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A CONSTITUIÇÃO DA IDENTIDADE NA PÓS-MODERNIDADE:
CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS DE MICHEL MAFFESOLI E STUART HALL
Andréa Andrade Alves
Marcia Bianco
RESUMO: o presente ensaio teórico visa a apresentar discussões acerca da constituição da identidade do sujeito inserido no contexto globalizado, que permeia a sociedade do século XXI, concebida pós-moderna pela condição sócio-histórico-cultural e estética prevalente na contemporaneidade. Diante do exposto, enquanto pesquisa bibliográfica, com abordagem qualitativa, tomam-se como contribuições, para o delineamento das discussões teóricas, os estudos de Maffesoli (1996) e Hall (2005), entre outros, no que tange aos processos imbricados na constituição identitária do sujeito inserido na pós-modernidade. Os resultados obtidos nas discussões permeadas evidenciam a fragmentação identitária do sujeito, inserido em uma sociedade constantemente mutável, que valoriza o presente, em detrimento dos processos históricos que o constituiu.
PALAVRAS-CHAVE: Identidade Cultural. Pós-modernidade. Sujeito pós-moderno. Fragmentação identitária.
1. Introdução
O sujeito pós-moderno, indicado por Hall (2005), é definido pelo contexto o qual está inserido socialmente, i.e., iniciado, conforme apontam Bauman (2005), Maffesoli (1996) e Jameson (2002), a partir da década de 1960 e enfatizado com a queda do Muro de Berlim. Com o advento do capitalismo, consolidou-se a sociedade do consumo, da instantaneidade, velocidade de informações, liquidez, transformação da importância da historicidade, conforme Jameson (1983). Nesse contexto, o presente ensaio teórico visa a apresentar discussões acerca da constituição da identidade do sujeito inserido no contexto globalizado, que permeia a sociedade do século XXI, concebida como pós-moderna pela condição sócio-histórico-cultural e estética prevalente na contemporaneidade. Diante do exposto, enquanto pesquisa bibliográfica, com abordagem qualitativa, tomam-se como contribuições, para o delineamento das discussões teóricas, os estudos de Maffesoli (1996) e Hall (2005), entre outros, no que tange aos processos imbricados na constituição identitária do sujeito inserido na pós-modernidade. Os resultados obtidos nas discussões permeadas evidenciam que, a identidade torna-se múltipla e fragmentada, resultando em um hibridismo cultural (HALL, 2005).
Texto completo de trabalho apresentado na Sessão 7 do Eixo Temático Estudos Culturais do 4. Encontro da Rede Sul Letras, promovido pelo Programa de Pós-graduação em Ciências da Linguagem no Campus da Grande Florianópolis da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) em Palhoça (SC). O presente texto constitui-se em ensaio teórico acerca das discussões permeadas nos encontros da disciplina de Estética do Programa de Doutorado em Ciências da Linguagem – Unisul (Tubarão, SC), no ano de 2015.
Estudante de Doutorado do Programa de Pós-graduação em Ciências da Linguagem da Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL. Mestra em Educação. andreaandradealves@hotmail.com.
Docente do Centro Universitário Barriga Verde – UNIBAVE. Especialista. marciabianco@yahoo.com.br.
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2. As contribuições teóricas de Maffesoli e Hall para compreender as transformações de identidade do sujeito na contemporaneidade inserido na sociedade pós-moderna
As discussões acerca da constituição da identidade do sujeito inserido no contexto globalizado, que permeia a sociedade do século XXI, concebida pós-moderna pela condição sócio- histórico-cultural e estética prevalente na contemporaneidade são os eixos norteadores do presente ensaio.
Nesse contexto, torna-se necessário, inicialmente, apresentar as concepções de sujeito delineadas por Laraia (2001) e Hall (2005), para, a partir disso, adentrar no foco das discussões deste trabalho, quais são, de pós-modernidade, globalização e descentralização da identidade do sujeito, ambas aportadas nas teorias de Hall (2005), Maffesoli (1996) e Bauman (2003), dentre outros.
