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A representação do Amor Sacrificial em The Happy Prince and other Tales (1888) e A House of Pomegranates (1892)

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS. A Representação do Amor Sacrificial em The Happy Prince and Other Tales (1888) e A House of Pomegranates (1892). Rita Duarte Cordeiro. DISSERTAÇÃO MESTRADO EM ESTUDOS INGLESES E AMERICANOS Área de Especialização de Estudos Literários. 2016.

(2) UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS. A Representação do Amor Sacrificial em The Happy Prince and Other Tales (1888) e A House of Pomegranates (1892). Rita Duarte Cordeiro. Dissertação orientada pela Prof.ª Teresa Casal e co-orientada pela Prof.ª Ana Raquel Fernandes. MESTRADO EM ESTUDOS INGLESES E AMERICANOS 2016 II.

(3) A Representação do Amor Sacrificial em The Happy Prince and Other Tales (1888) e A House of Pomegranates (1892) copyright © Rita Cordeiro. A Representação do Amor Sacrificial em The Happy Prince and Other Tales (1888) e A House of Pomegranates (1892) copyright © Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. A Representação do Amor Sacrificial em The Happy Prince and Other Tales (1888) e A House of Pomegranates (1892) copyright © Universidade de Lisboa. A Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e a Universidade de Lisboa têm licença não exclusiva para arquivar e tornar acessível, nomeadamente através do seu repositório institucional, esta dissertação, no todo ou em parte, em suporte digital, para acesso mundial. A Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e a Universidade de Lisboa estão a autorizadas a arquivar e, sem alterar o conteúdo, converter a dissertação entregue, para qualquer formato de ficheiro, meio ou suporte, nomeadamente através da sua digitalização, para efeitos de preservação e acesso.. III.

(4) Resumo - A Representação do Amor Sacrificial em The Happy Prince and Other Tales e A House of Pomegranates. A presente dissertação, apresentada no âmbito do Mestrado em Estudos Ingleses e Americanos, tem como objectivo abordar a representação do amor sacrificial nas colectâneas de contos de Oscar Wilde, The Happy Prince and Other Tales (1888) e A House of Pomegranates (1892), e articulá-la com a caracterização genológica dos contos, de forma a ponderar o modo como Oscar Wilde usa as convenções do conto de fadas na construção dos seus contos, tendo sempre em conta o duplo enquadramento do autor – o vitorianismo inglês e o contexto irlandês. Esta dissertação consiste em três capítulos, para além da introdução e da conclusão. O primeiro capítulo incide sobre a contextualização de questões teóricas acerca da definição de fairy tale, enquanto género e forma de arte literária. O segundo capítulo apresenta uma contextualização dos contos de Wilde na época vitoriana. O terceiro capítulo analisa criticamente a representação de amor sacrificial em “The Happy Prince”, “The Nightingale and the Rose”, “The Fisherman and His Soul” e “The Star-Child” e considera o modo como estes contos utilizam as convenções dos contos das fadas. Neste estudo sobre um corpus e um tema ainda pouco estudado pela crítica literária, apoiar-me-ei no trabalho de autores como Jarlath Killeen (2007), Jack Zipes (1983, 2000, 2012), Donald Haase (2008), Peter Raby (1997), Marina Warner (2014), Elisabeth Harris (2003), Anne Markey (2015), entre outros. Espero assim, trazer uma nova abordagem aos contos de Oscar Wilde em termos temáticos e genológicos.. Palavras-chave: fairy tale, amor sacrificial, Oscar Wilde, arte, vitorianismo.. IV.

(5) Abstract - The Representation of Sacrificial Love in The Happy Prince and Other Tales and A House of Pomegranates. The present dissertation, presented within the Masters in English and American Studies, aims to address the representation of sacrificial love in Oscar Wilde's collections of fairy tales, The Happy Prince and Other Tales (1888) and A House of Pomegranates (1892); concurrently, it considers these narratives’ genre in order to assess how Oscar Wilde uses the fairy tale conventions in the construction of his tales, taking always in consideration the author’s dual framework - the English Victorianism and the Irish context. This dissertation consists of three chapters, besides the introduction and the conclusion. The first chapter focus on the contextualization of theoretical questions about the definition of fairy tale as a genre and a form of literary art. The second chapter presents a contextualization of Wilde’s tales in the Victorian era. The third chapter critically analyses the representation of sacrificial love in “The Happy Prince”, “The Nightingale and the Rose”, “The Fisherman and His Soul” and “The Star-Child”; and considers the form how they make use of the fairy tale conventions. In this study of a corpus and topic which still has been little studied by literary criticism, I rely on the work of authors such as Jarlath Killeen (2007), Jack Zipes (1983, 2000, 2012), Donald Haase (2008), Peter Raby (1997), Marina Warner (2014), Elisabeth Harris (2003), Anne Markey (2015), among others. I hope to bring a new thematical and genealogical insight into Oscar Wilde tales. Key-words: fairy tale, Sacrificial Love, Oscar Wilde, art, Victorianism.. V.

(6) Índice Introdução. 7. 1 - Questões teóricas sobre Fairy Tales. 11. 1.1 – A génese do fairy tale. 12. 1.2 - A importância do fairy tale no Romantismo. 17. 1.3 - O fairy tale na época Vitoriana. 22. 2 – Os contos de Oscar Wilde na época Vitoriana. 25. 2.1 - O esteticismo e a estética de Wilde. 27. 2.2 - O contexto ficcional de Wilde. 30. 3 - A Representação do Amor Sacrificial. 39. 3.1 - “The Happy Prince”. 42. 3.2 - “The Nightingale and the Rose”. 49. 3.3 - “The Fisherman and His Soul”. 57. 3.4 - “The Star-Child”. 65. Conclusão. 76. Bibliografia. 79. VI.

(7) Introdução. Quando, hoje em dia, se fala na obra de Oscar Wilde, é provável que o público adulto se lembre mais frequentemente das suas peças, ensaios ou mesmo do seu único romance, enquanto o público infanto-juvenil provavelmente recordará melhor os seus contos. Alguns dos seus trabalhos mais conhecidos, como por exemplo, as peças Salome (1891) ou The Importance of Being Earnest (1895), e até mesmo o romance The Portrait of Dorian Gray (1890), despertaram e continuam a suscitar um grande e recente interesse literário, sobretudo por parte de críticos e académicos, mas também do público em geral. Mas os contos (que são o objecto de estudo do presente trabalho), por tenderem a ser associados à literatura infantil, tradicionalmente considerada uma literatura menor, têm merecido menor atenção por parte da crítica literária. Oscar Wilde (1854-1900) foi, sobretudo, um poeta e dramaturgo, mas também um ensaísta e contista irlandês, que foi considerado o primeiro líder do movimento estético ao defender o conceito da “arte pela arte”. Não é por acaso que Wilde continua a ser considerado por muitos estudiosos, como Jarlath Killen (2007) ou Jack Zipes (2000), como o grande génio literário da época vitoriana. Considerando o duplo enquadramento do autor, isto é, o facto de Wilde ter construído a sua identidade a partir das suas origens irlandesas e da sua vivência adulta na Inglaterra vitoriana, foram sobretudo a sua singularidade e a sua excentricidade que o fizeram destacar-se na sociedade inglesa como escritor anglo-irlandês. Por outro lado, embora o escândalo da sua prisão, na sequência do seu julgamento sob a acusação de práticas homossexuais, tenha manchado significativamente a sua reputação e afectado a sua carreira literária, o certo é que a sua obra continua a ser lida e estudada com interesse. O meu trabalho incide sobre os contos de Oscar Wilde, publicados em The Happy Prince and Other Tales (1888) e A House of Pomegranates (1892), que têm merecido menos atenção por parte da critica literária, porventura por serem associados à literatura infantil. Na verdade, a sua recepção no âmbito estrito da literatura infantil não é a mais correcta, até porque o próprio autor não os considerava como tal; pelo contrário, descreveu-os, numa carta em resposta ao jovem poeta George Herbert Kersley, em Junho de 1888, como “estudos em prosa” dirigidos parcialmente às crianças e parcialmente aos adultos que mantiveram as faculdades infantis da alegria e da maravilha: “They are studies in prose, put for Romance’s sake into fanciful form: meant partly for children, and partly for those who have kept the childlike faculties of wonder and joy” (Wilde 2008: xiii). Esta afirmação remete para parte da. 7.

