Cap´ıtulo 36
Aproxima¸ c˜ ao de Fun¸ c˜ oes. Aproxima¸ c˜ oes Polinomiais e S´ eries de Fourier
Conte´udo
36.1 No¸c˜oes de Convergˆencia para Sequˆencias de Fun¸c˜oes . . . 1794
36.1.1 Importˆancia da Convergˆencia Uniforme . . . 1795
36.1.1.1 Troca de Ordem entre Limites e Integrais . . . 1796
36.1.1.2 Troca de Ordem entre Limites e Derivadas . . . 1798
36.1.1.3 Troca de Ordem entre Derivadas e Integrais . . . 1798
36.2 Sequˆencias Delta de Dirac . . . 1800
36.3 Aproxima¸c˜ao de Fun¸c˜oes por Polinˆomios . . . 1806
36.3.1 O Teorema de Weierstrass . . . 1806
36.3.2 O Teorema de Taylor . . . 1813
36.4 Aproxima¸c˜ao de Fun¸c˜oes por Polinˆomios Trigonom´etricos . . . 1820
36.4.1 Preliminares . . . 1821
36.4.2 A S´erie de Fourier de Fun¸c˜oes Peri´odicas de Per´ıodoT . . . 1824
36.4.3 Polinˆomios Trigonom´etricos e Fun¸c˜oes Cont´ınuas e Peri´odicas . . . 1825
36.4.4 Convergˆencia de S´eries de Fourier . . . 1830
36.4.4.1 S´eries de Fourier em Senos ou Cossenos para Fun¸c˜oes Definidas em Intervalos Compactos1836 36.4.5 Revisitando a Aproxima¸c˜ao Uniforme de Fun¸c˜oes Cont´ınuas e Peri´odicas por Polinˆomios Tri- gonom´etricos . . . 1839
36.4.6 Somas de Ces`aro . . . 1839
36.4.6.1 O N´ucleo de Fej´er . . . 1841
36.4.7 S´eries de Fourier e o Espa¸co de HilbertL2[−π, π], dx . . . 1843
36.5 O Teorema de Stone-Weierstrass . . . 1844
36.6 Exerc´ıcios Adicionais . . . 1849
AP ˆENDICES . . . 1857
36.A Prova do Teorema de Weierstrass Usando Polinˆomios de Bernstein . . . 1857
36.B A Demonstra¸c˜ao de Weierstrass do Teorema de Weierstrass . . . 1861
N
aF´ısica e tamb´em em diversas ´areas da Matem´atica Aplicada, estamos muitas vezes interessados em resolver problemas cuja solu¸c˜ao n˜ao pode ser obtida exatamente. No caso de equa¸c˜oes diferenciais, por exemplo, s˜ao muito raras as situa¸c˜oes nas quais uma solu¸c˜ao pode ser expressa em termos de fun¸c˜oes “elementares”, tais como polinˆomios, exponenciais, logaritmos, senos, cossenos ou combina¸c˜oes finitas das mesmas. Na grande maioria dos casos apresentam-se m´etodos de solu¸c˜ao em termos de aproxima¸c˜oes que, sob hip´oteses adequadas, podem estar t˜ao pr´oximas quanto se queira da solu¸c˜ao correta. ´E, portanto, uma quest˜ao importante desenvolver m´etodos de aproximar fun¸c˜oes com certas propriedades e ´e disso, basicamente, que trataremos neste cap´ıtulo. N˜ao pretendemos aqui esgotar o assunto, o que ademais seria imposs´ıvel, dada a sua extens˜ao, mas tratar de dois tipos fundamentais de aproxima¸c˜oes de fun¸c˜oes: as aproxima¸c˜oes por polinˆomios e as aproxima¸c˜oes por polinˆomios trigonom´etricos. Este ´ultimo t´opico ´e o dom´ınio das chamadas s´eries de Fourier e suporemos que o leitor j´a possua alguma familiaridade com seus aspectos mais elementares e suas aplica¸c˜oes. Como veremos, aproxima¸c˜oes por polinˆomios e por polinˆomios trigonom´etricos s˜ao dois assuntos relacionados. Ambos os m´etodos de aproxima¸c˜ao est˜ao tamb´em na raiz de muitos outros desenvolvimentos, como na teoria dos espa¸cos de Hilbert, e mesmo em temas mais abstratos, como na ´Algebra de Operadores. Sua utiliza¸c˜ao pr´atica ´e enorme e ambos os assuntos tˆem dominado boa parte das aplica¸c˜oes da Matem´atica a problemas de F´ısica e de Engenharia desde o s´eculo XVIII.1793
36.1 No¸ c˜ oes de Convergˆ encia para Sequˆ encias de Fun¸ c˜ oes
Em benef´ıcio do estudante, vamos recordar brevemente na corrente se¸c˜ao algumas das no¸c˜oes e resultados b´asicos sobre convergˆencia de sequˆencias de fun¸c˜oes definidas em R(ou em subconjuntos deR), no¸c˜oes e resultados esses que utilizaremos no que segue. Presumimos que o estudante j´a tenha sido exposto a esses temas e um tratamento mais detalhado que o nosso pode ser encontrado em quaisquer bons livros de C´alculo ou An´alise real. Algumas das no¸c˜oes aqui tratadas s˜ao tamb´em desenvolvidas com muito mais detalhe no Cap´ıtulo 24, p´agina 1245, mas a leitura pr´evia desse cap´ıtulo, ainda que ´util, ´e dispens´avel para o que segue.
