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XXVII ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS ANPOCS

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XXVII ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS – GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS – ANPOCS

A EDUCAÇÃO NA PERSPECTIVA TEÓRICA DE NIKLAS LUHMANN

GT 04 – EDUCAÇÃO E SOCIEDADE 1.ª SESSÃO: EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA

CLARISSA ECKERT BAETA NEVES PPG – SOCIOLOGIA / UFRGS

(2)

1. INTRODUÇÃO 3

2. NIKLAS LUHMANN E A TEORIA DOS SISTEMAS 7

3. A EDUCAÇÃO COMO SISTEMA DA SOCIEDADE 16

3.1 A diferenciação do sistema educacional 18

3.2 Socialização e educação 30

3.3 Diferenciação e especialização funcional no sistema educacional:

codificação e programação 36

COMENTÁRIOS FINAIS 43

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“Sociedade é pelo menos: a condição de reprodução da

crença na educação e assim também: a crença na capacidade de melhoria da educação praticada” (Luhmann, 2002).

1. Introdução

Este trabalho tem por objetivo apresentar a contribuição de Niklas Luhmann para o estudo da educação como sistema funcionalmente diferenciado. Luhmann é considerado um dos mais importantes teóricos sociais do século XX, no entanto, no Brasil, ele ainda é bastante desconhecido entre os cientistas sociais. Algumas obras já estão traduzidas para o português. A maioria está disponível em edições de língua espanhola, com exceção das últimas obras publicadas apenas em alemão (ver bibliografia).

Por ocasião de sua nomeação como professor na Universidade de Bielefeld, em 1969, preencheu um formulário no qual explicitava seu programa de pesquisa: elaborar uma teoria da sociedade moderna; duração: 30 anos; custos: nenhum. Luhmann cumpriu a risca seu projeto. Em 1998 morreu aos 70 anos, deixando uma obra com mais de 14 mil páginas, divididas entre mais de 700 publicações.

A sua teoria da sociedade foi desenvolvida em três planos: a) um capítulo introdutório teórico-sistêmico; b) uma representação do sistema social; c) uma representação dos mais importantes sistemas funcionais da sociedade. Este programa ele realmente cumpriu. Em 1984 foi publicado o capítulo introdutório na forma de livro, sob o título “Sistemas Sociais: bases para uma teoria social” (traduzido para o castelhano em 1991). Na seqüência foram publicadas as análises dos diferentes sistemas funcionais, como:

A Economia da Sociedade (1988); A Ciência da Sociedade (1990); O Direito da Sociedade (1993); A Arte da Sociedade (1995) e três livros póstumos: A

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Educação da Sociedade (2002); A Religião da Sociedade (2002) e A Política da Sociedade (2002).

A trajetória intelectual de Luhmann culmina em 1997 com a publicação da obra: A Sociedade da Sociedade. Em torno desses trabalhos também foram desenvolvidas outras análises sociológicas e histórico-semânticas como Estrutura e Semântica Societal (4 volumes) e Iluminismo Sociológico (6 volumes); e análises político-sociais da sociedade moderna publicadas nos livros Sociologia do Risco; Comunicação Ecológica; A Teoria Política do Estado de Bem-Estar; O Amor; O Dinheiro; A Realidade da Mídia de Massas.

Luhmann em 1992 afirmou que: “meu objetivo principal como cientista

consiste em melhorar a descrição sociológica da sociedade e não melhorar a sociedade”.

Essa postura é muito importante para entender Luhmann que distingue, tal como Weber, entre a tarefa do cientista em produzir teoria sobre a sociedade e o político com a responsabilidade de melhorar a sociedade.

Luhmann tinha por objetivo construir uma teoria geral da sociedade para compreender a sociedade. Como Weber, acreditava que a sociologia, como ciência, “não pode e nem deve mudar nada, mas limitar-se a compreensão dos

fenômenos sociais”. Para ele havia um déficit teórico na sociologia. A sociologia,

como o conjunto das Ciências Humanas – a pedagogia não é uma exceção – tem desprezado a teoria com a intenção de alcançar a realidade, de ir aos fatos. A teoria era, assim, um estorvo para compreender a sociedade e os fenômenos humanos.

A investigação teórica para Luhmann era fundamental pois os conceitos que são utilizados na nossa vida diária são insuficientes para compreender os fatos cientificamente, por isso é necessário construir novos conceitos. Somente é possível observar através de conceitos. Nada é compreendido fora do conceito.

“Ao observar ou descrever os fatos com pretensão de cientificidade, as palavras da vida cotidiana não bastam. Devem ser construídos conceitos. Somente é possível observar o que se construiu com esses conceitos, isto é,

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outros conceitos e outras coisas. Por sua vez, os conceitos tem distinta qualidade científica, dependendo do emprego teórico, mas independentemente dele, pode-se afirmar que com conceitos distintos pode-se constroem mundos distintos” (Luhmann,

1989, p.47, apud Mélich, 1996, p.13).

Para construir sua teoria geral da sociedade, Luhmann, coerentemente, com o que manifestava, buscou edificar um aparato categorial e conceitual novo.

As teorias sociológicas clássicas – a sociologia weberiana, por exemplo, foi útil para descrever a sociedade moderna. Mas, para Luhmann,agora, encontramo-nos num tempo “depois da modernidade”, (não é igual a pós-modernidade) que necessita de uma nova “trama categorial”, que deverá mover-se num terreno multi e interdisciplinar.

A teoria sociológica atual deve, de acordo com Luhmann, ter distintas características: (que seja) dinâmica, capaz de estabelecer distinções, servir como instrumento de observação e não de mudança, reduzir a complexidade, possuir um alto nível de abstração e ser reflexiva e auto-referente (Luhmann, 1984, p.12).

A importância em ler, refletir e criticar Luhmann reside no fato de que se é obrigado a rever conceitos, posições e pressupostos. Ele irrita, provoca, polemiza; mas assim nos obriga à reflexão sobre as nossas próprias posições.

A incursão de Luhmann na análise do sistema educacional, como ele também fez com os demais sistemas funcionais, teve por objetivo mostrar que a sociedade moderna pode ser apresentada como um sistema social, que está estruturado primariamente sobre a base de uma diferenciação funcional. A educação serve como exemplo nesta sua análise (Luhmann, 1990).

A reflexão desenvolvida aqui sobre a visão dos sistemas educacionais baseou-se principalmente nas seguintes obras:

Pressupuestos Estructurales de una pedagogia reformista. Analisis sociológicos de la pedagogia moderna. (Escrito em colaboração com Karl Eberhard Schorr), 1990;

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Das Erziehungssystem der Gesellschaft (O sistema educativo da sociedade), 2002.

Para Luhmann, o sistema educacional só é compreensível no contexto de uma teoria social1. Por isso é preciso compreender o que é a sociedade, para então analisar os distintos “campos monográficos “, a educação, por exemplo, buscando esclarecer a particularidade das operações sociais (Nafarrate, 1993).

Para uma melhor compreensão da reflexão de Luhmann sobre a educação da perspectiva teórico sistêmica, é importante, pois, incluir uma apresentação, ainda que breve, dos principais tópicos (teses e conceitos) da sua nova teoria de sistemas. O texto está dividido, após essa introdução, em 2 partes: Niklas Luhmann e a Teoria dos Sistemas; e a educação como sistema da sociedade.

1

Nafarrate (1993:28) chama atenção para a advertência que Luhmann faz com relação as teorias sociais que não observam o sistema educacional como sistema autopoiético, mas que o tratam como uma rede aberta de determinações fundamentais como parte do “ambiente” política, economia, mercado de trabalho.