(8) dificuldade em classificar estes contos, não só em termos de público-alvo, mas também relativamente ao género literário, porque, por serem diferentes na sua composição e objectivo, devido à forte subversão simbólica que carregam, estes contos parecem desviar-se da estrutura do conto de fadas tradicional, tal como tem sido observado por alguns críticos, por exemplo Jack Zipes (2012). No entanto, não deixam de ser fairy tales. Os contos de Wilde têm, também por isso, sido objecto de estudo por parte de vários críticos, que os interpretam sob diferentes pontos de vista. Por exemplo, Jack Zipes afirma que são propositadamente subversivos, na medida em que o autor reutilizou o estilo e os motivos dos contos de fadas clássicos e bíblicos de forma a transmitir a sua noção de socialismo (Zipes 2012: 119-123); Anne Markey considera que o hibridismo destes contos acrescenta à sua complexidade estética a resistência definitiva à interpretação e, por isso, desafia os leitores de todas as idades a envolverem-se com as questões que os mesmos levantam (Markey 2015: 4); e Jarlath Killeen argumenta que os contos de fadas de Wilde foram construídos em camadas múltiplas e operam num elevado nível de simbolismo oculto, considerando-os tanto subversivos como conservadores (Killeen 2007: 12). Outros, como Gyles Brandreth, referem-nos como sendo contos ricos em ironia sobre o amor e o sacrifício (Brandreth 2008: xv). Porém, nem estes, nem outros críticos literários interpretaram estes contos em termos temáticos considerando o modo como representam o amor sacrificial. Por um lado, acontece que um fairy tale não é uma mera história sobre fadas. Este género literário, que adquiriu o respectivo estatuto apenas durante o século XIX, engloba muitos outros elementos. Trata-se de uma narrativa curta na qual nos deparamos com toda a espécie de criaturas extraordinárias, animais falantes, poderes mágicos, etc., e ao longo da qual o herói ou heroína leva a cabo uma demanda exigente, à procura do respectivo lugar na sociedade e no mundo. Regra geral, os contos de fadas tendem a concluir com uma “lição de moral” sobre a qual o autor espera que o leitor reflicta. Mas esta moral nem sempre é inerente à história; é, muitas vezes, apenas percebida pelo leitor. A própria formulação de abertura (Era uma vez) e de finalização (Viveram felizes para sempre) nem sempre é explícita, o que por vezes pode induzir numa interpretação incompleta, como acontece com os contos de Wilde. Por outro lado, entende-se por amor sacrificial aquele amor que é espiritual e incondicional,. não. necessariamente. recíproco. e. demonstrado. abnegadamente,. em. circunstâncias extremas com o sacrifício da própria vida. Como é dado sem que haja nenhuma expectativa de retribuição, o amor sacrificial requer uma grande capacidade de amar e perdoar. No fundo, é aquele amor que transcende todas as barreiras físicas e espirituais, à 8.

(9) semelhança do amor e do sacrifício de Cristo; acontece que, por vezes e num sentido religioso, aquele que se sacrifica em prol do bem-estar alheio, chegando ao ponto de dar a vida pelos seus semelhantes, é elevado a mártir. O amor sacrificial é então caracterizado por ser altruísta, compassivo, incondicional e transcendente. A minha dissertação visa assim estudar temática e genologicamente a representação do amor sacrificial em quatro contos seleccionados das duas colectâneas, designadamente os dois primeiros contos de The Happy Prince and Other Tales (1888): “The Happy Prince” e “The Nightingale and the Rose”; e os dois últimos de A House of Pomegranates (1892): “The Fisherman and His Soul” e “The Star-Child”. Escolhi precisamente os dois primeiros e os dois últimos contos dos nove que compõem as duas colectâneas para constituir o corpus de análise do meu trabalho, porque são aqueles que partilham a centralidade do tema do amor sacrificial, tal como demonstrarei no decurso da minha dissertação. Deste modo, o meu trabalho tem como principal objectivo estudar a representação do amor sacrificial e, paralelamente, considerar a caracterização genológica dos mesmos, no intuito de perceber de que modo Wilde utiliza e recria as convenções do conto de fadas e com que objectivo o faz. Esta análise sobre um corpus e um tema ainda pouco estudados pela crítica literária será suportada, em grande parte, pela leitura e referência ao trabalho de autores tais como Peter Raby (1997), Jarlath Killeen (2007) e Anne Markey (2015), que se dedicaram ao estudo de Wilde e da sua obra; de Jack Zipes (1983, 2000, 2012) que se dedica tanto ao estudo da obra wildiana como da definição genológica de fairy tale; de Donald Haase (2008), Elisabeth Harris (2003), Marina Warner (2014), entre outros, que se dedicam ao estudo da definição de fairy tale. Em termos estruturais, esta dissertação consiste em três capítulos, para além da introdução e da conclusão. Esta estrutura permite-me abordar separada e detalhadamente cada um dos principais aspectos sobre os quais incide a minha dissertação: a génese do fairy tale, a obra de Wilde na época vitoriana e a representação do amor sacrifical nos seus contos. Assim, o primeiro capítulo incide sobre a contextualização de questões teóricas acerca da definição de fairy tale, enquanto género e forma de arte literária. Ou seja, neste capítulo abordo várias teorias e tentativas de definir fairy tale, bem como resumo a evolução do mesmo enquanto género literário independente, de modo a propor uma definição minimamente satisfatória do termo fairy tale. No segundo capítulo, procedo à contextualização dos contos de Wilde, isto é, tento estabelecer de que modo o seu trabalho influenciou a literatura da época vitoriana e qual o impacto que causou na mesma, de forma a esclarecer em que consiste a teoria estética que é 9.

(10) trabalhada no seu trabalho ficcional. E no terceiro capítulo analiso criticamente a representação do amor sacrificial nos quatro contos seleccionados, ao mesmo tempo que considero a correlação entre o tema e a caracterização genológica dos mesmos. A conclusão deste trabalho reflecte sobre as ilações a retirar deste estudo dos contos de Oscar Wilde e o seu contributo para a compreensão dos mesmos enquanto fairy tales. Espero assim trazer uma nova abordagem a estes contos em termos temáticos e genológicos.. 10.

(11) 1 - Questões teóricas sobre Fairy Tales. Fairy tales do not give the child his first idea of bogey. What fairy tales give the child is his first clear idea of the possible defeat of the bogey. The baby has known the dragon intimately since he had an imagination. What the fairy tale provides for him is a St. George to kill the dragon. G.K. Chesterton. Tremendous Trifles, [1920] 2007. p. 36. Desde cedo que nos familiarizamos com o termo conto de fadas (fairy tale) e quando chegamos à idade adulta este arrisca-se a ser uma idealização da infância recordada pelo olhar adulto. No entanto, para perceber em que consiste esta forma de arte literária, torna-se inevitável colocar a questão: o que é um fairy tale? Esta é uma pergunta que tem suscitado um fervoroso debate entre os estudiosos do tema. A par desta surgem outras duas questões-chave para a definição de fairy tale: Qual é a sua origem? Qual é a sua função? (Tolkien 1997:110). Sabe-se que os fairy tales têm raízes nas antigas tradições orais, apesar de a sua história enquanto género literário ser bastante recente, contando cerca de duzentos e poucos anos, ao passo que determinar a sua função ou o seu objectivo levanta novas questões e opiniões divergentes. Na verdade, aquilo que sabemos sobre os contos de fadas é muito pouco, tendo em conta a história da literatura, mas hoje em dia descobrem-se cada vez mais factos novos sobre os mesmos. Este género desenvolveu-se à sombra de vários outros permanecendo imperceptível até ser aceite como género independente no século XVIII e como literatura adequada ao público infantil no século XIX. Mas até que haja consenso relativamente a uma definição satisfatória, há ainda muito a ser estudado. Neste capítulo tentarei responder a questões genológicas relevantes para o desenvolvimento da minha dissertação.. 11.

