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Sumário. Texto Integral. Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 08S2063

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Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 08S2063

Relator: SOUSA PEIXOTO Sessão: 05 Novembro 2008 Número: SJ200811050020634 Votação: UNANIMIDADE Meio Processual: REVISTA

Decisão: CONCEDIDA A REVISTA

ACIDENTE DE TRABALHO UNIÃO DE FACTO

Sumário

1. Nas uniões de facto, o casamento válido, não dissolvido, de qualquer dos seus membros constitui impedimento aos efeitos jurídicos que legalmente são reconhecidos àquelas situações, a não ser que os mesmos se encontrem

judicialmente separados de pessoas e bens.

2. Tal resulta inequivocamente das Leis n.º 135/99, de 28/8 e n.º 7/2001, de 1/5, mas tal também já estava subjacente ao disposto no art.º 2020.º do Código Civil, uma vez que a unidade do sistema jurídico não permitia que a violação dos deveres conjugais fosse objecto de protecção legal.

3. Assim, não tem direito à pensão nem ao subsídio por morte, previstos, respectivamente, no art.º 20.º, n.º 1, al. a) e no art.º 22.º, n.º 1, da Lei n.º 100/97, de 13/9, a pessoa que, sendo casada e não separada judicialmente de pessoas e bens, à data da morte do sinistrado, com ele vivia, há mais de dois anos, em comunhão de cama, mesa e habitação.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. Relatório

Os presentes autos referem-se a um acidente de viação, ocorrido em 20 de Agosto de 2003, de que resultou a morte, nesse mesmo dia, de AA que, então,

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trabalhava por conta de “A. S..., L.da”, exercendo as funções de empregado de mesa, cuja responsabilidade por acidentes de trabalho estava transferida para a L... Seguros, S. A.

Na tentativa de conciliação realizada na fase administrativa dos autos, a seguradora reconheceu a natureza laboral do acidente e assumiu a

responsabilidade pela sua reparação e, em consequência disso, aceitou pagar a BB, filha menor do sinistrado, a pensão anual temporária de € 1.166,48, com início em 21.8.2003, bem como a quantia de € 2.139,60, a título de subsídio por morte (metade) e a importância de € 1.426,40, a título de subsídio de funeral, a quem provar ter pagos as respectivas despesas.

Todavia, naquela diligência, a seguradora não aceitou pagar a CC,

companheira do sinistrado, nem a pensão anual nem o subsídio por morte (metade) por ela reclamados, por não reconhecer a sua qualidade de

beneficiária, com o fundamento de que a mesma ainda se encontrava casada com outra pessoa (“embora a mesma vivesse em comunhão de mesa e

habitação com o sinistrado à data da morte, a verdade é que ainda se encontrava no estado de casada com outra pessoa”).

O acordo obtido em relação à filha menor foi judicialmente homologado e os autos passaram à fase contenciosa unicamente para discutir a qualidade de beneficiária da autora CC, tendo esta, patrocinada pelo M.º P.º, pedido, na petição inicial, que a ré seguradora fosse condenada a pagar-lhe a pensão anual e vitalícia obrigatoriamente remível de € 1.749,72, com efeitos a partir de 21.8.2003, acrescida da quantia de € 2.139,60, correspondente a metade do subsídio por morte e dos respectivos juros de mora.

Fundamentando o pedido, a autora alegou, para além da factualidade referente ao acidente, em resumo, o seguinte:

- o sinistrado faleceu no estado de solteiro e, à data do acidente, vivia, desde há cerca de seis anos, em união de facto com a autora;

- com efeito, desde há seis anos que a autora se encontra separada de seu marido DD, tendo deixado de coabitar e de ter qualquer relacionamento com o mesmo, passando a viver com o sinistrado em condições análogas às dos

cônjuges;

-contudo, o seu casamento ainda não foi dissolvido, estando o respectivo processo de divórcio litigioso a correr termos na 2.ª Secção do 1.º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Lisboa, com o n.º 130/2002;

