• Nenhum resultado encontrado

O uso do método comparativo nas ciências sociais

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "O uso do método comparativo nas ciências sociais"

Copied!
43
0
0

Texto

(1)

1

O uso do método comparativo nas ciências sociais

Sérgio Schneider1 e Cláudia Job Schmitt2 A com p a r a çã o, en qu a n t o m om en t o d a a t ivid a d e cogn it iva , p od e s er con s id er a d a com o in er en t e a o p r oces s o d e con s t r u çã o d o con h ecim en t o n a s ciências s ocia is . É la n ça n d o m ã o d e u m t ip o d e r a ciocín io com p a r a t ivo qu e p od em os d es cob r ir r egu la r id a d es , p er ceb er d es loca m en t os e t r a n s for m a ções , con s t r u ir m od elos e t ip ologia s , id en t ifica n d o con t in u id a d es e d es con t in u id a d es , s em elh a n ça s e d ifer en ça s , e exp licit a n d o a s d et er m in a ções m a is ger a is qu e regem os fenômenos sociais.

Pa r a a lgu n s a u t or es , a im p os s ib ilid a d e d e a p lica r o m ét od o exp er im en t a l à s ciên cia s s ocia is , r ep r od u zin d o, em n ível d e la b or a t ór io, os fen ôm en os es t u d a d os , fa z com qu e a com p a r a çã o s e t or n e u m r equ is it o fu n d a m en t a l em t er m os d e ob jet ivid a d e cien t ífica . É ela qu e n os p er m it e r om p er com a s in gu la r id a d e d os even t os , for m u la n d o leis ca p a zes d e exp lica r o s ocia l. Nes s e s en t id o, a com p a r a çã o a p a r ece com o s en d o in er en t e a qu a lqu er p es qu is a n o campo d a s ciên cia s s ocia is , es t eja ela d ir ecion a d a p a r a a com p r een s ã o d e u m even t o s in gu la r ou volt a d a p a r a o es t u d o d e u m a s ér ie d e ca s os p r evia m en t e escolhidos.

Nes s e a r t igo t om a r em os com o p on t o d e p a r t id a a id éia d e qu e o m ét od o com p a r a t ivo n ã o s e con fu n d e com u m a t écn ica d e leva n t a m en t o d e d a d os em p ír icos . O u s o d a com p a r a çã o, en qu a n t o p er s p ect iva d e a n á lis e d o s ocia l, p os s u i u m a s ér ie d e im p lica ções s it u a d a s n o p la n o ep is t em ológico, r em et en d o a u m d eb a t e a cer ca d os p r óp r ios fu n d a m en t os d a con s t r u çã o d o conhecimento em ciências sociais.

1 . Dou t or a n d o d o Pr ogr a m a d e Pós -Gr a d u a çã o em S ociologia d a UFRGS e Pr ofes s or d o Departamento de Sociologia da UFRGS.

2 . Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFRGS.

SCHNEIDER, Sergio; SCHIMITT, Cláudia Job. O uso do método compara-tivo nas Ciências Sociais. Cadernos de Sociologia, Porto Alegre, v. 9, p. 49-87, 1998.

(2)

2

In icia lm en t e, p r ocu r a r em os r eflet ir a cer ca d a s r ela ções exis t en t es en t r e a com p a r a çã o e a exp lica çã o s ociológica em a lgu m a s d a s a b or d a gen s clá s s ica s d a s ociologia (Com t e, Du r k h eim e Web er ). Pr op om os , a s egu ir , u m b r eve r ot eir o d e qu es t ões r ela t iva s à op er a cion a liza çã o d o m ét od o com p a r a t ivo. Por fim , d is cu t ir em os u m exem p lo con cr et o d e a p lica çã o d o m ét od o com p a r a t ivo, t om a n d o com o r efer ên cia a ob r a d e Ba r r igt on Moor e J r ., “As orige n s s ocia is d a ditadura e da democracia”.

I- O MÉTODO COMPARATIVO NA PERSPECTIVA DOS CLÁSSICOS: COMTE, DURKHEIM E WEBER

A d is cu s s ã o a cer ca d o m ét od o com p a r a t ivo e d e s eu p a p el n a con s t r u çã o d o con h ecim en t o es t á p r es en t e n a s ociologia d es d e os es t u d os clá s s icos d o s écu lo XIX. Ma r x, a o lon go d e s u a ob r a , t r a b a lh ou s is t em a t ica m en t e com o con fr on t o en t r e d ifer en t es ca s os h is t ór icos s in gu la r es . S eu es t u d o a cer ca d a s “for m a ções econ ôm ica s p r é-ca p it a lis t a s ” con s t it u i-s e em u m b om exem p lo n es s e s en t id o. Com t e, Du r k h eim e Web er , p or s u a vez, a in d a qu e d e m od o d ifer en cia d o, utilizaram-s e d a com p a r a çã o com o in s t r u m en t o d e exp lica çã o e gen er a liza çã o. Para esses autores, a análise comparativa encontra-se estreitamente relacionada à p r óp r ia con s t it u içã o d a s ociologia en qu a n t o ca m p o es p ecífico d o con h ecim en t o, perm it in d o qu e es t a s e d is t a n cie d a s ou t r a s ciên cia s s ocia is , d em a r ca n d o s eu terreno próprio de atuação.

S er ã o a n a lis a d a s n es s e a r t igo a s con t r ib u ições d e Com t e, Du r k h eim e Web er , p ois é n a ob r a d es s es a u t or es qu e é p os s ível en con t r a r u m t r a t a m en t o m a is aprofu n d a d o d a s qu es t ões ep is t em ológica s e m et od ológica s a s s ocia d a s a o u s o d a comparação na construção do conhecimento em ciências sociais.

(3)

3

1.1 Os fundamentos da Física Social

Atribui-s e a Com t e, com ju s t iça , a or igem d a S ociologia ou Fís ica S ocia l, com o ele m es m o p r efer iu ch a m a r a ciên cia in cu m b id a d e es t u d a r os fen ôm en os s ocia is . As con s id er a ções qu e s e s egu em b u s ca m r ecu p er a r s u a s for m u la ções a cer ca d a Fís ica S ocia l, s eu ca m p o d e es t u d os e m et od ologia d e in ves t iga çã o, d a n d o es p ecia l a t en çã o à s p r op os ições d o a u t or a cer ca d o u s o d a com p a r a çã o n a análise sociológica.

Viven d o n a ép oca d e efer ves cên cia p olít ica e s ocia l qu e m a r cou os p r im ór d ios d a in d u s t r ia liza çã o eu r op éia , Com t e (1 7 9 8 -1 8 5 7 ) im p ôs -se a t a r efa d e fu n d a r u m a ciên cia s ocia l p os it iva , qu e d es fr u t a r ia d e p r es t ígio e r igor s em elh a n t es à s d em a is ciên cia s exp er im en t a is3. Na s u a op in iã o, s om en t e com a Fís ica S ocia l com p let a r -se-ia o ed ifício p or ele d en om in a d o d e "s is t em a d a s ciências da observação", integrado pela astronomia, pela física, pela química e pela fisiologia (ou Biologia)4.

S egu n d o Com t e, a Fís ica S ocia l es t a r ia in cu m b id a "d o es t u d o p os it ivo d o con ju n t o d a s leis fu n d a m en t a is a p r op r ia d a s a os fen ôm en os s ocia is ", ca b en d o-lhe p or is s o o n om e d e S ociologia . Pa r a Com t e, a Fís ica S ocia l n ã o d ever ia s er cr ít ica n em r et r óga d a , m a s or gâ n ica . S ó a s s im s er ia ca p a z d e im p u ls ion a r a h u m a n id a d e a o p r ogr es s o e r es p on d er a os d es a fios d e s u a ép oca , em u m a s ocied a d e qu e "s e e n con tra v a , s ob o a s p e cto m ora l, e m u m a v e rd a d e ira e p rofu n d a a n a rqu ia ... e , n ã o havendo outra solução admissível a não ser a formação da Filosofia Positiva” 5.

3 . Durante muitos anos Comte foi um dos principais discípulosde Saint Simon.

4 . Com t e d efin e a Fís ica S ocia l com o s en d o “…a ciê n cia qu e te m p or ob je tiv o p róp rio o e s tu d o d os

f e n ôm e n os s ocia is , con s id e ra d os com o m e s m o e s p írito qu e os f e n ôm e n os a s tron ôm icos , f ís icos , qu ím icos e f is iológicos , is to é , com o re a lid a d e s s u b m e tid a s a le is n a tu ra is in v a riá v e is ...”. Boa p a r t e

d a s cit a ções u t iliza d a s n es s a s eçã o d es s e a r t igo for a m r et ir a d a s d a ob r a “Cu rs o d e Filos of ia

Positiva” d e Com t e. Pa r a fa cilit a r o a ces s o d o leit or a es s e m a t er ia l for n ecem os a qu i, s em p r e qu e

p os s ível, a p a gin a çã o u t iliza d a n a colet â n ea or ga n iza d a p or E va r is t o d e Mor a es Filh o. Ver : MORAE S FILHO, E va r is t o (or g). Comte: s ociologia . S ã o Pa u lo: Át ica , 1 9 8 3 . Pa r a a qu eles t r ech os d a ob r a n ã o in clu íd os n o volu m e or ga n iza d o p or Mor a es Filh o, r ecor r em os à cit a çã o d o t ext o or igin a l de Comte. Ver: COMTE, A. Curso de filosofia positiva. São Paulo: Nova Cultural, 1988.