SejaDum subconjunto deR. As seguintes no¸c˜oes de convergˆencia s˜ao de fundamental importˆancia:
a.Convergˆencia pontual. Diz-se que uma sequˆencia de fun¸c˜oesfn:D→C, definidas emD,converge pontualmentea uma fun¸c˜aof:D→Cse para cadax∈Dvaler lim
n→∞fn(x) =f(x).
b.Convergˆencia uniforme. Diz-se que uma sequˆencia de fun¸c˜oesfn:D→Cconverge uniformementea uma fun¸c˜ao f:D→Cse lim
n→∞
sup
x∈D|fn(x)−f(x)|
= 0.
Se uma sequˆenciafnconverge pontualmente a uma fun¸c˜aof, ent˜aof´e dita ser olimite pontualda sequˆenciafn. Se uma sequˆenciafnconverge uniformemente a uma fun¸c˜aof, ent˜aof´e dita ser olimite uniformeda sequˆenciafn.
Al´em da convergˆencia uniforme e pontual, h´a diversas outras no¸c˜oes de convergˆencia para sequˆencias de fun¸c˜oes, das quais destacamos as duas seguintes. Sejamaeb∈Rcom−∞< a < b <∞.
c.Convergˆencia no sentido deL1[a, b], dx
. Sejafn: [a, b]→Cuma sequˆencia de fun¸c˜oes tais que Zb
a |fn(x)|dx <
∞para todon∈N. Seja tamb´emf: [a, b]→Ccom Zb
a|f(x)|dx <∞. Dizemos que a sequˆenciafnconverge af no sentido deL1[a, b], dx
se lim
n→∞
Zb
a|fn(x)−f(x)|dx= 0.
d.Convergˆencia no sentido deL2 [a, b], dx
. Sejafn: [a, b]→Cuma sequˆencia de fun¸c˜oes tais que Zb
a |fn(x)|2dx <
∞para todon∈N. Seja tamb´emf: [a, b]→Ccom Zb
a|f(x)|2dx <∞. Dizemos que a sequˆenciafnconverge a fno sentido deL2[a, b], dx
se lim
n→∞
sZb
a |fn(x)−f(x)|2dx= 0.
Defini¸c˜oes an´alogas existem para o caso de sequˆencias definidas, n˜ao em um intervalo finito [a, b], mas em intervalos n˜ao-finitos, como a reta realRou a semirretaR+.
Antes de falarmos sobre a importˆancia da convergˆencia uniforme, apresentemos um crit´erio importante para que se tenha convergˆencia uniforme de s´eries de fun¸c˜oes.
