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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO FACULDADE DE COMUNICAÇÃO E ARTES GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL HABILITAÇÃO EM JORNALISMO

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Academic year: 2021

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FACULDADE DE COMUNICAÇÃO E ARTES

GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL – HABILITAÇÃO EM JORNALISMO

VITÓRIA GOMES PEREIRA DA SILVA

JORNALISMO ONLINE E NEOPOPULISMO: BOLSONARO E A COBERTURA DA FOLHA NO INÍCIO DA PANDEMIA DE COVID-19

CUIABÁ 2020

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VITÓRIA GOMES PEREIRA DA SILVA

JORNALISMO ONLINE E NEOPOPULISMO: BOLSONARO E A COBERTURA DA FOLHA NO INÍCIO DA PANDEMIA DE COVID-19

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Mato Grosso, para obtenção do título de bacharel em Comunicação Social, habilitação em Jornalismo, sob orientação da Profª. Drª Tamires Coêlho e coorientação do Prof. Ms. Carlos Rocha.

Cuiabá 2020

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VITÓRIA GOMES PEREIRA DA SILVA

JORNALISMO ONLINE E NEOPOPULISMO: BOLSONARO E A COBERTURA DA FOLHA NO INÍCIO DA PANDEMIA DE COVID-19

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Comunicação Social/Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso como requisito parcial para a obtenção do título de bacharel em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo. Cuiabá 19 de Maio de 2021.

BANCA EXAMINADORA:

___________________________________________ Prof. Dr. Luãn José Vaz Chagas

(Examinador)

___________________________________________ Prof. Dr. Bruno Araújo

(Examinador)

___________________________________________ Prof. Ms. Carlos Augusto de França Rocha Junior

(Coorientador)

___________________________________________ Profª. Drª. Tamires Ferreira Coêlho

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Aos meus pais, por sempre acreditarem em mim e por serem meus exemplos para prosseguir durante minha jornada.

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AGRADECIMENTOS

Meu profundo e mais sincero agradecimento aos meus pais, Silvia Gomes Pereira da Silva e Edson Luiz da Silva, por serem minha inspiração e por me ajudarem a ser a pessoa que sou hoje. Sem o apoio e a dedicação dos senhores, que nunca se curvaram diante das dificuldades, eu não seria capaz de realizar meu sonho de concluir este curso. Vocês são meus pilares.

Agradeço também aos meus irmãos, Edson Luiz da Silva Junior e Lívia Gomes Pereira da Silva, que sempre me protegeram e encheram minha vida com a mais pura alegria nos nossos momentos juntos. Vocês são meu orgulho.

À minha melhor amiga e irmã de coração, Nássara Letícia Müller Pinheiro, que esteve ao meu lado desde sempre nos momentos bons e ruins e que me acolheu durante todo processo de escrita deste trabalho. Nossa amizade ilumina meus dias. Obrigada por acreditar em mim quando nem eu mesma acreditei.

Ao restante da minha família, que me ensinou sobre união e força nos mais diversos momentos. Em especial à minha prima, Karla Regina Silva, que tenho como porto seguro e me espelho desde criança.

Às minhas companheiras de curso, Liz Paola Brunetto e Tylcéia Tyza Ribeiro Xavier, que estiveram ao meu lado nos melhores e piores momentos durante nossa jornada na graduação. Nunca vou esquecer esses anos que estudamos juntas.

À minha amiga do ensino médio, Glenda Laysa Sousa, que mesmo de longe me deu todo o apoio possível neste momento de conclusão de curso.

A todos os professores que puderam partilhar comigo seus conhecimentos que foram essenciais para saber tudo que levo comigo hoje. Em especial, à minha orientadora, Tamires Coêlho, e ao meu coorientador, Carlos Rocha, por me guiarem nos momentos de dificuldade e me ajudarem a concluir este capítulo importante da minha história. Agradeço pela paciência, pelos conselhos, pela motivação e, principalmente, pela empatia que me auxiliou a seguir quando achava que não seria possível.

À Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), pela oportunidade de realizar meu sonho de estudar nesta instituição, que foi minha segunda casa durante pouco mais de quatro anos. As lembranças boas que vivi serão sempre lembradas com saudosismo eterno.

E também a Deus, por sempre ouvir minhas preces nos momentos mais angustiantes e me mostrar que no final tudo vale a pena.

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Algo que a escola de medicina não ensinou A filha de alguém, a mãe de alguém Segura sua mão através do plástico agora Doutor, acho que ela está desmaiando E sobre algumas coisas você simplesmente não pode falar Apenas vinte minutos para dormir Mas você sonha com alguma epifania Apenas um único vislumbre de alívio Para entender o que você viu

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RESUMO

O objetivo desta monografia é refletir sobre a cobertura jornalística da pandemia de Covid-19 no Brasil, atravessada por conflitos entre a mídia e o governo neopopulista. A partir da Análise de Conteúdo, são analisadas 58 notícias do site da Folha de S. Paulo, publicadas na editoria Poder, sobre as declarações feitas pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, diante do cenário de pandemia. A seleção de notícias contempla as semanas de registro da primeira e da milésima morte por Covid-19 no país, registradas em março e abril de 2020. Neste período, constata-se que Folha age de forma contraditória, ao alternar entre legitimar e descredibilizar as declarações desinformativas do presidente da República em sua cobertura. Por outro lado, Bolsonaro se beneficia do jornalismo declaratório com maestria, desviando de assuntos sérios e urgentes para dar lugar a pronunciamentos e frases de efeito replicados nas redes sociais por trazerem elementos inusitados ou quebra de decoro.

Palavras-chave: Neopopulismo; Jornalismo declaratório; Covid-19; Bolsonaro; Folha de S. Paulo.

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SUMÁRIO

1.INTRODUÇÃO………..……….8

2.FOLHA DE S. PAULO………..………..……….………....12

2.1 Cobertura de saúde na Folha….……….………..22

2.2 Histórico da Covid-19.……….…..………..27

3.MÍDIA E POPULISMO…….……….………..………….…...34

4.JORNALISMO ONLINE ………..……..45

4.1 Seleção das fontes……...……….……….50

4.2 Jornalismo declaratório………53

5. METODOLOGIA ………...………60

5.1 Elaboração da tabela……….63

6. ANÁLISE DA COBERTURA DA FOLHA NO INÍCIO DA PANDEMIA………...67

6.1 Autoritarismo e elementos populistas………...72

6.2 Aspectos da crise sanitária e repercussão………..……...75

6.3 Legitimação de Bolsonaro……….………...78

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS………..……….84

8. REFERÊNCIAS………..……….91

APÊNDICE A – TABELA ……….……100

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1. INTRODUÇÃO

Esta pesquisa tem o objetivo de analisar o conteúdo das matérias produzidas pela Folha de S. Paulo online e publicadas na editoria de Poder sobre as declarações feitas pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, diante do cenário de pandemia global de Covid-19. O período escolhido para compor o corpus da pesquisa é constituído por dois momentos: a semana em que se registrou a primeira morte em decorrência do novo coronavírus no Brasil, de 10 a 17 de março de 2020, e a semana que registrou a milésima morte por Covid-19 no país, de 3 a 10 de abril de 2020.

Tratar sobre este tema se mostra relevante pela questão social enfrentada no Brasil durante a crise sanitária gerada pelo novo coronavírus, já que centenas de milhares de brasileiros perderam a vida para a doença e outros milhões já foram infectados no país. O primeiro caso de Covid-19 foi descoberto no Brasil ainda em fevereiro, logo após o tradicional feriado de carnaval, iniciando um cenário caótico já anunciado por outros países que estavam com crescente número de infectados.

A contaminação pelo vírus começou a ser identificada pela primeira vez em dezembro de 2019, na província de Hubei, mais especificamente na cidade de Wuhan, localizada na China. Ao perceber que se tratava de um vírus extremamente contagioso, estudos começaram a ser desenvolvidos e, com eles, especialistas descobriram que o novo coronavírus se tratava de uma doença respiratória, transmitida pelas mucosas nasais, bucais e oculares da pessoa infectada. Pouco menos de 3 meses depois dos primeiros casos registrados de Covid-19, a Organização Mundial da Saúde (OMS) identificou que o vírus estava se espalhando de forma global e fatal, instaurando em 11 de março de 2020 o estado de pandemia.