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consideradas beneficiárias as pessoas que vivam em união de facto;

- e na legislação regulamentar – art.º 49.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30/4 – refere-se que, para efeitos do disposto no citado art.º 20.º, são

consideradas uniões de facto as que preencham os requisitos constantes do art.º 2020.º do C.C.;

- exige-se, por isso, que o sinistrado seja pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens e que tenha vivido com a pretendida beneficiária há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges; - ora, a autora, à data do falecimento do sinistrado, que era solteiro, residia e vivia exclusivamente com ele há seis anos, em comunhão de mesa, leito e habitação, sendo tal coabitação do conhecimento dos amigos, família e vizinhança, não recebendo alimentos do marido;

- o facto de o seu casamento não se encontrar dissolvido não lhe pode ser imputado, já que a condução do processo não depende exclusivamente da sua vontade.

Na contestação, a ré manteve a posição assumida na tentativa de conciliação, no que toca à natureza do acidente e à sua responsabilidade pela reparação do mesmo, e, no que concerne à união de facto e à qualidade de beneficiária da autora, alegou, em resumo e de útil, o seguinte:

- desconhece, nem tem obrigação de conhecer, se a autora residia com o sinistrado e, em caso afirmativo, há quanto tempo;

- caberá, por isso, à autora fazer a prova dos requisitos legalmente exigidos para o reconhecimento da união de facto;

- na eventualidade de lograr fazer essa prova, é verdade que a lei reconhece à pessoa que com o sinistrado vivia em união de facto a qualidade de

beneficiária;

- todavia, é igualmente verdade que a Lei n.º 7/2001, de 11/5, que regula a situação jurídica de duas pessoas, independentemente do sexo, que vivam em união de facto há mais de dois anos, estatui no seu art.º 2.º, al. c), que são impeditivos dos efeitos jurídicos dela decorrente o casamento anterior não dissolvido, salvo se tiver sido decretada separação judicial de pessoas e bens; - ora, uma vez que a autora ainda se encontra casada com pessoa diferente do sinistrado, a lei considera esse facto impeditivo dos efeitos jurídicos

decorrentes da referida lei, designadamente a “prestação por morte resultante de trabalho ou doença profissional, nos termos da lei”;

- caso assim não se entenda, sempre se dirá que a ré se viu impedida de consultar o processo de divórcio da autora, desconhecendo, por isso, se no dito processo a autora peticionou alguma pensão de alimentos, facto que, a verificar-se, constitui um impedimento de a autora beneficiar da pensão por

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morte do sinistrado;

- com efeito, às situações de união de facto é aplicável, com as respectivas adaptações, o disposto no art.º 2009.º do C.C.;

- aí se estatui que cessa o direito a alimentos se o alimentado contrair novo casamento, devendo ler-se, em nome das necessárias adaptações, novo casamento ou nova união de facto;

- ora, se o legislador pretende fazer cessar a prestação de alimentos no

momento da celebração de novo casamento ou nova união de facto, para evitar a multiplicação de prestações, é certo que, pelas mesmas razões, também não pretende ver reconhecido o direito a alimentos a quem o invoca em nome de uma união de facto e que, à data do facto supostamente originário desse direito, era casada com outra pessoa.

Saneada, condensada e instruída a causa, procedeu-se a julgamento e dadas as respostas aos quesitos que integravam a base instrutória, foi proferida sentença julgando a acção procedente, tendo a ré sido condenada a pagar à autora a pensão anual obrigatoriamente remível de € 1.749,72, com efeitos a partir de 21.8.2003, acrescida da quantia de € 2.139,60, a título de metade do subsídio por morte, e dos juros de mora.

A ré recorreu, mas sem sucesso, uma vez que o Tribunal da Relação de Lisboa manteve a decisão da 1.ª instância.

