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SUSTENTABILIDADE E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

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Academic year: 2021

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SUSTENTABILIDADE E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

Flávio Couto e Silva de Oliveira1

É gratificante constatar que o Estado de Minas Gerais conta com uma Universidade de altíssimo nível como a PUC Minas, classificada entre as melhores do país, a qual tem demonstrado tanta preocupação com o aspecto da inclusão socioeducacional de pessoas com deficiência, bem como de outros segmentos vulnerabilizados de nossa sociedade. Sendo assim, a Coordenadoria Especial de Apoio e Assistência à Pessoa com Deficiência (CAADE/SEDESE) estará sempre pronta a contribuir para o fortalecimento dos laços de cooperação entre a administração estadual e essa Universidade, sempre que tal cooperação se traduzir na construção permanente de uma sociedade cada vez mais inclusiva, por meio da promoção do desenvolvimento humano sustentável em nosso Estado.

Antes de entrar no tema de minha intervenção nesta mesa, gostaria de apresentar rapidamente um pouco do trabalho que realizamos na CAADE, justamente por entender que nossas atividades são do interesse direto dos participantes do presente seminário. A CAADE é uma unidade da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (SEDESE) e tem como missão institucional fomentar e coordenar políticas públicas voltadas para pessoas com deficiência, cuidando para que essas políticas se estabeleçam de maneira transversalizada nos diversos setores de atuação do estado.

Assim, no ano de 2008, realizamos cerca de 16 mil atendimentos a pessoas físicas e jurídicas, por meio eletrônico, presencial e por telefone. Nesses atendimentos, prestamos informações sobre direitos assegurados por lei, redes de serviços e de atendimento na área de empregabilidade, saúde, educação, cultura, esportes, lazer, turismo, normas de acessibilidade, criação de associações e de conselhos de direitos, entre outras informações relevantes. Vale a pena mencionar também as 407 pessoas com deficiência colocadas no mercado de trabalho da Região Metropolitana de Belo Horizonte, por meio do nosso posto do SINE, que é o único no Estado dedicado exclusivamente a esse segmento. Além disso, a CAADE realizou orientação profissional individualizada para 246 candidatos a vagas de emprego e cursos de

1 Historiador e Doutor em Educação pela UFMG. Coordenador Especial de Apoio e Assistência à Pessoa com Deficiência, do Governo de Minas Gerais (CAADE/SEDESE). Sócio-Diretor da Rede Três – Educação e Consultoria para a Sustentabilidade. Instrutor do Instituto ETOS de Responsabilidade Social, Empresarial e Desenvolvimento Sustentável. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educação, da Faculdade de Educação da UFMG.

Contatos: fcsoliveira@terra.com.br e flavio.oliveira@redetres.com

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competências básicas para o trabalho, para outros 164 candidatos inscritos no posto do SINE/CAADE. Em parceria com a Subsecretaria de Trabalho, Emprego e Renda, foram oferecidos quatro novos cursos de qualificação profissional, voltados para as demandas do mercado de trabalho da Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Além disso, ainda neste ano, realizamos 30 palestras para organizações governamentais e não governamentais, escolas e empresas, em Belo Horizonte, no interior do Estado e também fora de Minas Gerais. Essas palestras, sempre muito requisitadas, têm o objetivo de informar a sociedade sobre as potencialidades e as especificidades das pessoas com deficiência, abordando questões como a valorização da diversidade para a construção de sociedades sustentáveis, desenvolvimento humano e políticas de inclusão, responsabilidade social, defesa de direitos, empregabilidade, acessibilidade, convivência, além de outros temas relevantes. Entre essas palestras, destaco as que realizei na conferência sobre a implementação da “Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência”, da ONU, na cidade de Addis Ababa (Etiópia), no mês de maio, e no Instituto Nacional de Tecnologia Industrial da Argentina, na cidade de Buenos Aires, em dezembro, ocasiões em que tive a oportunidade de apresentar um pouco das políticas públicas de inclusão de pessoas com deficiência, desenvolvidas em nosso Estado.

