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Complexidades dos Domínios Religiosos

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Academic year: 2021

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Revista Estudos Amazônicos • vol. X, nº 1 (2014), pp. i-vii

possibilidades interpretativas a respeito das experiências do sagrado. Assim sendo, Igreja Católica, Protestantismo, Pentecostalismo, Neo-Pentecostalismo, Umbanda, Candomblé, dentre outros campos religiosos, são temas constantes de análises, os quais desaguaram e ainda desaguam em Teses e Dissertações nos diversos Programas de Pós-Graduação na Amazônia.

Com efeito, tais domínios são variados e múltiplos. Eles expressam e formam maneiras de pensar, de sentir, de viver práticas cotidianas religiosas. Apresentam-nos recorrentemente que as formas de ver e sentir – por exemplo – o sobrenatural são diversas em diferentes épocas e culturas, mas aqui, para o Dossiê “Religiões e Religiosidades I” – talvez – principalmente quando ele é pensado culturalmente. Então, a presente coletânea possui um eixo balizador: teoricamente os artigos concentraram-se na lógica e na busca da compreensão de como as pessoas em momentos históricos distintos vislumbram os domínios da Religião e Religiosidade, desta maneira, os intelectuais que compuseram o presente Dossiê não abriram mão desta perspectiva.

Mas também é mister considerar que as diversas personagens sociais que aparecem nos artigos que seguem apreendem as Religiões e as Religiosidades de que fazem parte como questões vitais à sobrevivência

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pessoal e do grupo em que estão inseridos; esta dinâmica tende a fortalecer inumeráveis aspectos, dentre os quais se pode destacar: como a religião e, certamente isso muito importa e vale, é representada nos interstícios da narrativa, ou seja, ela “demasiadamente” se preocupa como suas memórias são construídas, repassadas, reelaboradas e naturalmente transmitidas e retransmitidas por seus seguidores a possíveis outros. Esse é o fascínio das pessoas que a fazem e, logicamente, tal deslumbramento a deixa fortalecida perante os seus membros, isto é, Igrejas e componentes em momentos diversos – “obrigatoriamente” – passam a se confundir.

Nesta perspectiva pode-se interpretar tal aspecto como um dos domínios da ética. Ética dos fieis que elaboram e reelaboram as Religiões e as Religiosidades “conforme” a doutrina dada como certa, coerente, verdadeira, porém também tomando como base interesses e desejos pessoais e de grupo. Com efeito, em muito no presente Dossiê há interpretações de que elas expressam o encontro e a conquista de objetivos pessoais e coletivos, sendo que estes sempre estão no bojo de lutas intensas consigo e com os outros.

Esses enfrentamentos ajudam a compreender o paradigma do indivíduo plural. Assim seria lógico, entretanto, pensar como os aspectos público e privado dialogam naquilo em que as pessoas vão externar nestes espaços. Em conformidade, há sempre lutas constantes entre indivíduos e doutrinas, isto é, as versões pessoal e oficial estarão em conflitos ambivalentes e ambíguos constantes. Isso acontece porque a primeira pode ser interpretada como a capacidade de invenção e adaptação da sobrevivência das pessoas que forjam a vida religiosa; a segunda, por seu turno, corresponde ao desejado, ao ideal, ao perfeito à vida religiosa. Assim exposto, tudo sugere ser consequente pensar que o pessoal e o oficial muitas vezes e não raro formam bricolagens que se organizam segundo as circunstâncias socais, políticas, econômicas, culturais.

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Revista Estudos Amazônicos • iii Todavia, é importante dizer que estas misturas intensas não significam ao fiel contradição e incoerência, mas sim a necessidade que o Ser Humano possui nos interstícios das concepções religiosas e da vida individual, ou seja, são estratégias apresentadas no seio de um mundo absolutamente exigente onde, por exemplo, a dialética é exigida porém, ao mesmo tempo, se tenta sufocá-la. Então, as Religiões e Religiosidades na Amazônia e demais região brasileiras articulam, formam, elaboram e reelaboram bricolagens que de maneira nenhuma podem ser compreendidas no bojo do contraproducente e do impresumível, ao contrário, elas devem ser descortinadas tomando como base as veredas das relações construídas para se forjar formas de sobrevivência em um mundo complexo e exigente, então, elas (as bricolagens) correspondem às maneiras inteligentes, adequadas, válidas de convivência e sobrevivência no seio do mundo religioso.

Assim sendo, tudo indica ser coerente pensar que as pessoas com seus mais diversos e variados problemas espirituais, econômicos, psicológicos experimentam o sobrenatural por meio de composições e empréstimos bastante multifacetados. Desta forma, em diversos artigos que seguem houve esforços em se compreender “o sujeito religioso” através das suas práticas diárias ditas de fé. Esta concepção faz pensar que as doutrinas oficiais e as individuais se confundem de uma forma tão complexa que os domínios da religião apenas podem ser “razoavelmente” compreendidos quando não dissociados da religiosidade. A este respeito, João Décio Passos lembra que sobre as doutrinas ditas oficiais as pessoas (os que se consideram fieis) em inumeráveis e complexos movimentos se apropriam delas recriando significados próprios, os quais têm como base as condições de vida que passam.1

Desta forma, sem dúvida, seria impróprio ler a religião apenas nos domínios da fé ou da sua busca. Ela também significa aspectos políticos, sociais, econômicos e permitam-me dizer, ideológicos. Ela constrói

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iv • Revista Estudos Amazônicos

cultura e ao mesmo tempo é parte dela. Busca formar e elaborar valores morais que se localizam para muito além de eventos sumariamente religiosos, embora os seus ministros insistam em dizer que o seu início, meio e fim estejam estritamente ancorados em aspectos religiosos; esta é a forma do discurso e talvez “não” “pudesse” ser proferido diferentemente. As distintas Religiões e Religiosidades podem ser pensadas nestes parâmetros, mas também elas transitam por outros espaços não menos complexos: o fascínio, a sedução, a manutenção da vida material e espiritual são alguns deles.

