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Repositório Institucional UFC: A efetivação e o conhecimento dos direitos humanos por meio da literatura: análise da obra a menina que roubava livros

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO

ISABELLE DE SENA SOMBRA

A EFETIVAÇÃO E O CONHECIMENTO DOS DIREITOS HUMANOS POR MEIO DA LITERATURA: ANÁLISE DA OBRA A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS

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ISABELLE DE SENA SOMBRA

A EFETIVAÇÃO E O CONHECIMENTO DOS DIREITOS HUMANOS POR MEIO DA LITERATURA: ANÁLISE DA OBRA A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS

Trabalho de Conclusão de Curso submetido à Coordenadoria de Programas Acadêmicos da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito para a obtenção do Título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. William Paiva Marques Júnior

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ISABELLE DE SENA SOMBRA

A EFETIVAÇÃO E O CONHECIMENTO DOS DIREITOS HUMANOS POR MEIO DA LITERATURA: ANÁLISE DA OBRA A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS

Monografia apresentada ao Curso de Direito, da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direitos Humanos; Direito Constitucional; Direito a Arte e Literatura.

Aprovada em: 25/05/2018.

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________ Prof. Dr. William Paiva Marques Júnior (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_______________________________________________ Profª. Msc. Fernanda Cláudia Araújo da Silva

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_______________________________________________ Msc. Vanessa de Lima Marques Santiago

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À minha mãe, por toda a ajuda nesse trabalho.

À toda minha família, pelo apoio incondicional.

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AGRADECIMENTOS

A Deus.

A meus pais e meu irmão, por sempre se fazerem presentes e me amarem.

Ao Professor William Marques, pela atenciosa orientação e precioso tempo a mim dispensado.

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RESUMO

Investiga-se a temática dos Direitos Humanos por meio da literatura, entendendo a importância do conhecimento desses direitos e da sua transmissão da forma mais clara possível para a população global. Nessa tarefa os livros exercem uma posição primordial na passagem de cultura e no incentivo ao estudo e ao debate do assunto, pois conseguem tratar de temáticas diversas, sejam elas históricas ou atuais, sob uma perspectiva atemporal, acessível e clara. Dentre os temas que podem ser abordados por obras literárias estão os Direitos Humanos, um assunto que surgiu há bastante tempo, mas cuja importância ainda tem fortes reflexos nos dias atuais, por guiar a forma de vida das pessoas e suas relações sociais. A Segunda Guerra Mundial destaca-se como momento histórico que resultou em um impulsionamento, de maneira mais efetiva, do debate acerca desses direitos, sendo nesse período que se passa a história da obra literária selecionada, “A menina que roubava livros” de Markus Zusak. Assim, é possível se avaliar as situações vivenciadas pelos personagens do livro, relacionando-as aos Direitos Humanos. Para que esse estudo fosse possível, foi realizada pesquisa bibliográfica e legislativa qualitativas, e, discorrendo-se sobre o conceito de Direitos Humanos, a sua evolução e sua relação com a literatura, culminando na análise das violações a esses direitos na obra selecionada, pretendeu-se demonstrar a importância dessa interdisciplinaridade como meio de aprendizado e de fomentação de debates acerca dos Direitos Humanos.

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ABSTRACT

The subject of Human Rights is investigated through literature, understanding the importance of knowing these rights and transmitting them as clearly as possible for the global population. In this task the books have a primary position on passing culture and encouraging the study and debate of this subject, since they can deal with diverse themes, historical or current ones, in a timeless, accessible and clear perspective. Among the topics that can be approached by literary works there is Human Rights, a subject that has arisen for a long time, but whose importance still has strong reflexes in the present day, for guiding the way of people’s life and their social relations. The Second World War stands out as a historical moment that more effectively resulted in stimulating the debate about these rights, being the literary work selected, "The book thief" written by Markus Zusak, settled during those times. Thereby, it is possible to unravel the situations experienced by the characters in the book, relating them to Human Rights. In order to make this study possible, bibliographical and legislative research was used, and, discussing the concept of Human Rights, its evolution and its relation with literature, culminating in the analysis of the violations of these rights in the selected book, this study aims to demonstrate the importance of this interdisciplinarity as a way of learning and fomenting debates about Human Rights.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 8

2. OS DIREITOS HUMANOS: DELIMITAÇÃO CONCEITUAL, ASPECTOS GERAIS, EVOLUÇÃO HISTÓRICA E DIMENSÕES ... 11

2.1. Delimitação conceitual e aspectos gerais dos Direitos Humanos ... 11

2.2 As dimensões de Direitos Humanos ... 15

2.3 O acesso aos Direitos Humanos e sua evolução histórica ... 19

2.3.1 A importância do conhecimento dos Direitos Humanos, sua atuação nas diferenças e como validá-los ... 19

2.3.2 A evolução histórica dos Direitos Humanos ... 20

2.3.3 A Segunda Guerra Mundial e a internacionalização dos Direitos Humanos ... 23

3. A LITERATURA E O DIREITO: O MOVIMENTO LAW AND LITERATURE, AS FORMAS DE RELAÇÃO ENTRE ESSAS DUAS VERTENTES E A CONTRIBUIÇÃO DO CINEMA ... 26

3.1 Uma síntese do movimento Law and Literature ... 27

3.2 O Direito como Literatura ... 29

3.3 O Direito da Literatura ... 33

3.4 O Direito na Literatura ... 35

3.5 O cinema como coadjuvante para a compreensão do Direito ... 39

4. DIREITOS HUMANOS NA OBRA “A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS”: LITERATURA E DIREITOS HUMANOS, O ENREDO E AS VIOLAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS NA NARRATIVA ... 42

4.1. Literatura e Direitos Humanos ... 42

4.2. Markus Zusak e a síntese da obra “A menina que roubava livros” ... 45

4.3. A Violação Dos Direitos Humanos Na Obra “A menina que roubava livros” ... 49

4.3.1. A narrativa e os Direitos Humanos das minorias ... 50

4.3.2. A narrativa e os Direitos Humanos dos Alemães discordantes do regime ... 55

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 59

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O ser humano por nascimento é considerado um sujeito de direitos e deveres, que foram sendo consagrados ao longo da história. Dentre os direitos, merecem destaque os chamados Direitos Humanos, que pela própria nomenclatura seriam aqueles que são garantidos a todo ser que se qualifique como humano, e que devem ainda estar previstos nos tratados internacionais. São direitos que representam valores essenciais e que geralmente são tratados nas Constituições ou nos tratados internacionais.

A normatização dos Direitos Humanos tem sido uma grande conquista para a sociedade, uma vez que, por óbvio que pareça humanos terem direitos inerentes a sua existência, o que se verificou no decorrer da história do homem, e ainda tem-se observado nos dias atuais, é, em muitas ocasiões, a violação dos mesmos, sendo de grande importância um referencial internacional no qual se possam apoiar ações no sentido de garantir o mínimo respeito ao humano.

Dessa forma, antes da positivação em âmbito internacional dos Direitos Humanos, já se distinguiam os chamados direitos do homem, que são aqueles de cunho naturalista e que são inerentes a qualquer pessoa, sendo reconhecíveis seguindo um “senso de justiça” e aplicáveis a todos. Entretanto, esses direitos do homem eram facilmente mutáveis devido a não estarem consagrados legalmente sob a forma escrita.

Essa alteração nos direitos inerentes ao homem de acordo com o momento histórico pode ser facilmente constatada em acontecimentos extremos vivenciados pela humanidade, como, por exemplo, as guerras. Nessas situações, os estados acabam tomando medidas restritivas quanto aos direitos da população em prol de conquistas bélicas e objetivando a vitória naquilo que foi o motivo ocasionador do conflito.

No que tange aos Direitos Humanos, a Segunda Guerra Mundial merece destaque pela ocorrência de expressiva violação das garantias que uma população deveria ter e por ter resultado na positivação dos Direitos Humanos. A falta de uma legislação que tratasse do assunto contribuiu para que esse grande atentado acontecesse e a indignação causada pelos horrores dessa guerra teve como consequência a normatização dos diretos humanos, que se deu por meio da Declaração Universal de Direitos Humanos, documento esse que viria a inspirar legislações dos mais variados países, provocando o debate relativo aos direitos inerentes à pessoa humana.