Dito isso, entremos, finalmente, no tema de minha intervenção: sustentabilidade e pessoas com deficiência. Começo chamando a atenção para o relativo ineditismo desse binômio. Surpreendentemente, no Brasil, ainda são poucos os estudos que procuram relacionar diretamente a ideia de inclusão social de pessoas com deficiência à da construção de sociedades sustentáveis, não obstante essas sejam noções de certa forma complementares e, sem dúvida, fundamentais para se pensar os desafios da questão humana, na atualidade. A carência de mais estudos nessa área ignora, inclusive, que tais conceitos apresentam uma história comum, a qual se desenvolveu ao longo das últimas décadas, sobretudo a partir do contexto histórico da Declaração Universal dos Direitos Humanos. O meu objetivo aqui será, portanto, o de apresentar alguns marcos significativos da evolução desses dois conceitos, visando uma maior aproximação entre ambos, a qual possa, inclusive, inspirar novas práticas sociais e pesquisas acadêmicas.

O início do século XXI está marcado não propriamente pela emergência, mas pelo fortalecimento de um novo paradigma na filosofia, na ciência, na cultura, na economia, no comportamento individual e coletivo das pessoas, enfim, nas mais diferentes áreas da vida humana. Esse novo paradigma se orienta por uma abordagem holística da vida, religando humanidade e natureza, espiritualidade, corporeidade e pragmatismo, com base em uma visão

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planetária e de longo prazo para o futuro da humanidade. Esse novo paradigma criou a noção de sustentabilidade, que na língua portuguesa expressa a qualidade daquilo que é sustentável, isto é, em uma palavra, durável. Quanto a isso, ouçamos o que diz o preâmbulo da Carta da Terra, promulgada pela ONU, em 2002, e que, na minha opinião, até o momento é, sem dúvida, o mais importante documento recomendatório internacional sobre sustentabilidade, do século XXI: “Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio de uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global, baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a esse propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida e com as futuras gerações”.

Notemos que o grande ensinamento da Carta da Terra, expresso nesse preâmbulo, é a ideia de que somos todos membros da mesma família humana e de que o nosso destino está absolutamente interligado ao destino de toda a comunidade da vida no planeta. Desse modo, a construção de sociedades sustentáveis implica, como nos lembra o “ecosocioeconomista”

francês Ignacy Sachs, em um duplo imperativo ético: a responsabilidade sincrônica para com a geração atual e a solidariedade diacrônica para com as futuras gerações. Dizendo de outra maneira, isso significa que podemos garantir as nossas necessidades do presente, desde que cuidemos para que as futuras gerações também possam ter garantidas as próprias necessidades. Considerando essa premissa, a Carta da Terra não deixa de reconhecer explicitamente que “os padrões dominantes de produção e consumo estão causando devastação ambiental, redução dos recursos e uma massiva extinção de espécies.

Comunidades estão sendo arruinadas. Os benefícios do desenvolvimento não estão sendo divididos equitativamente e o fosso entre ricos e pobres está aumentando. A injustiça, a pobreza, a ignorância e os conflitos violentos têm aumentado e são causa de grande sofrimento. O crescimento sem precedentes da população humana tem sobrecarregado os sistemas ecológico e social. As bases da segurança global estão ameaçadas”.

É importante dizer que, se por um lado as últimas décadas têm trazido desequilíbrios para a sustentabilidade da vida no planeta, precisamos reconhecer que, por outro lado, durante esse mesmo período, tem havido também um aumento das iniciativas no sentido de se

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reestabelecer esse equilíbrio. Tais iniciativas estão expressas tanto em marcos regulatórios como na Declaração Universal dos Direitos Humanos (e nas diversas convenções da ONU que dela se originaram), bem como em documentos como a própria Carta da Terra e no crescente aumento da consciência ecosocioeconômica dos indivíduos, das nações e das organizações em geral.