Seguindo as medidas de proteção orientadas pela OMS, os brasileiros tiveram seu cotidiano alterado para enfrentar uma guerra contra um inimigo invisível e recém-descoberto. Já não eram mais permitidas aglomerações, diversos estados adotaram a quarentena obrigatória, estabelecimentos não essenciais fecharam e tanto máscaras quanto álcool em gel passaram a ser acessórios imprescindíveis. Além de incerteza e medo, a população brasileira também criou expectativas para saber quais ações seriam tomadas para que o país não ficasse desamparado e terminasse em uma crise geral.

Em meio a este contexto, escolheu-se analisar as declarações de Jair Bolsonaro em seus pronunciamentos aos brasileiros, já que as falas transparecem a postura do Governo Federal e do presidente no início da pandemia. Além disso, também se reflete sobre de que forma isto repercutiu na vida da população, procurando perceber se, de alguma maneira, esta

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postura do líder do país contribuiu para a progressão de desinformação sobre a Covid-19 no Brasil e para a minimização da gravidade do vírus, que colabora com o negacionismo de parte da população.

Essas declarações são analisadas pela perspectiva jornalística da Folha Online, partindo da busca por compreender de que forma o jornal se apropriou destas falas na cobertura de política antes de a crise sanitária se agravar em território nacional e no início do crescimento de mortes pela pandemia. Esta escolha foi feita porque é importante observar como o jornalismo online brasileiro moldou uma cobertura de pandemia para noticiar um acontecimento de proporções, até então, inéditas. Também é relevante para entender quais foram os critérios no momento da escolha de fontes, como foi informar sobre um vírus recém-surgido em meio ao imediatismo da internet e à dificuldade de apuração presencial diante das recomendações de isolamento social.

Da perspectiva jornalística, também é importante compreender de que forma se comporta um jornal de credibilidade em meio às incertezas de informações que chegam no começo de uma pandemia. Há espaço pra diversidade de vozes nas notícias da editoria de Poder? Como se pauta a Folha de S. Paulo no início da crise no país? O jornal abre brecha para propagar a desinformação por meio das declarações do presidente? Essas são algumas incógnitas que, pelas análises, foi possível esclarecer no decorrer do desenvolvimento do trabalho, e que são fundamentais para a compreensão parcial de como a Folha realiza o jornalismo online com todas as adversidades atuais, como sucateamento das redações, acúmulo de funções por parte dos jornalistas e da pressão da necessidade contínua de postar notícias.

Pessoalmente, pesquisar o tema é a realização do desejo de estudar mais sobre o jornalismo político e compreender de que forma ele é explorado pelo jornalista em circunstâncias adversas, como em uma pandemia. A Folha Online foi a escolha principal pela sua trajetória centenária, que já abordou jornalisticamente diversas situações ao longo dos anos, mas, assim como todo mundo, se encontrou em um cenário atípico de cobertura jornalística. Dessa forma, também existe o interesse de estudar como ela usou essa memória e acionou experiências anteriores para informar em meio a um contexto incerto e com poucas informações disponíveis sobre a situação pandêmica.

Além disso, interessa não apenas observar como o jornal online enfrentou o início da pandemia e lidou com questões da cobertura de saúde e de política se fundindo, mas também como ele lidou com o presidente Jair Bolsonaro, já que, desde antes de exercer seu mandato, criou-se um embate entre o político e os meios de comunicação que dura até os dias de hoje.

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Principalmente pelo fato de o líder se recusar a colaborar com as coberturas de jornais que não sejam declaradamente apoiadores do governo e constantemente colocar à prova a credibilidade da imprensa que questiona suas ações. A compreensão e análise destas características políticas do presidente da República no trabalho são essenciais para levantar o debate sobre a postura de figuras neopopulistas no poder.

Além destes pontos, a pesquisa se sustenta pela relevância do aspecto científico das análises, já que cada dado qualitativo e quantitativo analisado, cada ponto trabalhado teoricamente, considerando as particularidades percebidas ao longo desta pesquisa, servirá, posteriormente, como subsídio para futuros trabalhos sobre a cobertura do início da pandemia de Covid-19. Apesar de o trabalho não ter a intenção de responder a todos os questionamentos sobre a cobertura do jornalismo online em meio ao novo coronavírus, as informações contidas nesta pesquisa já são válidas para auxiliar a compreender parcialmente o que foi a pandemia no Brasil e como isso afetou a imprensa e a política nacional.

Com este intuito, a pesquisa aborda, expõe, examina e reflete sobre as particularidades da cobertura jornalística da Folha Online durante este período pandêmico. Para isso, foram coletadas 58 matérias das duas semanas que compõem o corpus da pesquisa, classificadas em uma tabela (Apêndice A), separada pelos meses de março e abril. Os dados desta tabela são a base para avançarmos em uma análise de conteúdo, partindo dos conceitos de Laurence Bardin e de uma adaptação da organização e codificação (Apêndice B) das tabelas feitas pelo Monitoramento Global de Mídia1 (The Global Media Monitoring Project) em 2020.

No trabalho ainda se observam aspectos teóricos a partir de Luciana Mielniczuk e Marcos Palácios sobre jornalismo online, caracteriza-se a cobertura de saúde da Folha Online baseando-se em estudos de Bernardo Kuscinsky, bem como de Ariadna Straliotto e Lilian Muneiro. Há ainda uma contextualização do histórico obtido até o início de 2021 da Covid-19 no Brasil. Abordam-se também as questões sobre populismo e neopopulismo apoiando-se em fundamentos do filósofo Ernesto Laclau e dos pesquisadores Helder Prior, Alexandre Nervo e Francisco Antonelli, aliados a uma análise de discursos militares e autoritários da escritora Freda Indursky. Além disso, são trazidos conceitos do populismo midiático de Gianpietro Mazzoleni e a problematização da normalização dos discursos por meio do autor Michal Krzyżanowski.

No decorrer da pesquisa ainda será discutida a seleção das fontes, baseada em ideias de Nilson Lage e Nelson Traquina, com a inserção de conceitos do autor Lorenzo Gomis, ao

1 Guias, tabelas e materiais de codificação estão disponíveis em: https://whomakesthenews.org/monitoring-methodology-guides-and-coding-tools/ .

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falar sobre pseudo-fatos e a seleção de políticos como fonte. O jornalismo declaratório também será exposto com fundamentos das pesquisadoras Evelina Gonçalves, Ariane Berlardin e de Wanderley Garcia.

O capítulo a seguir vai tratar sobre a história da Folha se S. Paulo, sua cobertura sobre saúde e o histórico na Covid-19 no Brasil. No terceiro capítulo, o assunto abordado será mídia e populismo. Já no capítulo subsequente, o jornalismo online será discutido, assim como aspectos da seleção das fontes e características do jornalismo declaratório. O quinto capítulo é dedicado à metodologia da pesquisa. No sexto capítulo serão realizadas as análises dos dados coletados, observando aspectos de autoritarismo e elementos populistas, crise sanitária e repercussão, além da legitimação de Jair Bolsonaro. Procederemos às considerações finais na sequência.

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2. FOLHA DE S. PAULO

Segundo informações da própria Folha2 ([2020?a]), a empresa teve início no começo dos anos 20, ao ser fundada no dia 19 de fevereiro de 1921 pelos sócios Olival Costa e Pedro Cunha. À época, o jornal era chamado “Folha da Noite” e tinha como objetivo noticiar as deficiências dos serviços públicos, lançar campanhas que incentivavam o voto secreto e apoiar o tenentismo e o Partido Democrático, que eram algumas das principais pautas do período.

Em estudos feitos pela pesquisadora Camila Pessoa (2020) é possível notar que a Folha, desde sua fundação, nunca teve uma linearidade em relação às políticas adotadas na empresa. Ao contrário, ela adaptava-se e seguia a linha editorial constituída conforme os ideais empregados por seus respectivos proprietários, como podemos ver no decorrer dos anos seguintes.

