• Nenhum resultado encontrado

FORA DO NINHO, VOAR PARA ONDE? QUAIS EMOÇÕES A ESCOLA DESPERTA NOS ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO?

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "FORA DO NINHO, VOAR PARA ONDE? QUAIS EMOÇÕES A ESCOLA DESPERTA NOS ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO?"

Copied!
59
0
0

Texto

(1)

FORA DO NINHO, VOAR PARA ONDE? QUAIS EMOÇÕES A ESCOLA DESPERTA NOS ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO?

Trabalho de Conclusão apresentado para a obtenção do título de Licenciatura em Ciências Sociais, pela Universidade Federal de Santa Catarina.

Orientadora:Profª. Drª. Nise Jinkings

Florianópolis 2019

(2)

(3)
(4)

Ninguém nasce feito, é experimentando-nos no mundo que nós nos fazemos.

(5)

AGRADECIMENTOS

À profª. Drª. Nize Jinkings, pela orientação e acolhimento da pesquisa e, sobretudo, pela carinhosa atenção em ouvir minhas dúvidas e angústias ao longo deste processo.

Às amigas Virginia Farias e Florência Bernadelli, que foram muito importantes na conclusão deste processo de graduação. Virginia, nossa irmandade firme e forte não me deixou desistir. Flora, hermana querida, “lo bonito de Carmem” ficou mais bonito ainda, e aqui estou.

Aos amigos e colegas que participaram, direta ou indiretamente, no desenvolvimento deste trabalho, com trocas de ideias, opiniões e palavras de carinho, força e apoio.

Às “meninas superpoderosas” Kelly Vieira e Ana Cláudia Pinheiro, com as quais aprendi muito e que, mais do que colegas de curso, tornaram-se amigas para a vida.

À minha família que, mesmo distante, estava presente nos momentos mais difíceis. À minha filha e parceira de vida, Julia. Só você aturou meus dramas, meus surtos e minhas alegrias. Quando criança você disse: “Mamãe, nossa vida é uma aventura!” Sim, é uma aventura. Não esqueço essas palavras e carrego-as sempre no coração. Dedico esse trabalho a você, pois juntas experimentamos todas as emoções das aventuras da vida. Te amo, filha.

(6)

RESUMO

O presente trabalho objetiva conhecer as emoções que a escola provoca nos estudantes do Ensino Médio, especificamente, nos alunos/as da turma 213, do Ensino Médio, do Instituto Estadual de Educação do ano de 2018. Pretende-se analisar a importância dessas emoções no processo de ensino/aprendizagem, sua relação com a instituição escolar e consequências para além dos muros da escola. Parte-se do pressuposto que a emoção é um elemento constitutivo das relações com o mundo e que a escola ocupa um lugar de destaque no cenário de relações sociais vividas pelos jovens estudantes. Nesta perspectiva, busca-se entender a dimensão da vida social e subjetiva desses estudantes, enquanto sujeitos reais, situados social e historicamente. Para tanto, duas categorias de análise foram básicas para a investigação: “juventude” e “subjetividade”, considerando suas relações com o mundo social e material. Tendo a escola a função social de transmissão do conhecimento historicamente acumulado, além de servir, ao mesmo tempo, como um espaço de socialização e de preparação para o mundo do trabalho, sabe-se que exerce uma forte influência na subjetividade de seus estudantes e no desenvolvimento de suas emoções positivas ou negativas. Em face desses termos, este estudo pretende elucidar essa relação estudante/escola e o meio sociopolítico que se encontra. Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa e estudo de caso, que utilizou os seguintes procedimentos metodológicos: revisão bibliográfica; análise do questionário aplicado aos alunos sobre aspectos sociopolíticos, econômicos e culturais; organização de uma roda de conversa com estudantes voluntários.