Essas teorias cometeriam pelo menos 6 erros:

1) não podem prever a dinâmica específica da educação; 2) não tem suficiente sensibilidade educacional para detectar o tempo próprio da educação e o confunde com as urgências do ambiente; 3) dão premência ao ser social no ambiente e tratam as mudanças sociais como idênticas para todos os sistemas; 4) não se dão conta de que todas as perturbações sociais, não fazem mais do que gerar uma dinâmica de evolução, própria somente do sistema educacional; 5) falam de retro-alimentação social, com respeito à sociedade, supondo de antemão que o sistema educacional existe visando a sociedade e esquecem que o sistema educacional é uma função da sociedade; 6) não se dão conta de que todas as reformas e as mudanças no sistema educacional, estão possibilitadas previamente pelo sistema mesmo.

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2. Niklas Luhmann e a Teoria dos Sistemas

Niklas Luhmann nasceu em Lüneburg/Alemanha, em 1927. Estudou direito em Freiburg (1946-1949) e foi trabalhar na Administração Pública em Lüneburg, não tendo pretensões de seguir carreira universitária. De 1956 a 1962 trabalhou como assessor no Ministério de Educação e Ciência de Niedersachsen (Baixa Saxônia).

Em 1960 foi, por um ano, para Universidade de Harward onde trabalhou com Talcott Parsons e teve seu primeiro contato com a teoria de sistemas. De volta à Alemanha, em 1962, trabalhou durante três anos na Escola Superior de Administração de Speyer como assessor em cargo administrativo.

Helmunt Schelzky, renomado sociólogo alemão, foi quem, em 1965, incentivou Luhmann a seguir a carreira universitária. Cumprindo os requisitos acadêmicos necessários, doutoramento e habilitação na Universidade de Münster no mesmo ano, Luhmann assumiu em 1968 a Cátedra de Sociologia na recém criada Universidade de Bielefeld, onde permaneceu até fevereiro de 1993. Nesse período, desenvolveu sua teoria dos sistemas, preocupando-se também, com temas específicos como direito, religião, ciência, economia, ecologia, educação, etc.

Aos 65 anos Luhmann aposentou-se compulsoriamente, sem interromper sua reflexão e produção sobre a teoria dos sistemas, já consolidada em inúmeras publicações (ver bibliografia).

A obra de Luhmann pode ser entendida como um esforço em formular uma teoria geral da sociedade, buscando um aporte universal, que superasse a estreiteza da conexão entre micro e macro e alcançasse maior precisão conceitual. Para ele, a teoria de sistemas, por seu desenvolvimento científico mais elaborado, é a que mais serve à Sociologia como instrumento para a formulação de uma teoria geral da sociedade.

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A elaboração de uma teoria sociológica universal, com o auxílio da teoria de sistemas, levou Luhmann a analisar cada contato social como um sistema: “sociologia é, pois, a ciência dos Sistemas Sociais” (Luhmann, 1970). Nessa sua opção pelo enfoque sistêmico, Luhmann, sem dúvida, recebeu influência de Parsons, mas ainda nos anos 60 começou a desenvolver uma abordagem própria.

A sua obra pode ser dividida em duas fases: a primeira, do início dos anos 1960 até meados da década de 1980, é a fase em que formulou a teoria de sistemas funcional-estrutural, tendo por base a diferenciação entre sistema e ambiente”. O sistema define-se por diferença ao ambiente2, através de um mecanismo de seleção de equivalentes funcionais que servem para a redução de complexidade” (Neves 1997).

A segunda fase teve por marco a sua obra principal : Sistema Social,

esboço de uma teoria geral, publicada em 1984 (traduzida para o castelhano).

Nessa obra, Luhmann introduziu uma nova concepção de sistema social, tendo por referência a mudança de paradigma na teoria geral dos sistemas, produzida por dois biólogos e neurofisiólogos chilenos: Humberto R. Maturana e Francisco Varela (1994a, 1994b, 1995). Essa mudança significou a substituição da teoria dos sistemas abertos, caracterizada pela diferença entre sistema e ambiente, pela teoria dos sistemas autopoiéticos. Tendo por referência o conceito de autopoiesis, passa a definir o sistema social como um sistema autopoiético, fechado e auto referenciado.

Para compreender a proposta teórica de Luhmann é preciso considerar o seu ponto de partida, a sociedade moderna, objeto de sua preocupação e os conceitos-chave que dão acesso à teoria (Neves 1997).

A sociedade moderna, preocupação central de Luhmann, tem como características principais a complexidade e a diferenciação funcional. Complexidade é sinônimo de modernidade. Por complexidade entende a totalidade das possibilidades no mundo. Reduzir a complexidade é a tarefa

2

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principal dos sistemas. Há uma coação para a seleção das múltiplas possibilidades.

Outra característica central das sociedades modernas é a diferenciação funcional. Cada vez mais os subsistemas se diferenciam como economia, política, ciência, direito, etc., diferenciando-se também internamente, por exemplo, direito civil, direito criminal, direito internacional, mantendo, no entanto, uma conexão funcional. A diferenciação funcional na sociedade moderna, cada vez mais complexa, marca a principal diferença com relação às sociedade arcaicas, cuja característica era a segmentação, e das sociedades antigas, estratificadas a partir de ordens superiores/inferiores ou camadas baixas, médias e altas. A sociedade moderna é marcada não mais por hierarquias (classes, camadas), mas por funções diferenciadas. Sistemas funcionalmente diferenciados, dependentes e independentes ao mesmo tempo, são expressão de complexidade.

O centro do interesse de Luhmann é portanto compreender a complexidade da sociedade moderna. E essa sociedade complexa, multi-funcionalmente diferenciada, precisa, a seu ver, de uma abordagem adequada, igualmente complexa.

Luhmann parte da constatação de um déficit nas teorias sociológicas para observar e descrever a complexidade da sociedade contemporânea, e como conseqüência fundamental, aponta os obstáculos ainda prevalecentes da teoria do conhecimento.

Propõe a superação de três obstáculos epistemológicos (Bachelard) responsáveis pelo predomínio de conceitos tradicionais do velho pensamento europeu: a) preconceito humanista; b) preconceito das unidades ou fronteiras territoriais e c) o preconceito da objetividade do social (Luhmann, 1997: p.76-77):

a) O “preconceito humanista” diz respeito ao pressuposto de que a

sociedade é constituída de pessoas ou de relações entre as pessoas. Mas como deve isto ser entendido? Ela é composta de braços e pernas, pensamentos e enzimas? O cabeleireiro corta os cabelos da sociedade? Ela precisa receber ocasionalmente um pouco de insulina? Que tipo de operação caracteriza a

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sociedade se a ela pertencem tanto a química das células como a alquimia da repressão inconsciente? O preconceito humanista agarra-se clara e intencionalmente a imprecisões conceituais e então é preciso perguntar: por quê? O teórico torna-se ele próprio um paciente.

b) o segundo preconceito que bloqueia o desenvolvimento conceitual consiste na pressuposição de uma multiplicidade territorial de sociedades. A China é uma, o Brasil é outra, o Paraguai é uma delas e, da mesma forma, então, o Uruguai. Todos os esforços para obter acuidade nas delimitações fracassaram, independente de se orientarem pela organização estatal, pela linguagem, pela cultura ou pela tradição. Na verdade, há inúmeras diferenças entre as condições de vida nestes territórios, mas essas diferenças precisam ser explicadas como diferenças na sociedade e não serem pressupostas como diferenças entre sociedades. Ou a sociologia quer resolver seu problemas central através da geografia?

c) por fim, o terceiro preconceito é decorrente da teoria do conhecimento, dando-se a partir da diferenciação entre o sujeito e o objeto. Corresponde à teoria do conhecimento vigente até este século conceber sujeito e objeto (da mesma forma que pensamento e existência, conhecimento e objeto) como separados e considerar como possível uma observação e descrição do mundo ab extra; até mesmo só reconhecer o conhecimento como tal, quando qualquer inter-relação circular com o seu objeto for evitada. Somente sujeitos possuem o privilégio da auto-referência; objetos são como são.