Dessa forma, Laraia (2001, p. 24) explana que o sujeito “[...] é o resultado do meio cultural em que foi socializado. [...] herdeiro de um longo processo acumulativo, que reflete o conhecimento e a experiência adquiridos pelas numerosas gerações que o antecederam”. Nesse sentido, a humanidade é historicamente constituída pelas condições sociais em que vive.
Independentemente das questões de natureza (geográficas ou biológicas), o sujeito vai construindo suas crenças, adotando valores de acordo com a troca de experiências efetivadas entre seus pares (HALL, 1997 apud HALL, 2005).
Nesse diapasão, Hall (2005) destaca que há três concepções de identidade: sujeito do Iluminismo, que é o centrado e dotado de capacidades de razão; sujeito sociológico, formado entre seu núcleo interior e a relação que estabelece com o outro; e sujeito pós-moderno, o qual não possui identidade fixa, é fragmentado. Este último é o centro das discussões que permeiam a proposta do presente ensaio.
O sujeito pós-moderno, indicado por Hall (2005), é definido pelo contexto o qual está inserido socialmente, i.e., iniciado, conforme apontam Bauman (2005), Maffesoli (1996) e Jameson (2002), a partir da década de 1960 e enfatizado com a queda do Muro de Berlim. Com o advento do capitalismo, consolidou-se a sociedade do consumo, da instantaneidade, velocidade de informações, liquidez, perda da historicidade e falta de profundidade, conforme afirma Jameson (1983):
E o mundo mudou após a Segunda Grande Guerra, vieram os anos de 1960 com as contestações dos valores éticos da sociedade, a perda dos sonhos utópicos e crenças que o modernismo acalentou, surgindo as tendências do irracionalismo, descontinuidade, relativismo e descrenças com os ideais do iluminismo, no campo técnico a força avassaladora da informática, no mundo sócio-cultural expressões com perfis contemporâneos na arte, literatura, música, cinema, “a sociedade do consumo e do espetáculo”, o crescimento da produção cultural em sistemas industriais sofisticados, a predileção pela imagem, a mercantilização exacerbada da mídia, a força do imaginário na vida das pessoas, a fragmentação e os hibridismos culturais, entre outros fenômenos.
(JAMESON, 1983, 113).
Não obstante, o entendimento de contemporaneidade no contexto da pós-modernidade, e principalmente, do sujeito nesse ínterim, não se encerra apenas nas questões supracitadas, mas sim, envolve também outros aspectos, como por exemplo, a fluidez dos sentimentos incitada por (BAUMAN, 2003), que reflete nas relações sociais, e consequentemente, na formação da identidade.
Com o advento desse período, o sujeito foi desprendendo-se das características que o constituíam no modernismo, apontadas por Hall (2005), no sujeito sociológico, para incorporar novos elementos à sua identidade. Desse modo, a identidade até então singular, própria, foi substituída por uma múltipla, que se dá pela (não) identificação com o todo, e o sujeito tornou-se fragmentado e superficial, perdendo sua historicidade (MAFFESOLI, 1996).
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Para Maffesoli (1996, p. 304), “o eu só é uma frágil construção, ele não tem substância própria, mas se produz através das situações e experiências que o moldam num perpétuo jogo de esconde-esconde”. Nesse sentido, o sujeito pós-moderno não é único, mas fragmentado e permanentemente modificado pela sociedade que o envolve, a qual apresenta uma realidade em constante movimento, e, portanto, pela ausência de uma referência estável, inviabiliza a formação de uma identidade una, sólida (BAUMAN, 1998).
E é nessa perspectiva, que Bauman (1998), percebendo a incerteza como o princípio da pós-modernidade, afirma não ser mais possível a construção da identidade do sujeito com uma base sólida e estruturada, mas sim, que essa deve ser feita com a junção de diversos segmentos, facilmente agrupados e não e vice-versa.