Tomando como base estas notas iniciais, os leitores no Dossiê “Religiões e Religiosidades I” entrarão em contato com as mais diversas problemáticas, explicações e metodologias. Assim, no artigo “Entre magias e sortilégios: a questão da liberdade de culto no Pará”, o historiador Luiz Augusto Pinheiro Leal apresenta as dificuldades enfrentadas pelas pessoas que celebravam cultos afro-religiosos no Pará nas primeiras décadas do século XX, todavia diz o intelectual que ao enfrentamento das inúmeras barreiras, determinados intelectuais que se engajaram na causa foram de suma importância, tais como Bruno de Menezes, Gentil Puget, Levi Hall de Moura, Nunes Pereira e Dalcídio Jurandir.

A historiadora Cláudia Laurido Figueira por meio da reflexão intitulada “O Divino Espírito Santo: vivência de uma religiosidade popular na festa do Sairé em Alter do Chão (PA) – 1973” nos faz compreender os sentidos, expressões e significados religiosos presentes em uma festa ainda pouco pesquisada pelas Ciências Humanas: o Sairé de Alter do Chão, cidade de Santarém-PA. Suas análises concentraram-se na interpretação religiosa da festividade que na sua compreensão foi “reconstituída” a partir de 1973 pelos moradores da Vila. Com efeito, em tal empreitada de releitura do movimento religioso

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Revista Estudos Amazônicos • v lançar mão das instâncias da memória foi de fundamental importância para que domínios culturais não se perdessem completamente.

A professora Julia Lobato Moura trás excelente análise sobre a Doutrina do Santo Daime da cidade de Rio Branco-AC. O seu texto “Identidades no Santo Daime: caminhos da tradição e da inovação” apresenta como em um espaço que deveria ser dedicado às questões espirituais, do autoconhecimento foi transformado em campo de batalha e de relações de poder. Então, suas interpretações versaram a respeito das categorias “Tradição” e “Nova Era” utilizadas por duas correntes rivais que buscavam/buscam dominar a Doutrina do Santo Daime.

Já o Cientista da Religião Douglas Rodrigues da Conceição em “Aspectos religiosos do Brasil contemporâneo” trouxe por meio de dados oficiais do Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o crescimento dos evangélicos-pentecostais no Brasil. Segundo o autor, este segmento religioso é o que mais cresce nos Estados brasileiros sendo, por conseguinte, o responsável pelo desenvolvimento de formas “peculiares” de distribuição da religião e religiosidade.

“Sai! Em nome de Jesus: reflexão sobre técnicas corporais na Igreja Universal do Reino de Deus” são interpretações de responsabilidade de Samuel Marques Campos. Nelas o autor concentrou suas análises na Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), mais especificamente no que chamou de “técnicas corporais em culto de cura”. Para tal empreitada, lançou mão de relato de uma fiel e da “observação participante”, com tais ferramentas o autor estabeleceu problematizações que versaram sobre gestos (expressões corporais) e orações realizadas nos “doentes”, as quais dinamizam formas de se compreender o fenômeno religioso.

José Augusto Oliveira Dias e Saulo de Tarso Cerqueira Baptista apresentam “Pentecostalismo, tráfico e vícios no bairro do Jurunas: periferia de Belém-Pará”. No dizer dos autores, o artigo concentra-se no ethos pentecostal do bairro do Jurunas, assim procuraram compreender como a ética das

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vi • Revista Estudos Amazônicos

pentecostais influencia e ao mesmo tempo são influenciadas pela sociedade e cotidiano em que estão inseridas. Desta maneira, consideraram que o pentecostalismo possui grande capacidade de adaptação o que tem feito pessoas variadas tornarem-se frequentadoras de cultos e consequentemente usuárias do que chamaram de “seus serviços-soluções”.

Em “Curandeiros em Bragança-PA: cura, saberes e modos de vida” Wanna Célli da Silva Sousa afirma que o curandeirismo muito está articulado aos significados sociais a ele atribuídos, sendo que tais representações jamais se organizam de maneira isolada, pois sempre se manifestam nos interstícios das trocas simbólicas com a medicina dita oficial, com a comunidade e com os mais variados discursos elaborados sobre ele.

Completa esta coletânea, o artigo “Fortalecei-vos em nome da honra e do progresso: o trabalhador do campo nas páginas do jornal Cruzeiro em Caxias-MA durante do governo Eurico Gaspar Dutra” de Jakson dos Santos Ribeiro; este material possibilita descortinar como um periódico religioso que circulou nas primeiras décadas do século XX em uma cidade do Estado do Maranhão, Caxias, representou os trabalhadores do campo. Para o referido veículo, esses personagens sociais constituíam-se essenciais para o “desenvolvimento” da Nação, pois eles – na leitura do jornal – eram a solução para que o Brasil voltasse a crescer economicamente.

Boa leitura.

Ipojucan Dias Campos Professor Adjunto III da Faculdade de História do IFCH/UFPA

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Revista Estudos Amazônicos • vii

NOTAS

1 PASSOS, João Décio. “As formas complexas de o povo crer”. In: Revista da Associação de Pós-Graduandos (APG) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). São

Referências

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