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minorias. Judeus, negros, comunistas, homossexuais, ciganos, dentre outros, foram considerados como máculas na sociedade, contaminando o ideal da raça ariana pura. Esses grupos minoritários foram perseguidos fortemente, violentados e privados das mais básicas liberdades.

Portanto, o regime Nazista e a consequente Segunda Guerra Mundial, foi o mais chocante acontecimento da História contemporânea, e se algo trouxe de positivo foi o despertar da necessidade de se travar uma batalha pela defesa dos Direitos Humanos e o entendimento de que isso não poderia se dar de maneira individual, dentro de cada Estado soberano. Assim, os Direitos Humanos tomaram uma perspectiva global e passaram a ser debatidos e defendidos internacionalmente.

Mas a História é dinâmica, as sociedades evoluem, as necessidades se modificam e os conflitos advindos da convivência entre as pessoas são permanentes. Portanto, a temática dos Direitos Humanos mantém-se forte e presente na atualidade devido à sua importância reconhecida. Enquanto a sociedade luta por um mundo mais justo, é necessário que esses direitos sejam constantemente debatidos e devidamente assegurados.

Dessa forma, é de extrema importância revisitar, por meio do estudo, os momentos em que os Direitos Humanos mais foram suprimidos no cotidiano de certos povos, para que assim se aprenda com os erros já cometidos e se garanta a não recorrência dos mesmos.

Uma das formas mais populares de se estudar um momento histórico é por meio da literatura e do cinema, que desempenham seu papel de levar ao público em geral, não apenas os fatos em si, mas também suscitar questionamentos que, de outra forma, poderiam ficar restritos somente aos especialistas no assunto. Muitas vezes, a linguagem mais coloquial adotada nas narrativas veiculadas por esses canais torna-as mais acessíveis e próximas à realidade, consagrando-os como importantes instrumentos para a educação e o debate social.

Na obra selecionada para este estudo, “A menina que roubava livros”, o autor, Markus Zusak, retratou em sua narrativa a história de diversos personagens que tiveram suas vidas marcadas de forma indelével pelo Nazismo, sejam judeus ou alemães, dentre eles a menina Liesel Meminger, protagonista que dá título ao livro.

A relação entre Direitos Humanos e literatura foi a tônica deste estudo. Assim o presente trabalho propôs-se a analisar a importância dos Direitos Humanos, sua relação com o Regime Nazista, seu estudo por meio da literatura e a existência de violações a esses direitos na narrativa de “A menina que roubava livros”, por meio do estudo dos fatos ali retratados.

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a sua evolução histórica, com enfoque no período da Segunda Grande Guerra.

No terceiro capítulo, foi tratada a abordagem que a literatura e o cinema dão às temáticas do Direito, destacando o movimento Law and literature e as formas que o direito e a literatura podem se relacionar, percebendo a importância desse diálogo interdisciplinar e incentivando-o.

No quarto capítulo, por fim passou-se a analisar os principais momentos da obra escolhida em que houve a clara violação do que viriam a ser normatizados como Direitos Humanos, levantando pautas que nos fazem refletir quanto ao senso de justiça da sociedade e quanto aos males de se ter esses direitos, derivados dos direitos do homem enquanto humano, desconsiderados por um governo autoritário.

Este trabalho teve como base metodológica o método indutivo, buscando a formulação de questionamentos que envolveram os Direitos Humanos e a violação dos mesmos no livro “A menina que roubava livros”.

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Sendo Direitos Humanos o instituto central deste trabalho, é importante e até essencial ao seu prosseguimento, uma definição do que vem a significar esse termo, antes de qualquer outra colocação.

Contribuíram de forma decisiva para essa conceituação, as reflexões suscitadas ao final da Segunda Guerra Mundial, durante a qual as populações dos países envolvidos mais diretamente no conflito estiveram privadas de seus mais básicos direitos, afetando grandemente a dignidade humana. Nesse momento, destacou-se a necessidade de se elaborarem normas que protegessem a sociedade e evitassem qualquer tipo de discriminação, seja por raça, cor, classe social ou credo, assegurando que um genocídio tal qual o que ocorreu no período do Nazismo não mais se repetisse em qualquer época ou lugar. Teve início, então, um momento singular na história, em que os povos buscaram assegurar internacionalmente e por meio de suas Cartas Magnas, os direitos básicos de seus cidadãos, enxergados agora como cidadãos do mundo.

Para tanto, tornou-se indispensável a elaboração de uma definição mínima de Direitos Humanos, para que fosse utilizada na redação de acordos e tratados internacionais, tendo em vista a existência de diversas concepções sobre esses direitos.

Para facilitar a compreensão ainda será importante, além da conceituação, conhecer, de forma sucinta, a história da origem dos Direitos Humanos e suas dimensões.

2.1. DELIMITAÇÃO CONCEITUAL E ASPECTOS GERAIS DOS DIREITOS HUMANOS

Para os leigos, em um primeiro contato com a terminologia “Direitos Humanos” poderão surgir diversas ideias de definições, contudo todas seguindo uma mesma linha de pensamento, a de que os Direitos Humanos seriam aqueles que se colocariam para todo ser humano, independentemente de quaisquer condições existenciais. Definições essas muito genéricas, ficando logo clara a necessidade de um conceito mais específico, que melhor delimitasse a abrangência do termo.

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retratados nas Constituições ou nos tratados internacionais de forma implícita ou explicita (CARVALHO RAMOS, 2017, p.22).

O primeiro documento a formalizar esses direitos na esfera global foi a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) de 1948, assumindo esta que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”, ou seja, somente por serem membros da espécie humana já seriam detentores dos direitos a serem elencados.

Essa adoção dos Direitos Humanos como paradigma ético-jurídico no pós-guerra derivou da necessidade de reconstrução de uma nova ordem internacional frente às imensuráveis violações de direitos cometidas pelos nazifascistas em face de grupos minoritários. Como consequência, deu-se início a um sistema global de proteção aos Direitos Humanos (MARQUES JÚNIOR, 2014, p. 444).

Numa definição certeira revelam-se, então, os Direitos Humanos como aqueles institucionalizados internacionalmente. Todavia, não se trata apenas da eficácia em plano internacional, mas também dos objetos dessa proteção. Segundo Carvalho Ramos (2017, p. 21), “os Direitos Humanos consistem em um conjunto de direitos considerado indispensável para uma vida humana pautada na liberdade, igualdade e dignidade. Os Direitos Humanos são os direitos essenciais e indispensáveis à vida digna”. Para Bobbio (2004, p. 1):

Direitos do homem, democracia e paz são três momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos e protegidos não há democracia; sem democracia, não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos.

Os direitos do homem são direitos históricos, surgindo estes gradualmente conforme acontecem lutas do homem pela sua própria emancipação e a partir das transformações em suas condições de vida que surgem como resultado desses conflitos (BOOBIO, 2004, p. 31). E essa sua característica histórica permite que note-se que os Direitos Humanos são mutáveis, podendo variar no tempo e no espaço, a depender das condições em que se encontra a sociedade.

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de um direito seu que seja reconhecido internacionalmente, em quaisquer condições que esse ser humano esteja.

A fundamentalidade dos Direitos Humanos ainda é destacada por Carvalho Ramos (2017, p. 22) ao diferenciá-la em dois aspectos, o formal e o material. Segundo o autor, o primeiro seria por meio da afirmação desses direitos no rol de direitos protegidos em tratados e Constituições, e o segundo quando se considera parte integrante dos Direitos Humanos aquele que é indispensável para a promoção da dignidade humana, ainda que não esteja expresso.

Portanto, os Direitos Humanos são direitos resguardados pela ordem internacional para proteger os seres humanos de possíveis violações e arbitrariedades que um Estado possa cometer contra qualquer um que esteja sujeito a sua jurisdição. Esses estabelecem um nível de proteção que deve ser respeitado globalmente. (MAZZUOLI, 2014, p. 18).