Em O Processo Civilizador, obra clássica escrita na década de 1930, o sociólogo e historiador alemão Norbert Elias dizia que o que estamos acostumados a chamar de civilização refere-se em geral ao desenvolvimento dos conhecimentos científicos e filosóficos, à evolução das noções religiosas e dos costumes de um povo, ao tipo de habitações utilizadas e até mesmo à maneira como homens e mulheres vivem juntos. Nessa obra, Norbert Elias mostra que a humanidade levou muitos séculos para aprender algumas coisas, que hoje são tão naturais para nós, como meros hábitos de cortesia, que na sua origem expressavam a renúncia à violência física sistemática na interação com o outro. A humanidade passou, portanto, muito tempo lapidando comportamentos, inventando coisas, produzindo arte e pensamento, características básicas daquilo que acostumamos a chamar de civilização. Eu acrescentaria, ainda, que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, e o reconhecimento crescente do valor da diversidade humana, ambos associados à preocupação com a sustentabilidade da vida no planeta (tão bem expressa na Carta da Terra), são, sem dúvida, as mais recentes e fundamentais conquistas dessa jornada civilizatória.

Nesse sentido, pode-se considerar 2008 como um ano emblemático para a associação entre a ideia de inclusão social de pessoas com deficiência e a noção de sustentabilidade, que é o tema desta intervenção. Neste ano, a humanidade comemora 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos; 40 anos dos movimentos emancipatórios das minorias sociais, que ficaram simbolizados pelo ano de 1968; 21 anos, do Relatório Brutendland, que, no final dos 1980, colocou em circulação o conceito de desenvolvimento sustentável.

Comemoram-se, ainda, 20 da nossa Constituição Federal; 10 anos da consolidação do movimento de responsabilidade social empresarial no Brasil. E, finalmente, em 2008, a humanidade comemora a entrada em vigor de mais uma convenção de direitos humanos da ONU, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

Evidentemente, as datas são apresentadas aqui meramente a título de exemplo, pois é claro que poderíamos lembrar de muitas outras datas significativas, dentro do que estou chamando de as mais recentes conquistas civilizatórias da humanidade, rumo à construção de uma sociedade sustentável global, a qual tem como um de seus fundamentos básicos não só o respeito à dignidade humana como também a valorização da diversidade em todos os seus

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aspectos. Logo, a bem do argumento que desenvolvo aqui, é importante ressaltar que a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi um produto do mesmo contexto histórico que deu origem à noção de sustentabilidade. Refiro-me não apenas aos últimos quatro ou cinco anos, período no qual a Convenção foi escrita (com a participação de quase todos os países membros da ONU), mas às últimas décadas, como acabei de mencionar.

Em seu caso específico, essa Convenção trouxe um importante avanço para o campo da deficiência, qual seja, o reconhecimento por parte da comunidade internacional de que esse significativo segmento da população mundial (610 milhões de pessoas, segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde) precisa ter assegurado o exercício pleno de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais. Outro avanço trazido pela Convenção foi a consolidação da abordagem social – e não mais clínica – da questão, expressa no conceito de deficiência, consignado no documento, da seguinte maneira: “Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas”.

No Brasil, essa Convenção, que representa um avanço histórico para as pessoas com deficiência em todo o mundo, foi ratificada por meio do Decreto Legislativo 186, de 9 de julho de 2008, recebendo status constitucional. Isso equivale a dizer que os 50 artigos da Convenção, juntamente com o seu protocolo facultativo, passaram, a partir dessa data, a ser incorporados em nosso ordenamento jurídico, com a mesma força de uma emenda constitucional, o que, até o momento, era inédito em nosso país, em se tratando de convenções e tratados internacionais.

Repetindo o já dito no preâmbulo da Carta da Terra, é, portanto, cada vez mais evidente que nós, humanidade, só alcançaremos a sustentabilidade global se formos capazes de construir sociedades cada vez mais inclusivas, baseadas no “respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz”. Não há, pois, a menor dúvida de que tal princípio só poderá ser plenamente contemplado se levar em consideração a existência de 610 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência espalhadas ao redor do planeta. Portanto, “é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida e com as futuras gerações”, nos preparando para gerar sociedades que sejam também livres de barreiras arquitetônicas, de comunicação e, principalmente, de atitude.

Essa é a utopia possível que está em nossas mãos realizar.

Referências

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