Mantendo o seu inconformismo, a ré interpôs recurso de revista, tendo concluído as respectivas alegações da seguinte forma:

1.ª - O douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, na sequência da sentença proferida pela M.ma Juíza do Tribunal a quo, ao reconhecer a recorrida como beneficiária legal do sinistrado, violou as

disposições legais constantes dos artigos 20.º, n.º 1, alínea a), da LAT, 49.º, n.º 2 do RLAT, 2.º, al.. c), da Lei 7/2001, de 11/5, 9.º, n.º 1, 1672.º e 1789.º do Código Civil.

2.ª - Para se considerar a existência de uma união de facto entre duas pessoas, ambas têm de viver em comunhão de mesa, leito e habitação há mais de dois anos, sem que, em relação a qualquer delas e durante esse período, se

verifique qualquer impedimento dirimente ao casamento, caso fosse sua vontade celebrá-lo.

3.ª - À data do acidente que vitimou o sinistrado AA, a recorrida era casada com DD.

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Março de 2006, transitada em julgado, com efeitos retroactivos à data da propositura da acção de divórcio litigioso, ou seja, 10 de Dezembro de 2003. 5.ª - Todo o período que viveu em comunhão de mesa, leito e habitação com o sinistrado constituiu um período de violação dos deveres conjugais

consagrados no artigo 1672.º do C.C.

6.ª - Não se pode transformar em direito esse tempo de violação da lei.

7.ª A união de facto pressupõe, em relação a cada um dos sujeitos da relação, que os mesmos sejam não casados [solteiros, divorciados ou viúvos], durante pelo menos dois anos.

8.ª - O artigo 20.º, n.º 1, al. a), da LAT, o artigo 49.º, n.º 2, do RLAT e ainda o artigo 2020.º do C.C. não podem ser interpretados à margem do ordenamento jurídico português, especialmente no que concerne às normas reguladoras das relações jurídicas familiares.

9.ª - Admitir que uma pessoa casada integre uma união de facto,

prevalecendo-se dos efeitos jurídicos decorrentes dessa situação jurídica e, simultaneamente, interpretar o artigo 2020.º do C.C. à luz da LAT, no sentido de afastar a demonstração da impossibilidade de exigir alimentos nos termos do artigo 2009.º do C.C., equivale a permitir uma situação que a lei procura evitar a todo o custo, ou seja, a acumulação de duas ou mais pensões de titulares diferentes pelo beneficiário sobrevivo.

10.ª - A subsunção dos factos ao direito pode e deve ser efectuada com referência à situação existente à data do acidente e não à que se verifica no momento da prolação da sentença.

A autora contra-alegou defendendo o acerto do julgado. O M.º P.º não emitiu “parecer”, por ser o patrono da autora. Corridos os vistos dos juízes adjuntos, cumpre apreciar e decidir. 2. Os factos

Os factos que, sem qualquer impugnação, vêm dados como provados desde a 1.ª instância e com base nos quais o recurso há-de ser julgado são os

seguintes:

a) No dia 20 de Agosto de 2003, pelas 21h30, em Lisboa, o sinistrado AA, nascido em 21 de Janeiro de 1972, foi vítima de um acidente de trabalho, quando sob a autoridade, direcção e fiscalização da empresa “A. S..., Lda.”, exercia as funções de empregado de mesa.

b) O acidente consistiu num acidente de viação, no qual foi interveniente o veículo conduzido pelo sinistrado.

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c) Em consequência do acidente, resultaram para o sinistrado as lesões descritas no relatório de autópsia de fls. 50 e seguintes, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, sendo que a fractura do crânio e hemorragia intra-cerebral foram a causa directa e necessária da sua morte, ocorrida nesse mesmo dia.

d) À data do acidente, o sinistrado auferia o vencimento anual de € 5.832,40 (€ 416,60 x 14).

e) À data do acidente, a entidade patronal “A. S..., Lda.” tinha a responsabilidade emergente do acidente de trabalho integralmente

transferida para a ré seguradora, através de contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho, titulado pela apólice nº ... – prémio fixo.

f) O sinistrado faleceu no estado de solteiro.