[…] Não podemos negar que seu conteúdo jornalístico "deve" ser marcado por valores atribuídos pelos jornalistas. Mas também não podemos deixar de perceber que há um “controle" sobre seu dizer. Por maior controle que se faça do seu discurso na tentativa de alcançar uma neutralidade, as ideologias aparecem, pois, sendo esse discurso expressão de relações de poder é, por isso mesmo, lugar de resistência […]. (HOLANDA, 2012, p.66-77).

Quatro anos após o lançamento da primeira edição do impresso, foi criada, em julho de 1925, a “Folha da Manhã”, edição matutina de seu antecessor. Tempos depois, em 1931, a empresa foi vendida para o cafeicultor Octaviano Alves Lima, que aproximou “a linha editorial do jornal da atividade cafeeira, dando prioridade à defesa dos interesses da lavoura, lançando campanhas pela saúde pública, defendendo o liberalismo e se opondo ao Estado Novo” (CÍRCULO, [2020?b])3, regime político adotado por Getúlio Vargas no final da década de 30 que pregava o nacionalismo, a centralização do poder e o anticomunismo. De acordo com a empresa, foi neste período também que o jornal aumentou drasticamente sua tiragem, passando de 15 mil para 80 mil exemplares.

Nos anos 40, a Folha passou para as mãos de José Nabantino Ramos, que trouxe mais mudanças à linha editorial do jornal com o objetivo de modernizar a empresa. Implementou-se a imparcialidade como ideal em sua redação.

2 Informações publicadas no site da Folha de S. Paulo, Circulo Folha, [2020?a]. Disponível em:

https://www1.folha.uol.com.br/folha/circulo/historia_96.htm. Acesso em: 26/07/2020.

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Aos poucos, Nabantino e sua equipe foram adotando uma linha editorial diferente, com o propósito de integrar o jornal à nova realidade brasileira, enfocando também os problemas do desenvolvimento urbano industrial. Com isso, o jornal foi se transformando em uma empresa, abandonando de vez o perfil político de um determinado grupo social. As Folhas adotaram ainda a postura de neutralidade, partindo em defesa do desenvolvimento, do progresso e da modernização em linhas bastantes gerais. (ARRUDA, 2007, p.30).

Em 1949 foi fundada a “Folha da Tarde”, que se junta aos dois títulos anteriores. Nos próximos anos do impresso, a expansão das instalações do jornal e a criação do caderno específico de cultura e variedade, “Ilustrada”, foram os destaques. Já no início dos anos 60 acontece a mudança mais significativa do jornal, a fusão das três Folhas que, unidas, formaram o que conhecemos hoje como “Folha de S. Paulo” (FSP). Na mesma década ocorreu outra troca de presidentes na empresa, passando para Caio de Alcântara Machado e, logo depois, seus sucessores, os empresários Octavio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira Filho. (CÍRCULO, [2020?c])4.

Apesar de o posicionamento imparcial ser citado como uma das políticas adotadas pelo jornal, seguindo pela história da empresa até os dias atuais, percebe-se que a Folha tomou e ainda toma partido em diversas situações importantes que marcaram o Brasil ao longo dos anos. Um dos exemplos que pode ser citado é o da ditadura militar, momento caracterizado pelo golpe que instaurou um governo militar no país em 1º de abril de 1964 e que durou até 15 de março de 1985, marcado por sucessivos líderes autoritários e nacionalistas.

Conforme citado por Janete Abreu Holanda (2012), no início do golpe militar, o jornal se mostrou apoiador dos governos autoritários, porém, mudou sua postura quando a própria empresa começou a ser vítima da ditadura, sofrendo com censura em suas matérias e textos opinativos. Nesta transformação editorial, a Folha iniciou seu processo de críticas veladas à ditadura. Um dos métodos que ficou mais conhecido após o fim do golpe foram as receitas culinárias que ocupavam os espaços dos conteúdos censurados pelo governo.

Dentro da história contada pela própria empresa, pouco se fala sobre o período em que a Folha se aproximou e discretamente apoiou o golpe. No entanto, em contrapartida, em sua narração é destacado o fato de ter sido o primeiro jornal a aderir às campanhas das “Diretas Já” (PESSOA, 2020). Apenas 50 anos após a ditadura o jornal se pronunciou abertamente sobre sua postura naquele período. Em um editorial intitulado “Editorial 1964”, a FSP afirmou que o apoio havia sido um erro, porém, atenuou a gravidade da situação ao

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contextualizar e “justificar” seu posicionamento à época como uma consequência das “condições tão mais adversas e angustiosas que as atuais”5 (FOLHA, 2014).

Ainda no editorial, a Folha defendeu a ditadura pela melhora no desempenho econômico, ao afirmar que o período não foi de retrocesso neste aspecto.

Isso não significa que todas as críticas à ditadura tenham fundamento. Realizações de cunho econômico e estrutural desmentem a noção de um período de estagnação ou retrocesso. Em 20 anos, a economia cresceu três vezes e meia. O produto nacional per capita mais que dobrou. A infraestrutura de transportes e comunicações se ampliou e se modernizou. A inflação, na maior parte do tempo, manteve-se baixa. Todas as camadas sociais progrediram, embora de forma desigual, o que acentuou a iniquidade. (FOLHA, 2014).

Tirando proveito do crescimento econômico na ditadura, a empresa seguiu expandindo, momento em que ocorreu o “início da revolução tecnológica e modernização do seu parque gráfico, que colocaram o jornal na liderança da imprensa diária brasileira nos anos 80” (CÍRCULO, [2020?d])6, quando a Folha ganhou o título de jornal com a maior circulação do país. É em 1985, ano que marca o fim da ditadura militar, que o impresso adota seu novo projeto editorial que, segundo o conglomerado (CÍRCULO, [2020?e])7, apresentava um “jornalismo crítico, apartidário, moderno e pluralista”. Neste período seu objetivo principal era obter informações exclusivas e alcançar a excelência do produto.

A partir deste momento em diante, foi perceptível uma tentativa da Folha de afirmar que seguiria o compromisso que assumiu em sua linha editorial após a ditadura, tendo, inclusive, “publicado, em primeira mão, denúncias contra diversos governos, como a compra de votos para aprovação da emenda da reeleição pelo governo FHC ou o mensalão no governo Lula” (PILAGALLO, 2012 apud PESSOA, 2020, p.140). A autoidentificação com uma “postura crítica” não livrou o jornal de tomar partido e apoiar causas que lhe convinham em cada época, tanto nas denúncias que eram feitas a governos, quanto ao exigir a renúncia de Fernando Collor, em 1992, e, posteriormente, apoiando e endossando o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016.

5 A Folha constantemente justifica seus posicionamentos em função de situações que ela chama de crise econômica. Como vemos no exemplo citado, a Folha de S. Paulo já parte do pressuposto de que em 2014 o Brasil vivia uma situação adversa e angustiosa, momento em que ocorria a reeleição de Dilma Rousseff. E isto, mais uma vez, foi usado como justificar o posicionamento da FSP durante aquele ano eleitoral. Dessa forma, o jornal acaba mascarando atitudes tomadas para o benefício próprio. Disponível em:

https://m.folha.uol.com.br/opiniao/2014/03/1433004-editorial-1964.shtml. Acesso em: 26/07/2020. 6 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/folha/circulo/historia_80_84.htm. Acesso em: 26/07/2020. 7 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/folha/circulo/historia_85_89.htm. Acesso em: 26/07/2020.

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Esses posicionamentos ideológicos se deram não só no impresso, mas também no online. Após o processo de se informatizar desde o início dos anos 80, ao se tornar o primeiro jornal da América do Sul a instalar terminais de computadores para a redação e edição de texto, nos próximos anos a empresa intensificou este desenvolvimento. Entre 1993 e 1994, houve a instalação de seu Banco de Dados em uma rede de computadores para armazenar todos os textos publicados pela Folha, além de se tornar o primeiro jornal brasileiro a ter um banco de imagens digital (CÍRCULO, [2020?f])8.

Todo este processo antecedeu o início da Folha de S. Paulo em ambiente online, com a implementação, em julho de 1995, da Folha Web, meio utilizado para publicar as notícias do impresso na internet. Em abril do ano seguinte, foi lançado o Universo Online (UOL) de forma experimental, com acesso aberto a qualquer usuário da internet. Foi o primeiro serviço online de grande porte no país, de acordo com a própria FSP. O site permitia “a ligação com o Banco de Dados para pesquisa, por busca de palavras, de textos integrais publicados na Folha nos últimos três anos” (CÍRCULO, [2020?g])9. Em setembro de 96 também ocorreu outra fusão importante para a Folha, com o Brasil Online (Grupo Abril), outro pioneiro portal de internet no Brasil.

