MESA REDONDA - O ENSINO DA LITERATURA NA ESCOLA E O LETRAMENTO LITERÁRIO: QUAIS OS DESAFIOS DO PROFESSOR?
O ENSINO DE LITERATURA: UMA REFLEXÃO DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS
ÉRIKA MARIA ASEVEDO COSTA,ELISABETH CAVALCANTI COELHO
O presente trabalho propõe-se a discutir os procedimentos didáticos e estratégias do ensino de literatura em sala de aula. Dentre os aspectos a serem analisados, destacam-se a forma de apresentação dos textos literários, se como pretexto para discutir aspectos linguístico-gramaticais ou como ferramenta de estudo de gênero. Trata-se de um trabalho organizado no universo da fundamentação teórica apresentada por Marcuschi (2008), que defende a ideia de que, embora todos os gêneros tenham uma forma, função, estilo e conteúdos particulares, sua determinação se dá prioritariamente pela “função” e não pela forma, estilo e conteúdos. Como ressalta Bakhtin (2011), os textos representam uma importante ferramenta argumentativa de diálogo humano, corroborando com Bronckart (2012), que destaca a apropriação dos gêneros como um mecanismo fundamental de socialização e inserção prática nas atividades comunicativas. Entendendo a grande importância do trabalho com a literatura em sala de aula para o despertar da sensibilidade e da criatividade do aluno, este estudo contribui para a reflexão do professor em sua
práxis, fato que atuará para o repensar acerca das práticas pedagógicas em
torno do texto literário.
DISPOSTIVO TEÓRICO-METODOLÓGICO
O ato da leitura no mundo moderno representa a mais expressiva ferramenta linguística de inserção do homem na sociedade, ampliando seu significado primário de uma “simples decodificação dos signos linguísticos que
compõem a linguagem escrita convencional”, para uma “complexa e interativa introspecção do texto lido com a história de vida do leitor” (Sandroni e
Machado, 1998, p. 22), facultando desta forma a construção ativa de um sujeito crítico com o mundo que o cerca (Rosa, 2005). Como afirma Kleiman (2002), ao ler-se um texto, coloca-se em ação todo o nosso sistema de valores, crenças e atitudes que refletem o grupo social em que se deu nossa
O texto tem um significado especial em nossa cultura. O surgimento da linguagem e seu posterior desdobramento em múltiplas formas, entre elas a escrita, marca uma transição plena de significado para a atual civilização (Soares, 1999). Decorrente de tal processo histórico, a leitura está entre as práticas que, ao longo da história, permitiram ao ser humano expressar-se, estabelecer relações e conhecer o mundo. Por meio da palavra escrita podem-se imortalizar as ideias, auxiliar na transformação da sociedade, educar, politizar e influenciar as pessoas (Molina, 1992; Freire, 1989; Takahashi, 2000; Kleiman, 2002).
Em uma época de grandes progressos tecnológicos e modernização também nos deparamos com uma enorme “desumanização” das pessoas, o que se reflete na falta de valores. Eis o grande desafio do nosso contexto: auxiliar os jovens da sociedade atual a resgatar os seus valores. É na literatura um precioso instrumento de resgate, onde aprendemos a organizar as nossas emoções e ampliarmos a nossa visão de mundo, ajudando-nos a tomar uma posição diante das questões sociais. Por isso, é preciso trazê-la para a sala de aula, para “despertar” no aluno o sabor de ler, sendo necessário, também, propiciar condições para o prazer como satisfação de necessidade e para a consciência social em torno da literatura. Nesse contexto vale a pena trazer ítalo Calvino: “Minha confiança no futuro da literatura consiste em saber que há
coisas que só a literatura com seus meios específicos nos pode dar”
(CALVINO, 2000,p.43).
Para este trabalho, adentra-se em um estudo sobre como a literatura é trabalhada em sala de aula, objetivando uma reflexão acerca dos procedimentos didáticos e estratégias de ensino do texto literário.