(12) 1.1 – A génese do Fairy Tale. Antes de mais, como surgiu o termo fairy tale? Como é que o podemos definir? É verdade que, na literatura moderna, os contos de fadas têm uma conotação meramente infantil, ou seja, são frequentemente associados à literatura infantil, o que é insuficiente para constituir uma definição consistente. Para além disso, há que ter em conta a correlação existente entre fairy tale e folk tale, uma vez que existe uma forte tendência geral para se considerar o termo conto de fadas como sendo a designação das adaptações escritas (ou ditas literárias) dos contos de tradição oral ou folclore ou como uma tentativa de amenizar os contos populares e torná-los mais apropriados a um público infantil. Porém, isto não corresponde à verdade, porque este termo surgiu, de facto, em consequência do aparecimento do termo conte de fées, utilizado pelas conteuses francesas do século XVII. De acordo com as ideias avançadas por Carlos Ceia no verbete “Contos de Fadas”, no E-Dicionário de Termos Literários, hoje em dia o termo conto de fadas inclui vários tipos de narrativas, mantém os elementos “atemporais” e recorre a heróis ou heroínas, que passam por aventuras estranhas ou mágicas, ou por um determinado teste, e que sofrem madrastas ou padrastos, cuja função é dificultar-lhes a vida ao longo da narrativa. Além disso, apresenta seres e acontecimentos extraordinários, desenrola-se num cenário temporal e geograficamente vago, inicia e termina quase sempre da mesma forma: “Era uma vez...” e “Viveram felizes para sempre”. Ceia afirma que, efectivamente, o conto de fadas sobreviveu através da tradição oral até a sua forma escrita ser estabelecida e originalmente não se destinava às crianças, porque se tratava de uma narrativa complexa que culminava num final infeliz. Por seu turno, Daniel Haase procede à distinção entre fairy tale e folk tale, na The Greenwood Encyclopaedia of Folktales and Fairy Tales (2008). Assim, afirma que os académicos ingleses usam frequentemente a expressão folk tale para se referirem aos contos de tradição oral e fairy tale para designar os contos escritos. Esta oposição aproximada do conto popular e do conto de fadas, que coloca a oralidade e a literatura nas extremidades opostas de um eixo, pode ser útil, especialmente se permitir a interacção das formas oral e escrita ao longo desse eixo (Haase 2008: 322). Ou seja, a principal diferença entre estas designações reside em que folk tale se refere à tradição oral e fairy tale à tradição literária, tal como Haase salienta:. The folktale is a form of traditional, fictional, prose narrative that is said to circulate orally. [...] Accordingly, the folktale was conceived of as oral, whereas the "true" fairy 12.

(13) tale was a literary genre. [...] The term "fairy tale" arose in the context of the seventeenth and eighteenth-century aristocratic French salon writers and their elaborate, layered, discursive conversational creations that were eventually put into print. (Haase 2008: 363) Em termos etimológicos, talvez fosse mais correcto chamar-lhes fairy-stories, tal como J. R. R. Tolkien as designa no ensaio “On Fairy-Stories” (Tolkien 1997:111), descrevendo-as como sendo: “a) a tale about fairies, or generally a fairy legend; with developed senses, b) an unreal or incredible story and c) a falsehood”. Porém, segundo Tolkien, este sentido de fairy-stories é demasiado vago, não só porque em inglês não é de uso comum, mas também porque as histórias que existem são apenas sobre a Faërie, o lugar onde as fadas existem; além disso as histórias primeiramente relacionadas com fadas são raras e na sua maioria estão relacionadas com as aventuras humanas na terra das fadas (Tolkien 1997: 113), ou seja, uma fairy-story é aquela que usa ou toca a Faërie, qualquer que seja o seu objectivo principal: sátira, aventura, moralidade, fantasia (Tolkien 1997: 114). Curiosamente, este argumento é válido para qualquer conto de fadas, qualquer que seja a língua em que é escrito, porque em quase todas as literaturas europeias, ou mesmo mundiais, existem muito poucas histórias directamente relacionadas com as fadas ou que as incluam. Contudo, existe ainda uma grande confusão entre fairy tale (a forma literária) e folk tale (a forma oral), tal como salienta Jack Zipes na introdução de The Oxford Companion to Fairy Tales (2000): “In fact, the confusion is so great that literary critics continually confound the oral folk tale with the literary fairy tale and vice-versa” (Zipes 2000: 15). De acordo com Zipes, esta confusão acontece porque acreditamos que ao saber mais sobre os contos de fadas saberemos mais sobre nós mesmos: We want to know more about ourselves by knowing something more about fairy tales. We want to fathom their mysterious hold on us. […] It is distinction that preserves the unique socio-historical nature of genres. It is distinction that exposes the magic of a genre while at the same time allowing us to preserve and cultivate it so that it will continue to flourish. (Zipes 2000:15) De certo modo, Zipes corrobora as afirmações de Tolkien quando este último diz que a história dos fairy tales é provavelmente mais complexa do que a história física da raça humana e tão complexa quanto a história da linguagem humana (Tolkien 1997: 121). Mas para melhor estabelecer uma definição para fairy tale, há que ter em conta que o respectivo cenário engloba uma grande variedade de elementos, pois segundo o excerto:. 13.

(14) The realm of fairy tale is wide and deep and high and filled with many things: all manner of beasts and birds are found there; shoreless seas and stars uncounted; beauty that is an enchantment; and an ever-present peril; both joy and sorrow as sharp as swords. […] This contains more things besides elves and fays, and besides dwarfs, witches, trolls, giants, or dragons: it holds the seas, the sun, the moon, the sky, and the earth and all things that are contained in it: tree and bird, water and stone, wine and bread, and ourselves, mortal men, when we are enchanted. (Tolkien 1997: 110-113) Segundo Jens Timar, citado por Zipes na introdução a The Oxford Companion to Fairy Tales (2000), existem quatro princípios para definir o que é um fairy tale: 1) distingue-se do conto popular, quanto mais não seja por ser escrito por um único autor identificável; 2) é sucinto, artificial e elaborado em comparação com a formação primitiva dos folk tales que emanavam das comunidades e tendiam a ser simples e anónimos; 3) as diferenças entre o fairy tale literário e o folk tale oral não implicam que um género seja melhor do que o outro; e 4) de facto, o fairy tale literário não é um género independente, só podendo ser compreendido e definido pela sua relação com os contos orais, assim como com a lenda, a novela, o romance e outras tipologias de conto usadas pelo género, que não só os usa, como também os adapta e remodela de acordo com a concepção narrativa do autor (Timar apus Zipes 2000: 15). À semelhança de Timar, Marina Warner afirma no prefácio de Once Upon A Time: A Short History of Fairy Tale (2014), que a contínua sobrevivência deste género depende das suas constantes transformações e identifica seis características definidoras de fairy tale: 1) trata-se de uma narrativa breve; 2) a história é familiar, comprovadamente antiga; 3) a presença necessária do passado faz-se sentir através das combinações e recombinações de enredos e personagens, objectos e imagens familiares; 4) consiste sobretudo em actos imaginários; 5) há inter-relação entre os agentes sobrenaturais e o prazer da maravilha e 6) tem um happy ending. As duas perspectivas completam-se, constituindo a base para uma definição consistente. Assim sendo, o fairy tale consiste numa narrativa relativamente curta e sucinta, mas artificial e elaborada, escrita por um único autor. Em termos genéricos, este género depende da transformação constante para sobreviver e só pode ser entendido através da sua relação com o folk tale, da sua ancestralidade, da sua familiaridade, e sobretudo do facto de consistir em actos imaginários concentrados em algo simbólico, da inter-relação do sobrenatural e do maravilhoso, e da expressão do “foram felizes para sempre”. Por conseguinte, para além do folk tale, o fairy tale distingue-se ainda do wonder tale, sendo que existem opiniões diferentes sobre esta distinção, pois enquanto Zipes afirma que o fairy tale nada mais é do que um tipo de apropriação literária de uma tradição oral de 14.