•O testeMde Weierstrass
Em muitas situa¸c˜oes lidamos com s´eries de fun¸c˜oes, ou seja, com sequˆencias da formasn(x) = Xn
k=0
fk(x),n∈N, ondefks˜ao fun¸c˜oes reais definidas em um certo dom´ınio comumD⊂R. ´E muito importante nesses casos ter em m˜aos crit´erios que permitam saber se a sequˆenciasnconverge uniformemente emDa alguma fun¸c˜ao. De particular utilidade nesse contexto ´e um pequeno resultado devido a Weierstrass1, conhecido comotesteM de Weierstrass, o qual fornece condi¸c˜oes suficientes para a convergˆencia uniforme de uma s´erie:
Proposi¸c˜ao 36.1 (TesteM de Weierstrass)SejaD⊂R,Dn˜ao-vazio, e sejafn:D→Cuma sequˆencia de fun¸c˜oes definidas emDe tais que para cadakexista uma constanteMk≥0tal que|fk(x)| ≤Mkpara todox∈D. Ent˜ao, se a
1Karl Theodor Wilhelm Weierstraß (1815–1897).
s´erie X∞
k=0
Mkfor convergente, a sequˆencia de fun¸c˜oessn(x) :=
Xn
k=0
fk(x)converge uniformemente emD. 2
Prova. Como a s´erie X∞
k=0
Mk´e convergente, a sequˆencia de somas parciaisMn:=
Xn
k=0
Mk´e uma sequˆencia de Cauchy e, portanto, para cadaǫ >0 existeN(ǫ)∈Ntal que|Mn−Mm| ≤ǫsempre quenemforem maiores queN(ǫ). Como os Mk’s s˜ao positivos, param < ntem-se|Mn−Mm|=Mn−Mm=
Xn
k=m+1
Mk. Assim, vale Xn
k=m+1
Mk≤ǫsempre quen emforem maiores queN(ǫ).
Provemos primeiramente que a sequˆenciasnconverge pontualmente. Fixemosx∈De consideremos, param < n, a diferen¸casn(x)−sm(x) =
Xn
k=m+1
fk(x). Naturalmente, vale|sn(x)−sm(x)| ≤ Xn
k=m+1
|fk(x)| ≤ Xn
k=m+1
Mk≤ǫsempre quenemforem maiores queN(ǫ). Isso provou que a sequˆenciasn(x) ´e uma sequˆencia de Cauchy de n´umeros reais e, portanto, converge a um n´umero que denotamos pors(x). Como isso se d´a para cadax∈D, conclu´ımos que existe uma fun¸c˜aos:D→C`a qual a sequˆenciasnconverge pontualmente.
Provemos agora que a sequˆenciasnconverge uniformemente a essa fun¸c˜aos. Para cadax∈Dvale, como vimos,
|sn(x)−sm(x)| ≤ǫsempre quenemforem maiores queN(ǫ). Logo, tomando nessa desigualdade o limiten→ ∞, teremos
|s(x)−sm(x)| ≤ǫsempre quem > N(ǫ). Como isso vale para qualquerx∈D, conclu´ımos que supx∈D|s(x)−sm(x)| ≤ǫ sempre quem > N(ǫ) e isso estabelece que a sequˆenciasnconverge uniformemente asemD.
O leitor pode facilmente perceber que a Proposi¸c˜ao 36.1 e sua demonstra¸c˜ao se deixam generalizar sem problemas para s´eries de fun¸c˜oes complexas definidas em dom´ınios complexosD⊂C. Em verdade, a Proposi¸c˜ao 36.1 e sua demonstra¸c˜ao se deixam facilmente generalizar ainda mais para s´eries de fun¸c˜oes definidas emD⊂Cassumindo valores em um espa¸co de Banach.
36.1.1 Importˆancia da Convergˆencia Uniforme
Vamos discutir brevemente algumas das raz˜oes da importˆancia da no¸c˜ao de convergˆencia uniforme. Como consequˆencia dessa discuss˜ao, obteremos uma s´erie de resultados muito ´uteis que garantem condi¸c˜oes suficientes para que se possa trocar a ordem de opera¸c˜oes envolvendo a tomada de limites, o c´alculo de derivadas e o c´alculo de integrais definidas, trocas essas empregadas ami´ude em manipula¸c˜oes em F´ısica e Matem´atica.
