Vida de Fotógrafo
Show de Paul McCartney no Brasil: Marcos Hermes foi o fotógrafo oficial e teve publicadas mais de cinco mil fotos da turnê
Marcos Hermes, especialista em fotos de celebridades nacionais e
internacionais da música, fala sobre os bastidores do seu trabalho
A
lém de serem músi-cos, Paul McCartney, Bono Vox, Ozzy Os-borne, Bob Dylan, Mick Jagger, Madonna, Beyoncé, Fergie, Caetano Veloso, Chico Buar-que, Gilberto Gil, Ney Mato-grosso, Rita Lee, Gal Costa e Maria Rita têm algo mais em comum: todos foram fotogra-fados pelo brasileiro Marcos Hermes. Especialista nouni-verso musical, aos 36 anos ele é um dos profissionais mais re-quisitados, seja para registrar turnês, grandes festivais ou para produzir capas de CDs e DVDs. Há 20 anos no mercado, Mar-cos já fez cerca de 500 capas (incluindo também VHSs,
sin-gles e LPs) e fotografou mais
de dois mil shows. Recente-mente, teve cerca de cinco mil publicações de fotos que fez da
turnê Up and Coming, de Paul McCartney no Brasil em no-vembro de 2010, da qual foi o fotógrafo oficial.
No ano passado, foi escala-do também para fazer os regis-tros oficiais de festivais como o SWU, Natura Nós e Telefonica Sonidos, no Estado de São Pau-lo, e tem no currículo as edições dois e três do Rock in Rio, além da cobertura do evento em
Lis-show de fotos
O baterista que hoje produz um
Paul McCartney autorizou fotografar somente os primeiros seis minutos do show e a uma distância de cerca de 30 metros Fo to s: M ar co s H er m es
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boa e Madri e outras apresen-tações ao redor do mundo, co-mo a do AC/DC na Argentina em 2009 e o Cape Town Inter-national Jazz Festival, na capital sul-africana, em 2008. A agenda lotada de shows programados para 2011 significa também muito trabalho. Ele foi escolhi-do para fotografar mais uma edição do Rock in Rio, festival
marcado para setembro e outu-bro, no Rio de Janeiro, e os shows do U2, Iron Maiden, Sha-kira, Amy Winehouse, entre ou-tros programados para o ano. Com tanta estrela envolvida, não há normas comuns quanto ao posicionamento do fotógra-fo, de como ele deve registrar as apresentações e sobre direitos de reprodução, entre outras
questões. As regras são dadas por cada artista ou banda e de-pendem também do estilo da cobertura. Se Marcos trabalha como fotógrafo oficial, tem o tempo que achar necessário para registrar o espetáculo. Já no caso de cobrir como freelancer para um veículo da imprensa, o tem-po para fotografar é determi-nado pelo artista. Em shows,
Show de Beyoncé em fevereiro de 2010: o fotógrafo teve apenas os primeiros 90 segundos da primeira música para fotografar
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geralmente é preestabelecido que se fotografe apenas as três primeiras músicas. No caso de festivais, o mais comum é registrar as duas primeiras músi -cas de cada banda. No entanto, há exceções.
Apesar de ter sido o fotógra-fo oficial dos shows de Bob Dy-lan, em 2008, em São Paulo; de Beyoncé, em fevereiro de 2010,
também na capital paulista, e de Paul McCartney, em novembro de 2010, em Porto Alegre e em São Paulo, Marcos teve poucos minutos ou mesmo segundos para registrá-los. Paul McCart-ney autorizou que Marcos fo-tografasse os primeiros seis mi-nutos; Bob Dylan, somente du-rante a primeira música (cerca de dois minutos e meio), e
Beyoncé liberou apenas os pri-meiros 90 segundos da primeira música cantada por ela. A expli-cação de Marcos Hermes para este limite é que o objetivo da cantora foi ter documentada apenas uma determinada pose, já ensaiada por ela, sem espaço para registros inesperados. “É o jeito americano de se promo-ver”, observa o fotógrafo.
Bob Dylan no Rock in Rio Madri, em 2008: desafio de conseguir uma boa imagem nos cerca de dois minutos para fotografá-lo Fo to s: M ar co s H er m es
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Técnica e agilidade
Para conseguir boas imagens no pouco tempo que teve para fotografar o show de Beyoncé, o fotógrafo usou três lentes di-ferentes nos 90s que lhe foram dados. Para o feito, levou uma câmera com uma teleobjetiva e outra com uma grande angular, trocando a lente em uma delas. Segundo Marcos, a maior res-ponsabilidade não é somente fotografar um grande show, mas sim fazer um bom material em pouco tempo. Além dos poucos minutos e da agilidade necessá-ria, há outras adversidades. O descaso do público com o fotó-grafo é uma delas. “Já fui muito maltratado. As pessoas recla-mam que pagaram para assistir ao show e jogam objetos. Mas isso não acontece quando há al-gum profissional com câmera de vídeo. Aí todo mundo quer aparecer”, conta Marcos.