(15) contar histórias relacionada com o wonder tale (Zipes 2000:17), Warner afirma que o wonder tale se trata de um termo alternativo para fairy tale, que provém do alemão Wundermärchen e que reconhece a ubiquidade da magia nas histórias (Warner 2014: xvi). O facto é que este termo é baseado numa formação híbrida que junta várias formas de narrativa oral, centrandose na transformação, tal como argumenta Zipes no seguinte excerto: In fact, the wonder tale is based on a hybrid formation that encompassed the chronicle, myth, legend, anecdote, and other oral forms and constantly changed depending on the circumstances of the teller. [T]he definition of both the wonder tale and the fairy tale […] depends on the manner in which a narrator arranges known functions of a tale aesthetically and ideologically to introduce wonder and then transmits the tale as a whole according to customary usage of a society in a given historical period. (Zipes 2000: 17-20) Este aspecto das «funções conhecidas» (known functions) (Zipes, 2000) remete-me para outro ponto importante a abordar em termos genéricos: qual é a finalidade última do fairy tale? Tal como foi referido inicialmente, a noção moderna que se tem é a de que os contos de fadas se destinam somente à leitura por parte de um público infantil. Concordando com as ideias avanças por Tolkien e Zipes, o fairy tale enquanto género e forma de arte literária deve ser pensado como algo mais do que histórias sobre fadas (uma vez que são muito raros os contos que as referem), do happy ending e do pressuposto contexto infantil, porque as eventuais lições e morais contidas nos mesmos são captadas e pensadas de formas diferentes, razão pela qual não se deve considerar os contos de fadas como um género literário dirigido única e exclusivamente às crianças; e a respeito desta associação, Tolkien refere pertinentemente que os fairy tales são relegados pelo senso comum para o espaço infantil da nursery 1, embora as crianças não tenham uma melhor compreensão dos contos de fadas do que os adultos, mas os contos de fadas continuam a ser escritos ou adaptados às crianças: It is usually assumed that children are the natural or specially appropriated audience for fairy tales. […] The common opinion seems to be that there is a natural connection between the minds of children and fairy-stories of the same order as the connection between children’s bodies and milk. […] The association of children and fairy-stories is an accident of our domestic history. Fairy-stories have in the modern lettered world been relegated to the ‘nursery’ as children as a class neither like fairy-stories more, nor understand them better than adults do. […] It is true that in recent times fairy-stories have been written or ‘adapted’ for children. (Tolkien 1997: 129-131) 1. Nursery é o termo em inglês utilizado para designar o “quarto das crianças” (actualmente foi substituído pelo “quarto dos brinquedos” ou referente apenas ao quarto do bebé), um costume muito comum em Inglaterra durante a época Vitoriana (e posteriormente Eduardina) entre as famílias abastadas e de classe média alta.. 15.

(16) Contudo, Tolkien também considera que os contos de fadas não devem ser especialmente associados às crianças, embora estes lhes sejam associados: naturalmente, porque as crianças são humanas e os fairy tales são um gosto humano natural; acidentalmente, porque os contos de fadas são uma grande parte da literatura arrumada nos sótãos da Europa moderna; de modo pouco natural, por causa da ideia errada que se tem sobre a sensibilidade das crianças (Tolkien 1997: 136). E isto acontece porque são os pais (e restantes adultos) quem classifica os contos de fadas como literatura infantil. Este facto deve-se, talvez, à associação entre as possíveis lições transmitidas pelos contos de fadas e o processo de crescimento, em que muitas vezes se perde a inocência do maravilhoso, tal como salienta no seguinte excerto: It is parents and guardians who have classified fairy-stories as Juvenilia. […] The process of growing older is most necessarily allied to growing wickeder, though the two do often happen […] not to lose innocence and wonder; but to process the appointed journey […] it is one of the lessons of fairy tales (if we can speak of lessons of things that do not lecture) that on callow, lumpish, and selfish youth peril, sorrow, and the shadow of death can bestow dignity, and even sometimes wisdom. (Tolkien 1997: 137) Por seu turno, Zipes afirma que um fairy tale é muitas vezes uma história sobre encontros milagrosos, mudanças e iniciações que ilustram um ponto didáctico em particular, que o escritor quis expressar de uma forma divertida, sendo que, em grande parte, os contos de fadas iniciais não se destinavam às crianças. Na verdade, não eram sequer destinados à maioria das pessoas, porque a maioria das pessoas não sabia ler (Zipes 2000: 21). Em suma, isto significa que, num sentido mais objectivo, se for escrito com arte, o valor principal do conto de fadas será simplesmente aquele valor que, como literatura, compartilha com outras formas literárias. Mas os contos de fadas oferecem também, de um modo peculiar, fantasia, restabelecimento, escape e consolação, que são aspectos dos quais as crianças têm, por regra, menos necessidade do que as pessoas mais velhas (Tolkien 1997: 138), ou seja, estes contos destinam-se principalmente a entreter o público leitor, quer adulto quer infantil. E uma vez que o fairy tale enquanto género literário resulta da fusão entre o folklore e o material literário usado pelos primeiros autores extremamente letrados, o facto de este somente se ter tornado um género independente durante o Romantismo não constitui grande surpresa, pois como afirma Zipes: “from the beginning, fairy tales were symbolic commentaries on the mores and costumes of a particular society and the classes and groups within these societies and how their actions and relations could lead to success and happiness” (Zipes 2000: 21).. 16.

(17) 1.2 - A importância do Fairy Tale no Romantismo. Quando se fala na importância do fairy tale na época do Romantismo, há que ter em conta que apesar de o mesmo existir já em séculos anteriores, foi durante este período que o fairy tale se afirmou como género literário independente. Ou seja, é um género literário relativamente novo e moderno, sendo que se desenvolveu significativamente entre 1450 e 1700, devido a factores como: a padronização e categorização das línguas vernaculares, que se tornaram línguas oficiais nacionais; a invenção da imprensa; o crescimento dos públicos leitores pela Europa, que começaram a desenvolver o gosto pela narrativa curta de diferentes tipos para ler por prazer, ou seja, estabeleceu-se a concepção de novos géneros literários na língua vernacular e a sua aceitação pela elite (Zipes 2000: 20). O storytelling sempre existiu – aliás, como afirma o filósofo Richard Kearney em On Stories, contar histórias corresponde a uma necessidade humana: “Telling stories is as basic to human beings as eating. More so, in fact, for while food makes us live, stories [...] make our condition human” (Kearney 2002: 3). Mas, tal como refere Zipes, foram Novellio (séc. XIII tardio, The Hundred Old Tales), Boccaccio (Decameron, 1345-50) e Chaucer (The Canterbury Tales, 1387) que de certo modo auxiliaram o estabelecimento do fairy tale como género independente, embora este tenha estabelecido a sua legitimidade enquanto género apropriado às classes letradas em França, apenas na última década do século XVII. Na sua maioria estes contos, que são agora designados literários, foram escritos por mulheres aristocratas (como Mme d’Aulnoy, Mme d’ Auneuil, Mme de Murat, Mlle Lhéritier, Mme de La Force, Mme Bernard, e outras), que foram chamadas conteuses, juntamente com Charles Perrault e Jean de Mailly, tal como afirma Elisabeth Harris em Twice Upon a Time (2003): “in France […] women were the primary producers of novels and, later, fairy tales, from about 1650 on. Yet by the mid-nineteenth century their texts were all unknown” (Harris 2003: 21). Segundo Harris, isto que significa que “the only name from this group most readers still know is Charles Perrault, and the only tales that are still endlessly reproduced are Perrault’s” (Harris 2003: 21-22); ou seja, desde o início que as conteuses foram excluídas da constituição do cânone do fairy tale, precisamente por causa do processo de exclusão sob o qual foi construído este mesmo cânone, o qual é composto sobretudo pelos contos de Perrault e dos irmãos Grimm (e mais tarde Andersen), sendo, por isso, limitada a nossa compreensão daquilo que deve ser um conto de fadas, de acordo com a seguinte passagem:. 17.