•Convergˆencia uniforme e outras convergˆencias
E evidente que em qualquer´ Da convergˆencia uniforme de uma sequˆenciafna uma fun¸c˜aofimplica a convergˆencia pontual dessa sequˆencia `a mesma fun¸c˜ao. No caso de intervalos [a, b] finitos, a convergˆencia uniforme implica tamb´em a convergˆencia no sentido deL1 [a, b], dx
, pois vale, evidentemente, Zb
a|fn(x)−f(x)|dx ≤ sup
x∈[a, b]|fn(x)−f(x)| b−a
(36.1) e analogamente para a convergˆencia no sentido deL2 [a, b], dx
. A rec´ıproca dessas duas afirma¸c˜oes, por´em, n˜ao ´e necessariamente verdadeira. Por exemplo, a sequˆencia de fun¸c˜oes definidas no intervalo [−1,1] por
fn(x) :=
1 0≤ |x| ≤n1, 0, 1n<|x| ≤1, paran≥1, converge `a fun¸c˜ao nula no sentido deL1[a, b], dx
e no sentido deL2 [a, b], dx
(justifique!), mas n˜ao converge uniformemente a essa fun¸c˜ao (justifique!).
•Limites uniformes de fun¸c˜oes cont´ınuas em intervalos compactos
Um importante resultado que mencionamos ´e uma propriedade de grande relevˆancia de limites uniformes de fun¸c˜oes cont´ınuas:
Proposi¸c˜ao 36.2SejaD ⊂ R, n˜ao-vazio, e sejafn : D→ Cuma sequˆencia de fun¸c˜oes cont´ınuas que converge
uniformemente a uma fun¸c˜aof:D→C. Ent˜ao,f´e tamb´em cont´ınua. 2
Prova.Parax, y∈Dquaisquer en∈Nqualquer, podemos escreverf(x)−f(y) = f(x)−fn(x)
+ fn(x)−fn(y) + fn(y)−f(y)
, do que se extrai
f(x)−f(y) ≤
f(x)−fn(x) +
fn(x)−fn(y) +
fn(y)−f(y)
. Como a sequˆenciafn
converge uniformemente af, existe para cadaǫ >0 umN(ǫ/3)∈Ntal que
f(x)−fn(x) < ǫ/3 e
f(y)−fn(y) < ǫ/3 desde que escolhamosncomn > N(ǫ/3). Tomemos um taln. Como a fun¸c˜aofn´e cont´ınua, existeδ(ǫ/3) tal que fn(x)−fn(y)
< ǫ/3 desde que|x−y|< δ(ǫ/3). Assim, para cadaǫ >0 existeδ(ǫ/3) tal que
f(x)−f(y) < ǫdesde que|x−y|< δ(ǫ/3), provando a continuidade def.
Resultados ainda mais fortes s˜ao demonstrados na Proposi¸c˜ao 24.8, p´agina 1258.
36.1.1.1 Troca de Ordem entre Limites e Integrais
No caso de intervalos finitos [a, b], a no¸c˜ao de convergˆencia uniforme ´e importante por fornecer condi¸c˜oes suficientes para garantir a invers˜ao de ordem de limites e integrais. Mais especificamente, tem-se a seguinte afirma¸c˜ao:
Proposi¸c˜ao 36.3Seja uma sequˆenciafn: [a, b]→Cde fun¸c˜oes cont´ınuas definidas em um intervalo compacto[a, b]⊂ Rque converge uniformemente nesse intervalo a uma fun¸c˜aof: [a, b]→C(a qual, pela Proposi¸c˜ao 36.2, ´e tamb´em cont´ınua), ent˜ao vale
nlim→∞
Za b
fn(x)dx = Za
b
lim
n→∞fn(x) dx =
Za b
f(x)dx (36.2)
ou seja, ´e poss´ıvel inverter o limite pela integral definida. 2
Prova.A demonstra¸c˜ao segue facilmente da observa¸c˜ao que
Zb a
fn(x)−f(x) dx
≤
Zb
a |fn(x)−f(x)|dx (36.1)≤ sup
x∈[a, b]|fn(x)−f(x)|
! b−a
,
o que implica que limn
→∞
Zb a fn(x)dx−
Zb a f(x)dx
= 0 se limn
→∞ sup
x∈[a, b]|fn(x)−f(x)|
!
= 0.
Fazemos notar que a condi¸c˜ao de convergˆencia uniforme da sequˆenciafn´e suficiente, mas n˜ao necess´aria para validar a invers˜ao de limites em intervalos compactos descrita em (36.2). Citamos o importante exemplo de s´eries de Fourier de fun¸c˜oes peri´odicas, cont´ınuas e diferenci´aveis por partes. De acordo com o Teorema 36.13, p´agina 1835, as condi¸c˜oes do Teorema de Fourier (Teorema 36.12, p´agina 1834) s˜ao suficientes para que a invers˜ao de (36.2) seja v´alida para uma s´erie de Fourier, mesmo que n˜ao impliquem em convergˆencia uniforme dessa s´erie.