Um entendimento de Carvalho Ramos (2017, p. 21) que cabe destacar, é o de que:

Em geral, todo direito exprime a faculdade de exigir de terceiro, que pode ser o Estado ou mesmo um particular, determinada obrigação. Por isso, os Direitos Humanos têm estrutura variada, podendo ser: direito-pretensão, direito-liberdade, direito-poder e, finalmente, direito-imunidade, que acarretam obrigações do Estado ou de particulares revestidas, respectivamente, na forma de: (i) dever, (ii) ausência de direito, (iii) sujeição e (iv) incompetência [...].

Entende-se, então, que os Direitos Humanos geram uma obrigação por parte do Estado, que poderá se apresentar na forma de dever, ausência de direito, sujeição ou incompetência. Qualquer pessoa que se defina como ser humano teria direito de exigir a efetividade dessas obrigações para si.

Com o advento da Declaração Universal de 1948, estabeleceu-se que os Direitos Humanos teriam como características a universalidade e a indivisibilidade, o que confirmou como esses direitos realmente são pertencentes a qualquer ser humanos pelo simples fato de ser parte da espécie, sendo verdadeiramente universais. No mesmo sentido da caracterização dada pela Declaração, Mazzuoli (2011, p. 807) define a universalidade afirmando que:

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De forma complementar à Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Declaração de Viena, assinada em 1993, afirma que os Direitos Humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. Carvalho Ramos (2017, p. 22) também traz que “os Direitos Humanos têm em comum quatro ideias-chaves ou marcas distintivas: universalidade, essencialidade, superioridade normativa (preferenciabilidade) e reciprocidade”.

Cabe definir quanto aos Direitos Humanos a sua essencialidade, que ressalta o valor imensurável desses e a necessidade de serem protegidos por todos. A superioridade, que os coloca em um patamar acima na hierarquia entre as normas internacionais e as pertencentes a um determinado país. Por último, a reciprocidade ressalta a relação entre todos os seres humanos detentores desses direitos, que podem atuar reivindicando-os em sua titularidade ou como sujeitos que ajudam a assegurá-los para outrem.

Ainda no intento de melhor conceituar tal instituto central do trabalho, é importante diferenciar terminologicamente alguns termos para evitar possíveis confusões, sendo estes “direitos do homem”, “direitos fundamentais” e, finalmente, “Direitos Humanos”.

Para Mazzuoli, “direitos do homem” é uma (2014, p. 19) “expressão de cunho jusnaturalista que conota a série de direitos naturais (ou seja, ainda não positivados) aptos à proteção global do homem e válidos em todos os tempos.” Já os direitos fundamentais seriam relativos “à proteção interna dos direitos dos cidadãos, ligada aos aspectos ou matizes constitucionais de proteção, no sentido de já se encontrarem positivados nas Cartas Constitucionais contemporâneas”.

Por conseguinte, seria atécnico utilizar essas duas expressões como sinônimos de Direitos Humanos. Os direitos do homem se mostrariam como valores éticos e políticos, partidos de um pensamento jusnaturalista, não sendo esses positivados e figurando ainda como fundamentos dos direitos. Prontamente, Direitos Humanos seriam definidos, conforme dito anteriormente nesse tópico, como aqueles que se encontram resguardados em plano internacional, seja por meio de tratados ou de pactos internacionais. E, finalmente, os direitos fundamentais seguiriam como aqueles que forem positivados no ordenamento jurídico interno de cada nação.

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2.2 AS DIMENSÕES DE DIREITOS HUMANOS

Para fins didáticos, os Direitos Humanos foram divididos nas chamadas dimensões, uma classificação passível de críticas, mas que merece destaque. Além disso, o termo dimensões surgiu como um substituto a “gerações”, pelos motivos que serão explicados mais adiante.

Essa definição foi originalmente utilizada por Karel Vasak quando este participou de uma Conferência no Instituto Internacional de Direito Humanos de Estraburgo em 1979. Durante sua fala, o jurista dividiu os Direitos Humanos em três gerações, associando cada uma delas a uma parte do lema da Revolução Francesa: “liberté, egalité et fraternité” (liberdade, igualdade e fraternidade).

Carvalho Ramos, ao tratar do tema, ressalta essa associação realizada entre as gerações de Direitos Humanos e o dístico francês (2017, p. 53) afirmando que: “a primeira geração seria composta por direitos referentes à “liberdade”; a segunda geração retrataria os direitos que apontam para a “igualdade”; finalmente, a terceira geração seria composta por direitos atinentes à solidariedade social (“fraternidade”)”.

A primeira geração de direitos seria relativa às liberdades individuais ou, de forma mais precisa, aos direitos civis e políticos (ARAÚJO FILHO, 1998, p. 52). Esses direitos teriam surgido nas revoluções burguesas, como a Francesa e a Gloriosa, e seriam formas de se por limites ao arbítrio estatal (CASADO FILHO, 2012, p. 49). Seriam compostos de ideais resultados de teorias filosóficas iluministas e liberais.

São considerados direitos a prestações negativas, devendo o Estado se encarregar de proteger o indivíduo por meio desses. Podem ser chamados de direitos de defesa por proteger aquele que os detém, de intervenções indevidas por parte do Estado (CARVALHO RAMOS, 2017, p. 53). Mazzuoli (2011, p. 809) ainda concorda ao escrever que “são direitos que tem por titular o indivíduo, sendo, portanto oponíveis ao Estado”.

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Carvalho Ramos, complementa, exemplificando essa primeira dimensão como a que abrange (2017, p. 53) “entre outros, o direito à liberdade, igualdade perante a lei, propriedade, intimidade e segurança, traduzindo o valor de liberdade”.

Os direitos de segunda dimensão, tratam-se de direitos econômicos, sociais e culturais, exigindo que o Estado adote uma posição ativa, agindo positivamente para garantir que os seres humanos possam usufruir dessas prerrogativas. Para Mazzuoli (2014, p. 809) esses direitos, nascidos a partir do início do século XX, “foram remetidos à esfera dos chamados direitos programáticos, em virtude de não conterem para sua concretização aquelas garantias habitualmente ministradas pelos instrumentos processuais de proteção aos direitos da liberdade”.

Referente aos direitos de primeira dimensão, o papel ativo do Estado era indispensável, porém, visto com desconfiança, por poder ser tomado por uma ameaça aos direitos do indivíduo. Contudo, a influência de doutrinas socialistas gerou a conclusão de que a inserção meramente formal de liberdade e igualdade em declarações de direitos não seria suficiente para garantir sua efetivação, o que fez com que, na segunda dimensão, surgissem movimentos sociais que reivindicassem esse papel ativo do Estado garantidor de direitos mínimos para a sobrevivência (CARVALHO RAMOS, 2017, p. 54).

Sobre essa origem dos direitos da segunda geração, ensina Araújo Filho (1998, p.56):

Se na concepção liberal caberia ao Estado a abstenção, deixando aos indivíduos a melhor maneira de exercer os seus direitos individuais, as lutas sociais de então – travadas principalmente pelo desenvolvimento da economia industrial, que fez surgir uma nova classe social, o proletariado, ou a moderna classe operária urbano-industrial, expropriada e insatisfeita por não usufruir das conquistas alcançadas na batalha por “liberdade, igualdade e fraternidade” contra o absolutismo – reivindicaram a presença efetiva do Estado. Foi nesse contexto de reivindicações dos desprivilegiados a um direito de participar do “bem-estar-social” que emergiram os direitos de segunda geração – direitos de crédito do indivíduo em relação a coletividade [...].

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Cabe ainda ressaltar que essa dimensão tem os direitos relacionados à igualdade pelo fato de, por meio da atuação do Estado, garantir-se que todos, independentemente de condição social ou financeira, tenham seus direitos assegurados da mesma forma.