A grande contribuição dessa nova empreitada, chamada UOL, além de agregar sob um mesmo guarda-chuva conteúdos de dois gigantes da comunicação analógica, foi ser responsável pelos primeiros experimentos com vídeos na Internet brasileira. É importante ressaltar que não havia tecnologias consolidadas para produção e transmissão de vídeo. (LIMA, 2007, p.9).

Ao longo de sua história na internet, o design da página da Folha passou por diversas mudanças até chegar ao site que funciona na atualidade. Refletindo sobre a história do jornal no impresso, é possível observar as influências, não só nas matérias veiculadas, mas também no layout nos primeiros anos do site. Antes o design se assemelhava muito com o padrão de um jornal impresso, tanto pela orientação da página, quanto pela disposição das notícias e foco nos textos.

Além do nome diferente, com o tempo, a Folha de S. Paulo começou a abandonar os traços que remetiam o impresso ao atribuir uma valorização maior das imagens e dos vídeos na sua homepage e em suas matérias. Escolha proporcionada pela modernização da tecnologia, como é possível ver nas imagens a seguir.

8 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/folha/circulo/historia_93_94.htm. Acesso em: 27/03/2020. 9 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/folha/circulo/historia_95.htm. Acesso em: 27/03/2020.

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Figura 1: Folha Web – 1995

Fonte: Arquivo Folhapress

Figura 2: Folha Online – 1997

Fonte: Arquivo Folhapress

Figura 3: Folha Online – 2000

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Figura 4: Folha Online – 2007

Fonte: Arquivo Folhapress

Figura 5: Folha.com – 2010

Fonte: Arquivo Folhapress

Figura 6: Folha de S.Paulo – 2020 (Print)

Fonte: Captura de tela do site da Folha

Essa evolução ocorreu de forma progressiva, considerando que FSP é conhecida por valorizar as fotografias que dispõe em suas matérias. Observa-se isso, por exemplo, na foto

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escolhida para estampar a notícia10 sobre o presidente Jair Bolsonaro no dia em que ele compareceu a uma manifestação com aglomeração em meio à pandemia, justamente o momento em que era preciso manter o distanciamento social, reforçando o negacionismo de Jair Bolsonaro em relação às políticas de prevenção ao novo coronavírus. Na imagem, ele aparece tossindo em meio aos seus apoiadores, sem máscara, exemplificando a controvérsia do ato, que poderia ter contaminado centenas de pessoas, caso o líder político estivesse com a Covid-19. Essa perspicácia no uso das fotos é explicada por Boris Kossoy (2009) quando ele afirma que a fotografia não deve ser vista apenas como uma representação visual de acontecimentos, mas sim um meio de manifestação e expressão individual, assim como o significado atribuído pela Folha.

Toda fotografia foi produzida com uma certa finalidade. Se um fotógrafo desejou ou foi incumbido de retratar determinado personagem, documentar o andamento de obras de implantação de uma estrada de ferro, ou os diferentes aspectos de uma cidade, ou qualquer um dos infinitos assuntos que por uma razão ou outra demandaram sua atuação, esses registros – quem foram produzidos com uma finalidade documental – representarão sempre um meio de conhecimento, e conterão sempre seu valor documental iconográfico. Isso não significa, no entanto, que essas imagens sejam despidas de valores estéticos. (KOSSOY, 2009, p.47-48).

Além da evolução de design, após 25 anos da história da Folha na internet, o site do jornal se consolidou como um dos principais veículos de comunicação online e de circulação digital do Brasil, segundo dados do Instituto Verificador de Comunicação (IVC)11. Uma das formas de lucro que o jornal online utilizou, além das publicidades, foi a ferramenta de paywall12, em que restringe o acesso de seus conteúdos para leitores que não são assinantes do jornal.

A ferramenta foi implementada em 2012 pela empresa e manteve parte de seu material bloqueado para leitores que não pagavam a assinatura desde então. No entanto, em 2020, após a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretar o estado de pandemia devido ao novo coronavírus, diversos sites de notícias ao redor do mundo derrubaram seu paywall. A

10 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/03/bolsonaro-deixa-isolamento-do-coronavirus-e-de-carro-participa-de-ato-pro-governo-na-esplanada.shtml.

11 “O IVC Brasil é uma entidade nacional sem fins lucrativos que tem como objetivo fornecer ao mercado dados isentos e detalhados sobre comunicação, incluindo tráfego web, tanto de desktops quanto de smartphones, tablets e aplicativos, bem como circulação, eventos, e inventário e campanhas de mídia out of home”. (IVC Brasil, [2020?]). Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/06/maior-jornal-do-brasil-folha-consolida-crescimento-digital.shtml.

12 “O termo paywall é inglês e pode ser traduzido como ‘muro de pagamento’. Trata-se de uma restrição na qual os visitantes de um site que desejam acessar seu conteúdo devem pagar por isso”. Disponível em:

https://rockcontent.com/br/blog/o-que-e-paywall/#:~:text=Trata%2Dse%20de%20uma%20restri%C3%A7%C3%A3o,conte%C3%Bado%2C%20total%2 0ou%20em%20partes.

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Folha de S. Paulo foi um deles: em 12 de março, liberou acesso de não assinantes a reportagens com informações relevantes sobre a Covid-19 (AO MENOS, 2020)13.

Segundo declaração do próprio conglomerado, o objetivo da decisão foi o de combater as desinformações que circulavam nas redes sociais desde o início das contaminações, ao afirmar que “o jornalismo profissional é antídoto em tempos de fake news e a Folha busca contribuir para que mais brasileiros tenham acesso às notícias confiáveis” (FOLHA, 2020a)14.

No entanto, durante a coleta do corpus da pesquisa com matérias relacionadas à Covid-19 e ao presidente Jair Bolsonaro, foi observado que alguns dos conteúdos ainda estavam restritos para não assinantes do site, indicando que não são todos os materiais vinculados ao novo coronavírus que permanecem liberados ao público. Um dos motivos para este bloqueio pode estar relacionado à exclusividade das coberturas de política feitas pela FSP na editoria de Poder, onde as matérias da pesquisa foram coletadas. A Folha se compromete a manter profissionais colaboradores e contratados em Brasília para manter contato direto com senadores, deputados e acompanhar de perto os passos do governo.

Neste cenário político, vale ressaltar também a importância de contextualizar Folha e Jair Bolsonaro que, há algum tempo, vivem uma relação conflituosa em inúmeros períodos de cobertura política do conglomerado. Em buscas dos registros do jornal foi possível identificar que a FSP acompanha a carreira política do atual presidente desde 1994, quando ele ainda era deputado federal pelo Rio de Janeiro.

Apesar de as notícias citarem o nome do político, ele, na maioria das vezes, não ocupava uma posição de destaque no conteúdo das matérias, porém, quando ocorriam as menções sobre suas atitudes, geralmente não estavam em situações favoráveis. Um exemplo, de 1995, é a pauta de um plebiscito sobre a implementação da pena de morte no Brasil: o então deputado foi citado por ser defensor da aprovação do projeto, posicionamento enfatizado pela seguinte frase, “tem que ser dente por dente, olho por olho” (PROJETO, 1995)15.

Envolvido em polêmicas relacionadas à ditadura, a FSP demonstrou, na seção de opinião, o descontentamento com a maneira com que o político enaltecia o período de golpe e menosprezava a tortura praticada por líderes e pessoas com poder à época. Em um dos

13 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/03/ao-menos-dez-jornais-brasileiros-liberam-conteudo-sobre-coronavirus-a-nao-assinantes.shtml.

14 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/03/folha-libera-acesso-a-textos-com-servicos-relevantes-sobre-coronavirus-a-todos-os-leitores.shtml.