Construindo o artigo
A estruturação metodológica do presente trabalho configura-se como uma reflexão que se preocupa em como o texto literário está sendo trabalhado em sala de aula. Diante dessa perspectiva, foram criadas algumas questões para nortear o trabalho, a saber:
1. Os textos literários são apresentados para reflexões linguísticas, gramaticais e funções da linguagem?
2. Os textos literários apenas enfocamo estudo das escolas literárias? 3. Os textos literários objetivam apenas a análise formal? (Classificação:
ANÁLISES E DISCUSSÃO
A literatura, enquanto produto cultural e social, depende do modo como é ensinada pelos professores e, por extensão, principalmente, como é apresentada pelos livros didáticos utilizados em sala de aula. Lajolo e Zilberman (2002, p.94) afirmam que, “de uma maneira ou de outra, eles se encarregam de orientar a ação docente em sala de aula”, no entanto, muitas vezes convertem a leitura, que, na verdade, deveria ser fonte de prazer num ato escolar que é obrigatório.
No caso dos poemas, cuja incidência de trabalho em sala de aula é grande, por exemplo, é comum o professor partir do trabalho com o livro didático que tem em mãos, visando, primordialmente, a gramática na interface com a aquisição da linguagem escrita. Aqui, tem-se a aula priorizando a reflexão do sistema de escrita. Desta forma, perde-se a oportunidade de desenvolver a leitura como construção de sentidos. O poema “Retrato” de Cecília Meireles, presente em vários livros do ensino médio, é exemplo do trabalho de adjetivação, proposto nos livros Literatura Brasileira: das origens
aos nossos dias, de José de Nicola, e Literatura Brasileira em diálogo com outras literaturas e outras linguagens, de William Cereja e Thereza Cochar, de
2011.
Percebe-se que a discussão em sala de aula se dá muitas vezes com o objetivo do domínio da gramática, como é o caso do gênero poema, usado como pretexto para alcançar este conteúdo. Sabe-se da importância de possibilitar ao aluno o domínio da gramática, porém não se deve utilizar a aula de Literatura como uma aula de pura gramatiquice, relegando a um plano secundário o despertar o prazer da leitura dos poemas como atividades de sentidos. Outra forma de destaque com o trabalho do poema é na perspectiva de que o sentido é construído na observância de sua constituição sonora, sintática, vocabular e sua configuração na página em branco. Desta forma, o aspecto marcante e diferenciador do poema enquanto gênero estaria em evidência aquilo que de tão natural nos passa despercebido: o jogo entre os elementos linguísticos que constituem a palavra e o texto, dando foco aos seus componentes estruturais. É comum nos livros de literatura o trabalho com o poema se enquadrar apenas nas estruturas fixas e assim deixar de construir no aluno um olhar poético sobre a realidade que o cerca e sobre si mesmo enquanto indivíduo e ser humano em essência. Na verdade, o trabalho com o gênero poema nos livros infelizmente não desperta no aluno o leitor
definíveis pelo conteúdo, estilo – gerado pelo autor em confluência com o gênero composicional.
Quanto ao estudo do texto literário focando as escolas literárias, pode-se afirmar que é o de maior destaque nas aulas. Sabe-se que na maioria das vezes, as aulas escolares de literatura são a única porta de entrada do aluno para o seu primeiro contato com leitura de autores clássicos como: Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Murilo Mendes e muitos outros que fazem parte da literatura brasileira.
Os autores mencionados, também, chamam atenção para a relação dos gêneros textuais na escola e as práticas de linguagem. Por isso, sugerem que, no trabalho didático, sejam oportunizadas situações de comunicação o mais próximo possível das situações reais vivenciadas fora da escola pelos alunos. Somente assim, essas atividades farão sentido para eles, e promoverão uma apropriação real de suas funções, além de possibilitar outras aprendizagens intencionadas pelo professor.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Verifica-se que o ensino tradicional da Literatura em algumas escolas de Ensino Médio é feito com ênfase em aulas expositivas, fundamentadas em livros didáticos que apresentam uma abordagem cronológica, baseada em panoramas históricos e características de estilos de épocas, sem se deter, diretamente, na “leitura” de textos literários. Observa-se ainda a tendência para um ensino da Literatura abstrato, fragmentado e desvinculado da realidade do aluno sem uma análise crítica dos textos e autores. A prática mais usual se detém em autores canônicos, para exemplificação de determinada "escola" em que se inserem.
