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6. ANÁLISE DA COBERTURA DA FOLHA NO INÍCIO DA PANDEMIA

6.2 Aspectos da crise sanitária e repercussão

Em meio à pandemia uma das medidas de maior exigência é o isolamento social, que orienta o contato com o mínimo de pessoas possível. Provavelmente por isso, mais de 90% das matérias escritas pela Folha de S. Paulo foram produzidas com apuração dentro da redação do jornal. Esse fato acentuou a busca por informações no meio online, fato que pode ter favorecido a estratégia de comunicação política de Jair Bolsonaro, já citada em tópicos anteriores da pesquisa.

Como mostrado no início do capítulo, apesar de a maioria dos títulos das matérias de março e abril não conter declarações de Jair Bolsonaro, observa-se que o conteúdo das notícias é, em grande parte, centrado nas falas do presidente. Das 58 matérias coletadas nas duas semanas selecionadas, 44 têm como fonte o presidente, sendo, em sua maioria, o foco principal das notícias, com outras fontes sendo acrescentadas ao final das matérias. Este fato valida a teoria de que o cargo de Bolsonaro dá um acréscimo de valor às suas falas e ações, principalmente em meio a uma crise sanitária.

Apesar disso, no mês de março, apenas dois materiais usaram o presidente como fonte única, as matérias em si trouxeram semelhanças em sua composição. Uma delas foi o título com citação de uma declaração do presidente, que bastou para embasar o resto do conteúdo.

Os títulos foram: “Bolsonaro desafia Maia e Alcolumbre e vê histeria no combate ao coronavírus”64 (CARVALHO; RESENDE, 15 mar. 2020) e “Bolsonaro diz que novo exame aponta que ele não contraiu coronavírus” (BOLSONARO, 17 mar. 2020)65.

A primeira notícia é assinada por um jornalista da Folha. Ele utiliza uma entrevista concedida para outro veículo de comunicação para pegar as declarações do político. O material narra as falas de Bolsonaro sobre os assuntos que são questionados durante a conversa com o outro jornalista, com citações diretas intercaladas com parágrafos de contextualização e hiperlinks que redirecionavam a outros conteúdos sobre os assuntos relacionados. Também não há mais nenhuma fonte além do presidente ao longo da escrita para fazer contraponto aos argumentos apresentados por ele, apesar de o líder fazer críticas às medidas preventivas da pandemia, que, à época, ainda estava no começo.

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) criticou o interesse do Congresso em controlar cerca de R$ 15 bilhões do Orçamento 2020 e mandou os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a irem às ruas.

Em entrevista à CNN Brasil neste domingo (15), Bolsonaro também chamou de “extremismo” e “histeria” medidas adotadas diante da pandemia do coronavírus, que no Brasil já havia infectado 200 pessoas até o início da noite. (CARVALHO; RESENDE, 15 mar. 2020).

A perspectiva foi “neutra” por parte da Folha, já que o jornal online não colocou nenhum contraponto às falas do presidente, apesar das diversas declarações ao longo texto em que o político minimizava a gravidade do novo coronavírus. Por ser uma matéria de fonte única, não houve qualquer divergência de opinião e a notícia funcionou como uma reprodução do que o líder tinha a dizer, descrevendo sua fala, assim como o que houve na segunda notícia, em que Jair Bolsonaro aparece como origem das informações. Diferente do conteúdo analisado antes, esta matéria não é assinada e a declaração que estruturou todo o material foi feita na conta oficial do Twitter do presidente, onde ele se pronunciou a respeito do segundo teste que havia feito para saber se estava com Covid-19.

Na notícia, a Folha (BOLSONARO, 2020) reproduziu a publicação da frase que o político escreveu: “Informo que meu 2° teste para COVID-19 deu NEGATIVO. Boa noite a todos”. E esta é única informação nova da matéria, porque, nos outros parágrafos, é repetida a composição de relembrar notícias que já haviam sido veiculadas pela Folha para completar o

64 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/03/bolsonaro-desafia-maia-e-alcolumbre-e-ve-histeria-no-combate-ao-coronavirus.shtml. Acesso em: 15/03/2021.