g) O casamento da autora com DD foi dissolvido, por sentença, já transitada em julgado, proferida em 17.3.2006, no processo de divórcio litigioso que correu termos no 1.º Juízo, 2.ª Secção, do Tribunal de Família de Menores de Lisboa com o n.º 130/2002, com efeitos retroactivos à data da propositura da acção que ocorreu em 10 de Dezembro de 2003.

h) O sinistrado deixou uma filha menor, BB, fruto de anterior relacionamento com EE.

i) As despesas de funeral do sinistrado foram pagas pela autora, tendo a seguradora sido autorizada a proceder ao seu pagamento.

j) Não houve trasladação.

i) Realizada a tentativa de conciliação e proposta à ora ré, pelo Ministério Público, a assunção de responsabilidade relativamente à A., companheira do sinistrado, e à filha deste, apenas se logrou acordo parcial no que concerne à menor, já homologado por decisão judicial.

k) À data do acidente, o sinistrado vivia, desde há cerca de cinco anos, com a ora autora CC,

l) Em comunhão de mesa, leito e habitação.

m) Sendo tal coabitação do conhecimento dos amigos, família e vizinhança. n) Nada recebendo [a autora] de alimentos do seu, então, marido.

o) Desde Agosto de 1998 que a autora se encontra separada de seu marido DD, tendo deixado de coabitar e de ter qualquer relacionamento com o mesmo.

3. O direito

Conforme está provado, o sinistrado faleceu no estado de solteiro, deixou uma filha menor e, à data do acidente e da sua morte, vivia, desde há cerca de cinco anos, em comunhão de mesa, leito e habitação, com a autora que, por sua vez, era casada com DD, casamento esse que só veio a ser dissolvido por

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sentença de 17 de Março de 2006, proferida no processo de divórcio litigioso que correu termos na 2.ª Secção do 1.º Juízo do Tribunal de Família de

Menores de Lisboa, com o n.º 130/2002, com efeitos reportados à data da propositura da acção (10 de Dezembro de 2003).

Na decisão recorrida entendeu-se, tal como já tinha sido perfilhado na sentença da 1.ª instância, que a autora vivia em união de facto com o

sinistrado e que essa situação lhe conferia o direito à pensão anual e vitalícia prevista no art.º 20.º, n.º 1, al. a), da LAT e a metade do subsídio por morte previsto no art.º 22.º, n.º 1, al. a), da mesma lei.

A recorrente discorda, com base em duas ordens de razões: em primeiro lugar, pelo facto da autora se encontrar casada, à data da morte do sinistrado; em segundo lugar, por ela não ter provado que não podia obter alimentos das pessoas referidas nas alíneas a) a d) do art.º 2009.º do Código Civil.

Como decorre das conclusões formuladas pela recorrente, o objecto do recurso restringe-se, pois, às seguintes questões:

- Saber se o facto da autora ser casada, à data do acidente e morte do sinistrado, é impeditivo do seu direito à pensão e ao subsídio por morte; - E, na hipótese negativa, saber se a autora tinha de alegar e provar que não pôde obter alimentos das pessoas referidas nas alíneas a) a d) do art.º 2009.º do Código Civil.

3.1 Do estado de casada da autora

No que toca a esta questão, a recorrente alegou, em resumo, o seguinte: - a união de facto, analisada à luz do ordenamento jurídico português, pressupõe, em relação a cada um dos sujeitos da relação, que os mesmos sejam não casados durante pelo menos dois anos, o mesmo é dizer que nenhum sujeito com o estado civil de casado poderá integrar uma união de facto, decorrendo esse impedimento, não tanto da Lei n.º 7/2001, de 11/5, mas essencialmente das normas jurídicas consagradas no C.C. quanto às relações jurídicas familiares;

- é certo que as pessoas têm livre arbítrio e podem decidir em consciência se pretendem contrair casamento ou não;

- esse direito de opção constitui um direito fundamental de qualquer pessoa humana, expressão do seu direito à liberdade e autodeterminação;