(4)

4

Pa r a cr ia r es t a n ova d is cip lin a e a d equ á -la a o m ét od o d a s d em a is ciên cia s exp er im en t a is , Com t e d efr on t a r -se-ia com t r ês p r ob lem a s fu n d a m en t a is : (i) com o a t r ib u ir à S ociologia u m a es p ecificid a d e e u m ca m p o p r óp r io d e exp er im en t a çã o; (ii) com o d efin ir s eu es t a t u t o t eór ico; (iii) com o a d equ á -la a o m ét od o cien tífico universal das ciências.

Qu a n t o a o p r im eir o p r ob lem a , Com t e fa zia qu es t ã o d e s a lien t a r a d ifer en ça en t r e a Fís ica S ocia l, in cu m b id a d a ob s er va çã o d os fen ôm en os s ocia is , e a Fis iologia , qu e s e ocu p a va d os fen ôm en os b iológicos . Pa r a ele, "a in d a qu e a Fis iologia d a e s p é cie e d o in d iv íd u o s e ja m d u a s ciê n cia s a b s olu ta m e n te d a m e s m a ord e m , ou a n te s , d u a s p orçõe s d is tin ta s d e u m a ciê n cia ú n ica , n ã o é m e n os in d is p e n s á v e l con ce b ê -la s e tra tá -la s s e p a ra d a m e n te ” 6. A r ela çã o es t a b elecid a p or

Com t e en t r e a S ociologia e a Biologia es t a va d ir et a m en t e liga d a a o m ét od o u n iver s a l d a s ciên cia s d a exp er im en t a çã o (qu e d et a lh a r em os m a is a d ia n t e), baseado no princípio da indução e da filiação gradual. Entretanto, segundo Comte, a S ociologia p od er ia e d ever ia a p r en d er o m od o p os it ivo d e p r oced er , qu e ou t r a s disciplinas, como a Biologia, já haviam incorporado.

E m r ela çã o a o es t a t u t o t eór ico d a Fís ica S ocia l, Com t e r et om a os p os t u la d os n om ológicos d e Ba con a o a fir m a r qu e t od o con h ecim en t o r ea l r ep ou s a n os fa t os observados e toda especulação imaginativa deve ser subordinada à observação dos fa t os em s i. Ao m es m o t em p o, o a u t or es t a b elece qu e "n e n h u m a v e rd a d e ira ob s e rv a çã o é p os s ív e l s e m qu e s e ja p rim e ira m e n te d irigid a e fin a lm e n te in te rp re ta d a por uma teoria"(Comte, Curso de Filosofia Positiva, Primeira Lição, III).

As t eor ia s , p or t a n t o, con s is t em n a a fir m a çã o d e d et er m in a d a s leis in va r iá veis qu e r egem o com p or t a m en t o d os fen ôm en os s ocia is . A Filos ofia Positiva, por sua vez, enquanto ciência busca a coordenação dos fatos através de uma teoria ou de uma lei geral de explicação. Assim: " ... é nas leis dos fenômenos qu e con s is te re a lm e n te a ciê n cia , à qu a l os fa tos p rop ria m e n te d itos , p or m a is e x a tos

(5)

5

e n u m e ros os qu e p os s a m s e r, n a d a m a is forn e ce m d o qu e os m a te ria is indispensáveis"7.

Pa r a Com t e o ob jet ivo d a ciên cia é s u b m et er con t in u a m en t e t od o e qu a lqu er fen ôm en o a leis r igor os a m en t e in va r iá veis . A p a r t ir d es s es p os t u la d os u n iver s a is , torna-s e p os s ível ext r a ir leis ger a is , p r even d o os r es u lt a d os d e fen ôm en os s em elh a n t es qu e a con t eça m em s it u a ções d e es p a ço e t em p o d is t in t a s . Fatos n ovos p a s s a m a s er exp lica d os à lu z d e for m u la ções n om ot ét ica s p r é-estabelecidas, e é nisso que consiste o espírito positivo.

E m r ela çã o a o m ét od o, o t er ceir o e ú lt im o p r ob lem a com o qu a l s e d ep a r ou , Com t e a p on t a a indução e a filia çã o h is t órica como in s t r u m en t o fu n d a m en t a l d a d ou t r in a p os it iva . S eu p r in cíp io ger a l é o gr a d u a lis m o lógico p elo qu a l s e es t a b elece qu e é "p ela vin cu la çã o d os fa t os p r eced en t es qu e s e a p r en d e ver d a d eir a m en t e a con s id er a r os fa t os s egu in t es ". Des s e m od o, o m ét od o lógico-ind u t ivo cu lm in a n a for m u la çã o d e p os t u la d os , a os qu a is Com t e p r efer iu d a r o n om e d e t eor ia s p os it iva s ou leis ger a is e in va r iá veis . E m b or a a S ociologia t en h a s u a d ou t r in a e s eu p r óp r io ca m p o d e ob s er va çã o, ela com p a r t ilh a d a u n icid a d e metodológica, própria ao conjunto das ciências da observação8.

Baseando-s e n o p r in cíp io indutivo, Com t e a fir m a s er a filia çã o gr a d u a l (gr a d u a lis m o) a m elh or m a n eir a d e t or n a r a S ociologia u m a ciên cia ob jet iva . As leis ger a is e in va r iá veis fu n cion a r ia m com o p os t u la d os e a xiom a s qu e s er ia m t es t a d os e con fr on t a d os com os fa t os a t r a vés d a exp er im en t a çã o. No lim it e, a p r óp r ia for m u la çã o d es s a s leis ou d es s es p os t u la d os d ep en d er ia d o gr a d u a lis m o lógico in er en t e a o m ét od o, ou s eja , u m a lei ger a l e in va r iá vel s e con s t it u i a t r a vés d o m ét od o u n iver s a l qu e t a m b ém p a s s a a s er o m od o d e fa zer ciên cia d a Filos ofia Positiva.

7. Ver: MORAES FILHO, op.cit., p. 53.

8. Segundo Comte, o método não é sucetível de ser estudado separadamente das pesquisas em que é utilizado. “Quanto

à doutrina, não é necessário que seja uma só; basta que seja homogênea. É, portanto, sob esse duplo ponto de vista, da unidade dos métodos e da homogeneidade das doutrinas, que consideramos, neste Curso, as diferentes classes de teorias positivas”. Ver: MORAES FILHO, op.cit., pp. 73 e 81.

(6)

6

Ain d a n o qu e s e r efer e a o m ét od o, Com t e n os for n ece d ois cor olá r ios fu n d a m en t a is a es t e p r in cíp io lógico-ind u t ivo a n t er ior m en t e exp os t o: (i) d eve-se a fa s t a r a s ca u s a s en qu a n t o p r eocu p a çã o d a Fís ica S ocia l e, (ii) b u s ca r n o m ét od o histórico, através da filiação gradual, o complemento lógico ao positivismo. Quanto a o p r im eir o cor olá r io, Com t e a fa s t ou d e s u a s p r eocu p a ções a b u s ca das ca u s a lid a d es (p r in cíp io fu n d a m en t a l d o p en s a m en t o d e Du r k h eim ). Pa r a ele, o ob jet ivo d a Filos ofia Pos it iva er a o d e s u b m et er os fen ôm en os à leis in va r iá veis e não procurar suas causas, fossem elas primárias ou finais. Segundo Comte:

“A v e rd a d e ira ciê n cia con s is te , tod a e la , n a s re la çõe s e x a ta s e s ta b e le cid a s e n tre os fa tos ob s e rv a d os , a fim d e d e d u z ir, d o m e n or n ú m e ro p os s ív e l d e fe n ôm e n os fu n d a m e n ta is , a s é rie m a is e x te n s a d e fe n ôm e n os s e cu n d á rios , re n u n cia n d o a b s olu ta m e n te à v ã p e s qu is a d a s ca u s a e d a s essências. Numa palavra, a revolução fu n d a m e n ta l qu e ca ra cte riz a a v ita lid a d e d e n os s a in te ligê n cia con s is te e s s e n cia lm e n te e m s u b s titu ir, e m tod a p a rte , a in a ce s s ív e l determinação das causas propriamente ditas pela simples pesquisa das leis (…) a determinação do como à do porque”9.

Nes t e a s p ect o, a id en t ifica çã o d e Com t e com os p r oced im en t os d efen d id os p or Ba con é com p let a . A con cep çã o d e Com t e p od e s er ca r a ct er iza d a , d e m od o sucinto, através do seguinte esquema:

(7)

7

No qu e s e r efer e a o s egu n d o cor olá r io, p od e-s e a fir m a r qu e, em b or a Com t e con s id er a s s e s u a n ova d is cip lin a cien t ífica ca p a z d e a p r op r ia r -s e d os m eios in ves t iga t ivos d a s ou t r a s ciên cia s10, es t a b eleceu com o com p lem en t o in d is p en sável à lógica positiva "o modo histórico propriamente dito, constituindo a investigação, não por simples comparação, mas por filiação gradual"11.

