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Os Estudantes Negros E A Demanda Por Uma Nova Territorialidade Na Universidade Brasileira

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Academic year: 2021

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Os Estudantes Negros E A Demanda Por Uma Nova Territorialidade Na Universidade Brasileira

Valentina Carranza Weihmüller Vera Helena Ferraz de Siqueira

Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Saúde Núcleo de Tecnologia Educacional em Saúde (NUTES)

Universidade Federal de Rio de Janeiro, Brasil (UFRJ) cw.valetina@gmail.com

Resumen:

Com a implementação da Lei nº 12.711/2012, a presença de estudantes negros no ensino superior brasileiro aumentou consideravelmente. Com o objetivo refletir sobre o processo de democratização das universidades no Brasil, aborda-se com um olhar etnográfico o Encontro de Estudantes e Coletivos Negros, evento realizado em maio/2016 na Universidade Federal de Rio de Janeiro. A análise interpretativa apresentada apoia-se em categorias sócio-espaciais e

antropológicas a fim de identificar e refletir sobre deslocamentos de ordem sócio cultural, e a consequente introdução de fissuras no pensamento e na estrutura hegemônica da universidade. Conclui-se que para avançar na consolidação do processo, é preciso descolonizar o espaço universitário, reconhecendo a diversidade, garantindo lugares de reafirmação identitária, e estimulando a geração do dialogo multicultural.

Palabras clave: estudantes negros, espaço universitário, inclusão, processo de democratização, descolonizar

1. Objetivos o propósitos:

No mês de maio de 2016, no Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Rio de Janeiro (CCS-UFRJ) realizou-se o Encontro Nacional de Estudantes y Coletivos Negros (EECUN). Este evento permitiu construir uma reflexão sobre o processo de democratização e “inclusão” no ensino superior brasileiro. No

contexto de uma recente abertura do espaço social universitário brasileiro através de diversas políticas educacionais de inclusão, cabe-nos perguntar: Como esses novos agentes estão construindo seus próprios territórios dentro da universidade? Como este processo está repercutindo na configuração tradicional da universidade brasileira? A fim de responder a estas questões, este trabalho analisa o

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2. Marco teórico:

Assumimos a universidade como um espaço social específico, que se configura tanto no meio físico-material como no simbólico, a partir das relações sociais que o delimitam. Neste sentido, as relações de poder pela apropriação e definição do que é a universidade, admite uma leitura a partir da noção de territorialidade, ou seja, a partir do vínculo que os agentes sociais mantêm com a alteridade (os outros), com o meio físico que os acolhe e os projetos de ação sobre eles. Assim, a abordagem do espaço, transcendendo perspectivas idealistas e materialistas, torna-se relevante a fim de compreender o caráter conflitivo e dinâmico das relações sociais.

De acordo com vários autores (Haesbaert 2004, Lefebvre 2013, Raffestin, 1993, Porto Goçalves. 2006) o olhar sobre o espaço social supõe uma postura de reconhecimento das relações sociais que o delimitam em termos materiais (de ocupação e apropriação de recursos para a ação) e simbólicos (de determinação dos limites topográficos da identidade). Ao longo deste trabalho propomos uma leitura sócio-espacial do EECUN trazendo conceitos como identificações, lugar/não lugar e colonialidade.

3. Metodología:

Abordamos ao EECUN na sua complexidade como momento paradigmático de síntese, com base em uma perspectiva qualitativa antropológica baseada num modo específico de fazer etnográfico que parte de três pressupostos: “etnografia como experiência, como prática e com base numa certa noção de totalidade” (Magnani 2009, p. 129).

De acordo com Magnani (2009, p. 137) “uma característica da totalidade como pressuposto da etnografia diz respeito à dupla face que apresenta: de um lado, a forma como é vivida pelos atores sociais e, de outro, como é percebida e descrita pelo investigador.” Neste sentido o espaço social universitário durante o EECUN é reconstruído como totalidade a partir da experiência etnográfica e referencias teóricas que permitem iluminar a compreensão dos processos sociais.

A pesquisa foi realizada nos três dias de duração do evento. Para este trabalho contemplamos: a análise espacial do evento e resultados da observação

participante da mesa de abertura, a fim de delimitar e identificar os agentes sociais envolvidos e os arranjos (estratégias) destes agentes na apropriação do espaço.

4. Discusión de los datos, evidencias, objetos o materiales:

Os atores envolvidos. Identificações e territorialidades

Os principais participantes do evento foram estudantes de diversas universidades do Brasil que se auto-reconheciam como negros, muitos deles agrupados em

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“coletivos de estudantes negros”, sendo 15 os coletivos articulados no EECUN. Uma caraterística interessante é que na identificação desses coletivos o critério étnico-racial (a negritude) se amalgama com outros, relativos ao gênero, à juventude e à origem geográfica (cidades, regiões do Brasil). Neste sentido, podemos pensar nesse coletivos como atores, por que conseguem amalgamar diferentes tipos de subjetividades deslocadas, descentradas (HALL, 2000) para “fazer centro” em configurações dinâmicas que permitem o reconhecimento pelo/para o poder de ação.

