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Ser mulher e Ser freira : a vocação religiosa feminina em movimento.

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Academic year: 2021

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“Ser mulher e Ser freira”: a vocação religiosa

feminina em movimento.

Joyce Aparecida Pires1 Resumo:O artigo apresenta alguns apontamentos sobre as mudanças na vocação religiosa feminina católica. Tal fenômeno permite uma compreensão das transformações no campo de estudos da religião e de gênero e viabilizar uma discussão sobre as continuidades e descontinuidades no contexto da vida consagrada edas reproduções simbólicas nas instituições conventuais. A pesquisa de campo foi realizada no convento “P.F.S.C”, localizado na cidade de Candido Mota-SP. A etnografia realizada evidenciou mudanças nas relações entre a constituição social da vocação religiosa e as novas questões relacionadas à identidade de gênero.

Palavras-chave: Vocação. Gênero. Catolicismo. Instituições conventuais.

A proposta deste trabalho foi construída em torno das questões que abrangem a vida consagrada feminina em conventos, que a partir dos anos 70 no Brasil sofreram um grande decréscimo de ingressas. Sendo observado no contexto contemporâneo mudanças e reconfigurações nesse cenário religioso, institucional e social.

Traçando um panorama sociológico sobre o tema, na perspectiva de que as estruturas sociais se transformam ao longo do tempo, como aponta Marshall Sahlins (1999), a partir deste princípio, a vida religiosa está inclusa neste processo de transformações, reconfigurando-se, ressignificando valores e alterando as formas de motivações que orientam jovens para a vida religiosa e a relação dos mesmos com essas instituições. Assim, a vocação religiosa feminina também está imersa nesses processos (cf. FERNANDES, 2007). Fernandes (apud MENEZES, 2013), em suas pesquisas, constatou que as congregações com atividades em creches e escolas estão a diminuir, ao passo que o número de irmãs de clausura2 está a crescer, uma resposta seria dizer que há jovens que buscam um sinal que as distinguem dos símbolos do mundo, pela radicalização da sua escolha.

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Graduanda do curso de Ciências Sociais Unesp – Marília. Resumo de trabalho de pesquisa de Iniciação Científica com apoio de bolsa FAPESP. E-mail: cravinajoyce@gmail.com.

2 Onde há um recolhimento total das religiosas para dedicarem-se suas vidas à obra de

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2 Se, a vocação está em transformação no decurso do processo histórico, entendo que o imaginário social e os princípios religiosos vão sendo transmitidos e internalizados de maneiras diferenciadas dos de outrora (GINSBURG, 2001) dando a destacar os dados divulgados no “Mapa das Religiões”, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010), mostram que os fiéis católicos encolheram em números absolutos, em 2010 havia quase 1,7 milhão de católicos a menos que em 2000, se por um lado existe a constatada a crise de vocação religiosa, por outro ângulo, ainda existem jovens que optam pelos votos de castidade e por este estilo de vida vocacionada para o trabalho religioso.

Parto do instituto das “Pobres Filhas de São Caetano”, localizado no interior do estado de São Paulo, na cidade de Cândido Mota, com população estimada de 29.884 habitantes, (IBGE 2010). O instituto fica na avenida principal da cidade e abrange todo o quarteirão junto da creche e do asilo, nos quais as freiras trabalham. A sede do instituto fica em Pancariele, região do Piemonte,na Itália.