A ruptura epistemológica empreendida por Luhmann com as teoria clássicas do conhecimento leva o autor a conclusões tão surpreendentes quanto polêmicas, aponta Fedozzi (1997, p.20).

Em conseqüência e coerentemente com seu projeto teórico, Luhmann apresenta uma idéia de sociedade radicalmente anti-humanista, não ontológica e construtivista radical.

O enfoque teórico de luhmann baseia-se nas diferenças, vistas como construções. “A substituição do conceito de sujeito e a transferência da

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diferenciação sujeito-objeto para uma distinção entre sistema e ambiente levam Luhmann a uma teoria pós-ontológica da sociedade, desenvolvida numa base naturalística e empírica como uma teoria da observação” (Bechmann & Steihr,

2001, p.189).

Aqui reside o “novo” da proposta teórica de Luhmann, trata-se de desenvolver, de forma relacional, novas concepções: sociedade como sistema, evolução, diferenciação, comunicação e observação (observação de segunda ordem). A grande virada teórica é não mais tratar o sistema como “uno”, como um todo, resultado da soma das partes, mas como diferença. Luhmann não é um teórico da unidade, mas da diferença. Esse esforço teórico é desenvolvido na nova teoria dos sistemas que considera os sistemas como autopoiéticos, auto-referentes e operacionalmente fechados. Uma das referências desta teoria é a cibernética. O sistema se define, precisamente, por sua diferença com relação ao meio, como o termostato que reage não à temperatura, mas à diferença de temperatura. Deste modo, o sistema inclui em sua constituição a diferença em relação ao meio e somente pode entender-se como tal, desde esta diferença. Para Luhmann,o sistema que contém em si sua diferença, também é um sistema autopoiético e auto-referente.

Sistema autopoiético, traço característico de todo sistema vivo (Maturana, citado em Luhmann), do grego auto (mesmo) e poien (produzir), significa a capacidade do sistema de elaborar, a partir dele mesmo, sua estrutura e os elementos de que se compõem. Para Luhmann, no entanto, não só sistemas vivos, mas também psíquicos e sociais são autopoiéticos. São sistemas que produzem seus próprios elementos, dos quais são constituídos, sistemas que se auto-reproduzem são auto-referentes, ou seja, produzem constantemente sua própria constituição.

Falar de sistemas significa estabelecer uma diferença: a diferença entre sistema e ambiente. Sistema para Luhmann significa uma série de eventos relacionados um ao outro, ou de operações. Luhmann distingue três tipos fundamentais de sistemas auto-referentes:

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a) sistemas vivos referentes às operações vitais;

b) sistemas psíquicos que dizem respeito à consciência e ao modo de operação; e

c) sistemas sociais cujo traço característico é a comunicação.

Luhmann parte de um conceito de sistema formado de maneira relacional. Sua noção assenta-se na idéia de uma fronteira constitutiva que permite a distinção entre dentro e fora. Cada operação de um sistema (no caso de sistemas sociais: cada comunicação) (re)produz essas fronteiras encaixando-se numa rede de futuras operações, na qual, simultaneamente ele ganha sua própria unidade/identidade. Portanto, tal conceito de fronteira – acima de tudo em relação aos sistemas psíquicos e sociais – não deve ser entendido espacialmente, mas sim operacionalmente.

Não há estruturas estáticas, elas requerem uma construção permanentemente nova, do ponto de vista de sua existência e de sua forma determinada. Luhmann não está comprometido com a preservação dos sistemas sociais, ao contrário, sua preocupação teórica é a contingência e a complexidade do social3.

Na sua formulação de uma teoria social da sociedade Luhmann, introduz três premissas básicas: a) a sociedade não consiste de pessoas, pois essas pertencem ao ambiente da sociedade; b) a sociedade é um sistema auto-poiético que consiste de comunicações; c) a sociedade só pode ser entendida, como sociedade mundial (Luhmann 1984, 1997).

3

Luhmann (1970 p.18) chama atenção que diferente dos sistemas biológicos um sistema social não está fixado rigidamente como um organismo. Assim: “um asno não pode transformar-se em uma serpente, ainda que tal evolução fosse necessária para a sobrevivência. Ao contrario, uma ordem social pode sofrer profundas mudanças estruturais sem abandonar sua identidade e sua existência contínua. De sociedade agrária pode converter-se em sociedade industrial, uma grande família pode converter-se em uma casta de uma ordem político super-familiar, sem que seja possível decidir quando se está em presença de um novo sistema”.

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a) Para Luhmann a sociedade é uma ordem sui generis emergente que não pode ser descrita em termos antropológicos. A sociedade é a redução comunicativa possível que separa o indeterminado do que é determinável, ou o que é processável da complexidade improcessável (Bechmann & Steihr, 2001, p.192).

Luhmann traça uma distinção entre indivíduo e sociedade, entre humanidade e sociedade. Só assim é possível ver o que pertence a sociedade e o que está alocado à humanidade. A tese de separação de sistemas sociais, isto é, sistemas da sociedade e sistemas psíquicos, torna possível entender o relacionamento entre humanidade (consciência humana) e sociedade. Os dois são sistemas autopoiéticos, um operando na base da consciência e o outro na base da comunicação (p.192).

Sociedade é o sistema social como um todo, incluindo tudo que é social. E tudo que é social é identificado como comunicação. A comunicação “é uma

operação social porque pressupõe uma maioria de sistemas de consciências colaboradora ao mesmo tempo que não pode (exatamente por esta mesma razão) atribuída como uma unidade a nenhuma consciência individual” (Luhmann, 1984).

b) A sociedade como comunicação. Para Luhmann a comunicação é uma realidade sui generis, é um mecanismo que constitui a sociedade como um sistema autopoiético. Também a negação da comunicação, é comunicação e ,portanto, expressão da sociedade. A comunicação só se dá na sociedade. É estrutura básica da sociedade, na qual a relação entre comunicação e sociedade é circular: não existe comunicação sem sociedade, assim como não existe sociedade sem comunicação. Esta para Luhmann é uma operação, no sentido preciso em que é feita uma distinção. O propósito da comunicação é criar diferenças que podem ser incluídas, em outras comunicações, formando e estabilizando as fronteiras do sistema. Comunicação é uma síntese de seleções processadoras, que Luhmann chama de informação, transmissão e compreensão.

Bechmann e Steihr, explicitam o processo comunicativo em Luhmann, onde “a informação é selecionada da memória partilhada, um reservatório do qual

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coisas são selecionadas como sendo relevantes para a transmissão ou para o esquecimento. Para se completar um ato de comunicação é preciso decidir o que é representado ou aceito ou rejeitado, não entendido”. Como um processo auto-

referente, comunicação não excluí consenso nem dissenso. Na comunicação pode haver consenso, mas isso não significa que as pessoas estejam mais próximas umas das outras. Cabe aqui observar que Habermas (1994) compreendia comunicação como ação comunicativa, isto é, um processo de comunicação intersubjetiva que visa um consenso motivado racionalmente. Comunicação para esse autor transforma-se num conceito normativo: é razoável chegar a um consenso. Para Luhmann a comunicação como síntese de informação, transmissão e compreensão é um evento auto-referencial e fechado, isto é, a auto constituição do que é social (Luhmann 1984).