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materiais escritos por Eliane Cantanhêde, em 2000, ela criticou a forma como Jair Bolsonaro minimizava a tortura e expôs momentos em que o então deputado pregou o fuzilamento do então presidente da República e desdenhou do sofrimento que o ex-guerrilheiro José Genoino passou durante a ditadura. O episódio, apesar de ter ocorrido há cerca de 20 anos, se assemelha ao dia em que o político falou para seus apoiadores “fuzilarem os eleitores do Partido dos Trabalhadores (PT)” durante sua campanha à presidência, em 201816.

No final do texto de seu editorial, a jornalista propõe o esquecimento do político, paralelo interessante com a atualidade, já que agora ele é presidente do Brasil.

Apesar de tudo, poucos pedem a cassação do mandato de Bolsonaro, e ninguém pede seu fuzilamento. Até porque o melhor é simplesmente esquecê-lo e à sua loucura. Esquecê-lo, porém, não significa permitir em silêncio que ele degrade ainda mais quem já foi tão degradado. Esquecer Bolsonaro é fácil. Esquecer a tortura é impossível. (FOLHA, 30 jan. 2000)17.

Apesar do desejo da jornalista, as falas criminosas do presidente persistiram. Um dos destaques foi o episódio na Câmara em que afirmou à ex-ministra de Direitos Humanos, Maria do Rosário, que não a estupraria porque ela não merecia. Ou quando, durante o voto sobre o impeachment de Dilma Rousseff, Jair Bolsonaro citou elogiosamente o general Brilhante Ustra, acusado de tortura durante o regime militar (FOLHA, 2016)18.

Mesmo com toda a cobertura destes acontecimentos, a relação conflituosa entre FSP e o presidente tornou-se mais direta e intensa durante a candidatura às eleições em 2018 e em seu mandato como líder político à frente do Governo Federal desde 2019. De fato, Jair Bolsonaro, de forma constante, demonstrava abertamente sua antipatia a diversos veículos da imprensa, atacando profissionais verbalmente e incitando seus apoiadores a também repudiarem os jornalistas, direcionando ataques especificamente a jornais como Folha, Estadão e Globo.

Um dos momentos de repercussão ocorreu no início de 2020, quando o presidente ofendeu publicamente a jornalista da FSP Patrícia Campos Mello e fez uma insinuação sexual contra a profissional ao afirmar que ela “queria dar o furo a qualquer preço”. Em resposta ao ataque contra a repórter, a Folha se pronunciou: “O presidente […] agride a repórter Patrícia

16 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/09/pt-vai-ao-stf-contra-bolsonaro-por-video-em-que-ele-defende-fuzilar-a-petralhada.shtml.

17 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz3001200004.htm. Acesso em: 28/07/2020. 18 Disponível em: https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/1611457396566793-a-trajetoria-de-jair-bolsonaro#foto-1611457396934874.

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Campos Mello e todo o jornalismo profissional com a sua atitude. Vilipendia também a dignidade, a honra e o decoro que a lei exige do exercício da Presidência” (URIBE, 2020)19.

Em inúmeras outras ocasiões o líder também acusou a Folha de S. Paulo de propagar “notícias falsas” sobre ele e políticos do seu governo. “A Folha de S.Paulo é a maior fake news do Brasil20” foi uma das frases proferidas pelo político, dias antes da votação para a presidência, além de afirmar que o jornal estava acabado, após uma denúncia do veículo de comunicação contra ele. Em resposta aos ataques, FSP publicava notas e matérias na editoria de Poder desmentindo as afirmações do presidente, além de publicar textos de opinião sobre a postura do líder, como os intitulados “O presidente contra a imprensa”21 e “Bolsonaro, o pior do sistema”22, dentre outros semelhantes.

Na primeira publicação, a Folha (COSTA, 2018) se caracterizou como “o jornal que mais publicou reportagens críticas” à candidatura de Jair Bolsonaro. No entanto, foi apenas após os ataques diretos do político que FSP começou a rebatê-lo e a tentar mostrar aos seus leitores que, talvez, aquela não fosse a melhor escolha para o comando do Brasil.

Assim como na relação com Lula e Dilma, em que a Folha se mostrou mais crítica ao segundo nome por perceber que seria atingida indiretamente de forma desfavorável pelas decisões do governo, o conglomerado percebeu que a antipatia direta de Jair Bolsonaro também impactaria de maneira negativa no jornal. Por isso, se comprometeu a rebater e expor veementemente os desvios de conduta do presidente ao final de sua campanha política e no decorrer de seu governo. Porém, antes de tomar esta atitude, o jornal vendia a ideia de que o candidato era a melhor solução para o Brasil se livrar da liderança do PT (CIOCCAR; PERSICHETTI, 2019; ARAÚJO; PRIOR, 2020).

Perceber a interação entre o presidente e a FSP na editoria de Poder é fundamental para a compreensão do trabalho, já que esta é a parte que trata sobre a cobertura política da empresa e seus posicionamentos ao longo dos anos. Porém, também é importante entender como funciona a cobertura de saúde feita pela Folha, para saber como funciona a abordagem do jornal e quais mudanças ocorreram durante a pandemia da Covid-19 em relação a outras coberturas de saúde, como veremos no próximo tópico.

19 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/02/bolsonaro-insulta-reporter-da-folha-com-insinuacao-sexual.shtml. Acesso em: 28/07/2020.

20 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/folha-e-a-maior-fake-news-do-brasil-diz-bolsonaro-a-manifestantes.shtml. Acesso em: 28/07/2020.

21 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/paula-cesarino-costa-ombudsman/2018/11/o-presidente-contra-a-imprensa.shtml. Acesso em: 28/07/2020.

22 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2020/02/bolsonaro-o-pior-do-sistema.shtml.

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2.1 Cobertura de Saúde da Folha de S. Paulo

Ao refletir sobre o recorte de saúde utilizado na pesquisa, observa-se o país durante uma pandemia sem precedentes em dois de seus primeiros momentos cruciais, o da primeira morte e o início do primeiro pico do vírus, marcado pela contagem do milésimo falecimento. Nesse contexto, entra em cena uma das principais instituições responsáveis pelo combate à Covid-19, o Sistema Único de Saúde (SUS).

O SUS é um dos maiores sistemas de saúde pública no mundo, sendo o único a atender uma população com mais de 200 milhões de pessoas (FOLHA, 2019)23 e oferece diversos procedimentos médicos, vacinas, distribuição de remédios, “ações de saúde coletiva, como a educação em saúde, indicadores sociais, riscos de epidemias, controle das violências e demais assuntos que interferem diretamente na saúde da população” (BRAGA; MENEZES, 2014, p.69). Além desses serviços, durante o período de pandemia, hospitais públicos de todo o país voltaram suas forças e equipes exclusivamente para o tratamento dos pacientes infectados, disponibilizando diagnósticos e toda sua capacidade de leitos de internação para os casos mais graves da doença.

Dessa forma, o SUS passou a ter um papel central durante a cobertura jornalística sobre o novo coronavírus no Brasil, seja pelo medo do colapso do sistema de saúde ou pelos esforços dos profissionais em salvar os pacientes. Neste cenário, é preciso entender como funciona a relação da mídia, principalmente da Folha de S. Paulo, com o Sistema Único de Saúde, já que, para haver uma cobertura completa da situação pandêmica do Brasil foi necessário estreitar a ligação entre estes dois setores.

Em um estudo feito por Bernardo Kuscinsky (2002), ele classifica o convívio entre jornalistas e os profissionais da saúde como conflituosa e estabelece três razões para esta falta de harmonia, uma delas é o interesse do comunicador. Explicando seu raciocínio, o autor afirma que os jornalistas, na maioria das ocasiões, só estão interessados em ouvir médicos renomados e autoridades dos hospitais e sempre com intuito de legitimar algo que eles já resolveram dizer. Desta forma, os movimentos populares de saúde são ignorados e enfermeiros, paramédicos, dentre outros profissionais, ficam excluídos de poder oferecer seus pontos de vista sobre questões da saúde.

Este tratamento da mídia acompanha uma predileção dos sistemas privados de saúde. Isto porque os profissionais renomados escolhidos para serem protagonistas das pautas trabalham em hospitais particulares e, às vezes, têm seu próprio consultório. Ou seja, não

23 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/10/brasil-e-unico-com-sus-entre-paises-com-mais-de-200-milhoes-de-habitantes.shtml. Acesso em: 30/07/2020.