O fundador da congregação foi o padre João Maria Boccardo, que em 1884, devido a uma grande epidemia vinda da França e, com a ajuda do governador de Turim, criou uma instituição destinada a cuidar dos doentes. Este movimento mobilizou em torno de 30 mulheres religiosas, que foram convocadas para zelar e cuidar daqueles que sofriam da epidemia, entre elas o grupo de moças da Pia União e Filhas de Maria. No mesmo ano, no dia 21 de novembro, as mulheres religiosas se consagraram a Deus para continuar seus trabalhos missionários, nomeando a instituição religiosa de “Pobres Filhas de São Caetano”, a pedido do padre, tornando-se a primeira casa e sede da congregação, que hoje tem suas filiais no Brasil, na África, na Argentina e no Equador. – Sobre a implantação do instituto das “Pobres Filhas de São Caetano” no Brasil, inicialmente se instalou na cidade de Assis-SP, com distância aproximada de 11 quilômetros de Cândido Mota. Hoje, após a transferência para a cidade vizinha, Cândido Mota (em 1963), as irmãs trabalham oferecendo assistência ao abrigo dos idosos e também em uma das creches da cidade, a “Casa da Criança Nossa Senhora das Dores”. Atualmente, o instituto também está presente nas cidades de Jacuíba (MG) e Marilena (PR). A unidade de Cândido Mota, em particular, é a única do país que recebe mulheres para a formação internacional religiosa a pedido da Igreja.

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3 Em períodos históricos, entrar para o convento exigia circunstâncias diferentes, a ingressante socialmente já era considerada uma freira; atualmente as ingressantes passam por um período maior de preparação, são no mínimo três anos em que a jovem se prepara e mais que tudo, reflete, sobre a decisão em fazer os votos definitivos. Hoje em dia, existe uma flexibilização na delimitação deste tempo de formação. Segundo a Irmã C., 62 anos, as chamadas “aspirantes”, que, “estão aspirando esta vida em comunidade”. Durante as minhas visitas feitas no convento, soube também, que algumas destas aspirantes são jovens africanas que, vieram para a instituição para se dedicarem aos estudos e às obras religiosas, a fim de tornarem-se freiras.

No objetivo de abordar uma instituição como o convento, lido com uma estrutura organizacional, numa fundamentação ideológica baseada no absoluto e na verdade. Neste sentido, a romanização ao controlar as doutrinas e reorganizar a igreja católica no Brasil, domesticou os sentidos da vida religiosa. Diferente de mulheres que viviam em suas casas recolhidas, verdadeiras “beatas coloniais” (MOTT, 1997), a partir do século XIX no Brasil para ser freira precisava estar de acordo com as exigências da igreja, já não era mais possível à consagração sem a instituição. Surge a necessidade de estruturar a instituição diretamente relacionada com a consagração local e das mulheres.

No que diz respeito à vocação religiosa feminina, inserida no contexto da “crise de transmissão” dos valores religiosos (HERVIEU-LÉGER, 2008)3

, parto de alguns depoimentos das irmãs para examinarmos em suas falas os significados que atribuem ao chamado religioso. Para a irmã G., de 62 anos, o chamado para a vida religiosa foi algo despertado desde sua infância: com nove anos fez a primeira comunhão, e durante este período foi inspirada pelo estilo de vida fervoroso de uma Irmã que ministrava a catequese; foi quando começou a se identificar com o chamado, como ela disse, “aquilo sempre ficou na minha cabeça” (Irmã G., 62 anos).

No início de 2013 houve a desistência de uma freira que se dedicava aos trabalhos missionários extras conventuais, tendo forte envolvimento com os jovens

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Partimos da noção de que “se o ideal da transmissão pretende que os filhos sejam a imagem perfeita dos pais, é claro que nenhuma sociedade jamais o atingiu, simplesmente porque a mudança cultural não cessa de agir, inclusive nas sociedades regidas pela tradição. Não há, nesse sentido, transmissão sem que haja, ao mesmo tempo, uma crise de transmissão” (Hervieu-Léger, 2008, p. 58).

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4 ligados a RCC. Apenas 18 irmãs, desde a fundação do convento em Cândido Mota, continuam consagradas a vida religiosa, dentre elas, nem todas permanecem na cidade, algumas seguem suas vidas celibatárias noutros lugares.