Luhmann segue fazendo a distinção entre sistemas sociais e indivíduos. Sistemas sociais são sistemas comunicativos que se reproduzem por estarem constantemente ligando comunicações a comunicações. O social, para Luhmann é composto de comunicações e não de pessoas. O indivíduo/pessoa é parte do sistema psíquico, ligado a consciência que produz pensamento. Apenas comunicação produz comunicação. Na comunicação o sentido é o pré-requisito básico. O sentido diferencia a seleção das possibilidades, logo, tem função de seleção e ordenamento (Luhmann 1984).

Essa concepção de sociedade composta de comunicações é tema decisivo em Luhmann. Os seres humanos, sistemas auto-referentes, que têm na consciência e na linguagem seu próprio modo de operação autopoiético, são o entorno (“ambiente”) da sociedade, não componentes da mesma. A sociedade supõe homens, mas como seu “ambiente”. Segundo Izuzquiza (1990), isso obrigou Luhmann a manter uma relação particular entre homem e sociedade, uma relação de interpretação e de observação que alcança níveis de extrema complexidade. Luhmann não prescinde do ser humano. Sua teoria concede uma importância decisiva ao ser humano, mas não nas formas das concepções clássicas de que o homem é um simples componente da sociedade.

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Entre homem e sociedade dá-se a relação de sistema e ambiente. Na sociedade, os sub-sistemas como direito, economia, política, parecem funcionar sem atender excessivamente a presença dos seres humanos, com um nível de independência tal que parecem seguir suas próprias regras, independentes dos sujeitos humanos.

c) Sociedade como sociedade mundial. Para Luhmann a sociedade mundial é um fato indiscutível. A teoria de sistemas deve desenvolver-se paralelamente a uma teoria da evolução para que seja possível chegar a elaboração de uma super teoria capaz de explicar a sociedade moderna globalizada bem como os diferentes momentos de seu desenvolvimento desde as sociedades arcaicas. Luhmann supera a definição territorial de sociedade que identifica as fronteiras da sociedade com as fronteiras dos estados nacionais. Para ele o mundo é um complexo fechado e comunicativo: sociedade mundial é a auto-eventuação do mundo em comunicação. Historicamente pode haver uma distinção entre os territórios individuais, mas a sociedade moderna tem um foco comum que é o futuro. “Mundial significa essa referência na estrutura da comunicação dos sistemas

funcionais completamente diferenciados, de tal forma que “mundo” como total de experiências sensoriais não é um agregado, mas melhor, um correlato, das operações comunicativas que nele ocorrem” (Luhmann, 1984; Bechmann & Steihr,

2001, p.195).

A teoria de Luhmann apresenta-se, assim, como um poderoso instrumental analítico que permite compreender o funcionamento da sociedade e seus subsistemas. Para isso vale-se dos mecanismos de redução de complexidade, dos códigos próprios dos diferentes subsistemas e dos esquemas binários de regulação das relações no interior de cada subsistema. Rodriguez (1995 p.22) de modo apropriado destaca o esforço de Luhmann em compreender a sociedade mundial complexa, “a partir da diferença, que contempla as outras possibilidades,

a contingência do social e que descobre que sempre em lugar de estar no melhor dos mundos possíveis, nos encontramos em um mundo pleno de melhores possibilidades”.

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3. A educação como sistema da sociedade

No livro “Erziehungsystem der Gesellschaft” (Educação como Sistema), a principal obra sobre o tema, Luhmann (2002: p.13-15) relaciona inicialmente suas investigações com os fundamentos teóricos sociais por ele assumidos:

a) uma sociedade é um sistema social, que inclui todas as operações sociais e exclui todo o resto. Este sistema é operacionalmente fechado, no nível de suas operações próprias. Isto significa: reproduz as muitas operações exclusivamente na rede de suas próprias operações e se distingue do ambiente excludente;

b) as operações que o sistema social - sociedade reproduz (produzidos dos próprios produtos) são comunicações;

c) o sistema da sociedade moderna caracteriza-se através da diferenciação funcional. Isto é: forma os subsistemas primários (não todos) por referência a funções específicas;

d) o sistema educacional é um destes sistemas funcionais. Ele opera num ambiente interno da sociedade, onde outras funções são realizadas por outros sistemas funcionais que assim “aliviam” o sistema educacional;

e) todos esses sistemas, a sociedade bem como seus sistemas funcionais observam suas próprias operações e são, neste caso, determinados através da auto-referência. Eles devem decidir internamente, entre si e o seu ambiente. Dita de outra forma: suas operações são determinadas pela distinção entre auto-referência e auto-referência externa. Eles oscilam entre essas duas direções de referência, podem focar um fundamento, cada vez, respectivamente, mas só tendo por base a possibilidade de passar para outra direção;

f) no corte de determinadas influências do ambiente/meio e da combinação de fechamentos operacionais e auto-referência ocorre, internamente, um imenso excedente de possibilidades para mais operações, que, para o sistema, é incalculável (isto é a complexidade do sistema) . O sistema é para si mesmo,

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intransparente. Ele opera num espaço de incertezas auto-produzidas. A incerteza, (perversa?) em geral marcada como futuro, é um desempenho próprio do sistema. Ela não decorre do fato de que as operações do sistema são dependentes de fatores desconhecidos do ambiente.

g) Com relação ao excedente de possibilidades de uma educação com sentido, o sistema reage com auto-organização no nível operativo e semântico. Auto-organização pressupõe, por sua vez, micro-diversidade, isto é, pressupõe que existam um grande número de situações de educação e ensino diferenciados;

h) o sistema social com todos os subsistemas diferenciados representa essa incerteza na forma do meio “sentido”. Sentido só é compreensível em determinadas formas.

A teoria da educação em Luhmann (1996,2002), tem por base alguns pressupostos:

a) como explicar a heterogeneidade do sistema educacional, se se parte de uma homogeneidade? O começo é homogêneo, mas as diferenças, dado que o sistema educacional, como todo sistema social é autopoiético, são produzidas pelo próprio sistema educacional;

b) educação é a intenção de educar. A intenção de educação não deve ser tratada desde o ponto de vista do sujeito (como o faz a fenomenologia), mas da ótica dos sistemas;

c) não há um fim da educação. O sistema educacional é autopoiético, operacionalmente fechado, acoplado estruturalmente, se reproduz por e desde si mesmo. A educação não leva o homem a perfeição. Não há o “ verdadeiro ser” e por isso é inaceitável a idéia de que a educação leva o homem a perfeição. Não há um bem, um valor supremo;

d) O processo educativo é orientado por um código binário: positivo-negativo;

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3.1 A diferenciação do sistema educacional

De diferenciações de sistemas funcionais especiais para Luhmann, só se pode falar quando ocorrem problemas que vão ser desencadeadores da formação de sistemas. A diferenciação de um sistema funcional próprio para a educação, rompe com a prevalência da família no tocante à educação das crianças – um último caso de dissolução do papel multifuncional das famílias e do sistema de parentesco da sociedade. A família fica reduzida a uma função de preparação e acompanhamento, sendo o parâmetro, no que diz respeito à educação, em última análise o sucesso escolar (Luhmann, 2002: p.111).

No contexto da evolução social isso fez parte do desenvolvimento tardio, diferente do que ocorreu no processo de diferenciação da religião, política e economia. Segundo Luhmann, exigências especiais por educação pressupõem uma certa complexidade social, para a qual precisa então ocorrer a educação. Ela é uma conseqüência da diferenciação social em curso, ela não se dá pari passu com a evolução sócio-cultural.

Luhmann associa a diferenciação de um sistema funcional especial para a educação, com o surgimento da educação nacional, com o objetivo de constituir um sistema escolar para a população em geral e privatizar a educação familiar (doméstica). Isto ocorreu apenas na segunda metade do século XVIII.

