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Rev. LatinoAm. Enfermagem vol.4 número3

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Academic year: 2018

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RESENHA DO LIVRO

Jardins de Abel – Desconstrução do Manicômio de Triestre de Denise Dias Barros. São Paulo: Edusp/Lemos Editorial, 1994. 155p.

UTOPIA POSSÍVEL

Francisca Bezerra de Oliveira*

Historicamente, a psiquiatria tem se constituído como um campo polêmico e contraditório. Para Franco Basaglia, considerado um dos maiores psiquiatras sociais deste século, este saber legitima a exclusão do louco da sociedade, silencia-o para manter a ordem social. Estas afirmações são formuladas em seu livro A Instituição Negada, obra que procura descrever a prática antinstitucional ocorrida no manicômio de Gorizia e que ensaia os primeiros passos para uma transformação radical da instituição psiquiátrica, sinalizando o que será a experiência de Triestre, com repercussões em vários países. Constitui-se em documento-chave para se compreender os movimentos psiquiátricos ocorridos no Brasil, na década de 70, e serve de subsídios básicos para uma melhor apreensão de Jardins de Abel.

As duas experiências iniciaram-se sob a batuta de Franco Basaglia. O movimento de desinstitucionalização revelou o manicômio como “locus” de uma psiquiatria que é administração das figuras da periculosidade social, marginalidade, improdutividade e radicalizou as denúncias sobre a violência da instituição psiquiátrica. Criou, igualmente, perspectiva para a desmontagem do manicômio de Triestre, entendida como desconstrução de materialidades e dos saberes médico-psicológicos.

É esta experiência triestrina que Denise Dias Barros procura com ousadia delicada explicitar em Jardins de Abel: Desconstrução do Manicômio de Triestre. Este estudo foi originalmente realizado como dissertação de

* Professora assistente do Departamento de Enfermagem do Campus V da Universidade Federal da Paraíba. Doutoranda da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo

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mestrado em Ciências Sociais na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo sob orientação do Professor Edgard de Assis Carvalho.

Mergulhada como verdadeira etnógrafa, em Triestre, nos anos 88/89, Denise narra fatos datados no espaço e no tempo, norteados sob a égide das idéias de Basaglia e por proposições de pensadores de correntes filosóficas diferenciadas. O texto nos convida a duvidar de certezas evidenciando o que Foucault assinalou de que a loucura como desrazão é um discurso e não a verdade.

Descrever a experiência de Triestre, ainda hoje em plena atividade, não constitui tarefa fácil, exatamente pela riqueza multifacetada dos seus conteúdos e significados básicos. Mas a autora o faz com competência, instiga o debate em um campo que vem passando por profundas reformulações. O enfoque principal é a apreensão das estratégias e dos momentos significativos do processo de transformação institucional que se desenvolveu no período compreendido entre 1971, início da experiência, e 1978, quando foi aprovada pelo parlamento italiano a Lei nº 180.

Nesta obra está presente a necessidade de renovação e democratização de saberes e práticas, em busca de uma nova psiquiatria, de uma nova cultura de como lidar com a loucura, de como construir um sistema de atendimento psiquiátrico que possibilite a produção de vida, singularidades, de novos espaços de relação. A história de Jardins de Abel transcende a sua especificidade historiográfica.

Por tudo isso, Jardins de Abel é, sem dúvida, dos mais instigantes trabalhos de configuração de um campo da assistência particularmente importante e de enorme oportunidade para todos os que trabalham com a loucura. Vem preencher a quase-ausência em português sobre a atual situação em Triestre, cujo conhecimento é de importância fundamental ara o movimento pela Reforma da Psiquiatria do Brasil.

Assim, este estudo parafraseando Adorno é algo especial, é digno de ser contado e inaugura um espaço ético-social de discussão voltado para um novo paradigma de ciência como postula Souza Santos, “um conhecimento prudente para uma vida decente”. Um conhecimento que compreenda a criação de micropolíticas sociais em que convivam iguais e diferentes, singulares e plurais. Utopia possível! Cremos que sim. Ninguém melhor que Roland Barthes expressa o sentido desta utopia ao defini-la como “a de um mundo onde só houvesse diferenças, de modo que diferenciar-se não fosse mais excluir-se”. São as utopias que impedem o absurdo de tomar conta da história.

Enfim, este é um livro sobre a prática inovadora no campo psiquiátrico. Uma pesquisa que nos convida a abandonar os conformismos intelectuais e pensar em psiquiatria como uma invenção humana que só tem sentido se servir para melhorar a vida de humanos com certeza cumprira suas finalidades como texto de apoio e de consulta para todos aqueles que se dedicam ao ensino da saúde

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mental e da assistência psiquiátrica. Sugerimos como leitura complementar o livro Psiquiátrica Social e Reforma Psiquiátrica de Paulo Amarante (org), FIOCRUZ, 1994, 202p. Um estudo constituído de textos relevantes na área psiquiátrica.

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