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atendem no SUS, reforçando a ideia disseminada de que no Sistema Único de Saúde não há profissionais qualificados o suficiente.

Com relação ao Sistema Único de Saúde (SUS) […] percebe-se que a mídia não tem oferecido uma contribuição eficaz em relação à saúde pública, não discutindo mais enfaticamente questões norteadoras para a melhoria da situação sanitária brasileira.

O que se percebe, em grande parte das coberturas midiáticas, é um pouco conhecimento do SUS e de seu funcionamento, especificamente no que diz respeito ao atendimento. Isso é refletido em diversas matérias que se concentram em casos isolados de usuários e não informam – por desconhecimento, falta de informação ou de compreensão –os fluxos de atendimento. (BRAGA; MENEZES, 2014, p.67-68).

Assim como é visto na relação com a mídia, a Folha de S. Paulo também reforça e contribui ao passar uma versão deturpada do SUS em suas matérias críticas, muitas vezes sendo um dos meios que influenciam a minar a confiança da população e isto se reflete também no sucateamento do sistema. Não é como se o Sistema Único de Saúde não precisasse de melhorias e mais investimentos, porém, a constância em abordar temáticas que sobrepõem as falhas do sistema expõe uma tendência de apagar a importância do SUS no país.

Em uma análise feita por Gabriela Silva (2010), a pesquisadora coletou cerca de 667 notícias da Folha sobre o SUS que exemplificaram etapas seguidas pelo jornal para moldar a imagem de ineficiente ao sistema público. Em seu trabalho, a autora enfatiza a questão do ocultamento e dissociação do nome do Sistema Único de Saúde de seus bons feitos para a sociedade, dessa forma, “gerando uma associação da sigla 'SUS' com eventos desagradáveis e problemáticos e a construção da expectativa de que, se a notícia trata de um problema em saúde, deve estar falando de SUS”. (SILVA, 2010, p.65).

Silva (2010) também cita o termo “eterna memória do ruim”, também relacionado a estas tendências de críticas. Ela analisa nas notícias que até quando o conteúdo é para fazer um elogio ao sistema público, a FSP ainda consegue citar situações passadas em que o SUS falhou em algum aspecto. A autora explica que os jornalistas conseguem fazer isso através da linguagem, utilizando termos como “apesar de” e “mas” para contestar os dados positivos e reestabelecer a imagem de “sistema ineficaz”. Atrelado a isso, Silva (2010) ainda traz à tona as comparações que são feitas com sistemas de saúde privados, inferiorizando os feitos do SUS neste contexto.

Apesar de ser uma análise de conteúdos de 2008, é possível associar esta tendência apontada por Silva (2010) ainda na atualidade, como em uma matéria feita pela Folha, em meio à pandemia do novo coronavírus, em que o jornal cita a abertura de 21 mil leitos de

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Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) no Brasil. Nesta notícia é abordado o fato de não haver uma distribuição igualitária em todas as regiões do país, crítica válida pela gravidade da doença. No entanto, neste mesmo material a FSP enfatiza que a rede privada segue tendo maior proporção de leitos na comparação com o sistema público, citando que “dos novos leitos de UTI registrados até junho […] 9.006 estavam no SUS, que, em tese, visa atender toda a população” (CANCIAN, 2020)24.

Vale lembrar que esta não é a primeira vez que Folha faz uma cobertura sobre pandemia no Brasil, a última registrada foi com a chegada da Influenza A (H1N1) no país, em 2009. No entanto, por se tratar de uma outra época e de uma intensidade de contaminação diferente, se comparada à da Covid-19, é importante perceber como se posiciona e como ocorrem as coberturas de saúde, sendo elas de pandemias ou endemias.

Com a H1N1, os primeiros casos foram registrados em uma cidade do estado de Veracruz, no México, quando mais de mil habitantes do local contraíram a Influenza A, em fevereiro de 2009; semelhante à Covid-19, os pacientes diagnosticados com a doença apresentavam síndrome respiratória aguda (STRALIOTTO; MUNEIRO, 2011). À época, durante os meses em que a contaminação estava agravada, cerca de 53.797 brasileiros foram contaminados pela Influenza A.

Aquela era a primeira pandemia25 noticiada pela Folha de S. Paulo e a segunda noticiada no país após a gripe espanhola. Assim como toda a população, os jornalistas também carregavam questionamentos sobre o inusitado decreto de pandemia e sobre a doença, que ainda não tinha uma vacina ou tratamento 100% eficaz no seu combate, porém, ainda era papel do profissional de comunicação informar seu público. Para agravar o caso de desinformação, a Organização Mundial de Saúde (OMS) passou a divulgar apenas o número de mortes pela H1N1, o que resultou em uma falta de controle em entender a proporção exata da doença no país.

Em meio a esta situação, a FSP, como outros veículos de comunicação, enfrentou pela primeira vez a recomendação de distanciamento social, que, na época, contribuiu para o uso exacerbado de fontes oficiais, jornalismo declaratório e falhas na apuração, como analisaram as autoras Straliotto e Muneiro (2011).

24 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/08/brasil-abre-21-mil-leitos-de-uti-na-pandemia-mas-distribuicao-e-desigual.shtml. Acesso em: 03/08/2020.

25 Não é considerada nesta contabilidade a cobertura da contaminação por AIDS, uma vez que a Organização Mundial e Saúde a denomina atualmente como “epidemia global”.

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Os textos jornalísticos dos sites em questão não deixam transparecer a notícia como resultado de um processo de apuração, de investigação precisa que busca apontar as contradições, as falhas, as medidas de prevenção, enfim, a política de saúde pública adotada pelo Brasil e pelos demais países que também registraram casos de influenza A (H1N1). O jornalismo praticado pelos sites G1 e Folha Online não só transferiu dúvidas ao leitor, como também deixou lacunas de informação, com notícias incompletas ou redundantes. (STRALIOTTO; MUNEIRO, 2011, p.7-8). Diferente da cobertura de uma pandemia, em que o jornalista tem mais perguntas do que respostas, nós temos as matérias sobre doenças endêmicas do Brasil. Este conteúdo, ao contrário do cenário de desinformação, é um espaço sobre saúde mais confortável para o profissional de comunicação, principalmente quando se trata de notícias sobre dengue, zyka, febre amarela, AIDS e outras enfermidades conhecidas pelos brasileiros. A maior facilidade em lidar com assunto vem pela possibilidade de antecipação das doenças, já que elas ocorrem todo ano. Os jornalistas inclusive sabem o período em que há maior contaminação, o que possibilita uma organização para que as matérias sobre as endemias sejam agendáveis.

Em uma pandemia, as informações chegam para o médico especialista ao mesmo tempo que para o comunicador, o que transforma a cobertura em uma surpresa a cada dia, não há certeza, nem garantias. Já em casos de dengue, AIDS, tuberculose, dentre outros, os estudos já estão avançados, a causa da doença, os sintomas e os tratamentos são conhecidos e comprovados, situação que oferece mais segurança ao jornalista que precisa noticiar sobre os casos. Nas endemias, há o acúmulo destas informações ao longo dos ciclos endêmicos, situação que não ocorre em uma pandemia, já que todos estão ao mesmo tempo tentando entender o que acontece.

Em comparação com a cobertura da FSP na pandemia de H1N1, houve uma despreocupação com a apuração direta da informação e a falta de cuidado de evitar que o jornalismo declaratório se transformasse em rotina (STRALIOTTO; MUNEIRO, 2011), consequentemente causando uma repetição de fontes oficiais, o que, pelo contexto, era justificável, porém, ao mesmo tempo, tornou suas matérias sem diversificação de fontes. Já no caso das endemias, a falta de profundidade e a repetição de fontes pode ser evitada. Silva (2015) exemplifica esta situação ao citar a dengue e a febre Chikungunya, que dispõem de opções variadas para que o comunicador traga complexidade à sua pauta.

[…] É um assunto que diz respeito a população de uma forma geral e faz parte de problemas de qualquer cidade. Por isto, elas podem ser mescladas com especialistas, médicos, fontes oficiais, pesquisadores até pacientes, moradores de comunidades, ou seja, uma infinidade de pessoas diferentes para entrevistar para que não corram o risco de usar fontes viciadas, que já estão na sua agenda, empobrecendo assim a notícia. (SILVA, 2015, p.5-6).