Outro problema é a grande distância em que, às vezes, ele é obrigado a trabalhar. Normal-mente, é da frente do palco que Marcos fotografa, mas no caso de Beyoncé e de McCartney foi determinado que ele se posicio-nasse na mesa de som, a cerca de 30 metros dos músicos.
Driblar a distância exige do fotógrafo o uso de superteles como as 300 mm, 400 mm e 500 mm. Ele leva para os shows as câmeras Canon 1D Mark III, 7D Mark II e ainda as objetivas 15 mm, 16-35 mm, 35 mm, 50 mm, 24-70 mm, 100 mm macro e 70-200 mm, bastante lumino-sas, todas f/2.8, com exceção da 50 mm f/1.4 e da 35 mm f/2.0. Também carrega uma Pentax 6x7 com as lentes 75 mm, 90 mm, 105 mm e 160 mm e a Ma-miya C 330 6x6, usando sempre o modo manual. “É difícil con-fiar na câmera porque a luz no
palco muda todo o tempo. Não posso confiar e perder um mo-mento único do show”, afirma. Marcos também prefere não usar flash para conseguir regis-trar a luz conforme idealizada para o evento. “Em cerca de 95% dos espetáculos o flash é proibido. São raras as exce-ções”, relata.
Para contornar a falta de lu-minosidade, ele normalmente fotografa em ISO 800 – em shows com mais luz, como o de Paul McCartney – ou até ISO 1.000. “Não gosto de sen-sibilidades muito altas. Prefiro manter o ISO 1.000 e ter uma granulação mais fina. Posso fo-tografar pensando na foto para uma revista, mas pode acontecer de ela ser escolhida para um
out-door. Por isso, não pode ter
mui-ta granulação”, explica ele. Apesar da pesada rotina, é Marcos quem edita as próprias
A banda Metallica em apresentação no estádio do Morumbi, em São Paulo, em janeiro de 2010
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O objetivo do fotógrafo de shows é capturar a essência do artista, como nesta foto de Amy Winehouse, no Rock in Rio Madri, em 2008 Fo to s: M ar co s H er m es
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los inusitados. No SWU, subiu em uma roda-gigante do festival para registrar um plano mais aberto durante o show do grupo brasileiro Jota Quest. Em outro evento, em que era gravado o DVD ao vivo da dupla Bruno e Marrone, em Goiânia, em 2006, Marcos subiu em um único pré-dio que havia ao redor da arena também para fazer um plano aberto. Conversou com o síndi-co e síndi-conseguiu chegar ao topo para fotografar. Na última mú-sica, ele teve que descer rápido e atravessar uma multidão de cerca de 40 mil pessoas, corren-do para não perder o momento do agradecimento. Chegou a ponto de fazer um último clique, que acabou sendo a capa do DVD dos cantores.
Trajetória
Embrenhar-se no universo musical exige do fotógrafo re-pertório e entendimento do as-fotos, trabalhando geralmente
com o Lightroom. “Escolher as fotos é a alma do fotógrafo. Ele tem de saber o que é uma boa foto. Edito de modo que nin-guém possa publicar uma foto minha que eu não gostaria que fosse publicada”, indica.
Já em grandes festivais, ele contrata um funcionário para a transmissão das imagens, visan-do concentrar-se em tovisan-do o res-to. Nos eventos com diversos palcos e shows simultâneos, também leva outros fotógrafos para dividir o trabalho.
Capturar a essência
Para muitos fotógrafos, re-gistrar um astro nacional ou in-ternacional já seria uma foto de destaque. Mas para Marcos Hermes, que tem tantas estrelas no portfólio, a boa foto é aquela que mostra a essência do artista. Segundo ele, o objetivo na área é entender o que o cantor quer
mostrar como personagem. As-sim, pensando em mercado, o fotógrafo pode atender o cliente com o resultado esperado por ele – seja o cliente a Madonna, o Mick Jagger ou os integrantes do U2, do Iron Maiden, do The Strokes, do Kiss, do AC/DC...
Identificar a personalidade do artista exige de Marcos uma boa pesquisa. Ele estuda as ima-gens já publicadas para não re-peti-las e, ao mesmo tempo, não cair em contradição. Também antes do espetáculo, conversa com o iluminador para entender os esquemas de luz, mede a tem-peratura de cor e dias antes as-siste a vídeos de shows anteriores no YouTube para saber o tempo do cantor no palco e planejar onde irá se posicionar.