(18) It is precisely the repetitive process of exclusion that obscures the construction of categories we tend to take for granted, like “the fairy tale” […] we read and reread and write about Perrault’s and the Grimms’ tales because they are the ones that have been available to us. Our understanding of what fairy tales should be is limited to the characteristics of the examples of the genre we have known. (Harris 2003: 21) Foram estas conteuses, mulheres letradas da aristocracia e, mais tarde, da burguesia, que instituíram “a moda” de escrever contos de fadas no final do século XVII. E apesar de os contos escritos por mulheres serem duplamente suspeitos – primeiro, por não aspirarem à rigorosa simplicidade de Perrault, e, segundo, por serem parte constituinte de uma nova economia literária que ameaça a antiga (Harris 2003: 26) –, estes continuaram a ser publicados durante o século XVIII (o fairy tale estabeleceu-se definitivamente como género literário em 1720), constando no Cabinet des fées (1785-1789), mas somente até à Revolução Francesa, após a qual Perrault se tornou o autor francês consagrado de fairy tales (Harris 2003: 26). Deste modo, Harris compara-os da seguinte forma: The frontispiece of Perrault’s original collection has imprinted certain notions about the telling of tales on generations of readers. […] First, he does not sign his name to the edition of the Contes published in 1697 but rather ascribes them to his son Pierre Darmancourt, then nineteen. […] Perrault may not have been confident in 1696 or 1697 […] that the tales were worthy of him. Or perhaps […] he wanted to enhance his son’s reputation at court. The evasiveness of the signature, however, is part of the elaborate set of strategies that Perrault established […] to frame his tales and direct his readers’ responses. […] Far from simply copying or imitating the tales he may have heard (but probably read), he consciously framed them in a way that seemed to guarantee their stylistic naïveté and their connection to an oral folk tradition. (Harris 2003: 28-31) Ao apresentara-se como contador de histórias, Perrault mostrava-se humilde e relutante em assinar o seu trabalho, possivelmente, por acreditar que não era digno de o fazer, o que resultou numa estratégia elaborada para estabelecer os seus contos, garantindo que os mesmos mantinham o seu estilo inocente e a correlação com a tradição oral. Já as conteuses adoptaram uma estratégia oposta. Estas mulheres desenvolveram modos sofisticados e técnicas literárias complexas para escrever as suas histórias, contrastando com os autores masculinos pelo facto de se apresentarem como escritoras sofisticadas e não meras contadoras de histórias, para além de que escreviam explicitamente para adultos, como refere Harris: In contrast, the women who wrote tales in the 1690s presented themselves […] as sophisticated writers rather as than simple peasant storytellers. […] If they identified themselves primarily as tellers of tales, they would find it more difficult to see themselves as writers of tales. Like Perrault, they were conscious of the implications of the “paratexts” that surrounded their work and their print mediums they used: 18.

(19) frontispieces, title pages, choices of fonts and illustrations. […] But unlike Perrault, they were writing explicitly for adults, not children […]. And their stories, unlike Perrault’s, tend to be long, complex, and often full of digressive episodes and decorative detail. ( Harris 2003: 31-32) É precisamente no seguimento desta afirmação que Harris enfatiza a grande questão: qual é a importância dos fairy tales no Romantismo? A sua importância no decurso deste movimento deriva do facto de começarem a ser escritos e pensados (talvez já a partir de Perrault) como literatura infantil. Contudo, é necessário relembrar que este desenvolvimento provém de aspectos como: a inserção de contos didácticos por parte de Fenélon nas suas lições a Dauphin, ainda em 1690s; a impressão de La Magazin des infants (1743) por Mme Leprince de Beaumont, que incluía dez ou mais contos moralistas para crianças; mas sobretudo porque o storytelling se tornou parte do processo de civilização nas famílias aristocratas e burguesas, sendo as histórias contadas por mães, amas, tutoras e governantas, nas chamadas nurseries (Zipes 2000: 23). De acordo com Zipes, a grande produção de livros para crianças surgiu no século XVIII e o fairy tale assumiu uma nova dimensão, incluindo a preocupação em socializar as crianças através de literatura que fosse apropriada às mesmas, consoante a sua idade, mentalidade e valores, tal como indica o excerto: By the 18th century there began in France, German, England, a serious production of books for children and the genre of fairy-tales assumed a new dimension which now included concerns about how to socialize children and indoctrinate them through literary products that were appropriate for their age, mentality, and morals. The rise of ‘bourgeois’ children’s literature meant that publishers would make the fairy tales genre more comprehensive, but they would also […] pay great attention to the potential of the fantastic and miraculous in the fairy tale to disturb and enlighten children’s minds. (Zipes 2000: 24) Por outro lado, no século XIX houve uma contribuição importante por parte dos autores românticos, sobretudo dos germânicos, na grande alteração que o género sofreu: os contos de fadas começaram a responder às preocupações práticas e filosóficas das classes médias e eram escritos de forma a defender a imaginação e a criticar os piores aspectos do iluminismo e do absolutismo, porque no fundo, não pretendem simplesmente entreter o público, mas sim envolver o leitor ou ouvinte num debate sério sobre a arte, a filosofia, a educação e o amor (Zipes 2000: 24). Por sua vez, os românticos britânicos, nomeadamente William Wordsworth, Samuel. Taylor. Coleridge, John. 19. Keats, Lord. Byron, Percy. Bysshe.

(20) Shelley, William Blake 2, procuraram redescobrir a sua herança ao explorarem o folclore e a história da chamada “gente pequena” 3, o que resultou numa espantosa produção de fairy tales em inglês durante a segunda metade do século XIX. E foi precisamente durante este século que se verificou a principal alteração na função dos fairy tales para adultos e que, apesar da existência de uma grande variedade de livros destinados às crianças, o conto de fadas infantil foi controlado e censurado até 1820, como demonstra a seguinte passagem: The function of fairy tale for adults underwent a major shift: it was made an appropriate means to maintain a dialogue about social and political issues within the bourgeois public sphere; while the fairy tale for children was carefully monitored and censored until the 1820s: although the published collections, they were not regarded as prime and ‘proper’ for the development of young people’s minds. (Zipes 2000: 25) No entanto, foi somente a partir da década de 1820s, que o fairy tale se tornou aceitável como literatura infantil, sobretudo porque os próprios adultos (os pais, tios ou avós) se tornaram mais tolerantes perante a fantasia literária, como refere Zipes: The publication of Wilhelm Hauff’s Märchen Almanach (1826), Edward Taylor’s translation of the Grimms’ tales as German Popular Stories (1823), and Pierre-Jules Hetzel’s Livre des infants (1837), indicated the acceptance of fairy tale for young readers. This acceptance was largely due to the fact that adults themselves become more tolerant of fantasy literature and realized that it would not pervert the minds of their children. (Zipes 2000: 26) De entre os autores germânicos, foram efectivamente os irmãos Grimm que deram um maior contributo para esta alteração, uma vez que o seu trabalho foi conscientemente destinado a duas audiências em simultâneo, tendo tido o cuidado de trabalhar os contos de modo a serem mais facilmente captados por crianças e adultos (Zipes 2000: 26). O seu trabalho foi muito importante para a constituição do cânone do fairy tale infantil durante o Romantismo, embora as suas opiniões fossem moldadas por várias noções românticas acerca dos contos de fadas ainda dominantes, nomeadamente que os mesmos deviam ser primeiramente para crianças, que seriam as reproduções ou transcrições mais correctas dos contos orais, entre outras, como salienta Harris:. 2. Que foram seguidos por autores como John Clare, Walter Scott, Mary Shelley, William Hazlitt e Charles Lamb; e posteriormente seguiram-se Robert Burns, Thomas Moore e as irmãs Brontë. 3. O termo ‘little people’ ou “gente pequena” refere-se à designação mitológica ou folclórica de seres como as fadas, os anões, os duendes, os gnomos, os leprenchauns, as pixies, etc. inerentes a várias culturas não só europeias (Céltica, Nórdica, Mediterrânica), como também asiáticas ou americanas.. 20.