At r a vés d o p r in cíp io m et od ológico d a filia çã o gr a d u a l, Com t e ga r a n t e u m a es p ecifid a d e à Fís ica S ocia l p er a n t e à s ou t r a s ciên cia s , a o m es m o t em p o em qu e aprimora seus procedimentos metodológicos. Aqui a analogia no modo de proceder p os it ivo en t r e a S ociologia e a Biologia é es t r eit a e evid en t e. Pa r t e-s e d o ger a l a o p a r t icu la r , d o gr u p o p a r a o in d ivíd u o, u t iliza n d o-se como procedimento a comp a ração. Pa r a Com t e, “n a fís ica d os cor p os or ga n iza d os , a o con t r á r io, s en d o o p r óp r io h om em o t ip o m a is com p let o d o con ju n t o d os fen ôm en os , s u a s d es cob er t a s p os it iva s com eça m n eces s a r ia m en t e p elos fa t os m a is ger a is , qu e lh e p r op or cion a m d ep ois u m a lu z in d is p en s á vel p a r a es cla r ecer o es t u d o d e u m gên er o d e p or m en or es . Começa-s e p or d e s ce r d o ge ra l p a ra o p a rticu la r, p orqu e conhece-se mais diretamente o conjunto do que as partes"12.

Com t e a d m it ia qu e a d es cr içã o em p ír ica a b s olu t a d o m od o d e s er d os fen ôm en os er a im p os s ível, r econ h ecen d o p or is s o qu e a m a n eir a m a is ju d icios a d e proceder na Sociologia para manter o rigor científico e metodológico deveria incluir os s egu in t es p a s s os : (i) a ob s er va çã o p r op r ia m en t e d it a ou exa m e d ir et o d o fen ôm en o; (ii) a exp er iên cia , con t em p la çã o d o fen ôm en o em con d ições a r t ificia is (a t r a vés d a u t iliza çã o d e r ecu r s os d e in ves t iga çã o) e; (iii) a com p a r a çã o, is t o é, a

10. “... além da aptidão quanto às deduções, desenvolvidas na fase matemática, a possibilidade de exploração direta

que manifesta a fase astronômica, a apreciação experimental própria da fase físico-química, e, enfim, o método comparativo, emanado da fase biológica....” Ver: MORAES FILHO, op. cit., p. 85.

11 . Ver: MORAES FILHO, op. cit., p. 85. 12 . Ver: MORAES FILHO, op. cit., p. 83.

CIÊNCIA

=

(8)

8

con s id er a çã o gr a d u a l d e u m a s ér ie d e ca s os a n á logos , a t r a vés d a qu a l o fen ôm en o s e s im p lifica ca d a vez m a is . Os d ois p r im eir os s ã o com u n s a t od a s a s ciên cia s , d e m od o es p ecia l à s exp er im en t a is , e o ú lt im o r efer e-s e m a is d ir et a m en t e à Sociologia, e deve ser analisado à parte, tendo em vista os objetivos desse artigo13.

1.2 O método comparativo segundo Augusto Comte

Os p r oced im en t os com p a r a t ivos d e Com t e es t ã o in s p ir a d os n a b iologia e m er ecem u m a con s id er a çã o p r elim in a r . S egu n d o Com t e, qu a n d o s e ob s er va a s ocied a d e com o u m t od o, d eve-se entendê-la como um organismo social complexo. As p a r t es con s t it u in t es d evem s er a n a lis a d a s d e u m a for m a a n á loga a os m em b r os do corpo humano, ou seja, a partir da observação das funções desempenhadas por ca d a p a r t e. A d ifer en ça fu n d a m en t a l qu e exis t e en t r e a m b a s a s d is cip lin a s científicas reside na experimentação, que na Biologia é direta e na Sociologia se dá d e m od o in d ir et o. Con t u d o, Comte acreditava qu e r ed u zid a à es t á t ica s ocia l "a u tilid a d e cie n tífica d e ta l com p a ra çã o era v e rd a d e ira m e n te in con te s tá v e l”, m es m o que o es t a d o gr egá r io h u m a n o t ives s e con h ecid o u m a evolu çã o p r ogr es s iva d es d e os primórdios em relação às variações quase imperceptíveis dos animais14.

Para Comte as leis ger a is e in va r iá veis p od ia m s er d es cob er t a s n a S ociologia p or in t er m éd io d a com p a r a çã o, n o t em p o e n o es p a ço, en t r e d ifer en t es ép oca s h is t ór ica s ou d ifer en t es a gr u p a m en t os h u m a n os . A S ociologia dever ia s e va ler d o m ét od o com p a r a t ivo u t iliza d o n a Biologia , d es d e qu e d e m od o or d en a d o e obedecend o a u m en ca d ea m en t o r a cion a l. O u s o d a com p a r a çã o n a Biologia en volvia , s egu n d o o a u t or : (i) a com p a r a çã o en t r e a s d iver s a s p a r t es d e ca d a or ga n is m o d et er m in a d o; (ii) a com p a r a çã o en t r e os s exos ; (iii) a com p a r a çã o en t r e

13. S egu n d o Com t e, n a S ociologia , em vir t u d e d a in cid ên cia d a s p a ixões s ob r e o in ves t iga d or , o espírito positivo ainda se encontra fragilizado. Isso requer um esforço extra dos pesquisadores para qu e r es gu a r d em com ext r em o cu id a d o s u a s p os ições em r ela çã o a os ob jet os n o m om en t o d a observação.

(9)

9

as diversas fases do desenvolvimento de um organismo; (iv) a comparação entre as diferent es r a ça s ou va r ied a d es d e ca d a es p écie; (v) en fim , o m a is a lt o n ível, constituído pela comparação entre todos os organismos da hierarquia biológica.

Na S ociologia a com p a r a çã o t a m b ém p od er ia ocor r er em d ifer en t es n íveis . Na com p a r a çã o S ociológica , o p r im eir o p r oced im en t o en volver ia o con t r a s t e en t r e a s p a r t es con s t it u t iva s d e u m a s ocied a d e e a id en t ifica çã o d e d ifer en ça s s im p les sociedade-s ocied a d e (con for m e it en s 1 e 2 a cim a ). O s egu n d o p a s s o r efer e-s e à comparações entre sociedades humanas em diferentes épocas, como, por exemplo, en t r e m od er n os e p r im it ivos (it em 3 a cim a , s egu in d o a a n a logia com o u s o d o m ét od o com p a r a t ivo n a Biologia ). E m t er ceir o, s egu n d o Com t e, a exem p lo d a Biologia , a S ociologia d ever ia con s t r u ir cla s s ifica ções en volven d o d ifer en t es r aças, gên er os , et n ia s e fa m ília s , p a r a m elh or com p a r a r , p ois , com o ele p r óp r io m en cion ou , "n a d a é m a is a p r op r ia d o d o qu e es t e p r oced im en t o p a r a ca r a ct er iza r n it id a m en t e a s d iver s a s fa s es es s en cia is d a evolu çã o h u m a n a " (r efer in d o-s e a o it em 4 a cim a ). E , fin a lm en t e, a com p a r a çã o h is t ór ica d os d iver s os es t a d os con s ecu t ivos d a h u m a n id a d e, a t r a vés d o m ét od o d a filia çã o gr a d u a l on d e, à semelhança da Biologia, se comparam todos os organismos da hierarquia (item 5).

A im p or t â n cia qu e Com t e a t r ib u i à com p a r a çã o h is t ór ica com o m ét od o p or excelên cia d a Fís ica S ocia l, es t á t a n t o n a s u a d ifer en ça em r ela çã o a os m ét od os u t iliza d os p ela s d em a is ciên cia s , com o p elo fa t o d ela cor r ob or a r o p r in cíp io m et od ológico qu e con s is t e em p r oced er d o u n iver s a l p a r a o p a r t icu la r (d o geral p a r a o es p ecífico), p er m it in d o o u s o r a cion a l d a s s ér ies s ocia is . Por t a n t o, a comparação por filiação gradual constitui-se no procedimento metodológico que dá con s is t ên cia ep is t em ológica a o m ét od o d es t in a d o a d a r s u p or t e à n ova ciên cia incumbida do estudo dos fenômenos sociais.

(10)

10

2. DURKHEIM E A COMPARAÇÃO COMO LEI DE EXPLICAÇÃO SOCIOLÓGICA

A com p lexid a d e e a im p or t â n cia d a a b or d a gem t eór ico-m et od ológica d e Du r k h eim n ã o p od em s er com p r een d id a s (ou a t u a liza d a s ) s em u m a r eflexã o a cer ca d o lu ga r ocu p a d o p ela com p a r a çã o em s u a ob r a , n o qu e s e r efer e à con s t r u çã o d a exp lica çã o s ociológica . Con cor d a m os a qu i com Ra gin & Za r et qu a n d o a fir m a m qu e a a n á lis e com p a r a t iva ocu p a u m lu ga r cen t r a l n a ob r a d e Du r k h eim , ju s t a m en t e p or qu e é a t r a vés d ela qu e o a u t or a p r es en t a s u a s s olu ções p a r a a lgu n s d os p r ob lem a s fu n d a m en t a is d a s ciên cia s s ocia is , en t r e eles , a d ifícil conciliação entre a complexidade e a generalidade da pesquisa social15.

Du r k h eim em p r ega d ifer en t es in s t r u m en t os a n a lít icos , com o os t ip os id ea is e a s es p écies s ocia is , n a op er a cion a liza çã o d e u m a es t r a t égia d e com p a r a çã o s is t em á t ica . Ma s , a in d a qu e o a u t or t en h a ch a m a d o a t en çã o p a r a a im p or t â n cia d o m ét od o com p a r a t ivo n a a n á lis e s ociológica , o s ign ifica d o ep is t em ológico d es t e procedimento nem sempre aparece de forma explícita em seus escritos.