Apesar de na maioria das ve-zes o fotógrafo colocar-se em frente ao palco, ele está sempre buscando posicionamentos al-ternativos para conseguir
ângu-O rock das bandas AC/DC e Kiss nos shows realizados em São Paulo, em 2009 Fo to s: M ar co s H er m es
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sunto. Fã de rock, Marcos gosta de ouvir também música negra, jamaicana, latina, cubana, funk, soul, bossa nova, cantoras de raiz e música instrumental. É baterista desde os 12 anos e uniu a fotografia à música quando, aos 14 anos, os amigos o con-vidaram para fazer um fanzine de música.
Ele passou a registrar os shows que gostava com uma câ-mera amadora, publicando as fotos na revista independente e na argentina Madhouse. Já a car-reira como fotógrafo profissio-nal começou pelo fotojorprofissio-nalis- fotojornalis-mo, depois da indicação por um amigo. Durante o dia, Marcos trabalhava para os jornais flu-minenses O Dia e Jornal de
Ho-je; à noite, fotografava shows
para aumentar o portfólio. En-trou no Curso Abril de
Jorna-Acima, plano aberto durante show do Sublime, no festival SWU, em outubro de 2010, no interior de São Paulo; ao lado, algumas das cerca de 500 capas produzidas por Marcos Hermes, como a primeira da carreira, para um VHS de Cássia Eller
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lismo (SP), se estabeleceu na ca-pital paulista e trabalhou para diversas revistas da editora, como
Veja, Playboy, Claudia e Marie Claire, além de publicações
es-trangeiras como a Paris Match e a Rolling Stones, com a qual co-labora ainda hoje.
O primeiro trabalho com ca-pas surgiu por meio do convite de um diretor de arte da gravadora Universal, que procurava alguém para produzir o novo VHS ao vivo de Cássia Eller, Com Você... Meu
Mundo Ficaria Completo, de
1999. Foi a partir desse trabalho que Marcos Hermes conheceu o potencial do mercado fonográfico para fotógrafos, pelo espaço que existe na criação de capas,
ban-ners, outdoors e toda a campanha
de divulgação do artista. Na produção de capas, ele costuma participar da concepção da ideia ou agregar um conceito a ela. No caso do CD acústico de Cássia Eller, o fotógrafo ficou três dias no sítio onde a cantora ensaiava para fotografar o pro-cesso de concepção do disco.
“Fi-Acima, Caetano Veloso e Maria Gadú em dezembro de 2010, no Rio de Janeiro; ao lado, Bruno e Marrone cantam em Goiânia, em 2006: a foto, no finalzinho do show, virou a capa do DVD Fo to s: M ar co s H er m es
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camos jogando futebol, entramos na piscina, jogamos pingue-pon-gue... Só combinei com ela que não precisava posar, porque ela não gostava muito. A Cássia era tímida. A conheci bem e depois fotografei o show”, conta Mar-cos, que também fez o CD MTV
Acústico da cantora.
Nos shows, Marcos também tem a possibilidade de conhecer bem diversos artistas e, como ele diz, capturar a essência de cada um. Muitas vezes é contratado para registrar o making of e acom-panha a montagem, a produção e a preparação nos camarins. “Na apresentação do Paul, que foi uma das maiores responsabilidades da minha carreira, tive o privilégio de estar no mesmo espaço que ele. Assisti aos ensaios e à passa-gem de som, que duraram uma hora em cada cidade”, relata.
Sem-pre em contato com tantos can-tores nacionais e internacionais, ele tem amizade com muitos, co-mo Maria Rita, Maria Gadú, Zeca Baleiro, Falcão (do grupo O Rap-pa) e Roberto Carlos, para quem produziu duas capas: Emoções
Sertanejas e Elas Cantam Roberto Carlos (CDs e DVD). “Foi um
momento marcante. Minha mãe é fã dele e se orgulhou muito de mim”, brinca.
Além dos significativos pri-meiros trabalhos como fotógra-fo, Marcos Hermes considera importante também participar das primeiras capas de CD de novos cantores. “Gosto muito de fazer o primeiro disco de um artista. Se o fotógrafo acerta, o cantor vira um parceiro para o resto da vida”, observa ele, que se sente privilegiado não por ser um dos profissionais mais
requi-sitados no meio musical, mas por poder unir o trabalho e o prazer. “Trabalhar com fotografia e mú-sica é juntar as duas coisas que eu mais amo”, finaliza.
A cantora Maria Rita durante show em 2004, em Porto Alegre (RS): com o tempo, o fotógrafo tornou-se amigo de muitos artistas
O especialista em fotos de artistas e shows musicais, Marcos Hermes
Marcos Hermes
Rodolpho P