- o que não podem é, uma vez casados, arrogar-se o exercício de direitos incompatíveis com esse estado civil, pois, admitir esse cenário equivaleria a admitir uma bigamia encapotada;

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- tanto o art.º 20.º, n.º 1, al. a), da LAT, como o art.º 2020.º do C.C. não podem ser interpretados à margem do ordenamento jurídico português,

especialmente no que concerne às normas reguladoras das relações jurídicas familiares;

- ao definir as normas jurídicas consagradas nesses artigos, o legislador sabia de antemão quais os deveres a que os cônjuges estão reciprocamente

vinculados e sabia quais os mecanismos legais de que os cônjuges podem, em determinadas circunstâncias devidamente previstas, lançar mão para os fazer cessar;

- numa perspectiva sistemática, o legislador não podia deixar de ignorar que uma pessoa casada não pode integrar uma “União de Facto”, de tal forma que reforçou essa perspectiva na elaboração da Lei n.º 7/2001, à semelhança do que havia feito na Lei n.º 135/99, de 28/8.

Vejamos se a argumentação da recorrente merece acolhimento, começando por chamar à colação os normativos legais aplicáveis ao caso sub judice. Nos termos do art.º 1.º da LAT (Lei n.º 100/97, de 13/9) “[o]s trabalhadores e seus familiares têm direito à reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho e doenças profissionais, nos termos previstos na presente lei e

demais legislação regulamentar”.

O direito à reparação compreende, nos termos que vierem a ser

regulamentados, prestações em espécie e em dinheiro, incluindo estas,

nomeadamente, as pensões aos familiares do sinistrado e o subsídio por morte (art.º 10.º, n.º 1, al. b) da LAT).

No que toca às pensões, o art.º 20.º, n.º 1, al. a), da LAT estipula o seguinte: “1. Se do acidente resultar a morte, as pensões anuais serão as seguintes: a) Ao cônjuge ou a pessoa em união de facto: 30% da retribuição do sinistrado até perfazer a idade de reforma por velhice e 40% a partir daquela idade ou no caso de doença física ou mental que afecte sensivelmente a sua capacidade de trabalho;”

E, no que concerne ao subsídio por morte, o art.º 22.º, n.º 1, da LAT determina:

“1. O subsídio por morte será igual a 12 vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada, sendo atribuído:

a) Metade ao cônjuge ou pessoa em união de facto e metade aos filhos que tiverem direito a pensão nos termos da alínea c) do artigo 20.º;

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b) Por inteiro ao cônjuge ou pessoa em união de facto, ou aos filhos previstos na alínea anterior, não sobrevindo, em simultâneo, cônjuge ou pessoa em união de facto.”

A Lei n.º 100/97 (LAT) é omissa acerca do que se deve entender por união de

facto, mas, segundo o disposto no art.º 49.º, n.º 2 do seu diploma

regulamentar, o Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, “[p]ara efeitos do disposto no artigo 20.º da lei, são consideradas uniões de facto as que preencham os requisitos do artigo 2020.º do Código Civil”.

Por sua vez, o art.º 2020.º do C. C., cuja epígrafe é “União de facto”, insere-se no Capítulo II (Disposições especiais) do Título V (Dos alimentos) do Livro IV (Do direito da família) e refere-se ao direito a alimentos nas situações de união de facto.

Nos termos do seu n.º 1, “[a]quele que, no momento da morte de pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, vivia com ela há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges, tem direito a exigir

alimentos da herança do falecido, se os não puder obter nos termos das alíneas a) a d) do artigo 2009.º”.

Face ao elemento literal do referido normativo, poderia pensar-se que o facto de o membro sobrevivo da união de facto ser casado não constituía

impedimento ao direito de obter alimentos da herança do membro falecido, uma vez que o normativo em questão não contém qualquer referência ao estado civil da pessoa sobreviva.

Na verdade, no que toca ao estado civil dos membros da união de facto, o n.º 1 do art.º 2020.º limita-se a exigir que a pessoa falecida não seja casada, ou que, sendo casada, se encontre judicialmente separada de pessoas e bens.