65 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/03/bolsonaro-diz-que-novo-exame-aponta-que-ele-nao-contraiu-coronavirus.shtml. Acesso em: 15/03/2021.

restante do material, já que não é padrão uma notícia com apenas dois parágrafos. Por ser outra reprodução, a perspectiva trazida no material também é neutra, pontuando outra semelhança entre as duas únicas matérias de março que trazem apenas Jair Bolsonaro como fonte.

Em abril esta seleção de fontes se repete, porém, dessa vez, em seis produções da Folha de S. Paulo. No entanto, observou-se na tabela que a perspectiva mudou para negativa em mais da metade do conteúdo, ou seja, o jornal acrescentou um olhar crítico na construção destes materiais. Isso pode ser explicado pelo avanço do vírus no país. Até porque a semana marca a milésima morte de brasileiros, um número considerável de vidas perdidas em menos de um mês, então já não é mais aceitável um veículo de comunicação que não aponte incongruências em relação às medidas que protegem a população, ainda mais partindo do presidente do Brasil.

Um dos exemplos coletados na pesquisa é a matéria “De 'gripezinha' a pacto, compare pronunciamentos de Bolsonaro na crise do coronavírus”66 (DE, 8 abr. 2020), em que o jornal faz um compilado de “pronunciamentos simbólicos” que Jair Bolsonaro concedeu nos últimos 16 dias que antecederam a publicação. As falas foram separadas em tópicos como “cloroquina”, “elogios ao Ministro da Saúde”, “Ataques à imprensa”, “pânico e histeria” e mais outras doze categorias.

O interessante de observar este compilado é que, em mais de 50% das declarações mencionadas, a Folha de S. Paulo já havia produzido uma matéria anterior sobre o pronunciamento. Assim como mencionado em tópicos anteriores desta pesquisa, é comum hoje, em meio à instantaneidade das postagens em sites de notícia, que uma entrevista gere conteúdo para mais de uma matéria e, como podemos ver no decorrer desta análise, a FSP não é uma exceção. Além do aspecto instantâneo, esta característica de remeter a outras matérias também abrange os conceitos de jornalismo online em que Palácios (2003) fala sobre a memória, em que o jornal tem a condição de armazenar suas produções em acervos digitais, sendo possível de acionar sempre que necessário, como é feito pela FSP com seus hiperlinks.

Em um período de 16 dias, o presidente Jair Bolsonaro fez três pronunciamentos simbólicos durante a crise do coronavírus. Nos dois primeiros, ele foi do tom irônico, referindo-se à Covid-19 como “gripezinha ou resfriadinho”, ao reconhecimento da gravidade da situação — “estamos diante do maior desafio da nossa geração”, disse, no segundo discurso, em 31 de março.

66 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/04/de-gripezinha-a-pedido-por-uniao-compare-os-pronunciamentos-de-bolsonaro-na-crise-do-coronavirus.shtml. Acesso em: 13/03/2021.

Nesta quarta (8), o discurso foi dominado por assuntos que também estiveram presentes nos outros: críticas ao isolamento social e o potencial da cloroquina no tratamento de pacientes. (DE, 8 abr. 2020).

A necessidade de atualização constante faz com que diversas matérias sobre a mesma fala amplifiquem o discurso e o espalhem para aqueles que seguem a mesma linha ideológica que o presidente. Nesse compilado de pronunciamentos, a Folha também mostrou como o posicionamento do presidente mudou conforme o passar das semanas, porém, o fato de não ser uma matéria assinada e que não traz nada além das falas de Jair Bolsonaro, quebra a crítica e a explicação maior que poderia ser apresentada para aprofundar a notícia.

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