Essa descentralização do sujeito ocorre, de acordo com Hall (2005 apud POLETTO;
KREUTZ, 2014), por meio dos cinco avanços das ciências humanas, a saber:
[...] as tradições do pensamento marxista, que trouxeram à tona diferentes interpretações do trabalho de Marx e suscitaram contradições e questionamentos sobre a posição do sujeito na sociedade; a descoberta do inconsciente por Freud, que defende a identidade como algo móvel, formada por processos conscientes e inconscientes do sujeito; o trabalho do linguista Ferdinand de Saussure, que afirma que não somos os autores das afirmações que fazemos, uma vez que toda afirmação carrega ecos dos nossos significados e de muitos outros, pois o que dizemos tem um “antes” e um “depois”; o estudo e trabalho do poder disciplinar realizado por Michel Foucault, que propunha manter os sujeitos, com seus modos de ser e agir, em estrito controle e disciplina, sendo este o produto das instituições coletivas da modernidade tardia; e o quinto e último avanço apresenta o feminismo, assim como os movimentos que emergiram e marcaram os anos [19]60, os quais buscavam salientar a identidade social de cada grupo. (HALL, 2005 apud POLLETO; KREUTZ, 2014, p. 201).
Em suma, Hall (2005) discute sobre identidade a partir da própria crise estabelecida, conforme supracitado, visto que a sociedade foi e é, ao longo do tempo, marcada por transformações que influenciaram as maneiras de compreender o sujeito. Além disso, o referido autor, ainda afirma que, em face da globalização, a consequência disso é o hibridismo identitário por meio das diversas manifestações culturais.
Essa característica não propõe que a identidade do sujeito desapareça, mas sim, que não seja rígida. Por consequência, a relação que o sujeito estabelece com o tempo/transformações faz com que a experiência e a necessidade de viver o presente sejam intensas, uma vez que não tem base para constituir um projeto de futuro.
Nesse contexto, a busca indisciplinada pela identidade de um “nós” capaz de acolher os diversos “eus”, torna-se uma constante. Na visão de Maffesoli (1996, p. 303), “essa nebulosa da identificação é um dos mitos pós-modernos” e, se identificar é fazer parte de um grupo social de características culturais próprias, em que o fundamental não é o objeto da identificação ao redor do qual se forma o corpo social, e sim, o sentir-se pertencente socialmente, experimentar em comunhão, integrar-se. Ainda conforme o autor mencionado:
[...] a pós-modernidade provoca nas pessoas uma necessidade comum em que o comportamento sócio-psicológico emotivo e ético necessita da proximidade das pessoas privilegiando o estético, num processo em que ele denomina de “tribalismo” destes nossos tempos. Nele os indivíduos se juntam, mesmo sem se conhecerem, sem objetivos específicos, mas devido à simples vontade de estar, sair, não importando o destino.
(MAFFESOLI, 1996, p. 15-16).
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Essa inconstância permeia a superficialidade da identidade do sujeito na pós- modernidade, expressa por Maffesoli (1996, p. 333) como: “[...] estrutura de cascas de cebola que dá essa impressão ao mesmo tempo de intensidade e de superficialidade que caracteriza a pós- modernidade”. Nessa perspectiva, torna-se evidente a pluralidade do sujeito, a multiplicidade de máscaras que o coabitam e o impedem de constituir um “eu” único na sociedade em que o autor afirma a predominância da estética e da imagem, conforme Maffesoli (1998 apud NÓBREGA, 2008, p. 6) aponta:
Percebemos na pós-modernidade a fragmentação e o entrelaçamento de representações de diferentes campos normativos e institucionais, admitindo-se várias identidades que se estabelecem por valores intrínsecos e extrínsecos, motivados por uma sociedade disforme, um mosaico de geometrias díspares com diversos elementos limitados alternadamente por relações ambíguas, união e conflito, amabilidade e agressividade, que, curiosamente, estabelecem um modelo real e concreto. [...] simplesmente a distinção entre ética e estética, um conjunto de categorias e de sensibilidades alternativas às conjunturas da modernidade.