Antes de analisarmos a forma como Durkheim utiliza o método comparativo, con s id er a m os n eces s á r io evid en cia r d ois p a s s os d ecis ivos qu e a n t eced em o u s o d a com p a r a çã o em s u a a b or d a gem s ociológica . In icia r em os n os s a r eflexã o r et om a n d o a p er s p ect iva d u r k h eim ia n a a cer ca d os fu n d a m en t os ep is t em ológicos d a exp lica çã o ca u s a l p a r a , a s egu ir , d is cu t ir a con s t it u içã o d os t ip os s ocia is , o qu e deverá nos conduzir, finalmente, ao tema central da discussão desse artigo.

2.1. Os fundamento epistemológicos da explicação causal

15 . Algu n s d os a r gu m en t os a p r es en t a d os a s egu ir for a m r et ir a d os d o a r t igo d e Ra gin e Za r et . Ver: RAGIN, C. e ZARE T, D. Th eor y a n d m ethod in comparative research: two strategies. Social forces, Chappel Hill, v. 61, n. 3, p. 731-754, March 1983.

(11)

11

E m t er m os ep is t em ológicos , Du r k h eim a licer ça s u a p r op os t a t eór ico-m et od ológica eico-m u ico-m p r in cíp io ger a l, qu e s e d ivid e eico-m d ois p os t u la d os fu n d a m en t a is . Por u m la d o, a cr ed it a qu e a s ocied a d e h u m a n a d eva s er es t u d ada com o os d em a is or ga n is m os b iológicos , p os s u in d o u m a lógica or ga n iza t iva s em elh a n t e à d a s s ocied a d es a n im a is . Por ou t r o, p os t u la qu e, p a r a con h ecer e exp lica r o or ga n is m o s ocia l, é p r ecis o d es ven d a r s u a s con exões es s en cia is , formadas pelas relações de causalidade e de funcionalidade que lhe são inerentes.

O primeiro postulado é afirmado por Durkheim quando este estabelece uma r egr a fu n d a m en t a l com o p on t o d e p a r t id a d e s eu m ét od o, qu a l s eja , a d e qu e "os fatos sociais devem ser tratados como coisas"16. Essa regra impõem ao sociólogo que es t e s e coloqu e em u m es t a d o d e es p ír it o s em elh a n t e a o d e u m fís ico ou u m qu ím ico em u m la b or a t ór io, d e for m a a t r a t a r os ob jet os d e es t u d o d a ciên cia social como coisas, ou seja, enquanto realidades externas à sua consciência.

Na ver d a d e, a n t es d e os fa t os s ocia is p od er em s er t r a t a d os com o cois a s , ou s eja , t or n a r em -s e p a s s íveis d e s er em s u b m et id os a o m ét od o p os it ivo, Du r k h eim p r ecis ou con fer ir -lh es o es t a t u t o d e ob jet os d o con h ecim en t o cien t ífico, diferenciando-os d os fa t os in d ivid u a is ou p s icológicos , e d os fa t os ger a is ou vu lga r es (con s t r u íd os a p a r t ir d o s en s o com u m ). Os fa t os s ocia is s ã o ca r a ct er iza d os e d efin id os p or s u a ext er ior id a d e a o in d ivíd u o, e p or exer cer s ob r e ele u m a coer çã o ou u m p od er im p er a t ivo. S ã o, p or t a n t o, a lh eios à von t a d e in d ivid u a l, qu e es t á s u b m et id a a eles , em gr a u va r ia d o, p or ém , d e m od o inescapável.

O segundo postulado epistemológico da teoria durkheimiana é decorrente do a n t er ior , e r efer e-s e à s r ela ções d e ca u s a lid a d e qu e con s t it u em a es s ên cia d os fatos sociais, sendo o alvo da explicação sociológica17. As relações causais são o elo de ligação dos fenômenos coletivos (fatos sociais) com suas partes constituintes (os

16. Ver : DURKHE IM, E . As r e g r a s d o m é t o d o s o c i o l ó g i c o . S ã o Pa u lo: E d it or a Na cion a l, 1 9 8 5 . p . XXI.

17. Im p or t a n t e n ã o con fu n d ir o ob jet o d e es t u d o d a s ociologia d e Du r k h eim , qu e s ã o os fa t os s ocia is , com a exp lica çã o s ociológica p r op r ia m en t e d it a , qu e é a elu cid a çã o d a s r ela ções d e causalidade.

(12)

12

in d ivíd u os qu e in t egr a m a s ocied a d e). As s im , d es ven d a r a n a t u r eza d a s r ela ções qu e s e es t a b elecem en t r e a s p a r t es (in d ivíd u os ) e o t od o (a s ocied a d e), s ign ifica revelar as conexões causais que mantêm a ordem e o funcionamento do organismo s ocia l, à s em elh a n ça d o qu e ocor r e com os d em a is or ga n is m os b iológicos . No es t u d o d os fa t os s ocia is o cien t is t a d eve p r ocu r a r r evela r a s ca u s a s , or ien t a n d o-se a p a r t ir d os efeit os p or ela s p r od u zid os . Dever á a gir , p or t a n t o, d e for m a a n á loga a u m m éd ico, qu e b u s ca a m a in a r a d or (efeit o) d e s eu p a cien t e, a t a ca n d o a d oen ça (causa) que lhe dá origem.

O p r in cíp io ger a l a qu i exp licit a d o, a t r a vés d e s eu s d ois p os t u la d os , s er ve d e fu n d a m en t o a o ed ifício t eór ico d u r k h eim ia n o, es t a b elecen d o a s b a s es d a ob jet ivid a d e e d a cien t ificid a d e d o con h ecim en t o s ob r e o s ocia l. E s t a con s t r u çã o a n a lít ica , p r op os t a p or Du r k h eim , en con t r a -s e a s s en t a d a , s egu n d o Fer n a n d es18, em t r ês p a t a m a r es d is t in t os , h ier a r qu ica m en t e d is p os t os : (i) a d elim it a çã o d o ob jet o a t r a vés d a ob s er va çã o s ociológica ; (ii) a con s t it u içã o d os t ip os s ocia is m éd ios (ou in s t â n cia s em p ír ica s , com o p r efer e Fer n a n d es ) e; (iii) a exp lica çã o d o fato social propriamente dita.

No p r im eir o a n d a r , b u s ca -s e d et er m in a r o fa t o s ocia l com o ob jet o d a S ociologia , en ca r a n d o-o p os it iva m en t e en qu a n t o cois a (d a d o), e n ã o com o r ep r es en t a çã o. Feit o is s o, Du r k h eim s u ger e com o cor olá r ios a es t a r egr a fundamental o afastamento das pré-noções, a definição objetiva do que se estuda e a con s id er a çã o d e m a n ifes t a ções colet iva s . Com r es p eit o à d elim it a çã o d o ob jet o, deve-s e m en cion a r a in d a a d is t in çã o en t r e os fa t os d e n a t u r eza n or m a l e os patológicos.

Ao d efin ir os fen ôm en os s ocia is em s i m es m os , d es t a ca d os d os in d ivíd u os con s cien t es qu e for m u la m r ep r es en t a ções a s eu r es p eit o, com o ob jet o d e a n á lis e da sociologia, Durkheim rejeita tanto o nominalismo das generalizações filosóficas, quanto o individualismo e o gradualismo das explicações positivas. O nominalismo e o gr a d u a lis m o s ã o r ejeit a d os , d e u m la d o, p elo fa t o d a s ociologia "n ã o s er u m

(13)

13

cor olá r io d a p s icologia " e n ã o t r a t a r d os fen ôm en os r ela t ivos à vid a in d ivid u a l e p a r t icu la r d e ca d a s er h u m a n o, d e ou t r o, p or qu e a s s ocied a d es h u m a n a s n ã o exis t em p or ju s t a p os içã o, s en d o a s d e t ip o s u p er ior m er a evolu çã o d a qu ela s m a is simples.

A ciên cia r ea lis t a e r a cion a lis t a , com o a d efin e o p r óp r io Du r k h eim , d eve es t en d er à con d u t a h u m a n a o r a cion a lis m o cien t ífico, p ois , a p a r t ir d e u m a a n á lis e t em p or a l, é p os s ível r ed u zir os fa t os s ocia is à u m con ju n t o d e r ela ções d e ca u s a e efeit o19. Nes t e s en t id o, Du r k h eim r om p e com a s for m u la ções d e Com t e, S p en cer e S t u a r t Mill, qu e n ã o ob s t a n t e t er em d ecla r a d o qu e os fa t os s ocia is s ã o fa t os d a n a t u r eza , n ã o os t r a t a r a m com o cois a s , ou s eja , en qu a n t o ob jet os d o método positivo.

O m ér it o d e Com t e é p a r t icu la r m en t e r es s a lt a d o p or Du r k h eim , p or t er s id o es t e a u t or o p r im eir o a a b a n d on a r a s gen er a lid a d es filos ófica s e r econ h ecer o ca r á t er em p ír ico d os fa t os s ocia is , a p lica n d o-lh es o m es m o o p r in cíp io exp lica t ivo u t iliza d o p ela s d em a is ciên cia s p os it iva s . No en t a n t o, o er r o d e Com t e, s egu n d o Du r k h eim , foi o d e n ã o t er p er ceb id o qu e a evolu çã o gr a d u a l d a s s ocied a d es é u m a id éia (r ep r es en t a çã o) qu e for m a m os p a r a s er vir d e r ecu r s o con cep t u a l e n os a p r oxim a r m os d a r ea lid a d e. Por s i s ó a s ocied a d e n ã o é u m ob jet o d e es t u d o e t a m p ou co s u a evolu çã o gr a d u a l. Os ob jet os s ociológicos , s egu n d o Du r k h eim , n eces s it a m s er con s t r u íd os e s ep a r a d os d os fa t os com u n s ou vu lga r es , e p or es s a r a zã o a s im p les d es cr içã o d a evolu çã o gr a d u a l, p r op os t a p or Com t e, fica a m eio caminho da explicação sociológica.