Outros atores secundários também foram identificados. Para nomear-los seguiremos o critério “nas falas” dos representantes do EECUN:

1. Aliados “brancos”: Reitor da UFRJ, Decana do CCS, Representante da Associação de Docentes da UFRJ.

2. Aliados “negros”: Diretoras da Escola de Educação Física e Desportos (EEFD), representante dos funcionários terceirizados da UFRJ, de movimentos sociais e ONG, de religiões afro-brasileiras, professores, pesquisadores, intelectuais e artistas negros.

Contemplar os outros atores presentes no EECUN é relevante a fim de

compreender a dimensão relacional do espaço. Neste sentido, podemos observar que em relação ao tipo de participação, os atores “brancos” participaram de maneira formal, em seu caráter de representantes institucionais do setor

acadêmico. Não obstante, na mesa de abertura/solene foi interessante observar certo apagamento nas fronteiras entre as autoridades presentes e o EECUN, pois os interlocutores se reconheceram reciprocamente a partir do respeito e uma relativa cumplicidade. A fala dos porta-vozes do EECUN apontando para a “importância dos aliados” no processo de reconhecimentos de direitos do coletivo negro na

Universidade, evidenciaram esta aproximação. Também as autoridades manifestaram sua surpresa e reconhecimento pela magnitude e qualidade do encontro.

Na relação Autoridades/EECUN podemos dizer que o processo de democratização tem conseguido avançar numa universidade que vem se constituindo mais diversa, na qual os novos atores negros são incluídos numa relação de co-presença. Não obstante, também se observaram as fronteiras que ainda existem em termos hierárquicos: o peso da institucionalidade branca sob a emergência negra. Mas é importante dizer que esta fronteira também apresenta fissuras. Autoridades, professores, intelectuais e pesquisadores negros que trabalham dentro dos diferentes espaços universitários podem ser identificados como atores pontes no sentido de gerar contatos e abrir espaços.

A apropriação do espaço. A demanda pelo Lugar

O espaço físico onde o EECUN se desenvolveu no campus da Ilha do Fundão da UFRJ. As principais atividades programadas foram realizadas no Centro de Ciências da Saúde (CCS), fazendo uso do seu maior auditório, algumas salas de aula e dos espaços de circulação.

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O espaço físico de realização do EECUN remete a um novo elemento para a interpretação. O CCS é o centro que engloba o território próprio das ciências da saúde, sendo estas tradicionalmente concebidas a partir da racionalidade moderna positivista, o centro do pensamento branco e elitista. Cursos deste Centro, como de medicina e odontologia, possuem grande prestígio e definem os critérios de

legitimidade do saber deste campo acadêmico. No Brasil esses cursos são muito concorridos, sendo as vagas ocupadas por estudantes majoritariamente brancos e de classe social privilegiada, quadro este ainda pouco alterado, apesar das políticas recentes de inclusão. É importante mencionar que durante o processo de debate sobre a conhecida “Lei de Cotas para o ensino superior brasileiro” (Lei nº

12.711/2012), a UFRJ, e principalmente os docentes de medicina do CCS, manifestaram um posicionamento contrário, reafirmando o discurso da meritocracia.

Ao longo da EECUN o território do CCS, marcado historicamente pela hegemonia branca, foi apropriado por estudantes negros. Os participantes do encontro se movimentavam e faziam uso das instalações, como se estivessem “em casa”,

recriando suas práticas culturais, sua corporeidade étnico-racial e seu agir político. Neste sentido, consideramos interessante interpretar estas dinâmicas de

apropriação do espaço, como uma estratégia necessária para a configuração do território como lugar antropológico, diferente ao não lugar conforme teoriza Marc Augé (1994). O lugar antropológico vem a ser produto da história onde o espaço físico-relacional é preenchido de um sentido social que permite a identificação de um individuo com o seu grupo a partir do reconhecimento “do outro” como alteridade. Opostamente, o não lugar carece do sentido de identificação, de pertença. São os espaços de circulação, de movimento (aeroportos, centros comerciais, hipermercados). O autor relativiza o binômio lugar/não lugar, pois, segundo ele, um lugar antropológico pode ser ao mesmo tempo um não lugar, dependendo do uso e da sociabilidade que cada grupo ou indivíduo recrie nele. O duplo conceito lugar/não-lugar auxilia-nos no sentido de compreender como os estudantes negros, como nova alteridade, vão se apropriando do espaço

universitário, recriando sua própria sociabilidade, sendo este espaço, historicamente, um não lugar para eles.