Já a terceira geração apresentada por Vasak trataria de direitos como o direito à paz, ao meio ambiente sustentável, ao desenvolvimento, que são de titularidade da comunidade, relacionados, assim, à solidariedade. São direitos que possuem um alto teor de humanismo e universalidade.

Sobre esta última geração, de Vasak, Araújo Filho (1998, p. 63) destaca que a mesma trataria de exigências de ordem coletiva e importantes de forma a transcender o foro nacional, como, por exemplo, o direito de participar do patrimônio comum da humanidade, esse patrimônio englobando tanto os recursos naturais do planeta, como também o acúmulo da ciência, arte e tecnologia e seus frutos para a humanidade.

Reforçando essa definição, Carvalho Ramos (2017, p. 54) refere-se aos direitos de terceira dimensão que “são oriundos da constatação da vinculação do homem ao planeta Terra, com recursos finitos, divisão absolutamente desigual de riquezas em verdadeiros círculos viciosos de miséria e ameaças cada vez mais concretas à sobrevivência da espécie humana”.

Um exemplo de direito pertencente a terceira dimensão consagrado internacionalmente seria o direito à autodeterminação dos povos, presente de forma expressa na Carta das Nações Unidas (ONU, 1945):

Artigo 55. Com o fim de criar condições de estabilidade e bem estar, necessárias às relações pacíficas e amistosas entre as Nações, baseadas no respeito ao princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, as Nações Unidas favorecerão:

a) níveis mais altos de vida, trabalho efetivo e condições de progresso e desenvolvimento econômico e social;

b) a solução dos problemas internacionais econômicos, sociais, sanitários e conexos; a cooperação internacional, de caráter cultural e educacional; e

c) o respeito universal e efetivo dos Direitos Humanos e das liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.

Vale ainda salientar o contexto histórico que trouxe esses direitos por último mencionados ao enfoque da população mundial. Destaca-se, nesse ponto, Araújo Filho (1998, p. 60) ao escrever:

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ascensão de uma nova modalidade de direitos, que não mais se destinasse à proteção específica dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado, mas que tivesse por destinatário a própria humanidade [...].

Essa divisão didática originada por Vasak com o simples intuito de tornar sua apresentação mais lúdica e interessante popularizou-se, ganhando o nome de Teoria das Gerações de Direitos. A teoria, então, difundiu-se cada vez mais ao longo da história e é utilizada até os dias de hoje.

Autores consagrados, como Paulo Bonavides, defendem o nascimento de uma quarta geração de Direitos Humanos, que teria passado a existir como resultado da globalização dos direitos já consagrados. Sobre essa nova geração, Mazzuoli (2014, p. 36) afirma que se tratariam dos “direitos de participação democrática, direito ao pluralismo, bioética e limites à manipulação genética, fundados na defesa da dignidade da pessoa humana contra intervenções abusivas de particulares ou do Estado.”.

Paulo Bonavides ainda abordaria a temática de uma quinta geração, porém essa é menos aceita. Tratar-se-ia do direito à paz em toda humanidade, direito esse anteriormente classificado por Vasak como um direito de terceira geração.

O Supremo Tribunal Federal do Brasil reconhece a classificação tradicional das “gerações de direitos”, tendo os sintetizado da seguinte forma (STF - MS 22.164 SP, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 30-10-1995, tribunal pleno, data de publicação: DJ 17-11-1995.):

Os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identifica com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos Direitos Humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade.

Apesar de aceita, a teoria das gerações tem sido amplamente criticada por diversos motivos. Casado Filho (2012, p. 50) traz como a primeira crítica o fato de que o termo “gerações” transmite uma ideia de hierarquia entre essas e os direitos associados a cada uma. Assim, sugeriria também um caráter de substituição. Carvalho Ramos trata do assunto da seguinte forma (2017, p. 55):

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uma vida única, consequentemente, uma geração não sucede a outra, mas com ela interage, estando em constante e dinâmica relação. O direito de propriedade, por exemplo, deve ser interpretado em conjunto com os direitos sociais previstos no ordenamento, o que revela a sua função social. Após a consagração do direito ao meio ambiente equilibrado, o direito de propriedade deve também satisfazer as exigências ambientais de uso..

Outra crítica apresentada tem relação com o fato de a teoria das gerações tratar desses direitos de forma dividida, ofendendo uma das principais características dos Direitos Humanos, a indivisibilidade. Dessa forma, como uma solução para tentar sanar os problemas anteriormente mencionados, estudiosos, como Bonavides, defendem o uso da terminologia “dimensões” em substituição à denominação “gerações”.

2.3 O ACESSO AOS DIREITOS HUMANOS E SUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Atualmente, mesmo com tantas conquistas obtidas no campo da afirmação dos Direitos Humanos, seja no âmbito jurídico-legal ou no cultural-ideal, ainda observa-se a presença de críticas descabidas que demonstram um desconhecimento sobre o tema. Essas críticas também denotam uma ignorância de que a capacidade que uma sociedade tem de proteger seus cidadãos pelo guarda-chuva dos Direitos Humanos é o único instrumento capaz de medir o nível de civilidade alcançado por determinada sociedade (MONDAINE, 2008, p. 12).

Fica patente, por conseguinte, a extrema importância de levar informação às populações com o fim de não apenas dar a conhecer, mas também possibilitar a garantia do respeito aos Direitos Humanos.

2.3.1 A IMPORTÂNCIA DO CONHECIMENTO DOS DIREITOS HUMANOS, SUA ATUAÇÃO NAS DIFERENÇAS E COMO VALIDÁ-LOS

Os Direitos Humanos se firmam, enfim, como essenciais à vida digna de todo ser humano, devendo ser assegurados pelos chefes de Estado e reivindicados pelo próprio povo. São importantes ferramentas de proteção aos cidadãos do mundo e são imprescindíveis para o exercício da democracia. Napoleão Casado Filho traz que (2012, p.25) devido a essa importância “eles devem ser assegurados independentemente de norma regulamentadora”.

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Nesse sentido, uma pessoa mais rica e bem favorecida deve receber um tratamento diferente, por parte dos órgãos garantidores dos Direitos Humanos, daquele que receberia um pobre que faça parte de alguma minoria social, mas nunca deixando de garantir que todos tenham seus direitos resguardados.

Quanto a esse tratamento diferente destinado às minorias, Norberto Bobbio se manifesta afirmando a necessidade de uma tolerância, sendo essa um reconhecimento das posições contrastantes existentes e da importância de que cada um seja tratado conforme as suas características diferenciadas exigem. O autor mencionado, então, definiu que esta tolerância seria utilizada para tratar de problemas na convivência de minorias étnicas linguísticas, raciais, além de abordar seres humanos que eram chamados de “diferentes” naquela época, como, por exemplo, homossexuais ou deficientes (BOBBIO, 2004, p.186).

Dessa forma, para que se garanta uma sociedade pluralista e fraterna, faz-se necessário, por parte da população, o conhecimento sobre Direitos Humanos. Esse acesso à informação quanto ao tema garantiria a formação de seres mais conscientes sobre seus direitos, e a possibilidade de reivindicá-los, formando cidadãos mais críticos, aptos também para denunciar violações a esses direitos, seja em favor de si mesmo ou de terceiros, protegendo-os de uma forma mais eficaz. Nessa acepção Bobbio (2004, p. 23) destaca que “o problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político”.

Cabe aqui uma crítica a recente lei sancionada na Polônia, pelo presidente Andrzej Duda, que tournou ilegal que os cidadãos aleguem que o País foi conivente com os crimes cometidos na Segunda Guerra Mundial, sob pena de reclusão. Segundo o Governo, essa medida busca impedir que a nação e o Estado poloneses sejam considerados culpados pelas atrocidades daquele período, porém o efeito causado é de que se ignore o impacto que o Holocausto teve na Polônia, negando a história e prejudicando reflexões quando ao Direitos Humanos, afinal é necessário que se admitam os erros do passado para que se possa corrigi-los nas gerações futuras. Ademais, essa lei afeta negativamente a liberdade de expressão.