A troca de limites por integrais definidas ´e uma opera¸c˜ao frequentemente realizada em manipula¸c˜oes matem´aticas e, n˜ao raro, conduz `a solu¸c˜ao de diversos problemas em F´ısica. ´E, portanto, ´util conhecermos condi¸c˜oes sob as quais tal invers˜ao seja permitida. Alguns dos teoremas mais fortes nessa dire¸c˜ao (com a integra¸c˜ao entendida no sentido de Lebesgue) s˜ao o Teorema da Convergˆencia Mon´otona e o Teorema da Convergˆencia Dominada, que apresentamos e demonstramos na Se¸c˜ao 31.3.4, p´agina 1482.
•Contraexemplos a se ter em mente
Caso a sequˆencia de fun¸c˜oes n˜ao seja uniformemente convergente, ent˜ao n˜ao ´e sempre poss´ıvel garantir a validade da invers˜ao entre a integral definida e a tomada do limite e essa invers˜ao pode, em alguns casos, ser falsa. Um exemplo bem
conhecido ´e o da sequˆencia de fun¸c˜oes cont´ınuas
fn(x) :=
n2x , 0≤x≤1n,
−n2x+ 2n , n1≤x≤n2, 0, n2≤x≤1,
(36.3)
comn≥2, fun¸c˜oes essas definidas no intervalo [0,1]. Vide Figura 36.1, p´agina 1797. ´E f´acil constatar que para cada x∈[0, 1] vale lim
n→∞fn(x) = 0, sendo que esse limite n˜ao ´e uniforme, j´a quefn(1/n) =npara cadan. Ocorre, por´em, que
Z1 0
fn(x)dx= 1 para todon. Logo, lim
n→∞
Za b
fn(x)dx6=
Za b
lim
n→∞fn(x)
dx, pois o lado esquerdo vale 1 e o lado direito vale 0.
0 1/n 2/n 1
n
Figura 36.1: Gr´afico de uma fun¸c˜aofndefinida em (36.3). Observe que a ´area do triˆangulo vale 1 para todon.
A hip´otese feita na Proposi¸c˜ao 36.3 de que a sequˆenciafnconverge uniformemente em um intervalocompactotamb´em n˜ao ´e gratuita, como mostra o seguinte (contra-)exemplo: Sejafn:R→Ra sequˆencia de fun¸c˜oes definidas por
fn(x) :=
1
2n, −n≤x≤n , 0, de outra forma,
(36.4)
comn≥1. Ent˜ao,fnconverge uniformemente em todaR`a fun¸c˜ao identicamente nula (justifique!), mas Z∞
−∞
fn(x)dx= 1 para todon, mostrando que 1 = lim
n→∞
Z∞
−∞
fn(x)dx
6=
Z∞
−∞
lim
n→∞fn(x) dx = 0.
E. 36.1Exerc´ıcio. Considere a sequˆencia de fun¸c˜oesfn(x) = 1ne−x/n, comn∈N, definidas no intervalo[0, ∞). Mostre que essa sequˆencia de fun¸c˜oes converge uniformemente `a fun¸c˜ao que ´e identicamente nula no intervalo[0, ∞). Mostre que vale limn→∞R∞
0 fn(x)dx6=R∞
0 (limn→∞fn(x))dx.
Ainda que difiram, os limiteslimn→∞
R∞
0 fn(x)dxeR∞
0 (limn→∞fn(x))dxs˜ao finitos no exemplo acima. Considere, por´em, o que ocorre no caso da sequˆencia de fun¸c˜oesfn(x) =√1ne−x/n, comn∈N, definidas no intervalo[0,∞). Mostre que essa sequˆencia de fun¸c˜oes tamb´em converge uniformemente, `a fun¸c˜ao identicamente nula, mas constate que, nesse caso, o limitelimn→∞
R∞
0 fn(x)dx
sequer existe. 6
36.1.1.2 Troca de Ordem entre Limites e Derivadas
A Proposi¸c˜ao 36.3 tem uma outra consequˆencia ´util referente `a possibilidade de invers˜ao de limites por derivadas.