Com a análise do “meio” currículo e interação no ensino é dado um primeiro passo para reconhecer a diferenciação do sistema educacional. Não há como confundir esses meios/elementos com, por exemplo, dinheiro ou poder político, o que é um pressuposto importante para a introdução de uma orientação recursiva fechada, em formas próprias. Isso não significa que, no sistema educacional, poder ou custos não tenham importância. Mas o primado de um meio próprio, evita que critérios de outros sistemas desempenhem um papel dominante.

O conceito de diferenciação usado por Luhmann é definido teórico-sistemicamente, dada a possibilidade de um duplo acesso à diferença entre sistema e ambiente. De um lado, um sistema só pode se reproduzir se consegue

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estabelecer uma diferença com relação ao ambiente, ou seja, produzir fronteiras, isto é, produzir ambientes, por outro o sistema pode observar esta diferença, pode-se distinguir de seu próprio ambiente, e se orientar nessa diferença. Luhmann afirma tratar-se aqui, de um caso de re-entry, no sentido de G. Spencer Brown (Luhmann, 2002: p.113).

O sistema, de acordo com Luhmann, “se vê confrontado com um excesso

de possibilidades que ele próprio não consegue computar. Resulta assim uma unresolvable indeterminancy, ou seja, uma incerteza auto-produzida, à orientação de sua própria memória e por último à imaginação, cujo desfecho está exposto a um futuro ainda desconhecido” (idem).

Para Luhmann os resultados de processos de diferenciação normalmente são descritos com o conceito de autonomia (autonomia do sistema). Autonomia, para ele, repousa na “especificidade” das operações formadoras de sistema e suas “condensações estruturais” (definir o que é específico para ele).

A dependência do ambiente não pode ser eliminada, mas ela precisa ser vista como condição para a existência dos sistemas, definindo em que direção as diferenciações são possíveis.

Luhmann define portanto “autonomia como fechamento operacional do

sistema e o fechamento operacional como reprodução auto-poiética dos elementos do sistema através da rede destes elementos” (Luhmann 2002, p.114).

Por isso, para Luhmann, a escola pode ser tomada como sistema social, mas não no sentido de Durkheim como “microcosmo social” da sociedade, na sociedade: “no nosso caso, a auto-poiesis significa que o sistema educacional

somente pode valer-se de operações pedagógicas relevantes e essas ele mesmo produz, numa rede recursiva de tais operações” (Luhmann, 2002, p.114).

Isso, afirma Luhmann, é compatível com regulamentos jurídicos e dependências financeiras, desde que essas não sejam usadas como fonte de poder para dominar tendências pedagógicas e substituí-las por outras coisas.

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Autonomia possibilita, sem dúvida alguma, apoiar-se tematicamente na ciência e organizatoriamente no Estado do sistema político, compensando no sistema, internamente, tensões que daí tenham ocorrido.

Luhmann argumenta que a diferenciação funcional não pode ser entendida pelo modelo da divisão do trabalho. Cada sistema funcional precisa pressupor que todas as outras funções estão sendo desempenhadas, no nível necessário, em algum outro lugar; mas não pode assegurar este pressuposto sozinho, por exemplo, com arranjos de troca.

O peso da autonomia recai sobre cada sistema funcional, simplesmente porque nenhum sistema funcional pode desempenhar as funções de outro sistema, o que Luhmann exemplifica com o fato de que “o Estado pode introduzir a

obrigatoriedade do ensino e assumir os custos das escolas e universidades através dos impostos; mas, como organização do sistema político, ele mesmo não pode educar” (Luhmann, 2002: p.116).

No caso do sistema educacional, para o autor, é possível comprovar a relação entre diferenciação, autonomia e pressão interna para a auto-organização. Nesse sentido o sistema educacional segue um modelo típico da sociedade diferenciada, moderna e funcional, que também pode ser comprovado em outros casos, como na arte romântica, na positivação do direito, na democratização da política ou na orientação macro da economia.

Em cada caso, no entanto, a relação entre diferenciação, autonomia e auto-organização assume formas bem diferentes. Em cada caso a micro-diversidade (aqui no caso do ensino) necessária para a auto-organização repousa em interações bem diferenciadas.

Luhmann destaca que justamente a sua incomparabilidade é o resultado de processos de desenvolvimento totalmente comparáveis, que nesta medida se tornam inevitáveis, quanto mais e mais sistemas funcionais se desprendem da dependência de estratificações hierárquicas e se concentram na sua função específica.

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A diferenciação de um sistema educacional pressupõe a criação e o funcionamento de escolas, o que por sua vez exige a disponibilidade de prédios, onde se dará o ensino. Isso leva a pergunta se o proprietário pode controlar o que se encontra no prédio e o quanto este controle pode influenciar a autonomia do sistema educacional.

Por outro lado a escola também necessita de professores e recursos para pagar os salários, ou seja, precisa dispor de recursos. Quais as possibilidades de intervenção do proprietário, seja ele o Estado ou não (setor privado)?

Luhmann destaca que a administração das propriedades e de pessoal não pode ocorrer na forma de operações educacionais. Por isso ela pertence ao ambiente do sistema educacional. Na Alemanha, por exemplo, a responsabilidade sobre os recursos são dos municípios, e de pessoal, dos estados. A passagem das escolas sob a responsabilidade do Estado e não mais da Igreja, teve por conseqüência, que a propriedade não podia mais ser usada como base para a determinação dos conteúdos do ensino. Assim temas e tempos, sobre currículos e equipamentos são tarefas da gestores da educação e os pedagogos procuram influenciá-los. Luhmann coloca-se então a seguinte questão: isto depõe contra a diferenciação e a autonomia do sistema educacional? Para ele, a resposta a essa pergunta exige o esclarecimento do conceito e do contexto empírico de diferenciação.

Diferenciações apóiam-se numa descoberta “técnica” que libera comunicações e as torna independentes, tanto do seu contexto de origem, seja das possibilidades de reações dos destinatários, ou da fiscalização de outros sistemas sociais.

Para Luhmann as interações são mecanismos que levam a diferenciação. Os sistemas de interações introduzem indefinições e, conseqüentemente, a necessidade de re-especificação das intenções da pedagogia. Isso leva à distinção e simbiose entre interações e organizações no sistema educacional diferenciado.

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Normalmente as escolas são vistas como uma organização que oferece o ensino escolar e aí estaria sua finalidade. Mas também poderia ocorrer um ensino livre, em que o professor assume a função de organização, determinando horário, local de encontro, temas, etc.

Interação e organização são formas distintas de formação de sistemas sociais e uma não pode ser reduzida à outra. Assim, para Luhmann a diferenciação de um sistema funcional na sociedade para a educação não pode ser compreendido apenas como uma instituição de organizações especiais, como escolas e universidades, mesmo que essas organizações são as que chamam a atenção de imediato. Mas, “a interação no ensino toma uma forma, que necessita

de decisões que não podem ser tomadas no próprio ensino. Ou seja: a interação ensino estaria sujeita a muitas flutuações se ela fosse deixada solta e dependente de suas várias disposições e humores momentâneos. Como forma, o ensino só é reconhecido e reproduzido, se para isso são tomadas algumas precauções – seja que o professor também se torna responsável pelas decisões externalizadas, ou que para este típico seja criada uma organização “(Luhmann, 2002: p.121).

Mas nesta forma peculiar é a interação e não a organização ou profissão, o mecanismo que leva a diferenciação do sistema funcional de educação.

No nível da interação o ensino escolar também diferencia-se cada vez mais da educação familiar. Os sistemas interacionais crescem continuamente. Por exemplo, o tempo que se passa em escolas e universidades prolonga-se cada vez mais e isso sem considerar motivos ou causas familiares ou mesmo de autonomia financeira.