(21) The Grimms’ opinions rest on a number of romantic notions about fairy tales that we still tend to share: that they are (or should be) primarily for children; that the best of them are accurate reproductions or transcriptions of oral tales; that oral tales are a kind of natural but marvellous growth from the folk itself, an expression of authentic national spirit; that oral storytelling is on the wane, and its traces must be preserved in print. […] The Grimms wanted fairy tales to be simple, “naïve,” economical, a reflection of their ideas about the folk, and appropriate for the social education of children; the ones they chose became canonical; and now when we read fairy tales we want them to be like the ones the Grimms promoted. (Harris 2003: 23-45) Ou seja, os irmãos Grimm, inspiraram-se no trabalho de Perrault cerca de duzentos anos depois e adaptaram as suas próprias ideias sobre o folclore, o romantismo e o nacionalismo, e criaram uma versão um tanto ou quanto ingénua e simples da tradição de contar histórias que transmite a ideia de que os fairy tales são, ou devem ser, uma continuação dos folk tales. Mas ao mesmo tempo atribuem-lhes uma função educativa. Isto reflecte-se no facto de o cânone do fairy tale ser baseado, como afirma Harris, nos contos que eles escolheram transmitir à sua audiência, tendo recolhido mais de duzentos contos e lendas, que ainda hoje continuam a ser publicados e lidos por várias gerações de autores e leitores. Em suma, como afirma Joseph Jacobs, nas notas introdutórias de English Fairy Tales (1890): “What Perrault began, the Grimms completed” (Jacbs 1890: 5). Por conseguinte, o fairy tale para crianças obteve a sua forma definitiva entre 1830 e 1900, sendo Hans Cristian Andersen o autor mais importante deste período (começou a publicar contos em 1835), combinando humor, sentimentos cristãos, folklore e enredos originais em contos que divertiam e instruíam leitores novos e velhos ao mesmo tempo (Zipes 2000: 26-27). Mas Andersen, ao contrário dos Grimm, não só recolheu histórias populares, como se aventurou a escrever algumas da sua autoria, recolhendo cerca de cento e cinquenta contos ou mais, e foi considerado o “pai” da literatura infantil europeia. Contudo, o fairy tale infantil foi, em grande parte, muito difícil de definir, porque apesar de ser o acontecimento cultural e social mais importante na vida das crianças, os críticos e estudiosos não estudaram o seu desenvolvimento histórico como género literário. Deste modo, pode dizer-se que o fairy tale infantil é intemporal, terapêutico e belo e a sua história permanece um mistério, segundo afirma Zipes: Even though the fairy tale may be the most important cultural and social event in most children’s lives, critics and scholars have failed to study its historical development as genre.[...] Fairy tales for children are universal, ageless, therapeutic, miraculous, and beautiful. This is the way they have come down to us in history. Inscribed on our minds, as children and then later as adults, is the impression that it is not important to know about the mysterious past of fairy tales just as long as they are there and continue to be 21.

(22) written. The past is mysterious. The history of the fairy tale for children is mystery. (Zipes 2012: 1-2) Acontece que já no século XVII estes contos eram ouvidos por crianças de todas as classes sociais, uma vez que o povo não excluía as crianças quando se contavam histórias e as amasde-leite e governantas, provenientes do povo, transmitiam estes mesmos contos às crianças das classes altas. É por esta razão que a palavra “Folk” (que significa “povo”) deve ser entendida como inclusiva e não exclusiva, sendo o folk tale a forma que precedeu aquilo que se tornaria o fairy tale literário infantil (Zipes 2012: 7-8). Seguindo esta linha de raciocínio, Zipes afirma que os contos de fadas e a literatura infantil eram escritos com o objectivo de familiarizar as crianças com as expectativas geradas na esfera familiar e pública (Zipes 2012: 9). Para além disso, há que ter em conta que as formas do discurso do conto de fadas e as respectivas configurações dos contos, foram moldadas e veiculadas pelo processo civilizacional europeu, que sofreu mudanças profundas nos séculos XVI, XVII e XVIII. A profundidade do conto de fadas literário para crianças, a sua magia e o seu apelo são marcados por essas mudanças, pois são uma das pedras basilares da nossa herança cultural burguesa (Zipes 2012: 10).. 1.3 - O Fairy Tale na época Vitoriana. Victorian England was an unusual time for fairy lore because many people from all social classes seriously believed in the existence of fairies, elves, goblins, selfies, and dwarfs, otherwise known as the little people, and their beliefs were manifested in the prodigious amount of fairy stories, paintings, operas, plays, music, and ballets from the 1820’s to the turn of the century. The need to believe in other worlds and other types of living people was certainly connected to a need to escape the pressures of utilitarianism and industrialism and a rebellious against traditional Christian thinking. (Zipes 2000: 27-28) Tendo em conta que a época vitoriana decorreu ao longo de quase todo o século XIX, tal como a industrialização e a institucionalização do fairy tale como género literário infantil, é natural que exista uma correlação entre ambos. Esta correlação prende-se, exactamente como Zipes refere, com a necessidade de evasão da realidade e de acreditar em algo que está para além e ausente do mundo real. Mas, na verdade, o conto de fadas sofreu uma outra alteração ou subversão durante a época vitoriana, como lembra Zipes, “the fairy tale discourse was controlled by the same 22.

(23) socio-political tendencies that contributed towards strengthening bourgeois domination of the public sphere”, e, na segunda metade do século, mais propriamente “by the 1860s […] literary conservatism in children’s book publishing was challenged by a new wave of innovative fairy tales” (Zipes 2012: 104). Isto significa que, durante a época vitoriana, o fairy tale se tornou um género muito mais abrangente em termos de público, deixando de ser exclusivo das elites. Por conseguinte, na obra Beyond the Looking Glass, Jonathan Cott, citado por Zipes (Zipes 2012: 104) salienta: Writing fairy tales for children had become an acceptable activity. Not only had Thackeray, Ruskin, Dickens, and Christina Rossetti done so, but Victorian children’s book writers were generally less involved than “adult” literary writers in the contemporary debates concerning “moral aesthetics” engaged in by Tennyson, Ruskin, Arnold, Buchanan, and Pater. In some way the Victorian writers for children had transcended the age-old debate concerning the purposes of “literature” (instruction vs. delight) as well as the equivalent moral tract vs. fairy story argument regarding children’s literature. Children’s fairy-tales of this period almost always had a moral or religious basis, but it was often just this conflict between morality and invention […] that created some of the era’s greatest works. (Cott apud Zipes 2012: 104) A respeito desta alteração, Zipes aponta o desenvolvimento do proletariado, da industrialização, da urbanização e das reformas educativas, como os principais factores impulsionadores das mudanças sociais e culturais que afectaram o trabalho de autores nossos conhecidos, incluindo Oscar Wilde, a par com George McDonald e L. Frank Baum (Zipes 2012: 105), sendo que foram estes três os principais autores que usaram o fairy tale como um “espelho radical” que reflectia aquilo que estava errado no discurso geral sobre boas maneiras, costumes e normas da sociedade, e, ao comentarem isso mesmo, alteraram o discurso civilizacional específico do género do conto de fadas. De igual modo, estes três autores expandiram o discurso civilizacional do conto de fadas de forma a criar mundos e estilos de vida alternativos. Esta separação do método tradicional deu azo a uma experimentação com os contos de fadas infantis no século XX ainda maior, e vários autores começaram a cultivar o que se pode designar por "arte da subversão" no discurso do conto de fadas (Zipes 2012:105-107).. Em conclusão, é possível definir o termo fairy tale como sendo uma narrativa curta, elaborada, escrita por um único autor, distante da realidade no tempo e no espaço, cujo discurso tem um efeito encantatório que possibilita ao leitor a evasão do real e contém elementos mágicos ou maravilhosos que possibilitam o final feliz. Enquanto género literário,. 23.