2.3.2 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS

Apesar de haver divergências quanto à descrição do surgimento dos Direitos Humanos, é de entendimento geral que esses foram alcançados de forma lenta e gradativa.

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dos filósofos, sendo as afirmações de direitos do homem pura e simplesmente expressões de um pensamento individual, sendo universais quanto ao conteúdo, mas extremamente limitados quanto a sua eficácia, por se tratarem apenas de propostas para um futuro legislador. A segunda fase (BOBBIO, 2004, p. 29), consiste na passagem da teoria para a prática, realizando-se o direito. Nesse momento, que se inicia com o acolhimento das teorias antes mencionadas por legisladores, como na Revolução Francesa, a afirmação dos direitos ganha em concentricidade, mas perde em universalidade, sendo os direitos protegidos apenas dentro do Estado que os reconhece. Por fim, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 dá início à última fase, tornando a afirmação dos direitos, ao mesmo tempo, universal e positiva.

Segundo Marques Júnior (2014, p. 445), na Bíblia (2018, on line) já era possível identificar a intencionalidade de direitos gerais, como, por exemplo, a partir da figura de Deus no Gênesis 1.27, no modo de igualdade presente no novo testamento de Paulo na carta aos Gálatas 3.28 e também na ideia de igualdade cosmopolita da escola estóica.

Na história, as civilizações clássicas já mostravam uma intencionalidade em direção à formação dos Direitos Humanos. A herança grega nesse ponto é expressiva, pois a democracia ateniense adotou a participação política dos cidadãos, apesar de excluir os estrangeiros, sendo um começo da geração dos direitos políticos (CARVALHO RAMOS, 2017, p. 27). Os gregos deram origem ao jusnaturalismo, passando a pregar que o homem pelo simples fato de existir se torna sujeito de direitos naturais, não podendo deles se desfazer. Essa ideia se mostra presente na literatura desde Sófocles com o livro Antígona, como ressalta Casado Filho (2012, p.30):

Tal peça é bastante significativa para os Direitos Humanos. Sófocles nos deixa evidente que, já naquela época, havia discussões a respeito dos limites ao exercício do poder de um soberano. Além disso, traz-nos a ideia de direito permanente e eternamente válido, independente de legislação, de convenção ou de qualquer outro expediente imaginado pelo homem, protótipo de noção de direito natural que surgiria mais tarde.

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O cristianismo também influenciou a construção dos Direitos Humanos. Os hebreus, com os cinco livros de Moisés, difundiram a solidariedade e a preocupação com um bem-estar coletivo. A própria Bíblia possui diversos trechos que contribuem, fazendo menção à necessidade de respeito a todos no Antigo Testamento e à igualdade e solidariedade no Novo Testamento.

Durante a Idade Média, prevaleceu a ideia de que os governantes eram escolhidos por vontade divina, o que lhes dava poder ilimitado. Surgiram, pois, nesse momento os primeiros movimentos de reivindicação de liberdades e contra a concentração de poder nos governantes, que deram origem a documentos como a Declaração do Rei Leão de 1188 e a Magna Carta de 1215, na Inglaterra.

Consagraram-se os Estados Absolutistas, porém esses passaram a ser fortemente questionado no século XVII, o que fez com que se desenvolvessem declarações como a “Petition of Rights” de 1628, em que os ingleses conseguiram que se determinasse que o Rei não poderia cobrar impostos sem a autorização do Parlamento. De tal forma, iniciou-se uma limitação do poder monárquico.

Na Inglaterra pós Revolução Gloriosa, foi editada a “Bill of Rights” de 1689, reduzindo de forma definitiva o poder absolutista estabelecido até então.

A guerra dos Estados Unidos da América contra a Inglaterra, no século XVIII, que resultou na sua independência, também foi um marco a se destacar na história dos Direitos Humanos. A Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, de 1776, fazia menção aos referidos direitos, trazendo em seu conteúdo trechos como: “Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a procura da felicidade”.

Outro documento que merece destaque é a Declaração dos Direito do Homem e do Cidadão de 1789, aprovada pela Assembleia Geral Constituinte da França após a queda da Bastilha. Essa declaração seguia o lema da revolução francesa, em meio a qual nasceu: liberdade, igualdade e fraternidade.

Hannah Arendt (1989, p. 262) faz uma importante conclusão sobre o resultado dessa declaração sobre os direitos do homem:

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declarada, de uma só vez, sujeita a leis que emanariam supostamente dos Direitos do Homem, e soberana, isto é, independente de qualquer lei universal, nada reconhecendo como superior a si própria.

O resultado prático dessa contradição foi que, daí por diante, os Direitos Humanos passaram a ser protegidos e aplicados somente sob a forma de direitos nacionais, e a própria instituição do Estado, cuja tarefa suprema era a de proteger e garantir ao homem os seus direitos como homem, como cidadão — isto é, indivíduo — e como membro de grupo, perdeu a sua aparência legal e racional e podia agora ser interpretada pelos românticos como a nebulosa representação de uma "alma nacional" que, pelo próprio fato de existir, devia estar além e acima da lei.

No século XIX a Europa foi marcada por movimentos socialistas, de apoio popular, que faziam críticas ao modo de produção capitalista. Esses movimentos culminaram em publicações como o Manifesto do Partido Comunista, de Marx e Engels, em que se defendiam novas formas de organização social, buscando atingir o comunismo, que se tratava de um modelo em que seria dado a cada um segundo a sua necessidade e se exigiria de cada pessoa conforme a sua possibilidade (CARVALHO RAMOS, 2017, p. 41).

No plano internacional, consagrou-se de forma pioneira a Organização Internacional do Trabalho, fundada em 1919 como parte do Tratado de Versalhes, que pôs fim a Primeira Guerra Mundial. Essa se destacou por ser a primeira organização de Direito Internacional com o intuito de buscar a melhoria das condições dos trabalhadores, ou seja, de estabelecer certos Direitos Humanos relativos ao trabalho.

2.3.3 A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E A INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

Fato importante para a internacionalização dos Direitos Humanos foi a Segunda Guerra Mundial. Essa eclodiria em 1939 como consequência de agressões alemãs aos países vizinhos. Nesse conflito, houve algo até então considerado inimaginável, que foi o fato de um Estado deliberadamente implementar uma máquina de extermínio das populações que esse considerasse indesejadas (CASADO FILHO, 2012, p. 42).

Os grandes alvos do regime Nazista, implantado por Adolf Hitler, eram os judeus e seus descendentes, mas também atingindo pessoas que se determinavam como ciganos, homossexuais, deficientes motores ou mentais, comunistas e até mesmo gêmeos. Prevalecia uma ideia de que qualquer pessoa que não se encaixasse no ideal de perfeição nazista para um ser humano, poderia tornar-se uma vítima daquele regime.

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Humanos desses povos e isso se deu numa proporção tão grande que causou impactos no mundo todo, fazendo com que fosse necessário que se tomasse alguma atitude em nome da humanidade.

Dessa forma, com a vitória dos Aliados sobre o Nazismo implantado na Alemanha, foi arranjado para que houvesse um julgamento de todos aqueles que cometeram crimes em nome desse regime anti-humanitário. Porém, dada a gravidade da situação, acreditava-se que somente essa punição não seria suficiente para garantir que um genocídio, como o havia acontecido, não mais se repetisse. Seria necessário que se criasse um grande pacto internacional que viesse a resguardar os direitos básicos de todos os seres humanos. Mazzuoli (2011, p. 814) considera então, o genocídio no Holocausto nazista cometido contra milhares de pessoas como o fato gerador do moderno sistema internacional de proteção dos Direitos Humanos.

Com o intuito de resguardar esses direitos surgiu a Organização das Nações Unidas (ONU), organização internacional fundada num contexto de anseio pela paz, com o principal objetivo de “preservar as gerações futuras do flagelo da guerra”, declarando os direitos que considerava fundamentais e que precisavam ser respeitados pela totalidade dos Estados (CASADO FILHO, 2012, p. 43).