Essa “crise de vocações religiosas femininas” apresenta-se como uma preocupação entre as freiras. Partindo da noção de capital religioso formulado por Bourdieu (1998), pressupomos que um dos motivos que afligem as irmãs, está ligado à dificuldade da instituição em ser atrativa para as mulheres das últimas gerações, assim, afirma Irmã R., “Parece que as jovens têm medo de assumir algo definitivo como, o casamento, a vida religiosa; agora é tudo imediato. Essa mentalidade da sociedade não permite”(Irmã R. 63 anos). Seu depoimento demonstra uma preocupação na continuação da congregação, pois como já acontece na sede, as Irmãs já estão com idade muito avançada não havendo grandes procuras não há novas ingressantes, a transmissão do capital religioso adquirido entra em crise, passando a ficar comprometido, a instituição passa a sofrer com a falta de mão de obra para o trabalho religioso e numa perspectiva local, acaba por atingir os serviços sociais prestados a cidade.

A análise em um convento de mulheres mostrou os reflexos transparentes da dominação masculina que ainda estão presentes em nossa sociedade, seguindo os caminhos teóricos apontados por Bourdieu, tive a oportunidade de compreender dentro do campo religioso esta dominação e sua reprodução cultural através da instituição religiosa, na prática; onde os gêneros, longe de serem simples “papéis”, estão inscritos nos corpos e em todo um universo do qual extraem sua força, os princípios de perpetuação das relações de força materiais e simbólicos, inclusive as de dominação de gênero, se exercem essencialmente a partir de instituições como a Igreja, a escola, ou como a própria ação do Estado,porque a elas pertencem o fato em comum de agirem sobre as estruturas inconscientes.

Na Assembleia Plenária da União Internacional das Superioras Gerais, realizada em maio de 2013, em Roma, Papa Francisco disse que sem as Irmãs, faltaria o carinho, a maternidade, a ternura, a intuição das mães na Igreja.Neste sentido, de acordo com Bourdieu (2011), a religião cumpre uma função de conservação da ordem social – como na ordem do papel de gênero dito pelo papa – através da sua própria linguagem, objetivamente ajustadas a uma visão política do mundo social.

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5 Uma melhor compreensão das mudanças, não só da condição das mulheres, mas nas relações entre os sexos, cabe uma análise das transformações dos mecanismos e das instituições encarregadas de garantir a perpetuação da ordem dos gêneros, neste caso em específico, a pesquisa aponta para as instituições conventuais onde a reprodução material e simbólica em parte é oriunda de ordens da Igreja, na qual, os postos de poderes são ocupados majoritariamente por homens. E, concomitantemente, devido a eventualidades como esta (por exemplo, a crise do catolicismo, a emancipação feminina das últimas décadas, a dificuldade imposta pela vida monástica, etc.), os significados sociais sobre a vocação religiosa passam a ser alterados, pois, como afirma Sahlins, “os significados culturais, sobrecarregados pelo mundo, são assim alterados.

Referências bibliografias

BOURDIEU, Pierre. (1990). Das regras às estratégias. In: Coisas ditas. São Paulo, Brasiliense, 1990. pp. 77-95.

_______. (2011). Gênese e estrutura do campo religioso. In: Economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva. pp. 27-69.

FERNANDES, Silvia Regina Alves. (2007). Impasses da vida religiosa em contexto multicultural: interpelações sociológicas sobre demandas de identidade. Cadernos de Ciências Humanas, v. 10, n. 18, jul/dez, pp. 679-701.

GINZBURG, Carlo. (2001). Ecce: sobre as raízes da imagem de culto cristã. In: Olhos de madeira: nove reflexões sobre a distância. São Paulo: Companhia das Letras. p. 104-122.

HERVIEU-LÉGER, Danièle. (2008). O peregrino e o convertido: a religião em movimento. Petrópolis: Vozes.

MOTT, Luiz. (1997). Cotidiano e vivência religiosa: entre a capela e o calundu. In: SOUZA, Laura de Melo e (org.). História da vida privada no Brasil. Vol. 1: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras.

SAHLINS, Marshall. (1999). Ilhas de História. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editor. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – Mapa das Religiões no Brasil 2012. Disponível em:

http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=174 4&id_pagina=1. Acessado em: 14/08/2012.

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