A constatação de um crescimento incontrolável de esforços por educação, que só encontra limites em termos financeiros, mas que não podem ser legitimados pedagogicamente, completa a representação conceptual da diferenciação funcional, ou seja, diferenciação significa autonomia de sistema e autonomia de sistema significa necessidade de auto-organização.

Luhmann mostra que ocorre um processo de crescimento que a sociedade não consegue mais controlar. De acordo com reivindicações de direitos, a clientela

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permanece dez ou vinte anos nas instituições do sistema educacional. Os critérios “naturais” para a permanência foram a muito superados. Trata-se apenas de uma parcela pequena de “crianças” que em função de sua natureza, “criança”, precisam ser educadas.

Como também em outros sistemas a “semântica da natureza” precisa então ser abandonada, como no sistema jurídico, o exemplo do direito natural, ou no sistema econômico a representação das necessidades naturais. A “semântica da natureza” é substituída pela “semântica dos valores” (Werte). Cada vez mais são os certificados que valem como necessários, mais educação é tomada como valor e como direito dos indivíduos (Einzelnen) na sociedade (Luhmann, 2002: p.123).

Na sua descrição sobre a diferenciação do sistema educacional, Luhmann remete a diferença entre sistema e ambiente. Numa sociedade diferenciada funcionalmente o “ambiente” dos sistemas funcionais consiste, especialmente, de outros sistemas funcionais. A sociedade mesma, não é um sistema na sociedade e ela é inalcançável comunicativamente.

Sob a condição de diferenciação funcional, cada sistema funcional deve pressupor que as outras funções são preenchidas noutra parte. Assim isso, da perspectiva de cada sistema funcional é determinada na relação ambiente-sistema social interno (Innergesellschaftlich).

Mas também, Luhmann adverte que deve ser observada a relação entre cada sistema funcional, isto é, a relação sistema – a – sistema, que, através do acoplamento estrutural, são concretizados de modos bem diversos (Luhmann, 2002: p. 124).

Cada sistema deve determinar como são as relações com os outros sistemas. À medida, portanto, em que o sistema educacional se diferencia, ele próprio, de outros sistemas, é excluído que ele tematize a relação como identidade. O que é visto como diferença, não pode ao mesmo tempo ser visto como unidade.

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com os “ambientes” é expressa na forma de um paradoxo e nesta forma deve ser trabalhada no interior do sistema. Luhmann esclarece essa relação entre sistema educacional e seus ambientes, analisando a relação com diferentes ambientes, como a economia, a família, a política, a ciência (Luhmann, 2002: p.124-134). Aqui vamos apontar apenas alguns destes elementos.

Por exemplo, a relação entre o sistema educacional e o sistema econômico só é relevante para o sistema educacional, na medida em que há a preocupação se os concluintes conseguem um trabalho adequado com sua formação, ou não.

O sistema educacional oscila entre dois princípios: especialização e generalização, e trabalha com esses dois princípios paradoxais na reforma e no planejamento e com a sensibilidade para as demandas, que possam melhorar as chances dos concluintes.

Outro exemplo ocorre na relação com o sistema família. Essa, esforça-se na educação das crianças produzindo efeitos intensivos de socialização. Isto tem como conseqüência que as crianças chegam à escola preparadas desigualmente. A escola esforça-se pela igualdade de chances. Ela se encontra sob a exigência de tratar desiguais como iguais, sem com isso diminuir as chances de uma boa educação.

Para Luhmann a homogeneização da população inicial é um dos indicadores mais marcantes para a diferenciação do sistema educacional. Se a ficção da “igualdade na largada” é exata e justa, as diferenças internas que aparecem ao longo da educação escolar podem ser atribuídas à escola mesma. O sistema educacional trata, portanto, desigual como igual, para atribuir as diferenças ocorridas, a si próprio e, marcá-las com os seus procedimentos de seleção.

Isso corresponde ao postulado do princípio da igualdade, que se forjou no século XVIII também para outros sistemas funcionais, isto é, que nenhuma desigualdade pode ser aceita como dada pela natureza, mas em todos casos é relacionado à participação em sistemas funcionais, ou seja, fica limitado a eles,

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conseqüentemente como temporários e contingentes, ou seja, possíveis de correção.

As crianças vem como indivíduos, como desiguais para a escola, e as diferenças produzidas no ambiente não podem ser ignoradas. Elas chamam atenção no ensino e são pedagogicamente relevantes. Por isso, afirma Luhmann, o sistema educacional depara-se com o desempenho das crianças, e também com o que ela traz de produto do ambiente. Por isso, o sistema vale-se do postulado normativo “da igualdade de chances” que não devem ser vistas da perspectiva do passado, mas com relação ao futuro.

Luhmann aponta, no entanto, as dificuldades que daí decorrem, como o fato que socializações diferenciadas na família, levam a diferentes chances de sucesso. Esse dilema, para Luhmann, é superado com a distinção entre educação e seleção. A educação confronta todos com a mesma oferta e com as mesmas disposições. Os mecanismos de seleção é que constatam as desigualdades.

Luhmann considera a seleção, um mecanismo intrínseco do sistema educacional: “a isso, à obrigação da seleção se pode reagir com ressentimento

pedagógico. Poder-se-ia desistir totalmente de notas e classificação nos primeiros anos de escolarização. Mas com isso não se afasta o problema. O professor continua com o problema, de como ele deve se comportar perante as desigualdades, também observadas pelos alunos. A distinção entre educação e seleção não é apenas um peso, mas também um alívio para o esforço educacional” (Luhmann, 2002: p.129).

Luhmann mais uma vez aponta que também neste caso vê sua teoria geral confirmada: “a relação do sistema educacional com as famílias originárias não

pode ser tematizada como uma unidade de uma diferença, quando se chegou a diferenciação de um sistema educacional e com isso a dissolução da velha economia doméstica. As famílias da perspectiva do sistema educacional são vistas como instâncias preparadoras, e então como atuantes paralelas, como apoiadoras, como dificultadoras. A diferença é trazida na forma artificial da

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igualdade na desigualdade. Com a dissolução desse paradoxo, o sistema educacional pode atuar” (Luhmann, 2002: p.129).

Outro exemplo observado por Luhmann para marcar a diferença entre sistema e ambiente é o da relação entre o sistema educacional e o sistema político, onde encontram-se estruturas análogas. O sistema educacional requer autonomia com relação a intervenções políticas. Não quer ser instrumento de doutrinação política.

Luhmann mostra como isto já foi regulamentado no século XIX nas escolas, através da regulamentação da organização, financiamento e definição de pessoal. As relações tornaram-se, no meio tempo, mais próximas e mais complexas.

O sistema educacional mesmo, não pode tomar nenhuma decisão coletiva, mas está atrelado a tais decisões, quando se trata de planos de aula, ordenamento de avaliação, distribuição de disciplinas, etc. Isso vale, especialmente quando são introduzidas idéias de reforma que na burocracia administrativa não são apreciadas e também politicamente não são realizáveis, assim no mais.

Nessas condição agrava-se a contradição entre dependência e independência. A dependência ocorre menos na pressão política de realizar algo, com o qual não se concorda (não é visto como correto) mas no fato de que não se recebe as decisões políticas que se quer. A autonomia neste caso toma então a forma de resignação, ocorrendo a renuncia de idéias, que política e administrativamente não são realizáveis. Mas Luhmann vê uma saída no fato de que vem se criando redes que alcançam os partidos políticos e a administração educacional. Correspondentemente a política educacional e a universitária é parte importante da política simbólica, onde se podem comprovar atividades no nível das falas e decisões.