Pa r a Du r k h eim , Com t e t in h a u m p r oced im en t o m et ód ico - a exp lica çã o p os it iva d os fa t os s ocia is a p a r t ir d a s leis d e filia çã o gr a d u a l – m a s n ã o u m ob jet o de estudo. Comte considerava que a Sociologia deveria ser construída com base na s im p les ob s er va çã o e for m u la çã o d e leis ger a is in va r iá veis . Da m es m a m a n eir a , s egu n d o Du r k h eim , S p en cer t er ia com et id o er r o s em elh a n t e, a o p a r t ir d e u m a 18. Ver : FE RNANDE S , Flor es t a n . Fu n d a m e n t o s e m p í r i c o s d a e x p l i c a ç ã o s o c i o l ó g i c a . S ã o Paulo: T. A. Queiroz, 1980. p. 71.

(14)

14

r ep r es en t a çã o a b s t r a t a d a s ocied a d e e d a coop er a çã o, p a r a d efin ir , p or d ed u çã o, o ob jet o d a s ociologia . O m es m o a con t ecer ia com S t u a r t Mill, a o n ã o for n ecer os elementos concretos nos quais baseou sua reflexão sobre a aquisição de riquezas.

E m Du r k h eim , o s ocia l s e exp lica p elo s ocia l, is t o é, a s con exões ca u s a is fu n d a m en t a is s e d es ven d a m a p a r t ir d a s r ela ções s ocia is p or ela s p r óp r ia s en gen d r a d a s , e, m u it a s vezes , n ã o p er cep t íveis a “olh o n u ”. Pa r a Du r k h eim , a o contrário de Comte, "o todo não é idêntico à soma das partes, constitui algo diferente e cu ja s p rop rie d a d e s d iv e rge m d a qu e la s qu e a p re s e n ta m a s p a rte s d e qu e é com p os to.(...) A s ocie d a d e n ã o é u m a s im p le s s om a d e in d iv íd u os , e s im u m s is te m a form a d o p e la s u a a s s ocia çã o, qu e re p re s e n ta u m a re a lid a d e e s p e cífica com s e u s caracteres próprios"20.

No p r im eir o a n d a r d o ed ifício t eór ico d e Du r k h eim os s ociólogos a in d a n ã o n eces s it a m d e t eor ia s . S egu n d o Fer n a n d es , s om en t e à m ed id a qu e a in ves t iga çã o sociológica progredir é que delas se beneficiarão. Até lá, e mesmo depois, precisam s a b er p r oced er a d es cr ições exa t a s , a ob s er va ções b em feit a s e, em p a r t icu la r , d evem a p r en d er a ext r a ir d a com p lexa r ea lid a d e s ocia l os fa t os qu e in t er es s a m p r ecis a m en t e à S ociologia . Pa r a a t in gir es t es fin s n ã o n eces s it a m d e u m a t eor ia s ociológica , p r op r ia m en t e fa la n d o, m a s d e u m a es p écie d e t eor ia d a in ves t iga çã o s ociológica , o qu e é ou t r a cois a e p r es u m ivelm en t e a lgo exeqü ível e legít im o. É ju s t a m en t e a í qu e a S ociologia p od er ia a p r oveit a r a liçã o e a exp er iên cia d a s ciências mais maduras: transferindo para seu campo de estudos os procedimentos cien t íficos u s a d os n a s ciên cia s em p ír ico-in d u t iva s , d e ob s er va çã o ou experimentais21.

2.2. A elaboração das instâncias empíricas: os tipos sociais médios

20. Ver: DURKHEIM, op cit, 1985, p. 89-90. 21 . Ver: FERNANDES, op. cit, p. 72.

(15)

15

E s t a b elecid os os p r es s u p os t os ep is t em ológicos e a s r egr a s r ela t iva s à d elim it a çã o e à ob s er va çã o d os fa t os s ocia is , Du r k h eim p r op õe a con s t r u çã o d o s egu n d o a n d a r d e s u a ed ifica çã o t eór ica , a t r a vés d a ela b or a çã o d e t ip os s ocia is . Com o o fa t o s ocia l n ã o p od e s er d efin id o is ola d a m en t e e, t a m p ou co, s u b m et id o a u m a lei gen ér ica in va r iá vel, s ob p en a d e r ep et ir m os o equ ívoco com t ea n o, o sociólogo necessita construir o que Durkheim chama de espécies.

Pa r a s u b m et er fa t os d e n a t u r eza em in en t em en t e s ocia l, a u t ôn om os e d ecor r en t es d a s r ela ções en t r e os in d ivíd u os , à s leis d a exp lica çã o ca u s a l, Du r k h eim p r ecis ou r ecor r er à a n a logia com a Biologia . At r a vés d a ob s er va çã o o s ociólogo b u s ca u n ifica r a s m a n ifes t a ções s ocia is em t or n o d e t ip os m éd ios . O t ip o s ocia l m éd io es t á n a fr on t eir a en t r e o qu e é n or m a l e com u m a os olh os h u m a n os com a qu ilo qu e é a n or m a l (p a t ológico). O t ip o s ocia l m éd io é a lgo p a r ecid o com a cla s s e n a s s ocied a d es a n im a is : in t egr a m u m a cla s s e os s er es qu e p os s u em ca r a ct er ís t ica s s em elh a n t es , em b or a a lgu n s p os s a m s er d es via n t es em cer t o gr a u . Veja-s e o exem p lo d os a n im a is d a cla s s e d os m a m ífer os . Tod os t em em com u m o fato de mamarem, embora pertençam a espécies diversas.

S egu n d o Ra gin & Za r et , é com a con s t r u çã o d e es p écies s ocia is qu e Du r k h eim in icia a es t r a t égia com p a r a t iva . As es p écies s ocia is exis t em p ela m es m a r a zã o qu e exis t em es p écies n a Biologia . Pa r a Du r k h eim "a a firm a çã o d e qu e d ife re n te s e s p é cie s s ã o ob je tiv a m e n te d is tin ta s e fin ita s te m com o p re s s u p os to a id é ia d e qu e a s re la çõe s in te rn a s e n tre e s p é cie s s ã o d e te rm in a d a s p e lo s e u m od o d e agregação, e seus atributos emergem da combinação de suas partes constituintes”22.

E s t a con cep çã o d a s es p écies b iológica s é com p a t ível com o s is t em a s ocia l im a gin a d o p or Du r k h eim . A d ou t r in a d a h ier a r qu ia s ocia l a p a r ece com o u m a xiom a n o s is t em a t eór ico d e s u a S ociologia . As r ela ções en t r e va r iá veis s ã o a m p la m en t e d et er m in a d a s p elo con t ext o s is t êm ico. Por es s a r a zã o Du r k h eim p r efer e a s exp lica ções fu n cion a is à s h olís t ica s . Por a í t a m b ém d eve s er en t en d id a a u t iliza çã o d a s a n a logia s b iológica s qu e exp lica m a s n oções s is t êm ica s d e

(16)

16

ca u s a lid a d e. Pa r a Ra gin & Za r et , "A qu e s tão ce n tral n ão é o fato d e Du rk h e im te r s e u tiliz ad o d e an alogias orgân icas ; e le ad otou os p re s s u p os tos m e ta-te óricos d a B iologia p or acre d itar qu e a e m e rgê n cia h ie rárqu ica, a e x p licação h olís tica e a classificação, aplicavam-se tanto à sociologia como à Biologia” 23.

Com o m os t r ou Flor es t a n Fer n a n d es , a con s t r u çã o d os t ip os s ocia is m éd ios r evela com o Du r k h eim u t iliza -s e d a in d u çã o com o p r oced im en t o qu e r evigor a s eu s cr it ér ios d e ob jet ivid a d e cien t ífica , p ois os t ip os m éd ios t em p or b a s e a n a t u r eza das coisas (sociais), e vão além das manifestações puramente individuais24.

Pa r a Du r k h eim , en t r e a con fu s a m u lt ip licid a d e d a s s ocied a d es h is t ór ica s , e o con ceit o ú n ico, m a s id ea l, d e h u m a n id a d e, exis t em in t er m ed iá r ios : s ã o a s es p écies s ocia is . Na id éia d e es p écie, com efeit o, en con t r a m os r eu n id a s t a n t o a u n id a d e qu e é exigid a p or t od a a p es qu is a ver d a d eir a m en t e cien t ífica , qu a n t o a d iver s id a d e qu e é d a d a n os fa t os ; s en d o a m es m a em t od os os in d ivíd u os qu e d ela fazem parte, cada espécie difere, no entanto, da outra25.