Proposi¸c˜ao 36.4Sejafn:R→C,n∈N, uma sequˆencia de fun¸c˜oes cont´ınuas e diferenci´aveis com derivadasfn′
tamb´em cont´ınuas. Suponhamos que a sequˆenciafnconvirja pontualmente a uma fun¸c˜aof:R→Ce que a sequˆencia de derivadasfn′ convirja uniformemente em cada intervalo compacto[a, b]⊂Ra uma fun¸c˜aog:R→C. Ent˜ao,g´e cont´ınua ef´e diferenci´avel, comf′=g.
Assim, em outras palavras, vale, sob as hip´oteses acima, lim
n→∞
dfn
dx(x)
= d dx
lim
n→∞fn(x)
. 2
Nota.Observamos que as conclus˜oes da Proposi¸c˜ao 36.4 podem ser obtidas com hip´oteses ainda menos restritivas. Vide, e.g., [255]. ♣ Provada Proposi¸c˜ao 36.4.A sequˆencia de fun¸c˜oes cont´ınuasfn′ converge uniformemente agem cada intervalo compacto [a, b]⊂Re, assim, pela Proposi¸c˜ao 36.2,g´e cont´ınua em todos esses intervalos e, portanto, ´e cont´ınua em todoR.
Tomemos um intervalo compacto [a, x]⊂R, comx∈(a, b]. Como a sequˆencia de fun¸c˜oes cont´ınuasfn′ converge uniformemente nesse intervalo `a fun¸c˜aog, vale pela Proposi¸c˜ao 36.3 que limn→∞Rx
afn′(y)dy=Rx
ag(y)dy. A integral do lado esquerdo ´efn(x)−fn(a). Como a sequˆenciafnconverge pontualmente `a fun¸c˜aof, teremos que limn→∞ fn(x)− fn(a)
=f(x)−f(a). Assim, estabelecemos queRx
ag(y)dy=f(x)−f(a). O lado esquerdo ´e cont´ınuo e diferenci´avel emxem todo intervalo [a, b], a derivada sendo a fun¸c˜ao cont´ınuag(x) (pelo Teorema Fundamental do C´alculo). Logo, o lado direito ´e tamb´em cont´ınuo e diferenci´avel emxe sua derivada ´ef′(x) =g(x).
36.1.1.3 Troca de Ordem entre Derivadas e Integrais
Tanto na F´ısica quanto na Matem´atica em geral, ´e muito comum encontrarmos situa¸c˜oes nas quais temos uma fun¸c˜ao φ(x, t) sendo integrada na vari´avelxem um certo dom´ınio, digamos de−∞e +∞, resultando em uma fun¸c˜ao apenas da vari´avelt, e desejarmos calcular a derivada dessa fun¸c˜ao resultante da integral em rela¸c˜ao `a vari´avelt, usando para tal a express˜ao d
dt Z∞
−∞
φ(x, t)dx= Z∞
−∞
∂φ
∂t(x, t)dx, na qual, em um sentido formal, a deriva¸c˜ao na vari´avelt´e trocada de ordem com a integra¸c˜ao emx. Tal troca de ordem ´e por vezes de grande utilidade em manipula¸c˜oes, por exemplo, na teoria das equa¸c˜oes diferenciais ordin´arias e parciais. Na proposi¸c˜ao que segue apresentaremos condi¸c˜oes suficientes para garantir que tal troca seja v´alida.
Proposi¸c˜ao 36.5Sejaφ : R×R →Ccont´ınua e suponhamos que a derivada parcial ∂φ∂t(x, t) exista para todos (x, t)∈R×Re seja igualmente continua.
Parte I.Para todo intervalo compacto[a, b]⊂Ra fun¸c˜ao detdefinida porRb
aφ(x, t)dx´e diferenci´avel e vale d
dt Zb
a
φ(x, t)dx = Zb
a
∂φ
∂t(x, t)dx . (36.5)
Parte II.Vamos adicionalmente supor que valham as seguintes hip´oteses:
a.
Z∞
−∞|φ(x, t)|dxexiste para todot∈R; b.
Z∞
−∞
∂φ
∂t(x, t)
dxexiste para todot∈R; c.a sequˆencia de fun¸c˜oesFn(t) :=
Z
|x|>n
∂φ
∂t(x, t)
dxconverge quandon→ ∞`a fun¸c˜ao identicamente nula, uni- formemente paratem qualquer intervalo compacto[a, b]⊂R.