A Carta da ONU surgiu como uma reação às violações dos Direitos Humanos no período do Holocausto, possuindo em seu conteúdo várias passagens que mencionam expressamente o termo “Direitos Humanos”. Um exemplo dessa menção se da no artigo 55, alínea c, que determina que a ONU deve favorecer “o respeito universal e efetivo dos Direitos Humanos e das liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião”. Complementando essa ideia, o artigo seguinte, artigo 56, traz que os membros da organização se comprometem a cooperar com esta e entre si para a realização dos propósitos enumerados no artigo anterior.

Já em 1948 foi aprovada a Declaração Universal de Direitos Humanos, que se encarregaria de listar o rol de Direitos Humanos cuja Carta da ONU não trouxe, definindo melhor os direitos essenciais aceitos internacionalmente nos seus 30 artigos. Sobre esses artigos, Carvalho Ramos (2017, p. 43) especifica:

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profissão e o direito à educação, bem como o “direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis” (direito ao mínimo existencial – artigo XXV).

Quanto à ponderação e conflito dos direitos, a Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) prevê, em seu artigo XXIX, que toda pessoa tem deveres para com a comunidade e estará sujeita às limitações de direitos, para assegurar os direitos dos outros e de satisfazer às justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática. O artigo XXX determina que nenhuma disposição da Declaração pode ser interpretada para justificar ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades lá estabelecidos, o que demonstra que os direitos não são absolutos.

Nas palavras de Bobbio (2004, p. 27), a Declaração “foi acolhida como inspiração e orientação no processo de crescimento de toda a comunidade internacional no sentido de uma comunidade não só de Estados, mas de indivíduos livres e iguais”. O autor ainda destaca que aquela se tratava da primeira vez em que um sistema de princípios fundamentais da conduta humana foi aceito de forma livre e expressa pela maioria dos homens que vivem na Terra, por intermédio de seus respectivos governos.

Com a Declaração Universal de 1948 iniciou-se o processo de internacionalização dos Direitos Humanos, ao passo que essa tornou os homens sujeitos de direito internacional, fornecendo-lhes uma cidadania mundial. Mazzuoli (2011, p. 815) corrobora esse entendimento ao trazer que “colocou-se o ser humano, de maneira inédita, num dos pilares até então reservados aos Estados, alçando-o à categoria de sujeito de direito internacional”. Após a assinatura da Declaração, dezenas de outros tratados e convenções internacionais já foram firmadas abordando essa temática.

Por fim, Mazzuoli (2011, p. 814) define o Direito Internacional dos Direitos Humanos como aquele nascido no pós-guerra, em decorrência dos horrores que os Nazistas cometeram, violando os Direitos Humanos. Para ele, o legado do Holocausto nessa internacionalização consistiu numa preocupação que foi gerada na consciência coletiva mundial, que sentiu falta de uma proteção ao ser humano no âmbito do direito.

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DO CINEMA

Obras artísticas são responsáveis por representar os mais diversos reclamos da sociedade. Temáticas como adultério, racismo, discriminação, conflitos familiares, afetividade em todas as suas manifestações, ódio, amor, guerras são constantemente abordadas, tanto em obras literárias como cinematográficas, merecendo essas uma reflexão à luz do direito (MARQUES JÚNIOR, 2013, p. 146).

Sobre essa importância da literatura, Candido (2004, p. 175) expressa que:

Literatura é o sonho acordado das civilizações. Portanto, assim como não é possível haver equilíbrio psíquico sem o sonho durante o sono, talvez não haja equilíbrio social sem a literatura. Deste modo, ela é fator indispensável de humanização e, sendo assim, confirma o homem na sua humanidade, inclusive porque atua em grande parte no subconsciente e no inconsciente. Neste sentido, ela pode ter importância equivalente à das formas conscientes de inculcamento intencional, como a educação familiar, grupal ou escolar.

Conforme Lima e Chaves (2011, p. 152), na atualidade o direito tem se valido de uma perspectiva mais humanista, buscando atuar de forma mais democrática. O tecnicismo e o dogmatismo foram perdendo espaço para que se possa valorizar a pluralidade, mais clara do que nunca nesse momento em que a sociedade se encontra. Assim, em discussões nas quais anteriormente só os aspectos jurídicos eram considerados, outras disciplinas têm ganhado destaque, dialogando com o direito e auxiliando-o a exercer sua função, com o fim de se aplicar a norma de uma forma mais eficaz.

Para Sergio Nojiri (2012, p. 67) “o discurso pela absoluta autonomia do direito saiu de moda. Afirmar que o direito é fruto de uma complexa rede de práticas sociais, culturais linguísticas e normativas tornou-se um lugar-comum”. Trata-se de um pensamento amplamente aceito o de que o direito venha, então, a dialogar com outras áreas do conhecimento.

É indispensável, hoje, que o profissional de direito interprete os fatos e a lei em um contexto histórico, o que faz com que sejam necessários maiores conhecimentos dos conflitos sociais, culturais (LIMA e CHAVES, 2011, p. 152).

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Sendo a história o laboratório do jurista, a Literatura apresenta grandes contribuições para o mundo jurídico: resgata o contexto históricos e os conflitos sociais inerentes à esse contexto. Enfim, a Literatura conserva um material cheio de dados e relatos históricos de um determinado tempo, identificando fatos passados que, muitas vezes, auxiliam o presente e pode contribuir na construção para o futuro. A questão básica da Literatura é ser um espaço propício à criação, através de uma narrativa sutil cheia de artifício da arte, capaz de propor críticas, criar um cenário adequado para levar maior compreensão e acessibilidade a temas e conteúdos jurídicos.

Ainda refletindo sobre a interdisciplinaridade da literatura e do direito, Jane B. Baron traz que (BARON, 1999, p. 2, tradução livre):

Uma das disciplinas que tem sido oferecida para prover o entendimento necessário ao direito é a literatura. “Direito e literatura” pode não ser o mais novo “direito e” ou o mais influente, mas ele também não tomou um papel invisível na dança do “direito e”. Simpósios de análise do direito, livros e conferências todos têm explorado formas em que direito pode se conectar com, e se aprimorar pela, literatura.1

Trindade (2012, p. 1) destaca, ainda, a possibilidade de se aproximar o campo jurídico do literário para que se permita que os juristas assimilem a capacidade criadora, crítica e inovadora da literatura.

Levando em conta a importância da literatura para o direito e objetivando clarificar essa relação como pauta central do presente trabalho torna-se necessário estudar, inicialmente, o movimento Law em literature e, em um segundo momento, as formas com as quais o direito pode se relacionar com a literatura.

3.1 UMA SÍNTESE DO MOVIMENTO LAW AND LITERATURE

Ao se estudar a relação existente entre o direito e a literatura, é importante abordar o movimento que popularizou essa interdisciplinaridade intitulado Law and literature. Ele foi originado nos Estados Unidos da América, tendo tido seu início em 1908, porém se popularizando apenas em 1970. Para Marques Júnior (2017, p. 80) o movimento caracterizou-se como uma das primeiras tentativas mecanicamente organizadas de unir a lei e as obras literárias, tratando-se de uma forma de interpretação que parte de mecanismos externos à Ciência Jurídica para o entendimento das normas jurídico-constitucionais.

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Escrito em 1908 e considerado a obra inaugural do movimento, o ensaio A list of legal novels, de John Henry Wigmore, trazia a sugestão de obras literárias, que tratavam de temas jurídicos, como subsídio a ser utilizado para uma melhor compreensão e aprendizado do direito, o que ressaltava uma função pedagógica desse estudo comparativo (RODRIGUES, 2011, p. 10).

Outro autor considerado também como “pai fundador” dessa corrente é Benjamin Natan Cardozo. Seu texto essencial, Law and literature, publicado em 1925, tratava do “direito como literatura” e foi reproduzido em um volume de ensaios em 1931 (GODOY, 2007). Cardozo se incumbiu, nesse momento, de refutar a afirmação de que não haveria semelhança entre uma decisão judicial e a literatura.