Na in t r od u çã o d a ob r a “O S u icíd io”, os p r oced im en t os a d ot a d a s p a r a a construção dos tipos médios estão claramente expostos. Durkheim afirma:

“...n os s a ta re fa p rim ord ia l d e v e p orta n to s e r a d e d e te rm in a r a ord e m d e fa tos qu e n os p rop om os a e s tu d a r s ob o n om e d e s u icíd ios . Ne s s e s e n tid o v a m os p rocu ra r v e r s e , e n tre os d ife re n te s tip os d e m orte s , e x is te m a lgu m a s qu e te m e m com u m ca ra cte re s s u ficie n te m e n te ob je tiv os p a ra p od e re m s e r re con h e cid os p or qu a lqu e r ob s e rv a d or d e b oa fé , s u ficie n te m e n te e s p e cia is p a ra n ã o s e re m e n con tra d os n ou tros tip os , m a s , a o m e s m o te m p o, s u ficie n te m e n te p róx im os d os qu e s ã o qu a lifica d os s ob o n om e d e s u icíd ios p a ra qu e p os s a m os , s e m força r o u s o, con s e rv a r e s ta m e s m a e x p re s s ã o. Re u n ire m os s ob e s ta d e n om in a çã o tod os os fa tos s e m e x ce çã o, qu e a p re s e n ta re m e s te s ca ra cte re s d is tin tiv os , e is to s e m n os p re ocu p a rm os com s e a cla s s e a s s im con s titu íd a n ã o

23 . Ver: RAGIN e ZARET, op. cit., p. 735. 24 . Ver: FERNANDES, op. cit, p. 76. 25 . Ver: DURKHEIM, op. cit., 1985, p. 67.

(17)

17

com p re e n d e tod os os cas os qu e n orm alm e n te s e d e n om in am assim"26

A con s t r u çã o d os t ip os m éd ios n ã o a p en a s t em o ob jet ivo d e r eu n ir s ob u m t ip o os ca r a ct er es com u n s a t od os os in d ivíd u os p a r a qu e a ciên cia p os s a descrevê-los e cla s s ificá -los , com o t a m b ém s er ve p a r a s u b s t it u ir os fa t os vu lga r es e n u m er os os p elos fa t os d ecis ivos e cr u cia is . A con s t r u çã o d a s es p écies t em o p a p el d e coloca r em n os s a s m ã os p on t os d e a p oio com os qu a is p os s a m os liga r ou t r a s ob s er va ções ; d evem s er ca p a zes d e a b r evia r o t r a b a lh o d e cla s s ifica çã o d os fa t os s ocia is e, p or is s o, b a s ea r -s e n u m p equ en o n ú m er o d e ca r a ct er es , cuidadosamente escolhidos.

A b u s ca d os fa t os cr u cia is , t om a d a d e em p r és t im o d e Ba con , s e d á a t r a vés d a con s t r u çã o d e es p écies e r ecoloca o p os t u la d o d a exp lica çã o ca u s a l n o cen t r o da estratégia teórico-metodológica de Durkheim. Assim:

“u m a v e z e s ta b e le cid a a cla s s ifica çã o, a p a rtir d e s te p rin cíp io, n ã o s e rá n e ce s s á rio te r ob s e rv a d o tod a s a s s ocie d a d e s d e u m a e s p é cie p a ra s a b e r s e u m fa to é ge ra l n e s s a e s p é cie ou n ã o; a ob s e rv a çã o de a lgu m a s s ocie d a d e s s e rá s u ficie n te . E m e s m o, e m m u itos ca s os , b a s ta rá u m a ob s e rv a çã o s ó, m a s b e m fe ita , a s s im com o, m u ita s v e z e s , u m a ú n ica e x p e riê n cia b e m con d u z id a ch e ga p a ra o estabelecimento de uma lei"27

Pa r a Du r k h eim , a cla s s ifica çã o p or t ip ifica çã o p er m it e ver m a is cla r a m en t e a s ca u s a s es s en cia is con s t it u in t es d e u m fen ôm en o. E n es t a fa s e, e s om en t e a í, Du r k h eim a p lica o p os t u la d o com t ia n o d a evolu çã o, a o es t a b elecer qu e a s s ocied a d es a t u a is d evem s er p er ceb id a s com o u m a d ecor r ên cia d a u n iã o e d a

26 . Ver: DURKHEIM, E. O suicídio: estudo sociológico. Lisboa: Editorial Presença e Martins Fontes, 1973. p. 8.

(18)

18

t r a n s for m a çã o d a s for m a s s ocia is m a is s im p les . E s t e p r oced im en t o é particularmente evidente nos estudos de Durkheim sobre as religiões28.

2.3. O método comparativo na explicação sociológica segundo Durkheim

Fin a lm en t e ch ega m os a o t er ceir o a n d a r d o ed ifício t eór ico d u r k h eim ea n o, p a r a u s a r a m et á for a d e Flor es t a n Fer n a n d es . Com o vim os , Du r k h eim s e op u n h a à s exp lica ções s ociológica s b a s ea d a s em leis cien t ífica s a b s t r a t a s ou em m er a s gen er a liza ções filos ófica s for m u la d a s a p a r t ir d a s im p les d es cr içã o em p ír ica d os fen ôm en os . Pa r a ele, a p es qu is a com p a r a d a er a o p on t o in t er m ed iá r io en t r e a com p lexid a d e d os ob jet os em s eu es t a d o b r u t o e a p os s ib ilid a d e d o con h ecim en t o cien t ífico p od er es t a b elecer exp lica ções gen er a lizá veis , a s p ect o fu n d a m en t a l, segundo Durkheim, para credenciar a sociologia enquanto ciência.

Ao a s s u m ir a d et er m in a çã o ca u s a l com o u m p r in cíp io m et od ológico, Du r k h eim a t r ib u i-lh e u m s ign ifica d o d e ext r em a im p or t â n cia em s u a t eor ia . S e a s ca u s a s s ã o p er m a n en t es e im u t á veis n a s ocied a d e, ela s s ã o in er en t es a os fa t os s ocia is . Por t a n t o, com o a t r ib u t os in er en t es a o s ocia l, a s ca u s a s n ã o p od em s er r em ovid a s e s u b m et id a s a a n á lis e d ed u t iva d ir et a , t a l com o ocor r e n a s ciên cia s d a exp er im en t a çã o. Not a -s e a í a r u p t u r a fu n d a m en t a l en t r e a con cep çã o d e Du r k h eim e a s p os ições d e Com t e e Ba con . A s ociologia , s egu n d o Du r k h eim , d eve s egu ir o ca m in h o d a exp er im en t a çã o in d ir et a ou a a n á lis e d a s va r ia ções con com it a n t es , fa zen d o u s o, p or t a n t o, d e u m p r oced im en t o in d u t ivo, e n ã o d ed u t ivo, com o p r op u n h a m Com t e e Ba con . Pela va r ia çã o con com it a n t e, ou p elo s im p les p a r a lelis m o d e u m a va r iá vel, p od e-s e ver ifica r s e a ca u s a é p er m a n en t e e, neste caso, verificar se há uma lei de explicação. A concomitância é a prova de que

28. Ver : DURKHE IM, E . As fo r m a s e l e m e n t a r e s d a v i d a r e l i g i o s a . S ã o Pa u lo: E d ições Paulinas, 1976.

(19)

19

u m a ca u s a exis t e em d ois fen ôm en os s ocia is e qu e, p or t a n t o, t en d e a p r od u zir os mesmos efeitos e ter funções semelhantes. Segundo Durkheim:

"… s e d e s e ja rm os e m p re ga r o m é tod o com p a ra tiv o d e m a n e ira cie n tífica , is to é , con form a n d o-n os com o p rin cíp io d a ca u s a lid a d e ta l qu e s e d e s p re n d e d a p róp ria ciê n cia , d e v e re m os tom a r p or b a s e d a s com p a ra çõe s qu e in s titu irm os a s e gu in te p rop os içã o: a um mesmoefeitocorresponde sempre umamesmacausa.”29

“Nã o te m os s e n ã o u m m e io d e d e m on s tra r qu e u m fe n ôm e n o é ca u s a d e ou tro, e é com p a ra r os ca s os e m qu e e s tã o s im u lta n e a m e n te p re s e n te s ou a u s e n te s , p rocu ra n d o v e r s e a s v a ria çõe s qu e a p re s e n ta m n e s ta s d ife re n te s com b in a çõe s d e circunstâncias testemunham que um depende de outro"30

E n t r et a n t o, a s ociologia , con t r a r ia m en t e à s ou t r a s ciên cia s , p a r a p od er va le-se deste postulado causal, precisa fornecer ao investigador recursos metodológicos qu e s eja m ca p a zes d e n eu t r a liza r ou p elo m en os con t r ola r a com p lexid a d e d os seus objetos (os fatos sociais), pois a simples demonstração, tal como nas ciências físico-qu ím ica s , r evela -s e in s u ficien t e p a r a ga r a n t ir qu e os vá r ios efeit os p os s u em u m a ú n ica ca u s a lid a d e. Ou s eja , h á u m a gr a n d e p r ob a b ilid a d e d e er r o a o s e d et er m in a r qu e t a l efeit o cor r es p on d e a es t a ou a qu ela ca u s a , m es m o d ep ois d e estudá-los cientificamente.

Du r k h eim es t a va cien t e d e qu e p or m a is com p et en t e qu e p u d es s e s er o in ves t iga d or , ele d ificilm en t e p od er ia ga r a n t ir cer t eza t ot a l n a a n á lis e d os efeit os ou d os a n t eced en t es h is t ór icos (con h ecid os ou n ã o) r es p on s á veis p or u m a d et er m in a d a ca u s a . A com p a r a çã o ga n h a , a qu i, u m p a p el d e d es t a qu e em s u a proposta teórico-metodológica, pois, segundo o autor:

"…para que uma variação seja demonstrativa, não é necessário que tod a s a s v a ria çõe s d ife re n te s d a qu e la s qu e com p a ra m os te n h a m s id o rigoros a m e n te e x clu íd a s . O s im p le s p a ra le lis m o d e v a lore s

29 . Ver: DURKHEIM, op. cit., 1985, p. 112. 30 . Ver: DURKHEIM, op. cit., 1985, p. 109.