Ent˜ao, a fun¸c˜ao detdefinida porR∞
−∞φ(x, t)dx´e diferenci´avel e vale d
dt Z∞
−∞
φ(x, t)dx = Z∞
−∞
∂φ
∂t(x, t)dx . (36.6)
2
Prova da Parte I.Para evitar confus˜oes na nota¸c˜ao, vamos no que segue denotar a derivada parcial∂φ∂xporφ1e a derivada parcial∂φ∂t porφ2.
Comoφ2(x, t) ´e cont´ınua, podemos escrever Zt
0
Zb
a
φ2(x, τ)dx
! dτ =
Zb a
Zt 0
φ2(x, τ)dτ
dx ,
trocando a ordem das integrais. Agora,Rt
0φ2(x, τ)dτ=Rt 0
∂φ
∂t(x, τ)dτ=φ(x, t)−φ(x,0) e o lado direito claramente valeRb
aφ(x, t)dx−Rb
aφ(x,0)dx. Com isso, estabelecemos que Zb
a
φ(x, t)dx = Zt
0
Φ(τ)dτ+C , (36.7)
onde
Φ(τ) :=
Zb a
φ2(x, τ)dx e C :=
Zb a
φ(x,0)dx . Note-se queC´e constante, ou seja, independente det.
E importante agora provarmos que Φ :´ R→C´e cont´ınua. Vamos provisoriamente restringirτao intervalo compacto [−T, T] para algumT >0. Por hip´otese, a fun¸c˜aoφ2(x, τ) ´e cont´ınua e, portanto, uniformemente cont´ınua no dom´ınio compacto [a, b]×[−T, T]⊂R2. Logo, para todoǫ >0 existeδ(x) tal que|φ2(x, τ)−φ2(x′, τ′)|< ǫsempre que
|x−x′|< δ(ǫ) e|τ−τ′|< δ(ǫ). Em particular, vale que|φ2(x, τ)−φ2(x, τ′)|< ǫsempre que|τ−τ′|< δ(ǫ). Logo, se
|τ−τ′|< δ(ǫ), valer´a
Φ(τ)−Φ(τ′) =
Zb a
φ2(x, τ)dx− Zb
a
φ2(x, τ′)dx ≤
Zb a
φ2(x, τ)−φ2(x, τ′)
dx <(b−a)ǫ , o que prova que Φ : [−T, T]→C´e cont´ınua. ComoT >0 ´e arbitr´ario, conclu´ımos que Φ :R→C´e cont´ınua, como desej´avamos. A continuidade de Φ permite afirmar queRt
0Φ(τ)dτ´e diferenci´avel como fun¸c˜ao dete de (36.7) conclu´ımos queRb
aφ(x, t)dx´e tamb´em diferenci´avel como fun¸c˜ao dete vale d
dt Zb
a
φ(x, t)dx = Φ(t) = Zb
a
∂φ
∂t(x, t)dx , como quer´ıamos estabelecer. Isso termina a prova da Parte I.
Prova da Parte II.A hip´oteseagarante a existˆencia da fun¸c˜aof:R→Cdefinida porf(t) :=
Z∞
−∞
φ(x, t)dx. Para n∈N, defina-se tamb´em a sequˆencia de fun¸c˜oesfn(t) :=
Zn
−n
φ(x, t)dx. Se provarmos quefnconverge pontualmente a fe quefn´e diferenci´avel e a sequˆencia de derivadasfn′ converge uniformemente a
Z∞
−∞
∂φ
∂t(x, t)dxparatem compactos [a, b] (sendo que essa integral existe pela hip´otese hip´oteseb), ent˜ao poderemos evocar a Proposi¸c˜ao 36.4, p´agina 1798 e obter que lim
n→∞
Zn
−n
φ(x, t)dx´e diferenci´avel como fun¸c˜ao dete que vale d
dt
nlim→∞
Zn
−n
φ(x, t)dx
= Z∞
−∞
∂φ
∂t(x, t)dx ,
ou seja,
d dt
Z∞
−∞
φ(x, t)dx = Z∞
−∞
∂φ
∂t(x, t)dx , como desejamos.