(7)

SUMÁRIO

Introdução . . . . 8

Parte I - Dentro dos muros da escola . . . 12

Parte II - Fora do ninho . . . 30

Da emoção à ação: trabalho, educação e juventude . . . . 35

Considerações finais . . . 43

Bibliografia . . . 47

Anexos . . . 50

Anexo 1 – Questionário Estágio Docente Anexo 2 – “Passarinhos”

(8)

INTRODUÇÃO

O processo de industrialização, junto com a expansão das cidades, teve uma grande influência, até mesmo uma forte responsabilidade, no desenvolvimento do sistema educacional. Sabe-se que, até as primeiras décadas do século XIX, a maioria da população não tinha acesso a qualquer tipo de educação escolar. Foi com a expansão da economia industrial que essa realidade mudou. Houve, então, uma enorme demanda para o ensino especializado capaz de formar a força de trabalho e impulsionar uma nova configuração social. Conforme as ocupações foram se diferenciando e se afastando do ambiente doméstico, tornou-se mais difícil para os pais transmitirem as experiências de trabalho aos filhos (GIDDENS, 2005, p. 396). Em outras palavras, através dessa nova configuração social, que oferecia uma sociedade moderna baseada no trabalho fabril e nas máquinas, abriram-se os caminhos para a criação de escolas elementares e profissionalizantes. Logo, se antes das revoluções da burguesia a educação era privilégio das camadas sociais dominantes, as novas demandas sociais exigiam uma instrução pública voltada às massas trabalhadoras. Segundo Manacorda (2004, p. 290), “na segunda metade do oitocentos, todo o sistema de instrução da elementar à superior já [era] estatal em quase toda a parte da Europa.”

Sendo assim, a escola tem um papel fundamental na transformação social. Passa-se da era da industrialização e chega-se à era da tecnologia automatizada, da informação instantânea e das redes sociais. Contudo, a organização tradicional burocrática da escola tem sido mantida, causando vários sentimentos adversos, ao passo que, para o jovem estudante, ela tem se mostrado distante de seus interesses (DAYRELL, 2007, p. 1106). Um exemplo disso foram os resultados da pesquisa realizada no início do primeiro semestre letivo de 2018 com os alunos da turma 213, do 2º ano do Ensino Médio, do Instituto Estatual de Educação (IEE), como atividade do Estágio de Docência do curso de Licenciatura em Ciências Sociais (UFSC). No âmbito dessa pesquisa aplicou-se um questionário com o intuito de conhecer melhor o perfil socioeconômico, político e cultural dos alunos. Uma das questões formuladas dizia respeito às emoções e sentimentos que a escola desperta. Observa-se que, para a maioria dos entrevistados da turma, a escola tem provocado emoções angustiantes e, de certa forma, bastante negativas. As respostas dadas a essa questão instigaram a me aprofundar nessa problemática, que resultou neste estudo.

A dinâmica escolar se dá em contextos de relações sociais complexas, nas quais circulam, além de conhecimentos, sentimentos e emoções que representam aspectos

(9)

essenciais para a nossa reflexão. E, nas últimas décadas, tem-se observado um crescente interesse nas questões subjetivas e sociais, pois se compreende que o desenvolvimento da subjetividade não é um processo natural, mas que faz parte das relações sociais, estando vinculado a determinadas condições históricas. Segundo Marx, “a essência humana não é uma abstração inerente ao indivíduo singular. Em realidade, é o conjunto das relações sociais” (1999, p. 6). Neste sentido, o contexto escolar, enquanto lugar de destaque no cenário de relações sociais vividas pelos jovens estudantes, é palco, na contemporaneidade, de uma série de conflitos, dilemas e problemáticas sociais que provavelmente sustentam uma variedade de emoções, as quais podem ser observadas também na turma 213.