Todavia, quer o art.º 20.º, n.º 1, al. a), da LAT, quer o art.º 2020.º do C.C. não podem ser interpretados à margem do ordenamento jurídico português, especialmente no que concerne às normas reguladoras das relações jurídicas familiares.

Com efeito, estando as pessoas casadas reciprocamente obrigadas aos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência (art.º 1672.º do C.C.), não faria sentido que o legislador desse cobertura legal a situações que se traduzissem em violação daqueles deveres. E compreende-se que assim

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seja, pois, como bem salienta a recorrente, as pessoas casadas não podem arrogar-se o exercício de direitos incompatíveis com esse estado civil. Tal atentaria, manifestamente, contra a unidade do sistema jurídico (neste sentido

vide Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. V, p. 626)

Como diz a recorrente, numa perspectiva sistemática, o legislador não podia ignorar que uma pessoa casada não pode integrar uma “União de Facto”, de tal forma que reforçou essa perspectiva na elaboração da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, à semelhança do que havia feito na Lei n.º 135/99, de 28/8.

De facto, as referidas Leis vieram adoptar medidas de protecção das uniões de facto e o que verdadeiramente as distingue é o facto da Lei n.º 135/99 só

abarcou as uniões de facto de pessoas de sexo diferente, enquanto que a Lei n.º 7/2001, que a revogou, também estendeu o seu campo de protecção às uniões de facto independentemente do sexo.

Todavia, quer numa quer na outra, o casamento anterior não dissolvido

constitui um facto impeditivo dos efeitos jurídicos delas decorrentes, salvo se tiver sido decretada a separação judicial de pessoas e bens (vide art.º 2.º,

alínea c), das referidas leis), sendo que um dos efeitos jurídicos nelas previstos

era precisamente a “[p]restação por morte resultante de acidente de trabalho ou doença profissional, nos termos da lei” – art.º 3.º, alínea f) –.

E nem se diga que as Leis n.º 135/99 e n.º 7/2001 assumiram um cariz

inovatório, relativamente ao art.º 2020.º do C.C., no que toca à caracterização da união de facto, pois, como é sabido, aquelas leis vieram alargar

substancialmente a protecção que até aí era conferida às uniões de facto, não fazendo, por isso, sentido que o legislador tivesse querido restringir o conceito das uniões de facto. Nesse aspecto, o legislador limitou-se a dar forma ao entendimento que já estava subjacente ao art.º 2020.º do C.C..

Concluindo, diremos, tal como foi afirmado no acórdão deste Supremo Tribunal, de 26 de Junho de 2007, (publicado na base de dados jurídico-documentais do ITIJ, Processo 07A2003), que como a união de facto incide, nuclearmente, nas áreas sociais e patrimoniais do casamento – nunca nos deveres de vinculação pessoal – o art.º 2020 do Código Civil e as Lei n.ºs 135/99 e 7/2001, excluem a separação judicial de pessoas e bens dos factos impeditivos do reconhecimento legal da união de facto, mas tal não acontece quando existe casamento válido, não dissolvido e sem que esteja decretada separação judicial de pessoas e bens, pois só assim se evitam conflitos de

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interesses e direito conflituantes entre casamento e união de facto.

E, sendo assim, a autora não tem direito à pensão nem ao subsídio por morte que nas instâncias lhe foram reconhecidos, o que implica, só por si, a

procedência do recurso, ficando prejudicado, por isso, o conhecimento da segunda questão suscitada no recurso, qual seja a de saber se a autora tinha de alegar e provar que não pôde obter alimentos das pessoas referidas nas alíneas a) a d) do art.º 2009.º do Código Civil.

4. Decisão

Nos termos expostos, decide-se julgar procedente a revista, revogar a decisão recorrida e absolver a ré do pedido.

Sem custas, nas instâncias e no Supremo, por delas estar isenta a autora. Lisboa, 5 de Novembro de 2008

Sousa Peixoto (Relator) Sousa Grandão

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