(24) o fairy tale sobreviveu através da transformação e da alteração de circunstâncias do autor, estabelecendo-se definitivamente no século XVIII, embora o cânone do fairy tale infantil só tenha ganho forma durante o Romantismo. Acresce que, na viragem do século XVIII para o século XIX (e posteriormente deste para o século XX), o objectivo do fairy tale deixou de ser o mero entretenimento e a transmissão da noção de civilidade, para se tornar na crítica subentendida face às disparidades da sociedade, ou seja, passou a reflectir aquilo que o respectivo autor considerava estar errado nos valores sociais. Por conseguinte, Oscar Wilde foi um dos grandes mestres desta arte subversiva e é precisamente sobre os seus contos dentro do contexto vitoriano que me debruçarei no próximo capítulo.. 24.

(25) 2 – Os contos de Oscar Wilde na época Vitoriana. Wilde was public, erotic, active, formally dialogic, and concerned with the dialectical inversions of middle-class language and life. Regina Gagnier, in “Oscar Wilde and the Victorians”, The Cambridge Companion to Oscar Wilde, 1997. p.32. Oscar Wilde foi um grande mestre na arte da subversão. Esta mestria adveio, possivelmente, em grande parte da sua condição “hifenizada” de anglo-irlandês (Moynahan 1995), sendo visto como estrangeiro tanto na Irlanda, onde era demasiado inglês, como em Inglaterra, onde era demasiado irlandês. Deste modo, e como afirma Zipes, Wilde criticava a hipocrisia e o peso das convenções da alta sociedade inglesa, procurava expressar, através da sua arte, pontos de vista religiosos directamente opostos à Igreja Anglicana e pretendia modificar o estilo e o conteúdo anacrónico dos contos de fadas, que não correspondiam às sociedades sociais e políticas da Inglaterra moderna (Zipes 2012:116-117). Como Zipes também observa, Wilde tornou-se um racounteur polido ao participar nos jantares sociais dos pais desde muito cedo, mas também porque nos mesmos lhe foi dada a oportunidade de testemunhar o modo como as pessoas refinadas jogavam com as convenções sociais para exercerem uma troça dissimulada, e aprendeu a explorar modos alternativos às formas de socialização asfixiantes impostas numa idade muito precoce. Assim, empregava as suas extraordinárias capacidades retóricas e criativas, tanto para chamar à atenção, como para manter o mundo à distância (Zipes 2012: 117). Tal percepção articula-se com a de Declan Kiberd que, em Inventing Ireland – The Literature of the Modern Nation (1996: 33), afirma que ao colocar o Mar da Irlanda entre si próprio e a família, Wilde procedeu à reconstrução da sua imagem através da arte de saber estar ou da pose. Deste modo, considera que a carreira literária do autor se desenvolveu em torno da ironia e da crítica face à insistência dos senhores ingleses vitorianos em atribuir aos irlandeses a emocionalidade que eles mesmos temiam; ou seja, Wilde questiona nos seus ensaios sobre a Irlanda o pressuposto de que, os irlandeses eram vistos pelos ingleses como a encarnação das emoções que em si reprimiam: “Wilde’s entire literary career constituted an ironic comment on the tendency of Victorian Englishmen to attribute to the Irish those. 25.

(26) emotions which they repressed themselves. His essays on Ireland question the assumption that, just because the English are one thing, the Irish must be the opposite” (Kiberd 1996: 35). Contudo, como Kiberd argumenta, Wilde viu mais longe: viu que a imagem do palco irlandês diz muito mais sobre os receios ingleses do que sobre as realidades irlandesas, assim como a “piada irlandesa” revela menos sobre a insensatez inata dos irlandeses do que acerca do desejo persistente e pungente dos ingleses de pagar por algo divertido. Wilde optou por dizer que, para os ingleses, algo divertido seria uma performance contínua do “carácter inglês”; que na realidade esperavam ver algo que se assemelhasse a uma paródia sobre a própria noção do que seria o “carácter inglês” ou a “piada irlandesa” (Kiberd 1996: 36). Assim sendo, pode dizer-se que Wilde se superou a si mesmo e aos limites da arte, tornandose num vanguardista, cuja técnica assenta fundamentalmente em opostos e acreditando que um irlandês só se conhece realmente a si próprio fora da sua zona de conforto, isto é, quando fala, não por si próprio, mas através de uma máscara. Eis como Kiberd descreve os paradoxos sobre os quais assenta a arte de Wilde: At all events, Oxford strengthened in Wilde the conviction than an Irishman only discovers himself when he goes abroad, just as it reinforced his belief that ‘a man is least himself when he talks in his own person’ but ‘give him a mask and he will tell you the truth’. […] to become a very Irish kind of Englishman, just as in Ireland his had been a rather English kind of Irish family. The truth, in life as well as in art, was that whose opposite could also be true: every great power evolved its own opposite in order to achieve itself, […] but from such opposition might spring reunion (Kiberd 1996: 37-38). Deste gesto de abandonar a zona de conforto, ou seja, de deixar para trás tudo o que lhe era familiar, resultou a invenção ou criação de si próprio, não só enquanto autor, mas também enquanto homem e cidadão. A excentricidade na qual Wilde se refugiou, como defesa pessoal (e não só), conferiu-lhe também uma certa singularidade, bastante evidente na sua persona pública e no seu trabalho. O certo é que o constante equilíbrio entre as duas faces opostas de si próprio resultou na sua afirmação como o autor vanguardista que maior impacto causou na época vitoriana.. 26.

(27) 2.1 - O Esteticismo e a Estética de Wilde. Segundo afirma Allison Pease no ensaio “Aestheticism and Aesthetic Theory”, Wilde desenvolveu um apurado sentido estético, sendo a estética um elemento fulcral em toda a sua obra, dos ensaios às peças e das peças aos contos, passando pelo romance, porque o autor acreditava na multiplicidade do ego, razão pela qual Pease afirma que a sua noção estética é simultaneamente idealista e materialista: “Oscar Wilde believed that the self is multiple. […] Evidence and combined critical opinion suggest that Wilde’s aesthetics are both idealist and materialist” (Pease 2004: 96). Esta prova combinada com a opinião crítica traduz o facto de Wilde ser um autor cuja obra assenta em contradições, daí que construa a sua própria teoria com base em ideias contrárias. Do mesmo modo, Pease esclarece “Wilde, always a straddler of two worlds at once, is no different in his aesthetics” (Pease 2004: 96). Isto significa, talvez, que a estética wildiana deve ser tida em conta de acordo com o desenvolvimento da própria escrita do autor; ou seja, quer dizer que o conceito estético do autor evoluiu a par da sua escrita. Deste modo, há a ter em conta que o esteticismo consiste num movimento artístico que coloca a ênfase dos valores estéticos na literatura, mais do que nos temas socio-políticos, sendo que no século XIX este movimento estava relacionado com outros movimentos, como o simbolismo e o decadentismo. Os artistas e escritores do esteticismo afirmavam que as artes deveriam oferecer um sentido refinado de prazer, ao invés de conterem mensagens sentimentais ou morais, isto porque acreditavam que a arte não tinha de ter necessariamente um propósito didáctico; bastava-lhe ser bela. Ou seja, desenvolveram o culto da beleza, que consideravam ser o factor básico da arte. Assim sendo, este estilo caracterizava-se pela sugestão em vez da afirmação, pela sensualidade, pelo uso de símbolos e efeitos sinestéticos ou idealísticos. Mas Wilde criou a sua própria versão do estilo estético, sendo a sua teoria estética resumida pela expressão art for art’s sake, até porque, como ele próprio afirma no ensaio “Decay of Lying” (1889): “Art never expresses anything but itself. It has an independent life, [...] and develops purely on its own lines” (Wilde 1889). O próprio ensaio fomenta este argumento, uma vez que possui uma estrutura dramática, isto é, foi escrito sob a forma de diálogo entre duas personagens num cenário familiar. Assim, segundo Pease, esta teoria estética de Wilde caracteriza-se pela forma, pelo egoísmo, pela vontade e auto-expressão e pela consciencialização e autoconsciência, sendo estes dois últimos aspectos fundamentais.. 27.