A realidade escolar é inquietante e complexa. Além do atual aumento de relatos de violência e intolerância no ambiente escolar, a falta de estrutura material e pedagógica e de estímulo dos professores − consequência da péssima remuneração e de sua desvalorização enquanto profissionais −, colabora para o predomínio de uma avaliação negativa da escola, observada na pesquisa realizada com a turma. Somado a isso, há as características estruturais da escola concebida como uma instituição especificamente configurada para desenvolver o processo de socialização das novas gerações (PEREZ GÒMEZ, 1998, p. 14). A essa função da escola agrega-se outra, de cunho conservado: garantir a reprodução social e cultural como requisito para a sobrevivência da sociedade capitalista, segundo afirma Gomez. Ou seja, a lógica capitalista segue influenciando decisivamente os rumos da educação escolar.

Todavia, sabe-se que os seres humanos são afetados constantemente por emoções e sentimentos que podem influenciar várias etapas de suas vidas, inclusive o processo de ensino/aprendizagem. E conforme já assinalado, a subjetividade se constitui como um processo histórico e social; a essência humana não é um fator isolado em si, mas consiste em uma síntese das relações sociais. Desta forma, o estudo se fundamentou nas premissas marxistas e da psicologia histórico-cultural, por entender os sentimentos e a subjetividade indissociáveis da condição humana e das relações sociais. É nessa perspectiva que a pesquisa buscou apreender dimensões da vida social e subjetiva dos jovens estudantes da turma 213, enquanto sujeitos reais, situados social e historicamente em seu contexto. E como sujeitos reais, podem contribuir para mudar as condições e as possibilidades da aprendizagem, influenciando não só o ambiente escolar, mas também a sua saída do “ninho”.

Quando estipulei as fronteiras de análise no universo do estudante em seu cotidiano escolar, entendi a necessidade de tratar suas emoções e sentimentos. Compreendi, dentre tantas coisas, a ouvir o outro, logo, as dimensões subjetivas presentes nas relações sociais

(10)

constituídas na escola. E foi com esse propósito que parti para a pesquisa com o objetivo de conhecer quais as emoções que a escola desperta nos jovens estudantes. Entretanto, a questão não se resume somente a isso, pois a problemática não se dá somente na esfera subjetiva dos estudantes, tampouco em seu ambiente escolar. A questão vai além dos muros da escola, de modo que a pesquisa buscou as mediações entre os estudantes, a escola e o contexto sociopolítico e cultural que os rodeiam. E embora existam muitas abordagens que envolvem a configuração estudante e escola, este estudo consistiu em analisar os desafios implicados nessa relação social, pensando-os, para tanto, de modo contextualizado, ou seja, situados em seu tempo histórico e considerando os condicionantes sociopolíticos e culturais.

Assim que iniciei a pesquisa “Fora do ninho: Voar para onde? Quais as emoções que a escola desperta nos estudantes do Ensino Médio?”, tomei como princípio e perspectiva de análise enfrentar o desafio de entender a escola pública, a juventude, a subjetividade e o trabalho como aspectos indissociáveis da técnica investigada. Logo, a problemática central da pesquisa foi investigar: quais as emoções que a escola provoca nos estudantes e qual a sua implicação nos processos de ensino/aprendizagem, na relação dos estudantes com a instituição e nos seus projetos para além dos muros escolares?

Para essa compreensão, e na busca de respostas para a problemática, realizou-se uma revisão bibliográfica sobre as categorias centrais do estudo. Outro caminho foi a pesquisa de abordagem qualitativa, voltada para o estudo de um caso particular: as expressões da subjetividade de jovens estudantes do 2º ano do Ensino Médio, turma 213, do Instituto Estadual de Educação. Partiu-se do pressuposto de que essas expressões podem ser consideradas representativas de casos análogos, que envolvam escola pública e jovens estudantes de Ensino Médio e condições sociais semelhantes. Portanto, caracteriza-se a pesquisa como um “estudo de caso” (SEVERINO, 2007).

Os seguintes procedimentos metodológicos foram desenvolvidos no decorrer da investigação: análise aprofundada do questionário aplicado na turma 213; entrevista coletiva com oito estudantes da turma; observação participante em sala de aula durante todo o ano letivo de 2018, o que instigou a questão da pesquisa.