Rodrigues (2011, p. 10) destaca ainda que essa proximidade entre a literatura e o direito vem desde a antiguidade, especialmente no Ocidente, onde o homem que tratava das leis era o mesmo responsável pelas letras, não havendo distinção entre obras literárias e textos de conteúdo jurídico. O autor ainda trata dessa separação terminológica que veio a acontecer:

Três motivos principais fizeram com que houvesse a separação entre o direito e a literatura; são eles: a racionalização do direito, a burocratização superlativa do judiciário e a busca de objetividade por meio dos formalismos. Ao direito reservou-se o entorno técnico, rígido, fático. À literatura outorgou-reservou-se a aura estética, mirabolante, ficcional. E, contudo, as nossas expectativas quanto ao Direito e quanto à Literatura são diversas: pedimos a um ordem, decisão, medida; à outra beleza, sonho, transgressão, ou pelo menos ludismo, em muitos casos.

O movimento Law and literature teve continuidade e ganhou projeção com a ideia de que o direito seria considerado literatura, defendida por James Boyd White, crítico literário e professor de Direito, com formação em Literatura Inglesa e Direito pela Universidade de Harvard. Primeiramente na sua formação literária, White teve contato com a arte da escrita poética, de forma que quando iniciou sua formação jurídica, pode perceber que as formas poéticas de leitura e escrita da literatura muito se assemelhavam ao novo tipo de leitura e escrita jurídica que ele passou a ter contato no estudo do direito. A constatação dessa semelhança levou White a considerar o direito como uma forma de literatura. (CHAVES e ARNAUD NETO, 2016, p. 8).

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Assim, na década de 1970, o movimento popularizou-se, mas somente depois de 1980 ele ganhou terreno substancial nos Estados Unidos da América. Em um primeiro momento, prevalecia o estudo da lei presente na teoria da literatura, tendo a lei enxergada com a perspectiva da literatura ganhado popularidade somente após 1970. Essa nova visão buscava melhorar os estudos jurídicos a partir do uso de técnicas de críticos literários (RODRIGUES, 2011, p. 12).

Passam então a se destacar nomes como Richard Weisberg e Robert Weisberg, que ao defenderem a teoria da lei na literatura, alegavam que as obras literárias que contêm narrativas centradas em um conflito jurídico serviriam como fonte de estudo aos juízes e aos advogados (RODRIGUES, 2011, p. 11).

Cabe ainda destacar os nomes John Henry Wigmore e Benjamim Nathan Cardozo, autores considerados pioneiros no estudo das relações direito na literatura, direito como literatura e da literatura como possibilidade de expressão do direito (GODOY, 2008, op cit p 27 e 59 apud RODRIGUES, 2011, p. 12).

Rodrigues ainda destaca os dois grandes focos do movimento Law and literature

(2011, p. 11) :

O movimento surgiu com o foco em dois grandes desenvolvimentos na história intelectual do direito. Primeiramente a crescente dúvida se o direito isolado é uma fonte de valores e significados, ou se deve ser conectado a um contexto sociocultural [sic] para dar-lhe o valor e significado, e em segundo sobre a crescente mutabilidade do sentido em todos os textos, seja literário ou legal. Aqueles que trabalham no campo se deparam com perspectivas complementares a lei em literatura (entendimento sobre questões exploradas em grandes textos literários) e o direito como literatura (compreensão de textos legais, por referência aos métodos de interpretação literária, análise, e crítica).

Esse movimento continua tendo força nos países mais desenvolvidos e vem ganhando espaço nos demais, comprovando a importância da relação entre o direito e a literatura. Diversos pesquisadores da atualidade, como André Karam Trindade e Antonio Candido, buscam desenvolver trabalhos sobre essa interdisciplinaridade, com o objetivo de entendê-la cada vez melhor.

3.2 O DIREITO COMO LITERATURA

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motivos discursivos distintos, porém ambos provenientes do olhar do ser humano sobre si. No primeiro, as leis e uma visão que parte do discurso científico-acadêmico do direito. Já no segundo, a literatura e uma visão que parte de uma análise linguística, estética dos textos literários (PINHEIRO, 2007, p. 11 e 12).

Existe uma tendência de que as pessoas do meio jurídico se utilizem, em seus laudos ou peças processuais, de um vocabulário considerado rebuscado, um excesso de “juridiquês”, apresentando diversas frivolidades verbais, quando no cotidiano a sociedade percorre um caminho em que se preza cada vez mais a simplicidade e os contornos cristalinos (RODRIGUES, 2011, p. 19). Percebe-se que esse rebuscamento excessivo no vocabulário dificulta a compreensão do texto, torna-o cansativo, nada acrescenta de substancial ao mesmo, e leva, em muitos casos, a uma certa rejeição da obra em favor daquelas que possuam um linguajar mais conciso e claro.

Quando se faz uma investigação por meio do “Direito como literatura” geralmente a finalidade prática é de se conhecer melhor como funcionam os métodos hermenêuticos que se aplicam à literatura de forma eficaz. Assim, o jurista busca a compreensão dos métodos por ele utilizados, com o intuito de encontrar soluções mais apropriadas para a sua escrita (PRADO, on line, p. 4).

Nessa perspectiva, Morawetz (1996, p. 448, tradução livre) afirma que o estudo dessa relação entre direito e literatura “tornou-se o estudo da hermenêutica legal, em particular o estudo de semelhanças e diferenças entre a lei e a literatura com respeito ao papel do autor, do leitor e do contexto institucional.2

Ronald Dworkin (2005, p. 217) pontua que a prática jurídica é um exercício de caráter interpretativo, o que ocorre de um modo geral e não apenas em momentos em que operadores do direito se encubem de interpretar documentos ou leis. Dessa forma, Dworkin ressalta que esse caráter interpretativo faz com que se encontre uma semelhança entre o direito e a literatura, concluindo que tanto a interpretação jurídica quanto a interpretação literária são úteis numa busca pela melhor compreensão do direito em si.

Para Robin West (2008, p. 7, tradução livre), “direito, como a literatura, é textual. Portanto direito, como todos os textos, literários ou não, requer interpretação. E, para que haja interpretação, deve haver, por sua vez, uma comunidade cujos intérpretes tenham algum grau

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de semelhança em seus pensamentos”.3

Nesse mesmo sentido, Sergio Nojiri (2012, p. 71) expressa:

A aproximação do direito como literatura pode ser realizada de forma diversas. A primeira e mais óbvia, sugerida pela escola hermenêutica, parte do pressuposto de que tanto o direito quanto a literatura habitam o mundo dos textos. O direito, da mesma forma que a literatura, é textual e, portanto, requer interpretação. E para que haja interpretação, deve haver, por sua vez, uma comunidade que, até certo grau, compartilhe as mesmas opiniões.

Por outro lado, tomando como ponto de partida premissas epistemológicas e linguísticas, é possível perceber a presença de um viés literário nos textos jurídicos. Essa percepção se dá pela utilização da narrativa em ambos os tipos de texto, com uma descrição dos fatos sociais em que estão presentes personagens e enredo (MARQUES JÚNIOR, 2013, p. 148).

Assim, o texto jurídico careceria de uma interpretação tanto quanto qualquer outro texto literário, o que permite se deduzir que todas as práticas que se postule acerca da forma de se interpretar uma obra da literatura poderiam ser aplicadas na interpretação de um texto cujo conteúdo seja de direito. Ou seja, tudo que se constate como verdadeiro com relação a autor, leitor e texto na literatura também poderá ser considerado verdadeiro quanto a esses mesmos aspectos no direito (NOJIRI, 2012, p. 71).

Ao se admitir a literatura como uma imitação da realidade, por retratar fatos do cotidiano em suas narrativas, passa-se a examinar o modo como essa realidade paralela se organiza. No que cabe ao texto legal, constata-se que o mundo jurídico em que esse se insere é latente, porém o texto em si apenas sugere esse mundo, evocando-o, de forma que o universo jurídico transpassa o texto e se reflete em diversas facetas, como na interpretação e cumplicidade do leitor (RODRIGUES, 2011, p. 21).