Para finalizar, pode-se considerar que a identidade na pós-modernidade é caracterizada pela fragmentação do sujeito, em consequência da multiplicidade de referências e, sobretudo, pela ruptura na linearidade temporal na qual a experiência do presente torna-se preponderante, como salienta Maffesoli (1996, p. 11), em que “[...] há um hedonismo do cotidiano irreprimível e poderoso que subentende e sustenta toda vida em sociedade”, explicado por Arnt (1997) como sendo:
[...] em última instância, é que ordena a sociedade - de maneira explícita ou discreta - formando uma verdadeira estrutura antropológica. Evidentemente há épocas menos ou mais sensíveis. [...] a contemporaneidade distingue-se pelo hedonismo, pela valorização de tudo o que aproxima as pessoas na vida cotidiana - a adesão aos espetáculos de música, de esporte, os bailes de rock, pop ou funks, as seitas religiosas são exemplos dessa tendência.
A vida social, independente da conjuntura política e das contingências econômicas, organiza-se em torno dos sentimentos e das emoções, tornando os laços sociais totalmente emocionais. A concepção de estética em Maffesoli inclui necessariamente o outro e é um conceito de comunicação. Nossa época tem dois aspectos dominantes: o estilo e a imagem.
É em torno das imagens que o espírito comunal se forma. Este final de século assiste à explosão. (ARNT, 1997, p. 1).
E é essa imagem, na concepção de Maffesoli (1996), que determina um estilo de vida, o qual denomina-se “estilo estético”, assumindo duplicidade de significado. O primeiro trata das emoções e sentimentos compartilhados e o segundo, da qual origina a palavra, a remissão à beleza e às obras de arte (ARNT, 1997).
Considerações finais
Retomando o propósito deste ensaio, que se concentrou nas discussões acerca dos efeitos da pós-modernidade na constituição da identidade do sujeito inserido na sociedade contemporânea, foi possível ressaltar alguns aspectos do contexto que refletem a formação desta.
A identidade torna-se múltipla e fragmentada, resultando em superficialidade (MAFFESOLI, 1996). Desse modo, a busca de um “eu” que defina o sujeito a partir de seu contexto sócio- histórico-cultural, é substituída por uma ansiedade permanente de viver um presente intenso.
Nessa sociedade contemporânea pós-moderna da imagem e da estética discutida por Maffesoli (1996), o que resta para a identidade são fragmentos, o que não a permite se constituir
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de forma plena. Consequentemente, a busca desenfreada pelo viver o presente torna-se latente, em detrimento do apagamento do passado e o não, minimamente pensar, imaginar, o futuro.
Referências
BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.
______. Amor Líquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.
______. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
JAMESON, Fredric. Pós-Modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Editora Ática, 2002.
______. Pós-Modernidade e Sociedade de Consumo. Novos Estudos, v. 12, p. 16-26, 1983.
MAFFESOLI, Michel. O tempo das Tribos. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
______. No fundo das aparências. Petrópolis: Vozes, 1996.
LARAIA. Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 14. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. Disponível em: <
http://comunicacaoeesporte.files.wordpress.com/2010/10/cultura-um-conceito- antropologico.pdf>. Acesso em: 8 out. 2015.
POLETTO, Júlia; KREUTZ Lúcio. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade.
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HALL, Stuart. A centralidade da cultura. Educação & Realidade. Porto Alegre, v. 2, n. 22, jul./dez.1997.
______. Representation: cultural representations and signifying practices. Londres: Sage/The Open University, 1998.
______. A identidade cultural na pós-modernidade. 10. ed. Tomaz Tadeu da Silva, Guacira Lopes Louro (Trad.). Rio de Janeiro: DP & A, 2005.
NÓBREGA, Zulmira. Cultura popular na pós-modernidade. IV ENECULT – Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura 28 a 30 de maio de 2008. Faculdade de Comunicação/UFBa, Salvador-Bahia-Brasil. Disponível em<
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