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Outra característica da cobertura de cenários endêmicos e pandêmicos é o envolvimento de figuras como presidente, governadores, ministros e deputados nas pautas, como observado pelos autores Nunes e Pimenta (2016) ao afirmarem que a medicina e as medidas sanitárias são utilizadas como instrumentos políticos e saem do contexto estrito de saúde. Isso se reflete nos meios midiáticos, em que não se é mais capaz de separar as editorias e, quando se percebe, tudo já se transformou em uma questão política, que envolve seus valores e suas ideologias.

Essa relação entre políticos e saúde fica mais clara no momento atual, com o novo coronavírus, em que existe um presidente negacionista deste o princípio, classificando a pandemia, que hoje é responsável pela morte de centenas de milhares de brasileiros, como “gripezinha” em um pronunciamento televisionado (COLETTA, 2020a)26. Isso fez com que houvesse uma instabilidade no governo, que afetou políticos de todo o Brasil.

O fato de o líder do país se mostrar avesso à gravidade do vírus, obrigou que chefes de governos, parlamentares e outros políticos tomassem posições contrárias, como foi o caso do ex-ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta, que entrou no governo Bolsonaro embasado no conservadorismo e defendendo a privatização de setores da saúde. No entanto, diante do cenário de risco que Jair Bolsonaro queria impor aos brasileiros ao pedir a volta da normalidade, o médico e político precisou assumir outra postura e ir contra seus princípios preestabelecidos. Não por bondade, mas por perceber que, se não fosse contra o negacionismo do presidente, poderia acabar com toda a sua carreira profissional quando a pandemia cessasse. O ministro passa a defender o SUS, assim como a mídia, e não pode mais ignorar o papel importante do sistema público de saúde no combate ao novo coronavírus, chegando a exaltá-lo em pronunciamentos públicos ao afirmar que “[…] O SUS é uma construção nossa, da sociedade. É muito bom que a sociedade brasileira veja de perto o trabalho desse sistema até para valorizar muito o fato de ter esse sistema” (MARTINS, 2020)27.

Hoje, os casos de H1N1 no Brasil diminuíram e as contaminações seguem ocorrendo em menor proporção, realidade distante da situação atual da pandemia de Covid-19. Apesar da experiência com a pandemia anterior da Influenza A, é preciso entender que o nível de contágio e o prejuízo causado pelas duas doenças foram diferentes, o que culminou em um

26 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/03/em-pronunciamento-bolsonaro-critica-fechamento-de-escolas-ataca-governadores-e-culpa-midia.shtml. Acesso em: 05/08/2020.

27 Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2020/04/14/interna_nacional,1138646/mandetta-defende-sus-sistema-de-saude-esta-se-organizando.shtml. Acesso em: 02/08/2020.

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novo desafio para a mídia nacional. Para caracterizar este novo cenário em que o mundo foi colocado, é importante entender o que foi a chegada do novo coronavírus no Brasil.

2.2 Histórico da Covid-19

O novo coronavírus (SARS-CoV-2) começou a ser registrado no final de dezembro de 2019, em Wuhan, província de Hubei, República Popular da China, e desde o princípio pegou o mundo de surpresa, já que não era esperada a proporção de contaminação e mortalidade pela doença que causa. A Covid-19, como foi denominada, caracterizou-se como uma “doença respiratória, transmitida por inalação de gotículas lançadas através da tosse ou espirro, e o contato, que se dá por meio do contato com as mucosas bucais, nasais e oculares contaminadas” (ALENCAR et al., 2020, p.1). Pela facilidade de contaminação, em poucos meses os casos da doença aumentaram de forma rápida no mundo, somando 9.826 casos confirmados durante o mês de janeiro e ultrapassando a marca de 700 mil casos já em março de 2020.

Devido a esta propagação global, a Organização Mundial de Saúde decretou, em 30 de janeiro de 2020, o nível de alerta de Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional e, já em 11 de março de 2020, foi declarado o estado de pandemia. Porém, alegou-se que a decisão não era relacionada à gravidade da doença em si, e sim que “A OMS tem tratado da disseminação [do Covid-19] em uma escala de tempo muito curta, e estamos muito preocupados com os níveis alarmantes de contaminação e, também, de falta de ação [dos governos]” (ORGANIZAÇÃO, 2020)28.

O primeiro caso da doença registrado no Brasil foi em 26 de fevereiro de 2020, que também foi o primeiro na América Latina, quando um homem que morava em São Paulo apresentou os sintomas após regressar de uma viagem à Itália. Antes mesmo do primeiro caso do país, em 6 de fevereiro, o presidente Jair Bolsonaro já havia sancionado uma lei de normas de quarentena. As orientações eram manter o distanciamento social, seguir as normas de higiene, lavando sempre as mãos com sabão ou álcool em gel, evitando ter contato com as mucosas nasais de seu rosto e, posteriormente, também foi recomendado o uso de máscara para uma proteção maior (CORONAVÍRUS, 2020)29.

Em março, mês de parte do recorte do corpus da pesquisa, o Brasil acumulou centenas de casos de Covid-19 e foi o período que ocorreu a primeira morte causada pela

28 Disponível em: https://www.unasus.gov.br/noticia/organizacao-mundial-de-saude-declara-pandemia-de-coronavirus. Acesso em: 02/08/2020.

29 Disponível em: https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/04/06/coronavirus-veja-a-cronologia-da-doenca-no-brasil.ghtml. Acesso em: 05/08/2020.

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doença no país. Foi nesta época também, após a OMS decretar a pandemia, que governadores de diversos estados do país optaram por decretar ações que exigiam o fechamento de serviços não essenciais, como bares, lojas, salões de beleza, shoppings, entre outros estabelecimentos. Essas medidas foram adotadas para forçar a população a ficar dentro de casa e evitar as aglomerações, já que os casos no Brasil e no mundo cresciam de forma exponencial.

Apesar das recomendações da OMS e do posicionamento do então Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, o presidente seguiu pedindo para que o país voltasse à normalidade e deixasse o isolamento social. Foi em um de seus pronunciamentos que Jair Bolsonaro se referiu ao novo coronavírus como “gripezinha” e alegou que toda a mobilização de cobertura da imprensa causava “histeria” na população. “O que se passa no mundo mostra que o grupo de risco é de pessoas acima de 60 anos. Então, por que fechar escolas? Raros são os casos fatais, de pessoas sãs, com menos de 40 anos de idade”, disse em pronunciamento. (COLETTA, 2020a).

O pronunciamento foi feito quatro dias antes de o país bater o número de 100 mortos pela pandemia, o que ocorreu em 28 de março, menos de um mês depois da primeira morte registrada. A normalização citada pelo presidente não era a realidade, assim como a alegação de que a Covid-19 só afetava pessoas mais velhas, já que apenas uma semana após esta mesma fala foi noticiada a vítima mais jovem até aquele momento a falecer pelo vírus, o gastrólogo Matheus Aciole, de 23 anos (CORONAVÍRUS, 2020).

No início de abril, também período do corpus da pesquisa, o governo lançou o auxílio emergencial de R$600 para trabalhadores informais, microempreendedores individuais (MEI), autônomos e intermitentes sem emprego fixo que não estejam recebendo benefício previdenciário ou seguro-desemprego, e de R$1.200 para mães responsáveis pelo sustento da família (COLETTA; CARVALHO, 2020)30. O intuito seria amparar os brasileiros que estavam sendo afetados pelo isolamento na prevenção ao novo coronavírus.

Neste período, diversos estados do país já haviam aderido à recomendação e, com vários estabelecimentos não essenciais fechados, trabalhadores de todo Brasil não podiam trabalhar, às vezes demitidos por empresas que não podiam mais se sustentar, por isso tornou-se necessária uma ação do governo que amparastornou-se aqueles que estavam tornou-sem sustento. Foi nesta época que começou a frequente defesa, por parte do presidente Jair Bolsonaro, da hidroxicloroquina, em que o político recomendava a utilização do medicamento (direcionado

30 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/04/bolsonaro-sanciona-auxilio-emergencial-de-r-600-mas-veta-ampliacao-do-bpc.shtml. Acesso em: 07/08/2020.