Provemos ent˜ao quefnconverge pontualmente af. Tem-se|fn(t)−f(t)|= R
|x|>nφ(x, t)dx ≤R
|x|>n|φ(x, t)|dx.
Pela hip´otesea, tem-se para cadatque limn→∞R
|x|>n|φ(x, t)|dx= 0 (doutra formaR∞
−∞|φ(x, t)|dxn˜ao existiria), provando que para cadatvale limn→∞|fn(t)−f(t)|, o que diz quefnconverge afpontualmente.
Por fim, provemos quefn´e diferenci´avel e a sequˆencia de derivadasfn′ converge uniformemente aR∞
−∞
∂φ
∂t(x, t)dx paratem compactos [a, b]. Que cadafn´e diferenci´avel ´e garantido pela Parte I, que garante tamb´em quefn′(t) = Rn
−n
∂φ
∂t(x, t)dx. Assim, fn′(t)−
Z∞
−∞
∂φ
∂t(x, t)dx =
Z
|x|>n
∂φ
∂t(x, t)dx ≤
Z
|x|>n
∂φ
∂t(x, t) dx .
Agora, pela hip´otesec, R
|x|>n
∂φ
∂t(x, t)
dx converge a zero uniformemente em compactos quanton → ∞. Logo,
fn′(t)−R∞
−∞
∂φ
∂t(x, t)dx
converge a zero uniformemente em compactos quanton→ ∞, completando a prova.
36.2 Sequˆ encias Delta de Dirac
Uma no¸c˜ao importante para o estudo de certas aproxima¸c˜oes de fun¸c˜oes ´e a no¸c˜ao desequˆencia delta de Diracpois, como ser´a ilustrado em diversos exemplos no que segue, muitos aproximantes de fun¸c˜oes s˜ao produzidos por tais sequˆencias ou por sequˆencias an´alogas. Sequˆencias delta de Dirac s˜ao muito usadas em F´ısica, assim como na Teorias das Distribui¸c˜oes (vide Cap´ıtulo 37, p´agina 1863) e no estudo de equa¸c˜oes diferenciais.
Dirac2introduziu essas sequˆencias no contexto da Mecˆanica Quˆantica, mas a ideia subjacente j´a podia ser encontrada na demonstra¸c˜ao original de Weierstrass, datada de 1885, do teorema que leva seu nome sobre aproxima¸c˜ao polinomial de fun¸c˜oes cont´ınuas em intervalos compactos (Teorema 36.3, p´agina 1806), assim como no trabalho de Fej´er3de 1900 sobre o problema de convergˆencia uniforme de polinˆomios trigonom´etricos associados a fun¸c˜oes cont´ınuas e peri´odicas (vide Teorema 36.9, p´agina 1828). Essas ideias originam-se provavelmente do trabalho de Dirichlet4de 1828, tamb´em sobre o problema de convergˆencia das s´eries de Fourier (vide Proposi¸c˜ao 36.9, p´agina 1830).
•Sequˆencias delta de Dirac. Defini¸c˜ao formal e propriedades
A no¸c˜ao de sequˆencia delta de Dirac, que introduziremos agora, ´e de importˆancia central na discuss˜ao de m´etodos de aproxima¸c˜ao de fun¸c˜oes. Isso ser´a explicitado quando apresentarmos e demonstrarmos o Teorema 36.1 `a p´agina 1803. A no¸c˜ao de sequˆencia delta de Dirac ´e tamb´em intimamente ligada `a no¸c˜ao demedida delta de Dirac(vide p´agina 1387) e
`
a no¸c˜ao dedistribui¸c˜ao delta de Dirac(vide p´agina 1918).
Defini¸c˜ao 36.1 (Sequˆencias delta de Dirac)Uma sequˆencia de fun¸c˜oes Kn :R →R, n ∈ N, ´e dita ser uma sequˆencia delta de DiracemRcentrada em0se satisfizer
1. Para cadan∈N, a fun¸c˜aoKn´e integr´avel, ou seja, Z∞
−∞|Kn(x)|dx <∞.
2. Existe uma constanteK>0tal que para todon∈Nvale Z∞
−∞|Kn(x)|dx ≤ K. (36.8)
2Paul Adrien Maurice Dirac (1902–1984).
3Lip´ot Fej´er (1880–1959).
4Johann Peter Gustav Lejeune Dirichlet (1805–1859).