(20)

20

p e los qu ais p as s am d ois fe n ôm e n os , d e s d e qu e te n h a s id o e s tab e le cid o n u m n ú m e ro s u ficie n te d e cas os b as tan te v ariad os , é a p rov a d e qu e e x is te e n tre e le s u m a re lação (...) A con com itân cia con s tan te é , p ois , e la m e s m a, u m a le i, s e ja qu al for o e s tad o d os fenômenos que restaram fora da comparação”31

Ma s , p a r a Du r k h eim , a lém d e a com p a r a çã o a u xilia r o in ves t iga d or a d et er m in a r a r ela çã o ca u s a l fu n d a m en t a l d os fa t os s ocia is , exis t e a in d a ou t r a r a zã o qu e t or n a o m ét od o d a s va r ia ções con com it a n t es (com p a r a ções ) o in s t r u m en t o p or excelên cia d a exp lica çã o s ociológica . E s t a r a zã o es t á n o fa t o d e que este método:

“… n ã o n os ob riga n e m a e n u m e ra çõe s in com p le ta s , n e m a ob s e rv a çõe s s u p e rficia is . Pa ra qu e d ê re s u lta d os , b a s ta m a lgu n s fa tos . De s d e qu e s e p rov ou qu e , n u m ce rto n ú m e ro d e ca s os , d ois fe n ôm e n os v a ria m , u m e ou tro, d a m e s m a m a n e ira , p od e -s e te r a certeza de que nos encontramos em presença de uma lei”32

Ou s eja , é p ela com p a r a çã o en t r e d ois fa t os s ocia is , ou s eja , en t r e u m fa t o cr u cia l e u m fa t o vu lga r (d o s en s o com u m ), qu e o s ociólogo p od e d et er m in a r o qu e é fu n d a m en t a l, es t a b elecen d o a ca u s a p r in cip a l a p a r t ir d a qu a l d er iva m efeit os e conseqüências diversas e que, portanto, merece ser investigada.

Qu a n d o s e com p a r a con com it a n t em en t e d ois fen ôm en os , é p r ecis o r ecor r er à in t er p r et a çã o p a r a s e ch ega r a ca u s a com u m en t r e a m b os . Pa r a s e es t a b elecer uma relação de causalidade entre eles pode-se proceder do seguinte modo:

1 º "…p rocu ra r, com o a u x ílio d a d e d u çã o, s a b e r com o u m d os d ois te rm os p od e produzir o outro";

2 º "…v e rifica r o re s u lta d o d e s ta d e d u çã o com o a u x ílio d e e x p e riê n cia s , is to é , d e novas comparações;"

31 . Ver: DURKHEIM, op.cit., 1985, p. 113-114. 32 . Ver: DURKHEIM, op.cit., 1985, p. 116.

(21)

21

3 º "…s e a d e d u ção for p os s ív e l e s e a v e rificação é b e m s u ce d id a, p od e r-se-á encarar a prova como terminada"33.

E n t r et a n t o, s e n ã o h ou ver n en h u m a r ela çã o en t r e os fa t os a n a lis a d os , s ob r et u d o s e n ã o h ou ver n en h u m a r ela çã o en t r e a h ip ót es e in icia l e a lei d em on s t r a d a , en t ã o é p r ecis o r ecor r er a u m t er ceir o fen ôm en o, com o qu a l os fen ôm en os a n t er ior m en t e com p a r a d os t en h a m r ela çã o. Ap lica -s e en t ã o, novament e, o m ét od o d a s va r ia ções con com it a n t es , ou s eja , o m ét od o comparativo.

Pr ocu r a m os a qu i d em on s t r a r com o em Du r k h eim a com p a r a çã o n ã o é s im p les m en t e u m a t écn ica d e t r a b a lh o, u t iliza d a p a r a fa zer a n a logia s en t r e d ois ou m a is fa t os , es t a b elecen d o en t r e eles d ifer en ça s e s em elh a n ça s . Pa r a Du r k h eim a com p a r a çã o é o m ét od o s ociológico p or excelên cia , p or qu e é a t r a vés d ela qu e p od em os d em on s t r a r o p r in cíp io d e qu e a ca d a efeit o cor r es p on d e u m a ca u s a . E m s u a s ob r a s , Du r k h eim d em on s t r ou com o em d is t in t a s s ocied a d es o cr im e, o ca s a m en t o, o s u icíd io e a p ou p a n ça , s ã o d ifer en t es e s ofr em va r ia çõe, p os s u in d o, n o en t a n t o, ca u s a lid a d es com u n s , com o p or exem p lo a exis t ên cia ou n ã o d a s olid a r ied a d e (s eu gr a n d e t em a d e p es qu is a ). E m s eu livr o (qu e p a r a a lgu n s assemelha-s e a u m m a n u a l d e m et od ologia ), Du r k h eim d eixou u m s ér ie d e r ecom en d a ções r efer en t es à u t iliza çã o d o m ét od o com p a r a t ivo, qu e m er ecem s er reproduzidas:

10-“O necessário é comparar, não variações isoladas, mas séries de

v a ria çõe s re gu la rm e n te con s titu íd a s e , o qu e é m a is , s u ficie n te m e n te e x te n s a s , cu jos te rm os s e ligu e m u n s a os ou tros p or u m a gra d a çã o tã o con tín u a qu a n to p os s ív e l. Pois a s v a ria çõe s d e u m fe n ôm e n o n ã o p e rm ite m ch e ga r a u m a le i, a n ã o s e r qu e e x p rim a m cla ra m e n te a m a n e ira p e la qu a l e le s e d e s e n v olv e e m circunstâncias dadas"34

33 . Ver: DURKHEIM, op.cit., 1985, p. 1 15. 34 . Ver: DURKHEIM, op.cit., 1985, p. 118.

(22)

22

2o – “Faz e n d o e n trar e m lin h a d e con ta m u itos p ov os d a m e s m a

e s p é cie , d is p om os já d e u m cam p o d e com p araçõe s m ais v as to. Em p rim e iro lu gar, p od e m os con fron tar a h is tória d e u m com a d e ou tros e v e r s e , e m cad a u m d e le s , tom ad o à p arte , o m e s m o fe n ôm e n o e v olu iu n o te m p o e m fu n ção d as m e s m as con d içõe s . Em s e gu id a, p od e -s e e s tab e le ce r com p araçõe s e n tre os d iv e rs os desenvolvimentos.”35

3o- “Pa ra e x p lica r u m a in s titu içã o s ocia l p e rte n ce n te a u m a e s p é cie

d e te rm in a d a , s e rã o com p a ra d a s a s form a s d ife re n te s qu e e la a p re s e n ta , n ã o a p e n a s e n tre os p ov os d e s ta e s p é cie , m a s e m tod a s as espécies anteriores”36.

Por con s egu in t e, n ã o s e p od e exp lica r u m fa t o s ocia l d e a lgu m a com p lexid a d e s en ã o s ob a con d içã o d e s egu ir -lh e o d es en volvim en t o in t egr a l a t r a vés d e t od a s a s es p écies s ocia is . “A s ociologia com p a ra d a n ã o é u m ra m o p a rticu la r d a s ociologia ; é a p róp ria s ociologia , n a m e d id a e m qu e d e ix a d e s e r puramente descritiva e aspira a explicar os fatos”37.

3. WEBER E O USO DA COMPARAÇÃO NAS “CIÊNCIAS DA CULTURA” 3.1 A explicação sociológica segundo Max Weber

Pa r a qu e p os s a m os com p r een d er o p a p el d a com p a r a çã o n a con s t r u çã o d a exp lica çã o s ociológica , d en t r o d e u m a p er s p ect iva web er ia n a , ju lga m os n eces s á r io r es ga t a r a qu i, a in d a qu e d e u m a for m a s in t ét ica , a lgu n s d os p r es s u p os t os fu n d a m en t a is qu e, s egu n d o es s e a u t or , d ã o s u s t en t a çã o a o p r oces s o d e p r od u çã o do conhecimento nas ciências sociais.

As d ifer en ça s exis t en t es en t r e a es t r a t égia d e com p a r a çã o p r op os t a p or Web er e a s a n á lis es d e Com t e e Du r k h eim , en con t r a m s u a s r a izes em for m a s

35 . Ver: DURKHEIM, op. cit., 1985, p. 119. 36 . Ver: DURKHEIM, op.cit., 1985, p. 120. 37 . Ver: DURKHEIM, op. cit., 1985, p. 121.

(23)

23

d is t in t a s d e com p r een d er o m od o com o s e d á a va lid a çã o cien t ífica d o con h ecim en t o n a s ch a m a d a s “ciên cia s d a cu lt u r a ”, r em et en d o, p or t a n t o, a d ifer en t es vis ões a cer ca d o p r ojet o d a S ociologia en qu a n t o d is cip lin a cien t ífica . É somente dentro deste contexto mais amplo que podemos compreender as idéias de Web er a cer ca d a s r ela ções exis t en t es en t r e a s in gu la r id a d e h is t ór ica e a generalização explicativa na construção da explicação sociológica.