Quanto ao “Direito como literatura”, Pinheiro (2007, p. 14) assevera:

A abordagem de textos legais sob a ótica própria da crítica literária, portanto, já anuncia possibilidades muito promissoras de fazer respirar o conhecimento que se produz em torno do direito, em especial se olharmos a partir dos referenciais da crítica literária não apenas para os comandos normativos e textos legais, mas para o direito como um todo e não apenas onde este se manifeste textualmente.

O direito é característico por sua fala própria e autônoma dentro do seu contexto

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social, podendo o intérprete buscar uma criatividade interpretativa que só poderá ser alcançada pelo estudo que englobe outras ciências. Em contato com textos jurídicos, é inevitável que se aconteça um intercâmbio das informações aprendidas a partir da leitura com os conhecimentos que se tenha resultados da experiência de vida do leitor, por mais que o texto seja doutrinário, jurisprudencial ou meramente normativo. Nesse momento, aquele que lê o texto acolhe esse subjetivamente, variando sua interpretação a depender de seus conhecimentos prévios e da própria intuição da pessoa, podendo-se constatar uma plurissignificação do texto. Assim, quando se trata de conteúdo jurídico, fica mais claro que a interpretação será variada a depender de quem realiza o estudo, pois, por tratar de fatos inerentes ao ser humanos, o que é relatado se mostra atrativo a ponto de abrir espaço para que haja a criatividade interpretativa (RODRIGUES, 2011, p. 21).

Ainda tratando da aplicação do direito, segundo Rodrigues (2011, p. 21), a maior corrente que realiza o estudo da relação “Direito como literatura” considera a interpretação como o fenômeno mais importante que sucede a elaboração de um texto jurídico, destacando que, nesse ato, juízes são influenciados por diferentes variantes, inclusive políticas e literárias. Nesse ponto destacado, cabe criticar os juízes que acabam por legislar, fazendo uso de suas concepções anteriores de forma totalmente indiscriminada, deixando de considerar pontos fundamentais da legislação vigente e desconsiderando outras opiniões.

Constatada a necessidade da interpretação de textos de direito assim como acontece em textos literários, cabe destacar que grande parte da literatura entende que o real ato de interpretar determinado texto se resume em descobrir o que o autor quis expressar fielmente, o que ele quis dizer ao usar determinadas palavras. Porém é certo, no direito, que muitos autores não possuem uma real intenção que se possa constatar ou até mesmo que, apesar de haver intenção, é impossível conhecê-la (DWORKIN, 2005, p. 219).

Robin West (2008, p. 8, tradução livre) explicita:

O significado de um texto, tanto no direito como em outros lugares, não se encontra no estado mental de um autor, e nem no próprio texto em si, mas na comunidade de leitores que o gera, ou na mente do leitor, ou em algum processo holístico ou interativo entre o texto e a comunidade interpretativa. Onde quer que se encontre, o processo de geração de significado, de acordo com a nova sabedoria, é governado não pelas condições restritivas implicadas pelo ser histórico corpóreo do autor, mas pelas normas da comunidade interpretativa e pelos princípios que governam a interpretação.4

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Na mesma perspectiva, Nojiri (2012, p. 71) anuncia que a partir da teoria crítica literária do século XX, entendeu-se que a tarefa de interpretar não poderia ser uma questão de mergulhar no estado mental em que estava o autor do texto no momento da sua redação. Por conseguinte, o significado de um texto não deve ser tomado apenas a partir da pretensão que tinha quem o escreveu.

Dworkin, em sua obra “Uma Questão de Princípio” (2005, p. 234), critíca esse entendimento, chamado de ‘teoria da intenção do autor’, ao afirmar que “o autor é capaz de separar o que escreveu de suas intenções e crenças anteriores, de tratá-lo como um objeto em si”. Para o autor, essa teoria acaba por medir o valor de uma obra de arte por meio de uma visão estrita e restrita que se aplica às intenções do autor.

Rodrigues (2011, p. 22) ainda ressalta três momentos conceituais passados pela literatura: “a definição do Romantismo, cuja preocupação se volta para o autor; o New Criticism, cuja questão central é o texto; e, num momento mais recente, inserido no movimento denominado ‘virada linguística’, o leitor adquire papel de destaque”. Para ele, o direito seguiu essa mesma linha de desenvolvimento quanto ao enfoque dado aos elementos presentes no processo interpretativo, tendo o foco passado primeiramente do autor (intenção do legislador) para o texto (positivismo jurídico) e, por fim, para o intérprete.

3.3 O DIREITO DA LITERATURA

Outra forma em que encontramos a relação “Direito e literatura” é aquela na qual conteúdos jurídicos se propõem a proteger e regulamentar conteúdos literários. Um livro, por exemplo, é resultado do trabalho de seu autor, que provavelmente dedicou tempo e estudo para elaborá-lo, sendo justo que o mesmo possa se considerar detentor dos direitos sobre aquela obra e que existam normas que protejam esse domínio, ou seja, o direito autoral.

Pinheiro (2007, p. 10) expressa que essa é uma abordagem “que compreende as questões que cercam a literatura sob um aporte jurídico muito mais afeto ao estudo do Direito Privado, ou seja, que tratará dos direitos de autoria, de publicação e reprodução de obras literárias”. Uma visão, portanto, mais técnica, o que não a torna descartável, antes destaca sua importância.

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surgido a partir do direito à liberdade de expressão garantido constitucionalmente (NOJIRI, 2012, p. 70). Nojiri (2012, p. 70), ainda destaca que os debates nesse quesito são relacionados também aos limites da liberdade de expressão literária e artística, citando como exemplo o uso de expressões consideradas obscenas em obras de arte escritas. Para ele, nessa discussão quanto à funcionalidade de palavras obscenas na literatura, os liberais se posicionam de forma tolerante enquanto aqueles que criticam fortemente essa prática afirmam que, ao se utilizar de expressões ofensivas mantém-se a hegemonia dos fortes sobre os fracos, ainda que de maneira não tão transparente.

Assim, a discussão de tabus se destaca no debate democrático em torno do banimento e da contestação de livros, juntamente com a questão da censura política. Como exemplo tem-se o livro Lolita, de Vladmir Nabokov, que na época em que foi escrito e também na que foi publicado, gerou uma polêmica acerca do tratamento e exposição que o mesmo dava à temática da pedofilia e, apesar de se tratar de um romance magistralmente engendrado, ainda nos dias de hoje tende a ser combatido. Outro exemplo seria a obra Trópico de Câncer, de Henry Miller, que trata livremente do tema da sexualidade, e que também enfrentou similar resistência. (TRINDADE e ROSENFIELD, 2013, p. 499).

Com relação à polêmica obra de Vladimir Nabokov, André Karam Trindade e Luis Rosenfield (2013, p. 500) asseveram:

A ferocidade dos ataques que Lolita sofreu desde sua publicação, da década de 1950 até os dias de hoje, reflete a irracionalidade de se banir um livro pelo simples fato de este tratar de uma temática sensível de uma sociedade. Na verdade, é absurdo sus-tentar que o texto de Nabokov representa uma apologia ao crime de pedofilia. Outras características também frequentemente atribuídas ao livro – denominado indecente e obsceno – é fruto daquelas críticas que buscam eliminar a diversidade e a liberdade de opiniões por meio de acusações de pessoas que supostamente se sentem ofendidas com o conteúdo do livro, embora raramente o tenham lido.

Esse debate suscita, no fundo, a questão do poder da literatura como instrumento influente capaz de transformar o ser humano, a partir de um mínimo contato com ela, buscando transformá-lo em uma pessoa melhor. Mas, se a premissa sobre o poder transformador de obras literárias é verdadeira, se é possível se produzir o bem, pode-se deduzir que o oposto também se aplica, podendo um tipo “errado” de leitura transformar pessoas para pior. Esta conclusão tem levado pessoas a afirmar que expressões obscenas e ofensivas não devem ser consideradas parte justa das reivindicações para a proteção ao direito à liberdade de expressão literária e artística (NOJIRI, 2012, p. 70).

Referências

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