(28) Como Wilde afirma em “The Critic as Artist”, “for there is no art where there is no style, and no style where there is no unity, and unity is of the individual” (Wilde 1891). Importa também salientar que tanto o artista como o público fazem parte do processo de construção da arte, porque ao testemunhar a auto-realização do autor através da obra, a audiência ou público também se realiza a si próprio, mesmo que apenas parcialmente. Por isso,. Wilde. centra-se. na. consciencialização. do. público,. sendo. este. poder. de. consciencialização aquilo que transforma a arte e resume o processo estético, como Pease salienta: Both artist and spectator are implied in this process: through witnessing the selfrealization of the artist as expressed through the art object, the spectator realizes him or herself, at least partially. [...] Wilde focuses on art’s impressive power, centralizing it in the consciousness of the viewer, reader, or spectator of art. And again it is the power of that consciousness to transform itself in and through art [...] that comprises the aesthetic process (Pease 2004: 108-109). Pease afirma também que Wilde foi mais longe do que qualquer outro pensador estético vitoriano ao afirmar a superioridade da estética em relação à ética, porque a mesma pertence à esfera espiritual, e o próprio Wilde afirma que discernir a beleza de algo é o melhor que conseguimos alcançar: “[…] aesthetics is higher than ethics. They belong to a more spiritual sphere. To discern the beauty of a thing is the finest point to which we can arrive.” (Wilde “The Critic as Artist”, 1891). Com efeito, Pease salienta que para Wilde a ética está correlacionada com a ideia do ser individual, um processo que é dependente da consciência estética, ou seja, o ser conscientemente estético ou o acto de contemplar é uma acção ética (Pease 2004: 112). Para além disso, a ética faz parte dos valores sociais vitorianos postos em causa, porque, no contexto da Revolução Industrial, existia um contra-senso entre a tradição e a modernidade. Em “Wilde and the Victorians”, Regina Gagnier afirma “to the Victorian modernists there were three such master narratives: the pursuit of bread or material wellbeing, or freedom from Nature and scarcity; the pursuit of knowledge or Truth, or freedom for ignorance, superstition and lies; and the pursuit of justice, or freedom from political tyranny and economic exploitation” (Gagnier 1997:19).. 28.

(29) Quer isto dizer que os modernistas vitorianos acreditavam que a sociedade moderna inglesa deveria assentar na tríade “Bread, Knowledge, Freedom” 4, mas para que tal fosse possível, a dita sociedade tinha de incorporar na prática a ideia central da modernidade: o Individualismo – uma vez que o “eu” moderno era indubitavelmente racional e progressivo (Gagnier 1997: 19). É precisamente nesta ideia que se centra a teoria estética de Wilde, que se assume como dandy 5 em tom provocatório e representativo das próprias afirmações, tendo os wildianos tardios insistido em descrever Wilde como socialista por o mesmo ter sido um profundo individualista. A bem da verdade, Gagnier sugere que Wilde captou a essência do homem económico moderno quando nomeou o cigarro o género perfeito de um prazer perfeito: aquele que deixa a pessoa insatisfeita (Gagnier 1997: 19-20). Contudo, a obra de Wilde apresenta valores tanto da economia política clássica como da neoclássica, sendo que a sua crítica apresenta fé na tecnologia e esclarecimento autointeressado, de forma a libertar o povo do trabalho forçado e das grilhetas da propriedade, e de forma consistente promove o objectivo utópico da criatividade individual. Mas Wilde também compartilhou muitos dos valores progressistas dos modernistas, também foi tentado pelos cálculos mais subjectivos do prazer que a nova economia com base psicológica introduzira, mostrando-se sensível à revelação da personalidade através da escolha e preferência, como argumenta Gagnier: Wilde’s work exhibits the values of both classical political economy and the neoclassical or “marginal school”. [...] His criticism shows a faith in technology and enlightened self-interested to liberate people from drudgery and the mind-forged manacles of property, and it consistently promotes the utopian goal of individual creativity [...] and if Wilde shared many of the progressive values of the modernists, he was also tempted by the more subjective calculations of pleasure that the new psychological based economics had introduced. [...] He was sensitive to the revelation of personality through choice and preference (Gagnier 1997: 23). De igual modo, Gagnier considera que Wilde foi tanto romântico como cínico na sua teoria política e estética, e que tem sido visto pelos críticos literários como mártir e modelo: “in his political and aesthetic theory, Wilde was both romantic and cynical. In his drama he was both sentimental and satirical. For literary critics, he has been seen both as a martyr and a 4. “Bread, Knowledge, Freedom”, são os pilares principais da economia Vitoriana: a transição económica da produção industrial para a economia da produção de massas, o desenvolvimento das artes e da cultura e a liberdade colectiva e pessoal. 5 Termo que designa aquele que valoriza a aparência física, a linguagem refinada e as ocupações prazerosas, aparentando indiferença pelo culto do “eu” e que tenta imitar o estilo de vida aristocrático, sendo proveniente da classe média.. 29.

(30) mannequin, a model of depth or a master of poses” (Gagnier 1997: 26). Isto significa que situar Wilde no contexto social vitoriano tardio das instituições do jornalismo, publicidade, educação pública, comunidades homossexuais, criminologia, etiqueta, teatro e prisão, não só lança luz sobre o estilo paradoxal do próprio, como também sobre a circulação e o consumo social do conhecimento (Gagnier 1997: 27). Wilde foi um dos três maiores mestres do esteticismo do século XIX em Inglaterra, e como tal, insistiu em “The Soul of Man Under Socialism” (1891) que uma base material saudável e a igualdade de oportunidade eram os requisitos para uma sociedade liberal democrata. Contudo, Gagnier também considera que Wilde tendia para o anarquismo ou aquilo que se poderia chamar anarco-sindicalismo, e por isso esperava que o mundo se tornasse livre da intolerância social ou da opressão do pensamento ou do comportamento convencional. No fundo, Gagnier diz que a sua contribuição para o progresso da estética obteve uma grande popularidade, por ser facilmente assimilada pelos valores de mercado, e o próprio Wilde insistiu que as pessoas têm temperamentos e gostos diferentes, que devem poder florescer de acordo com as suas próprias regras; e que os seus trabalhos de ficção consistem em experiências ensinadas sobre os limites sociais da autonomia estética (Gagnier 1997: 28-31). Como o presente trabalho pretende demonstrar, estas experiências processam-se também no uso que Wilde faz do conto de fadas.. 2.2 - O contexto ficcional de Wilde. “To talk about Wilde’s fiction is to talk about everything, for Oscar Wilde was his own best work of art”, afirma pertinentemente Jerusha McCormack, no artigo “Wilde’s fiction” (McCormack 1997: 97), sobretudo atendendo àquilo que o escritor irlandês William Carleton, considerado o precursor do Revivalismo Celta e conhecido sobretudo pela autoria da obra Traits and Stories of the Irish Peasantry (1830), afirma sobre a ficção: é a base da sociedade, o elo da prosperidade comercial, a via de comunicação entre nações e, frequentemente, a intérprete entre um homem e a sua consciência (McCormack 1997: 96). Para além disso, há ainda a considerar o facto de que Wilde se manteve de ambos os lados do hífen anglo-irlandês, tornando-se um estranho tipo de irlandês, pois nasceu da “pequena nobreza” irlandesa, mas assumiu a condição de aristocrata inglês, ocioso, extravagante, charmoso e educado, sendo que estas virtudes eram, naturalmente, exageradas de modo a parodiar o estereótipo irlandês: preguiçoso, imprevidente, charmoso e espirituoso; ou seja, 30.

Referências

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