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ao tratamento de malária) para combater a Covid-19 mesmo sem nenhuma comprovação científica desta afirmação.

“Instruí meus ministros: após ouvir médicos, pesquisadores e chefes de Estado de outros países, passei a divulgar, nos últimos 40 dias, a possibilidade de tratamento da doença desde sua fase inicial”, declarou o presidente ao se referir ao medicamento, testado e aprovado para o cuidado de pacientes com enfermidades como a malária, mas cuja eficácia contra o novo vírus ainda está em fase de pesquisa. (FABRINI; FERNANDES, 8 de abr. 2020)31.

Esse foi um dos grandes motivos de embate entre o presidente e Luiz Henrique Mandetta, já que o então ministro era contra a prescrição do medicamento, a não ser que viesse diretamente de instruções de médicos e especialistas capacitados. O conflito entre os dois em relação à cloroquina e ao isolamento social foi tamanho que, após diversas críticas trocadas, o presidente decidiu demiti-lo. Nelson Teich assumiu o cargo de ministro posteriormente e, no início, também era alinhado às ideias de Bolsonaro, em especial sobre a questão de que o país não poderia parar. No entanto, com o agravamento da pandemia no país, ele também entrou em desacordo com os ideais do presidente e terminou pedindo demissão em maio de 2020, menos de um mês após ser nomeado ministro da saúde.

Ao final do período de seleção do corpus da pesquisa, no dia 10 de abril, o Brasil havia batido o número de 1.000 mortos pela Covid-19, cerca de duas semanas após ter tido o registro da centésima vítima da doença. Já no restante do mundo, no mesmo dia, o monitoramento da doença registrou os 100 mil mortos pelo vírus, demonstrando em números a velocidade de contaminação e a gravidade global do novo coronavírus.

A partir deste momento, contextualizamos acontecimentos posteriores ao período de publicações analisadas na pesquisa. É possível observar a instabilidade do poder político durante os dois primeiros meses de pandemia no Brasil, que afetou todo o território nacional. O conflito do presidente com veículos de imprensa e com governadores também se intensificou e, novamente, a cloroquina foi uma das pautas do líder, que solicitou uma mudança de protocolo ao Ministério da Saúde para permitir que o medicamento também fosse administrado em casos leves da doença, apesar de, desde aquela época, não haver comprovação científica da eficiência do tratamento contra a Covid-19.

Em junho, o Brasil assumiu o segundo lugar no ranking de países com mais mortes causadas pelo coronavírus, com 41.901 falecimentos registrados menos de três meses após o

31 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/04/em-pronunciamento-bolsonaro-defende-cloroquina-e-volta-a-responsabilizar-governadores-e-prefeitos.shtml. Acesso em: 08/10/2020.

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início da pandemia. A marca fez o país ultrapassar a China, primeiro lugar afetado pela Covid-19, e se estabelecer atrás apenas dos Estados Unidos, posto mantido meses depois32. Em número de contaminados, o Brasil também superou diversos países no mesmo período, com 829 mil casos confirmados da doença.

No começo de julho de 2020, Jair Bolsonaro foi diagnosticado com o vírus. Em março do mesmo ano, o presidente já havia feito testes após integrantes do governo terem testado positivo para a Covid-19. Como os membros da equipe tiveram contato direto com o líder, foi especulada a possibilidade de ele ter sido infectado, porém, após realizar os exames, ele afirmou que havia testado negativo. (BOLSONARO, 2020)33.

O diagnóstico positivo do político, meses depois, trouxe à tona novamente diversos discursos em que ele minimizava a gravidade do novo coronavírus e também suas atitudes que desrespeitavam as recomendações básicas de proteção do Ministério da Saúde, como usar máscaras e evitar aglomerações, já que, em meses anteriores, o presidente compareceu a manifestações sem proteção e abraçou e apertou a mão de seus apoiadores.

No próprio pronunciamento sobre seu teste positivo para o vírus, o político voltou a defender o uso da cloroquina e hidroxicloroquina no início da manifestação dos sintomas para combater a doença. Em meio à crescente especulação e orientação do presidente que influenciava o uso de medicamentos sem qualquer comprovação científica, dias após o discurso de Jair Bolsonaro, a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) publicou um informe atualizado sobre o uso precoce da hidroxicloroquina para tratar o novo coronavírus. No documento, as informações foram embasadas em dois estudos publicados em revistas de saúde de prestígio que fizeram testes para avaliar se existia eficácia e segurança no remédio e o resultado foi o apresentado pelo SBI:

Como já haviam sido publicados estudos clínicos randomizados com grupo controle demonstrando que a HCQ não traz benefício clínico nem na profilaxia (prevenção), nem em pacientes hospitalizados, esses dois estudos completam a avaliação de eficácia e segurança do seu uso nas três fases da doença: profilaxia, tratamento precoce (primeiros dias de sintomas) e pacientes hospitalizados (que geralmente ocorre próximo ao 7º dia de sintomas).

Com essas evidências científicas, a SBI acompanha a orientação que está sendo dada por todas sociedades médicas científicas dos países desenvolvidos e pela Organização Mundial de Saúde (OMS) de que a hidroxicloroquina deve ser

32 Disponível em: https://www.worldometers.info/coronavirus/ Acesso em: 12/10/2020.

33 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/03/bolsonaro-diz-que-novo-exame-aponta-que-ele-nao-contraiu-coronavirus.shtml. Acesso em: 09/10/2020.

(32)

abandonada em qualquer fase do tratamento da COVID-19. (ATUALIZAÇÃO, 2020, p.1)34.

Além do posicionamento, foi pedido aos agentes públicos para reavaliar as orientações de combate ao vírus e, por fim, destacou-se que os recursos públicos não deveriam ser usados em um medicamento cientificamente comprovado como ineficaz e sim usar a verba em outros remédios que já haviam provado serem efetivos no combate à Covid-19 (ATUALIZAÇÃO, 2020).

Assim como a cloroquina e a hidroxicloroquina, outros medicamentos foram divulgados no Brasil como eficazes no combate ao vírus, mesmo sem comprovação científica. Fato é que, como à época não havia um tratamento específico, as informações fluíam boca a boca, algumas influenciadas pelo líder do país e outras por conhecidos que haviam usado e alegaram que dava resultado. Isso ocasionou uma busca exacerbada por estes medicamentos, esgotando estoques em quase todo território nacional, além de acarretar o fenômeno do aumento exagerado dos preços.

Em setembro de 2020 já existiam 40 vacinas35 em avaliação clínica em humanos e 151 em avaliação pré-clínica, segundo panorama da Organização Mundial da Saúde (OMS). A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) explica que a fase pré-clínica é o momento de testar a segurança do medicamento e entender se a vacina possui capacidade de produzir resposta imune, ou seja, proteção, no organismo de animais. Já na etapa de testes em humanos, fase 1, primeiramente é usado um grupo pequeno para testar a segurança da vacina, agora em um organismo humano, e serve para avaliar se, neste cenário, também é possível receber uma resposta imune; se houver a comprovação de eficácia e segurança, ela será aprovada para fase 2.

Na segunda etapa, o grupo de teste cresce para cerca de 500 cobaias também para avaliar segurança e eficiência, porém, a diferença é que as pessoas escolhidas “têm características (como idade e estado de saúde) semelhantes às de indivíduos que receberão a nova vacina” (PERGUNTAS, 2020)36. Se aprovada, a vacina passa para a fase 3, em que é testada em milhares de pessoas e os escolhidos para o estudo não sabem se estão recebendo o medicamento real ou um placebo, podendo incluir os estudos em diversos países. A Organização Pan-Americana da Saúde informa que este geralmente é o último passo antes que

34 Disponível em: https://infectologia.org.br/wp-content/uploads/2020/07/atualizacao-sobre-a-hidroxicloroquina-no-tratamento-precoce-da-covid-19.pdf. Acesso em: 10/10/2020.

35 Número atualizado no dia 28 de setembro de 2020. Disponível em:

https://www.who.int/publications/m/item/draft-landscape-of-covid-19-candidate-vaccines.

36 Disponível em: https://iris.paho.org/bitstream/handle/10665.2/52669/OPASBRAFPLIMCOVID-19200018_por.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em 10/10/2020.

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