 1).

A União Européia, mais avançada numa perspectiva programática, tem desenvolvido iniciativas de inovação tecnológica e apoio à criatividade. A Comissão Européia lançou, no ano de 2010, “Uma Agenda Digital para a Europa” que, no intuito de acelerar a evolução da economia digital, admite a proposição de recomendações que coíbem, com maior agilidade, práticas ilícitas de empresas dominantes no ramo de Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC), evitando a saída precoce do mercado de pequenas empresas concorrentes (COMISSÃO EUROPÉIA, 2014, p. 18). A União Européia também busca apoiar os “bons” auxílios estatais que estimulem a investigação, o desenvolvimento e a inovação (I&D&I), e, assim, a competitividade no espaço

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econômico europeu. Segundo o relatório da Comissão, de 2007 a 2013, esse órgão autorizou mais de 200 iniciativas de auxílios estatais com essa finalidade (COMISSÃO EUROPÉIA, 2014, p. 10).

Outra ação estratégica da União Européia é o “Plano de Ação do Empreendedorismo 2020”, que almeja superar o contexto de desemprego da Europa e recuperar as pequenas e médias empresas (PME), criando condições para uma concorrência leal nessa área. Como alerta o estudo sobre o Plano, “existem na Europa mais de 25 milhões de desempregados e, na maioria dos Estados-Membros, as pequenas e médias empresas (PME) ainda não conseguiram recuperar para os níveis pré-crise” (COMISSÃO EUROPÉIA, 2013, p. 13).

3.2. Liberalização de mercados: possibilidades e riscos

Para uma política de concorrência eficaz é fundamental que exista uma igualdade de condições mínimas de concorrência entre as empresas ou países envolvidos e que se busque a criação de uma nova cultura de livre concorrência. Por vezes, muitas empresas, países ou blocos econômicos não possuem tal prática, resistindo a aceitar qualquer tipo de restrição a sua autonomia ou reorganização dos parâmetros de concorrência.

Nesse contexto, a liberalização da economia apresenta-se como um grande desafio, principalmente, quando se considera serviços estratégicos para o desenvolvimento local ou regional ou aqueles de interesse público (CARNEIRO, 2007, p. 88). Entre os eixos de atuação da política de concorrência, a liberalização implica “na abertura ao mercado de setores anteriormente regidos em monopólio público” (MOREIRA, 2009, p. 9), possibilitando à iniciativa privada a exploração de serviços, como transporte, energia, gás, etc.

Todavia, nem sempre o fim do monopólio estatal gera competitividade, na medida em que podem ser substituídos pela existência de monopólios de caráter privado. Dessa forma, as regras de concorrência ao definirem os parâmetros da de tal liberalização, necessariamente, devem considerar contexto econômico, social e político dos países e pelos riscos do abuso da posição dominante por grandes empresas, o que

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pode ampliar as disparidades na relação econômica, ao invés de diminuí-las.

Liberalização econômica, nesse sentido, não se confunde com a política de privatização, típica de agendas neoliberais. No contexto de concorrência, a meta da liberalização não é a consolidação de um “Estado mínimo”, mas sim, do deslocamento da atuação estatal do campo empresarial para o domínio da disciplina jurídica, com a ampliação do seu papel na regulação e fiscalização dos serviços públicos e das atividades econômicas (BARROSO, 2006, p. 56).

3.3. Fortalecimento das instituições de aplicação das regras de concorrência

Segundo Martha Asunción Enríquez Prado, a União Européia acertou ao incorporar normas de defesa da concorrência no seu Tratado de Fundação, inibindo, assim, a formação de estruturas e poder de mercado em mãos de uma ou mais empresas e o abuso do poder de mercado. Contudo, dispor de normas não é suficiente, indispensáveis são os órgãos supranacionais que apliquem sanções para um resultado efetivo (PRADO, 2008, p. 118).

Como foi analisado no Capítulo 2 deste artigo, o direito vigente na União Européia é caracterizado por normas supranacionais que gozam de supremacia em relação às normas internas dos Estados que a compõe, o que permite uma maior homogeneidade nas relações comerciais e humanas no continente (PINTO, 2012, p. 1).

Nessa linha de pensamento, a experiência da União Européia deveria ser assimilada pelo Brasil, em especial na condução da política de concorrência entre os Estados-Membros do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL).

Diferentemente da União Européia, o MERCOSUL não possui um sistema jurídico e orgânico para lidar com os conflitos de concorrência, em outras palavras, que consiga conjugar regras específicas de concorrência com a capacidade de resolução de divergências entre os países. O exemplo da União Européia deve estimular o MERCOSUL na criação de órgãos supranacionais, dentro das especificidades dos seus Estados-Membros e do processo histórico desse bloco, para assegurar uniformidade de interpretação e aplicação das regras de concorrência.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A política de concorrência, de forma geral, deve representar um sistema jurídico e orgânico que busque regularizar os comportamentos das empresas e dos governos suscetíveis a prejudicar o comércio e a concorrência leal de mercado.

No Brasil, a promulgação da Constituição da República de 1988 representou a fase de consolidação da política de defesa da concorrência no país, uma vez que as relações de comerciais passam as ser reguladas por um conjunto de normas que buscam conter situações de domínio do poder econômico, quando estas inviabilizem a competitividade, o desenvolvimento e o respeito aos consumidores.

Na perspectiva do MERCOSUL, a concorrência cumpre papel decisivo na integração e na ampliação de mercados. Diversos agentes econômicos desse mercado, a partir das mesmas regras de concorrência, podem competir e estimular a eficiência econômica da região. Contudo, em comparação com outros blocos econômicos regionais, o MERCOSUL ainda carece de um sistema de regras jurídicas aliado às organizações supranacionais que sejam capazes de definir com exatidão comportamentos proibidos e possíveis punições.

A União Européia, por sua vez, mostra-se eficaz na sua proposta de promoção da política de concorrência baseada na iniciativa privada e na competitividade comercial, na medida em que estabelece um mercado comum e reduz as barreiras protecionistas dos Estados-Membros na circulação de mercadorias e serviços. Ademais, os tratados mais atuais têm admitido uma perspectiva ampliada da política da concorrência que tenta minimizar as conseqüências da livre circulação de mercado, como restrição à formação de monopólios por setores privados, e que incentivam ações de proteção dos direitos dos consumidores europeus.

A análise comparativa entre o Brasil e a União Européia acerca da política de defesa da concorrência indica uma agenda política pautada em três direções na atualidade: 1) no estímulo à competitividade; 2) na liberalização de setores específicos para concorrência no mercado; e 3) na consolidação de um sistema jurídico e orgânico efetivo no âmbito da concorrência.

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Nesse sentido, ressalta-se o posicionamento de Mathijsen no qual a política de concorrência não deve ser vista como um fim em si mesmo, mas como um instrumento efetivo à disposição dos países, para assegurar os objetivos que elegeram como prioritários (MATHIJSEN, 1991, p. 290).

Apesar das diferenças entre a realidade brasileira e européia, nota-se, de forma geral, o empenho da sociedade e dos governos em se criar uma cultura de livre concorrência, em que se torne possível associar desenvolvimento econômico e respeito aos direitos dos cidadãos.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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