O Instituto Estadual de Educação, pode-se dizer, é um campo/escola, porque foi dentro de seus muros que surgiu a questão da pesquisa. E os sujeitos da pesquisa foram os estudantes da turma 213, do 2º ano do Ensino Médio, com os quais realizei meu estágio docente. A pesquisa se baseou, principalmente, na análise do questionário realizado ao início do ano letivo de 2018, e em uma entrevista coletiva com 8 alunos selecionados voluntariamente, os

(11)

quais se dispuseram a participar e que chamarei de Pedro, Maria, Laura, Cris, Lucia, Sandra, Luiz e José. Sendo:

Pedro -18 anos. Mora com a mãe. Não trabalha. Maria - 18 anos. Mora com os pais. Não trabalha.

Laura - 17 anos. Mora com a mãe, padrasto e irmão. Trabalha como estagiária. Cris - 16 anos. Mora com os pais. Trabalha como jovem Aprendiz.

Lucia - 16 anos. Mora com a mãe. Trabalha sem carteira assinada. Sandra - 16 anos. Mora com a mãe, irmã e padrasto. Não trabalha.

Luiz - 17 anos. Mora com a mãe e padrasto. Trabalha como menor aprendiz. José - 18 anos. Mora com a mãe, não trabalha.

A exposição do trabalho divide-se em duas partes: a primeira, “Dentro dos Muros da Escola”, mediante a qual se busca oferecer uma compreensão crítica acerca das emoções e sentimentos que envolvem a turma 213 investigada, sua relação com a escola pensada conforme as finalidades sociais e os sentidos da educação, pois o ato de educar acompanha e traça o caminho de todos ao longo da história. Na segunda parte, “Fora do Ninho”, são traçadas algumas linhas sobre o estado juvenil e as expectativas desses jovens enquanto sujeitos estudantes nos dias atuais, tomando como base o conceito de “juventude” na perspectiva de Juarez Dayrell. Aborda-se também a relação desses jovens com a temática do trabalho, presente no diálogo com os estudantes na entrevista coletiva e em algumas respostas do questionário aplicado ao início do ano letivo de 2018.

Espero que este estudo, que buscou conhecer as emoções e os sentimentos que a escola desperta nos estudantes da turma 213 do IEE, possa contribuir para a compreensão das complexas relações entre a condição de “ser” jovem, de suas expectativas e da escola enquanto espaço possível de humanização.

“Fora do Ninho, voar para onde?” inspirou-se também na música “Passarinhos”, do cantor e compositor Emicida. Ao angariar recursos didáticos para a regência em sala de aula como estagiária docente, durante o segundo semestre do ano letivo de 2018, essa música representou o sentimento e a sensação que vivi enquanto jovem estudante do Ensino Médio, pois, “e agora voar para onde?”. Então, não poderia deixar de mencionar um pequeno trecho dessa inspiração: “Passarinhos soltos a voar dispostos. A achar um ninho, nem que seja no peito um do outro”.

(12)

PARTE I

DENTRO DOS MUROS DA ESCOLA

As emoções são as respostas diante de nossas experiências que funcionam como chaves para a nossa sobrevivência. A relação com os outros indivíduos e nosso desenvolvimento enquanto espécie seria praticamente impossível se, ao longo da história, o ser humano não se apropriasse dos conhecimentos adquiridos e se adaptasse ao meio existente. As emoções fazem parte de nossa capacidade de sobreviver. A diversidade de sensações possibilita separar o que é bom e o que é ruim para nossas vidas, permitindo com que identifiquemos nosso espaço e as pessoas com quem queremos dividi-lo. Traça-nos caminhos que gostaríamos ou não de seguir. Medo, raiva e angústia nos levam para lugares de estranhamento, para longe de nós mesmos. Alegria, felicidade e paz são emoções que nos possibilitam o sentimento de estar em casa. O amor cria vínculos e nos possibilita o crescimento pessoal e coletivo.