Pa r a Web er a s ocied a d e n ã o p od e s er com p r een d id a com o u m s is t em a n a t u r a l, p a s s ível d e s er a p r een d id o em s u a t ot a lid a d e. A s ociologia , en qu a n t o “… ciê n cia qu e p re te n d e e n te n d e r, p e la in te rp re ta çã o, a a çã o s ocia l, p a ra d e s ta m a n e ira e x p licá -la ca u s a lm e n te , n o s e u d e s e n v olv im e n to e n os s e u s e fe itos”38, t em

com o r efer ên cia u m a r ea lid a d e in fin it a e com p lexa , a n a lis a d a , s em p r e, a p a r t ir d e um determinado ponto de vista.

As con exões exis t en t es en t r e con s t ela ções s in gu la r es d e fen ôm en os n ã o p od em s er d ed u zid a s com b a s e em leis e fa t or es d e ca r á t er u n iver s a l. A d es cob er t a d a s r egu la r id a d es ger a is qu e r egem d et er m in a d os fa t os d a vid a s ocia l n ã o é u m fim em s i m es m a , m a s u m a et a p a n eces s á r ia à exp lica çã o d e u m p r oces s o h is t ór ico-s ocia l d et er m in a d o, p r od u zid o p or u m con ju n t o com p lexo d e causas que atuam em condições sociais específicas

“S u p on d o qu e a lgu m a v e z , qu e r p or m e io d a p s icologia , qu e r d e qu a lqu e r ou tro m od o, s e con s e gu is s e d e com p or e m fa tore s ú ltim os e s im p le s tod a s a s con e x õe s ca u s a is im a gin á v e is d a coe x is tê n cia h u m a n a , ta n to a s qu e já fora m ob s e rv a d a s , com o a s qu e u m d ia s e rá p os s ív e l e s ta b e le ce r, e s u p on d o qu e s e con s e gu is s e a b ra n gê -la s d e m od o e x a u s tiv o n u m a im e n s a ca s u ís tica d e con ce itos e d e re gra s com a rigoros a v a lid a d e d e le is , o qu e s ign ifica ria e s te re s u lta d o p a ra o con h e cim e n to, qu e r d o m u n d o cu ltu ra l historicamente dado, quer de algum fenômeno particular, como o do ca p ita lis m o n a s u a e v olu çã o ou n o s e u s ign ifica d o cu ltu ra l? Com o m e io d e con h e cim e n to, n ã o s ign ifica n e m m a is n e m m e n os qu e

38. Ver : WE BE R, Ma x. Con ceit os s ociológicos fu n d a m en t a is - 1 9 2 1 . In : WE BE R, Ma x.

Me t o d o l o g i a d a s c i ê n c i a s s o c i a i s . S ã o Pa u lo: Cor t ez / E d it or a d a Un iver s id a d e E s t a d u a l d e

(24)

24

aqu ilo qu e u m d icion ário d as com b in açõe s d a qu ím ica orgân ica s ign ifica p ara o con h e cim e n to b ioge n é tico d os re in os an im al e v e ge tal. Tan to n u m cas o com o n ou tro, te r-se-á re a liz a d o u m im p orta n te e ú til tra b a lh o p re lim in a r. Tod a v ia , e , ta n to n u m ca s o com o n ou tro, torn a r-se-á im p os s ív e l ch e ga r a lgu m d ia a d e d u z ir a re a lid a d e d a v id a a p a rtir d e s ta s “le is e fa tore s ”. Nã o p or s u b s is tire m , a in d a , n os fe n ôm e n os v ita is , d e te rm in a d a s “força s ” s u p e riore s e m is te rios a s (...) m a s s im p le s m e n te p orqu e , p a ra o con h e cim e n to d a re a lid a d e , s ó n os in te re s s a a con s te la çã o e m qu e e s te s fa tore s (h ip oté ticos ) s e a gru p a m , form a n d o u m fe n ôm e n o cu ltu ra l h is torica m e n te s ign ifica tiv o p a ra n ós ; e ta m b é m p orqu e , s e p re te n d e rm os “e x p lica r ca u s a lm e n te e s te s a gru p a m e n tos in d iv id u a is , te ría m os d e n os re p orta r con s ta n te m e n te a outros a gru p a m e n tos igu a lm e n te in d iv id u a is , a p a rtir d os qu a is os e x p licá s s e m os , e m b ora u tiliz a n d o, n a tu ra lm e n te , os cita d os (hipotéticos) conceitos denominados leis”39

A a fir m a çã o feit a p elo a u t or d e qu e a for m u la çã o d e leis e con ceit os ger a is corresponde s om en t e a u m a et a p a d o p r oces s o d e con h ecim en t o em ciên cia s s ocia is , n ã o p od en d o s er vis t a com o s en d o s eu ob jet ivo ú lt im o, n ã o im p lica , n o en t a n t o, em u m a b a n d on o d os p r in cíp ios d e exp er im en t a çã o e com p r ova çã o qu e fu n d a m en t a m a con s t r u çã o d o con h ecim en t o cien t ífico. As ciên cia s h is t ór ico-s ocia iico-s p oico-s ico-s u em , n o en t a n t o, fu n d a m en t oico-s m et od ológicoico-s p r óp r ioico-s , eico-s t r eit a m en t e a s s ocia d os à b u s ca d a s con exões d e s en t id o exis t en t es en t r e fen ôm en os historicamente singulares. O reconhecimento de que a realidade social possui uma dimensão subjetiva e valorativa, dimensão esta que permeia a própria atividade do cien t is t a , n ã o im p lica , n o en t a n t o, em u m a a d es ã o a o “in t u icion is m o”, t ã o cr it ica d o p or Web er . A r u p t u r a en t r e con h ecim en t o cien t ífico e ju izo d e va lor encontra-s e, n es t e ca s o, es t r eit a m en t e vin cu la d a a o r igor os o con t r ole d a lógica subjacente à explicação causal.

Explicar, em Sociologia, significa apreender interpretativamente o sentido ou a con exã o d e s en t id o im p lícit a em u m a d et er m in a d a a çã o. O m ét od o qu e possibilita desvendar o sentido subjetivo das ações é o método compreensivo, seja

39. Ver : WE BE R, Ma x. A ob jet ivid a d e d o con h ecim en t o n a ciên cia s ocia l e n a ciên cia p olít ica - 1904. In: WEBER, op.cit., 1992. p. 126-127.

(25)

25

ele a p lica d o n a a n á lis e d e u m a a çã o h is t ór ica p a r t icu la r , n a in t er p r et a çã o d e u m a massa de casos (como média aproximada) ou na construção de um tipo ideal.

“O tip o id e a l con s titu i-s e com o u m m om e n to e m qu e o s u je ito cogn os ce n te analisa o real conforme as relações que seu ponto de vista mantém com os valores”40.

E s t e r ecu r s o h eu r ís t ico p er m it e a o in ves t iga d or con s t r u ir u m a es p écie d e “exp er im en t o id ea l”, p or m eio d o qu a l t or n a -s e p os s ível r ela cion a r os p r oces s os s ocia is con cr et os à s s u a s con exões d e s en t id o, o p a r t icu la r a o ger a l, o desenvolvimento hipotético ao desenvolvimento real41.

A lógica que preside a construção dos conceitos típico-ideais diferencia-se da lógica s u b ja cen t e à con s t r u çã o d e con ceit os gen ér icos s im p les . O t ip o id ea l n ã o r ep r es en t a o p on t o m éd io, con s t it u íd o com b a s e em u m a d iver s id a d e d e fenômentos empiricamente observáveis:

“Trata-s e d e u m qu a d ro d e p e n s a m e n to, n ã o d a re a lid a d e h is tórica e m u ito m e n os d a re a lid a d e “a u tê n tica ”; n ã o s e rv e d e e s qu e m a e m qu e s e p os s a in clu ir a re a lid a d e à m a n e ira e x e m p la r. Te m a n te s o s ign ifica d o d e u m con ce ito lim ite , p u ra m e n te id e a l, e m re la çã o a o qu a l s e m e d e a re a lid a d e a fim d e e s cla re ce r o con te ú d o e m p írico d e a lgu n s d e s e u s e le m e n tos im p orta n te s , e com o qu a l e s ta é com p a ra d a . Ta is con ce itos s ã o con figu ra çõe s n a s qu a is con s tru im os re la çõe s , p or m e io d a u tiliz a çã o d a ca te goria d e p os s ib ilid a d e ob je tiv a qu e a n os s a im a gin a çã o, orie n ta d a s e gu n d o a realidade, julga adequadas.”42

E n qu a n t o con s t r u çã o h ip ot ét ica e r a cion a l, o t ip o id ea l r es u lt a d a a r t icu la çã o en t r e fen ôm en os is ola d os e p on t os d e vis t a d ifer en cia d os , s elecion a d os d e for m a u n ila t er a l, qu e p a s s a m a con s t it u ir u m qu a d r o h om ogên eo d e p en s a m en t o, n o qu a l a p a r ecem a cen t u a d a s a s ca r a ct er ís t ica s t íp ica s e d is t in t iva s d e u m fen ôm en o s in gu la r . Um exem p lo con cr et o d es t e p r oced im en t o s ã o os t ip os

40. Ver : TRATE MBE RG, Ma u r ício. At u a lid a d e d e Ma x Web er . In : WE BE R, Ma x, op.cit., 1 9 9 2 , p . XXV.

Referências

Documentos relacionados