Quanto aos professores, percebe-se uma grande preocupação em relação ao cumprimento do Programa do curso. Como a Literatura se acha inserida na Língua Portuguesa, acabam por dar prioridade à última. Alegam que, além do curto prazo para se cumprir todo o Programa, a matéria vem muito reduzida no livro didático. Entretanto, constata-se que muitos professores superam as limitações do livro didático pela produção do seu próprio material de trabalho em sala de aula. Admitem que, se não conseguem despertar nos alunos o gosto pela leitura, pelo menos conseguem despertar-lhes uma consciência de leitura crítica (BORDINI, 1989).
A literatura desempenha, conforme destaca Candido (2006), o papel de instituição social, pois utiliza a linguagem, fruto da criação social, como meio específico da comunicação. Observa, também, que o conteúdo social das obras e a influência que a literatura exerce no receptor fazem da literatura um instrumento poderoso de mobilização. Ao considerar que “a arte e a literatura
são atividades permanentes, correspondendo às necessidades imperiosas do homem e da sociedade”, (Candido, 2006, p.16) também se confirma a função
social da literatura.
Pode-se afirmar que a literatura faz parte da construção do saber desde a infância, pois é na infância que se forma o gosto pela leitura. Para Lajolo e Zilberman (2002), a literatura tem, para as crianças, a função formadora, na medida em que ela é a mola mestra que transforma a leitura em prática social, quando constitui atividade privada nos lares. Nesta perspectiva, o livro é o instrumento ideal para a formação da cidadania, como as autoras ressaltam no livro “A formação da leitura no Brasil: histórias & histórias”.
Um dos grandes desafios é transformar o texto poético em leitura do cotidiano, e tratá-lo como parte do universo de leitura dos educandos para, em seguida, construir categorias de análise que sustentem a manutenção desse trabalho. Isto porque os livros didáticos têm a importância de despertar a sistematização dos saberes onde o educando construirá seu modo de observar e é, ainda, o espaço oportuno para o contato com o gênero e suas situações de realização. Por este mesmo motivo cabe à escola o papel de propiciar ao educando o contato com maior número possível de gêneros do discurso.
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. 11. Trad. Michel Lahud; Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Editora Hucitec, 2003.
BORDINI, M. G. Guia de leitura para alunos de 1º e 2º graus. Centro de pesquisas Literárias. Porto Alegre: PUCRS/ Cortez, 1989.
BRONCKART, J.-P. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sócio-discursivo. São Paulo: Educ, 2012.
CANDIDO, A. Literatura e sociedade. (9a ed.). Rio de Janeiro: Editora Ouro sobre azul. 2006
CALVINO, Í. Por que ler os Clássicos. Nilson Moulin, Trad. São Paulo: Companhia das Letras. 2000.
FREIRE, P. (1989). A importância do ato de ler: em três artigos que se
completam. São Paulo: Autores Associados. 1989.
KLEIMAN, A. (2002). Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. 8ª ed. Campinas, SP: Pontes.
LAJOLO, M. ZILBERMAN, R. Literatura Infantil brasileira: histórias & histórias. 6ª edição. São Paulo: Ática, 2002.
MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola, 2008.
MOLINA, O. (1992). Ler para aprender: desenvolvimento de habilidades de
estudo. São Paulo: E.P.U.
NICOLA, J. Literatura Brasileira: das origens aos nossos dias São Paulo: Scipione. 2011.
ROSA, C. S. S. (2005). Leitura: Uma porta aberta na formação do cidadão. Monografia de conclusão do curso de graduação em Normal Superior - Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Faculdades Jorge Amado – FJA. p. 11.
SANDRONI, L. C.; MACHADO, L. R. (1998). A criança e o livro: Guia prático de
estímulo à leitura. 4ª ed. São Paulo: Ática.
SOARES, M. (1999). Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica.
TAKAHASHI, T. (2000). Sociedade da informação no Brasil: livro verde. Brasília: Ministério da Ciência e Tecnologia.