A palavra emoção tem sua origem no latim movere. Ao se acrescentar o prefixo e, significa “mover para fora”, “trazer à luz o que está dentro”, sendo que sua etimologia indica a predisposição para atuar ou agir quando se está emocionado (GONÇALVES, SOUZA, 2015, p. 89).

As emoções são as reações que temos diante de informações que recebemos e a partir das relações que consolidamos como o nosso meio, também de fundamental importância para a racionalidade devido à sua influência na tomada de decisões. As emoções, nesse sentido, deveriam ter um caráter fundamental na educação. A racionalidade não é o oposto da emoção, tampouco vice-versa, pois uma completa a outra, e levar isso em consideração, no âmbito escolar, ressignificaria o processo de ensino/aprendizagem.

Assim sendo, como vivemos em uma sociedade capitalista constituída de classes antagônicas, devemos analisar a essência humana e o desenvolvimento da subjetividade com base na compreensão da sociedade e suas relações (AITA, FACCI, 2011, p. 44).

Este estudo também toma como base e se inspira em minha trajetória no Instituto Estadual de Educação (IEE), onde realizei o estágio docente. E foi dentro dos muros dessa instituição escolar que vislumbrei a importância de tratar das emoções e dos sentimentos que esse espaço desperta nos estudantes. E foi durante a observação participante e o envolvimento com o processo de regência que percebi que a educação, além de cumprir sua função de socialização, exerce também uma importância fundamental na construção da subjetividade dos sujeitos.

(13)

Como campo/escola, o IEE se apresenta imponente em sua estrutura física e humana, localizada em uma imensa área ‒ 52.000 m² ‒ no centro da capital de Santa Catarina, Florianópolis. Com 22.000 m² de área construída, é considerado o maior colégio público do Brasil e da América Latina. Um espaço cortado por corredores, dividido por alas, que expressam sua grandiosidade, e por onde circulam mais de 8.500 pessoas, entre estudantes, professores, funcionários e a comunidade, durante todo o dia.

Sabe-se que a função social da escola é compartilhar os conhecimentos historicamente construídos, e o IEE, como instituição escolar, é um espaço coletivo de apropriação, ou seja, de reflexão, produção e reelaboração do conhecimento, através do qual se busca “produzir as condições objetivas e determinantes, para que todos os envolvidos no processo possam construir sua identidade social na perspectiva do pleno exercício da cidadania” (PPP, 2018, p. 11).

Desta forma, o sujeito se desenvolve cristalizando o modo de pensar e agir da sociedade onde está inserido. Mas a reflexão que faço aqui parte da compreensão de que o ser humano não é constituído apenas por seu caráter objetivo, já determinado, mas também por uma autodeterminação, que o leva a uma autoconstrução que cria novas formas de objetivação e que possibilita, assim, novas formas de subjetivação. Em outras palavras, a subjetividade não é particular, autônoma, mas construída socialmente, produzida em uma dada formação social. Logo, se a função da escola é socializar os conhecimentos construídos ao longo da história, o espaço escolar, no contexto atual, não poderia deixar de lado a reflexão da subjetividade dos sujeitos enquanto jovens estudantes e construir, por conseguinte, uma análise subjetiva da sociedade capitalista que os forja.

Saviani reflete que a memória se configura como uma faculdade específica e essencialmente humana, a qual atinge sua máxima expressão quando se manifesta como memória histórica (SAVIANI, 2008, p. 151). E para que não se perca, vale lembrar que todo o presente teve um passado com várias transformações, de modo que o Instituto Estadual de Educação se constituiu no que é hoje. E com breves palavras, traço a construção de sua memória.

Localizado no centro da cidade de Florianópolis, entre as avenidas Mauro Ramos e Hercílio Luz, a data de sua fundação remonta ao ano de 1919, quando a Escola Normal Catarinense funcionava com os mesmos cursos, formando professores em três anos. Com o decreto 1.1205, de 19 de fevereiro de 1919, passou a funcionar com a exigência de quatro anos para diplomar o normalista (PPP, p. 7).