Mesmo assim, afirma Luhmann, o sistema educacional permanece no nível operativo do ensino, autônomo. O quanto o ensino é bom ou ruim só pode ser decidido no nível das interações. Assim separam-se os sistemas regulativos, sistemas de política simbólica e sistema de interação do ensino; “e a unidade

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dessa diferença toma a forma da ilusão, de que se poderia controlar idéias e a regulação da ação no ensino”. Luhmann concluí esta análise afirmando “não negamos que a distribuição de recursos e, principalmente, a definição das disciplinas tem seus efeitos. O problema é que não se sabe como as distribuições destas regulações resultam em distinção no sistema educacional. A ilusão de controle que une os sistemas e sem a qual o sistema educacional não teria motivos para buscar determinar decisões políticas, não é fácil se for reconhecida. Aqui trata-se do paradoxo de dependência e independência” (Luhmann, 2002:

p.131).

Outra relação com o ambiente investigado por Luhmann é do sistema educacional com a ciência, a qual não vamos aprofundar aqui. Cabe ressaltar apenas que, para Luhmann, a ciência é o principal recurso da educação, pois a intenção de ensinar bem, deve-se apoiar em conhecimentos verdadeiros e pela verdade no mundo moderno é a ciência que é responsável. O ensino depende de resultados da pesquisa científica;

Concluindo, Luhmann observa que não há “provas” para uma nova ordem social, mas chama atenção que diferentes relações internas de sistema seguem o mesmo modelo. Sob o regime de diferenciação funcional os sistemas funcionais são autonomizados, mas ao mesmo tempo mantém-se dependentes. Os sistemas devem pressupor não apenas que todas as outras funções sejam adequadamente preenchidas em outros lugares, mas também que há uma dependência específica entre eles.

A dotação de sentido interna toma a forma de paradoxo, que então se desdobra em diferenças, com as quais o sistema trabalha internamente. Neste nível não há mais concordância, a não ser na forma de paradoxo. Cada sistema precisa administrar seus próprios paradoxos.

Se se pretende descrever a sociedade moderna a partir destes aspectos, afirma Luhmann, consegue-se um quadro confuso. Cada sistema parcial oscila no contexto das diferenças que para eles são importantes e produz com isso estruturas dissipativas que precisam ser autônomas e, de acordo com as

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possibilidades de auto organização sistêmica, precisam ser construídas e desconstruídas. Tendo por base um sistema de interação pouco influenciável, o sistema educacional é relativamente resistente a tais flutuações.

Outro aspecto complexo abordado por Luhmann é o da inclusão de pessoas na sociedade que com a diferenciação dos sistemas funcionais coloca-se de uma nova maneira. Como não existem mais posições de status atribuídos de forma rígida, a regulação da inclusão é deixada para os sistemas funcionais. A ideologia da liberdade e da igualdade afirma que cada um deve ter acesso a todos os sistemas funcionais. No decorrer do século XVIII desloca-se a educação, de uma educação doméstica, para uma educação pública. Luhmann observa que no início do século a educação era vista como responsabilidade dos pais e no final do século, ao contrário, é acentuada a educação pública, tratada como oferta ampla. Assim, para ele, o problema da inclusão não pode ser resolvido apenas através dos direitos. A inclusão em todos os lugares é regulamentada através da obrigatoriedade escolar. A fundamentação desta intervenção na vida privada da família é complexa e também é difícil a efetivação desta obrigatoriedade.

A inclusão no sistema educacional é um caso especial porque precisa dispor não só sobre a pessoa, mas dada a dependência de interação com a escola, sobre o corpo das crianças. Em última análise a inclusão é sempre inclusão de pessoas na sociedade.

A partir de uma regra geral da teoria dos sistemas, aponta Luhmann, a diferenciação de um sistema é um pressuposto necessário para cada diferenciação interna, ao mesmo tempo, vale também o contrário, que cada diferenciação interna fortalece a diferenciação. A diferenciação interna do sistema educacional pode, assim, ser descrita como um acontecimento evolutivo que reage a condições externas, por exemplo o aumento de complexidade e a mobilidade espacial no sistema social, mas também segue pontos de vista internos do sistema. A diferenciação interna pode se dar a partir de diferentes pontos de vista, por exemplo idade, desempenho dos alunos, diferenças das disciplinas; também pode se dar com diferenças de escolas, a partir de um modelo

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de educação geral e de educação profissional, o que levou a separação entre escolas e escolas profissionais. A unidade que está disponível para a diferenciação é a sala de aula. A utilização da sala de aula como ponto de referência da diferenciação, tem a vantagem que o sistema, com isso, de modo relativamente fácil pode reagir à expansão: vai organizar novas classes.

Pela diferenciação o sistema educacional ganha um espaço, a partir do qual ele próprio pode observar e descrever a sociedade. Assim, é possível, segundo Luhmann fazer reflexões sobre as mudanças sociais na escola. Torna-se possível reconhecer necessidade de mudança. Pode-se atribuir a cada um ou a semântica alienação/emancipação que precisa, ser explicada a partir das estruturas sociais.

O sistema educacional se vê desafiado por tais problemas, pela influência nas gerações futuras de dar uma contribuição para as soluções destes problemas, que, em verdade, não são problemas do sistema educacional.

A diferenciação do sistema educacional é o pressuposto estrutural-social para que a descrição teórico-sistêmica da educação encontre um objeto. É preciso compreender como o sistema educacional mesmo, reage as mudanças estruturais, é preciso reconstruir ou reconhecer as exigências de auto-organização.

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3.2 Socialização e educação

Outra temática que Luhmann desenvolveu em sua teoria trata da relação entre socialização e educação. Luhmann (2002, p.50) parte da seguinte questão: “Como se pode, de modo sério, afirmar que a sociedade é composta por homens,

se os componentes, o conteúdo num tempo relativamente curto, que é medido pela duração da vida dos homens, são trocados completamente? Ou: o que assegura a unidade e a continuidade da existência de uma sociedade, se se precisa contar com o fato, que nenhuma das pessoas hoje vivas, irá contribuir para a sociedade daqui a cem anos?”

Socialização, afirma ele, tem a ver com homens, dos quais não se sabe quais atitudes eles atualizam e como eles agem. Socialização precisa preparar para uma vida permanentemente cheia incertezas.

Para Luhmann, no âmbito da teoria de sistemas é preciso mudar o conceito de socialização. No sistema social – constroem-se “pessoas”. Socialização é sempre auto-socialização e não importação de partículas de cultura no sistema psíquico. Socialização ocorre em todo comportamento social (Luhmann, 2002: p.51). Socialização media condições de comportamento natural e social como óbvios. Educação tematiza o que ela quer alcançar e com isso aponta para o sentido da contingência da constatação: “é, sem dúvida, mas também poderia ser de outro modo. Educação exige não apenas ações, mas também comunicações”.

O conceito de educação não pode ser definido pelo seu conteúdo, nem pela indicação de determinados fins da educação, nem pela indicação de determinados conteúdos escolares. “Definições teleológicas tem a desagradável conseqüência, que uma educação que não alcança seus objetivos, nem foi uma educação”.

“Como educação devem ser consideradas todas as comunicações, que na

intenção de educar, são atualizadas em interações. Com isso fica claro, de um lado o que é excluído do conceito de educação, ou seja, educação sem intenção,

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isto é socialização - o outro lado, não marcado nem iluminado pela forma educação - a socialização; e de outro que educação é sempre a intenção de educar” .

A intenção de educar, para Luhmann, serve como “símbolo” cognitivo, que possibilita coordenar e agregar as comunicações de um sistema. O símbolo “intenção de educar” preenche sua função, quando tem por base uma definição de sistema de interações.