Interpretamos então que no EECUN, os estudantes universitários negros

reclamaram seu direito de ter seu lugar no espaço universitário. Lugar/território que não se configura só pela mera presença, mas também pela apropriação identitária do espaço. Apropriação que pressupõe a recriação da sociabilidade intra-grupo, ligada a práticas, performances e saberes. Que precisa de acesso a recursos e equipamentos, e especialmente, do reconhecimento “do outro” numa situação de real inclusão e convivência. [Insertar texto]

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A interpretação dos mencionados aspectos em relação ao EECUN permitiu-nos refletir sobre os processos em curso no ensino superior brasileiro, como de implementação das políticas de ação afirmativa, que resultam em maior diversidade sócio cultural de seu alunado. Advertimos que a incorporação de novos atores sociais é um fato que exige mudanças na configuração do espaço universitário, transformações que vão além da co-presença passiva e fragmentária. Os novos atores agem a favor da reconfiguração, exigindo seus próprios lugares territorializados, a partir dos quais passam a exercer seu poder e a legitimar suas práticas e discursos (sócio, cultural e epistemologicamente) diferenciados. Observamos também que este processo de transformação, a despeito das

conquistas históricas dos últimos anos, ainda enfrenta resistências políticas e institucionais arraigadas. A Universidade continua sendo a instituição

paradigmática da racionalidade moderna ocidental, que como indica Castro Gómez (2007) favorece a “ideia de que os conhecimentos têm hierarquias,

especialidades, limites, que distinguem uns de outros campos de saber. Fronteiras epistêmicas que não é possível transgredir” (p.81, tradução nossa). Aníbal Quijano (2005) afirma essa configuração como constitutiva da modernidade, sendo as lógicas de poder/saber coloniais ainda hegemônicas na América Latina. No padrão de poder mundial eurocêntrico, os índios e os negros eram os primitivos, a partir da categorização binária pelo viés no critério de raça (europeu/não europeu). Segundo Castro Gómez (2007) o outro elemento constitutivo da universidade é o seu reconhecimento “como lugar privilegiado da produção de conhecimento” (Castro Gómez, 2007, p.18). Neste sentido, a Universidade, enraizada no eurocentrismo, não só produz conhecimento, também cria e reproduz os mecanismos que garantem sua legitimação na ocupação exclusiva desse lugar. Podemos dizer que o processo de democratização das universidades brasileiras enfrenta atualmente o desafio de se descolonializar. Essa descolonização implica garantir não só o acesso, mas também a permanência, a participação, o encontro inter-cultural, as mudanças curriculares e diversificação teórica e epistemológica.

6. Contribuciones y significación científica de este trabajo:

Esperamos que as reflexões feitas a partir do processo analisado possam

contribuir tanto para aprofundar investigações como para interpelar os tomadores de decisão a nível institucional. Pois acreditamos que a democratização da

universidade só se atinge mudando estruturas de poder colonializantes, legitimando novas territorialidades e promovendo iniciativas que facilitem o encontro intercultural e inter-epistêmico.

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AUGÉ, Marc (1994). Não-Lugares: Introdução a uma antropologia da supermodernidade. São Paulo: Papirus.

BRASIL, Lei nº 12.711, Art. 1º, de 29 de agosto de 2012. Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências. Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos Federativa do Brasil. Publicado no DOU de 30.8.2012. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12711.htm>

Acesso em: 20 jun. 2016.

CASTRO-GÓMEZ, Santiago. (2007) Decolonizar la universidad. La hybris del punto cero y el diálogo de saberes. En: ________ & GROSFOGUEL, Ramón, El giro decolonial. Reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global (p. 79-91). Bogotá: Siglo del Hombre Editores.

EECUN. (2016) Carta de Princípios. Disponível em: < http://eecun.com.br/carta-de-principios/ > Acesso: 18 jun. 2016.

HAESBAERT, Rogério. (2004) O mito da desterritorialização: do fim dos territórios à multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pósmodernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. LANDER, Edgardo. (2005). Ciências sociais: saberes coloniais e eurocêntricos. In: ______________________ et al. A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. (p. 8-23). Buenos Aires: CLACSO.

LEFEBVRE, Henri. (2013). Prefácio: a produção do espaço. Estudos Avançados. 27 (79) 123-132.

MAGNANI, José Gilherme Cantor. (2009). Etnografía como prática e experiência. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 15, n. 32, p. 129-156.

PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. (2006) A geograficidade do social: uma contribuição para o debate metodológico para o estudo de conflitos e movimentos sociais na América Latina. Revista Eletrônica AGB-TL, vol. 1, no 3, p. 5-26.

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QUIJANO, Aníbal. (2005) Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo et al, A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. (p. 107-130). Buenos Aires: CLACSO

Referências

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