Apesar do conceito de educação, que tem por base a intenção, ter um caráter quase tautológico, mas também por sua robustez e sua não incontestabilidade, há implicações estruturais, segundo Luhmann (2002, p.55-56)

(a) a assimetria de papéis: é preciso esclarecer de quem é a intenção, ou a quem cabe a intenção de educar e a quem não. Com isso resolve-se o problema da dupla contingência. O educador deve contar que o educando procura subtrair-se do subtrair-seu desubtrair-senvolvimento, mas não reagir com uma contra educação. Na educação, não há uma situação aberta de dupla contingência. Ela está na dependência comprometida com a institucionalização social;

(b) outra implicação: que a intenção de educar seja uma boa intenção. Isso exclui não só hostilidades e intenções de prejuízos ou danos, como também um comportamento viciado, colocando suas próprias vantagens. A boa intenção deve ser explicitada, ela deve apresentar os bons objetivos da educação e os programas de ensino como corretos e necessários;

(c) finalmente: uma comunicação só é vista como educação, se ela ocorre num sistema de interações entre pessoas (anwesenden – presentes). Assim, educação não é só comunicação verbal, mas também percepção do que decorre. E é a comunicação que dá sentido e uma estrutura temporal e processual. É ela que constituí as informações como sistema social.

A intenção de educar, na qual a educação se reconhece como educação, se encontra embutida no sistema de interações. A intenção da educação simboliza a unidade do sistema de educação.

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O outro lado da intenção da educação é um lado marcado, a socialização e um lado não marcado, ou seja, todo o resto, que a sociedade aceita como comunicação. A intenção de educar pode ser reconhecida nas ações com as quais o educador procura transmitir conhecimentos e capacidades, para alguém que ainda não as possui ou delas dispõe.

Luhmann parte de um pressuposto que uma e a mesma pessoa, algo não conhece – e conhece. É uma dimensão temporal. O educador não sabe se dará certo, mas ele simplesmente tenta. Dissolve-se um paradoxo do “ainda não”.

Outra dissolução de paradoxo, para Luhmann, ocorre na distinção entre o que é possível de transmitir e não transmitir. Ela também serve como code- código do sistema educacional. O valor positivo transmissível indica as operações do sistema, o valor negativo indica o seu fracasso e serve como valor de reflexão do código (este tema será ampliado no próximo item).Ele é definido formalmente e aberto para tudo que deve ser considerado. Ele é universal e ao mesmo tempo específico – a especificação depende do método que busca ampliar o campo do que é transmissível (nem tudo dá).

Luhmann enfatiza que nenhuma sociedade poderá prescindir de educação. Mas é a “intenção” para educação o cerne da diferenciação. Novamente Luhmann observa que até o século XVIII predominava a educação doméstica, sendo o papel dos pais fundamental. Mas a crescente necessidade de uma possível “boa educação”, foi o ponto de partida para a autonomização das reflexões sobre educação.

O símbolo no qual se reconhece a educação como educação, está disponível de forma ampla e inespecífica. Isto serve como ponto de partida de um desenvolvimento institucional, difícil e moroso, que parte de boas intenções, que pressupõe uma necessidade social correspondente para conseguir o que ainda é indispensável: formação correspondente, salários, independência do status social dos alunos, prédios, material de instrução, etc.

Na perspectiva teórico-sistêmica, isto significa que a intenção de educação é uma fórmula de autonomia, através da qual pode ser legitimado o excesso de

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possibilidades de comunicação. Por isso, só então o sistema educacional é referido à auto disciplina; a auto organização, método e auto consciência profissional dos pedagogos.

Para Luhmann, o século XVIII foi considerado como o século pedagógico. Mas questiona o autor “deve-se deixar tudo para as boas intenções dos pedagogos?” A intenção serve como o símbolo para um procedimento de diferenciação, que provoca a formação de um novo sistema.

Das boas intenções, no entanto, ocorrem, duas conseqüências desiguais: educação e seleção. Novamente, Luhmann retoma a questão da seleção. A seleção não pode ser evitada. A seleção já está estabelecida na cultura escolar. A formalização dá-se através das notas e provas, que podem ser atingidas ou não.

Tratar a seleção de forma justa pressupõe possibilidades de comparação e essas são favorecidas através dos dados. A comparação deve ser refletida: por que comparar – o que fazer com os resultados? E deve-se considerar não apenas a igualdade, mas também a desigualdade.

Mas como o educador sabe se sua intenção é objetivamente correta e boa? O que explica a crítica veemente com relação a seleção como peso e como uma influência nociva, prejudicial à tarefa verdadeira da educação?

O desenvolvimento de seleção inicia-se no século XIX, com a introdução do sistema de classes, que passa a exigir decisões sobre avanço ou repetência, com base em notas.

O resultado da construção de uma rede de seleções formalizadas pode ser caracterizada, segundo Luhmann (2002: p.67), em alguns pontos:

- a seleção é desvinculada de camadas sociais. Embora, a neutralização da origem social não seja alcançada totalmente, as estatísticas revelam que criança de melhores famílias, têm mais chances no sistema de seleção;

- os resultados da seleção são anotados e formam uma memória de sistema, que possibilita esquecer o resto;

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- os resultados do processo de seleção servem como indicadores para o sucesso ou insucesso da educação;

- a rede da seleção reveste o sistema de educação de incerteza auto produzida;

- enquanto a educação opera na base do bom e do certo, a seleção aparece como decisão;

- os resultados da seleção tem por base a dissolução de um paradoxo. A transparência dos resultados e a intransparência do procedimento de decisão.

A distribuição de posição não se dá mais a partir de critérios de origem, mas são intermediados através da carreira. A escola passa a ser central para chances em situações futuras, mesmo que ela não consiga determinar, como serão as carreiras futuras. Ocorre uma mudança na integração social de origem, para carreira, isto é, para o futuro.

Isto deve-se à mudança no sistema social que dissolve todas as garantias de posições por nascimento, em função do primado da diferenciação funcional e que deixa a qualidade da inclusão dos indivíduos na sociedade, a critério dos sistemas funcionais.

Um outro aspecto criticado por Luhmann refere-se ao que ele considera um dos erros mais importantes da tradicional teoria dos sistemas que consiste em considerar o educando como uma máquina trivial. Estas se caracterizam por uma regulação constante: reagem a um determinado input produzindo um determinado

output, e não tem em conta sua respectiva situação. As “máquinas não triviais”,

pelo contrário, não respondem sempre da mesma maneira, senão que o fazem segundo seu estado momentâneo. A uma pergunta em determinadas ocasiões respondem de uma forma e às vezes de outra. São menos seguras que as triviais, mas são mais flexíveis. Todos os sistemas psíquicos (crianças, educandos...) são máquinas não triviais: “parece que em todo o mundo deveria estar de acordo aqui,

mas nem pedagogos, nem professores, nem educadores na prática o levam em conta, e tratam o educando como uma máquina trivial. Provavelmente isso resulta

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mais fácil, dado que estas são mais cômodas de observar e de avaliar” (Luhmann

& Schorr, 1990: p.59).

É evidente, segundo Luhmann que todos os sistemas psíquicos, todas as crianças, todos os estudantes e educandos são máquinas não triviais. Nisto estão de acordo todos os pedagogos. Mas o fato certo, como mostra Luhmann, é que, em nome da segurança e confiabilidade eles tratam os educandos como máquinas triviais, em lugar de dar maior liberdade de movimento a eles, de permitir uma maior insegurança em sua relação com o programa. “O educador se atém a uma

idéia de liberdade entendida como aceitação do necessário, como disposição de fazer por própria vontade o que considera necessário – admite-se a cooperação

Referências

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