(14)

Contudo, seu espaço físico ainda não condizia com o desejável, causando preocupação aos governantes. Apenas em 1926, no Governo de Hercílio Luz, a Escola Normal Catarinense ganhou seu novo prédio, na Rua Saldanha Marinho (PPP, p. 7). Percebe-se aqui que a educação é o produto da vida em comum, refletindo suas necessidades, o que indica a valorização da escola como uma instituição social. Porém, não é só o sistema que deve contribuir com a educação, pois sua estrutura física também é um suporte essencial para que esse sistema se desenvolva e se forme.

Através do decreto nº 713, de 5 de janeiro de 1935, a Escola Normal Catarinense foi transformada no Instituto de Educação de Florianópolis. E desde 1947, seu nome sofreu várias alterações: pelo Decreto 3.779 é denominado Dias Velho; em 1949, através do Decreto nº 616, e com a criação do Segundo Ciclo do Ensino Secundário, passou a ser chamado de Instituto de Educação e Colégio Estadual Dias Velho, que permaneceu até 1957. Deste ano até 1964, tornou-se o Colégio Estadual Dias Velho. E finalmente, no dia 10 de fevereiro de 1969 até os dias atuais, é conhecido como o Instituto Estadual de Educação - IEE, através da Lei 4.282 (PPP, p. 7).

Contudo, como suporte relevante para que a escola realizasse sua função, somente em 1963 ocorreu sua mudança mais significativa, quando o Instituto Estadual de Educação deixou suas instalações no prédio da Rua Saldanha Marinho, transferindo-se para as modernas e amplas instalações da Avenida Mauro Ramos, cujas obras duraram mais de 10 anos (PPP, p. 7-8).

O projeto do Engenheiro José da Costa Moellmann teve início na década de 1950, no Governo de Irineu Bornhausen, mas quem teve o orgulho e a satisfação de ver suas obras prosperarem e chegar à inauguração oficial foi o Governo de Celso Ramos, em 1964 (PPP, p. 8).

O novo prédio do IEE, projetado e construído entre as décadas de 1950 e 1960, pode ser considerado um ícone do processo de modernização da cidade de Florianópolis e também um exemplo do estilo arquitetônico “modernista”. O edifício, que conta com mais de 20 mil metros quadrados, é composto por alas interligadas por corredores internos e externos, passarelas, rampas e pátios abertos. Segundo Teixeira (2009, p. 317), a lógica que compõe o IEE é similar à do Museu de Arte Moderna (1958), projetada por Affonso Eduardo Reidy, no Rio de Janeiro.

Outro marco importante em seu processo histórico é o reconhecimento da autonomia administrativa, didática e financeira do IEE pelo Governo Estadual, através da Lei nº 8.240,

(15)

de 12 de abril de 1991. Essa regulamentação, que reconhece a condição de ensino e pesquisa da instituição, concede-lhe o nível de Diretoria, ou seja, o IEE é uma escola que se reporta diretamente à Secretaria de Educação, e não às Gerências Regionais.

Diferentes setores apontam-no como a maior escola pública da América Latina. E, além da estrutura física, o Instituto conta também com um Projeto Político-Pedagógico que defende que a escola pública deve ser um espaço coletivo de apropriação, reflexão e reelaboração do conhecimento, que busca produzir as condições objetivas e determinantes para que todos os envolvidos no processo possam construir sua identidade social na perspectiva do pleno exercício da cidadania (PPP, p. 11).

Nesta perspectiva, o IEE toma como base toda a caminhada realizada pela humanidade até a presente data e considera relevante todas as pesquisas na área de educação e demais áreas afins. Sendo uma escola institucional que se diferencia das demais, suas ações contemplam diversas áreas do conhecimento. E considerando suas dimensões, possibilita também a formação de profissionais para a área de Magistério e Magistério em Educação Especial.

Conheci o IEE antes mesmo de iniciar o estágio docente. Fiz cursinho pré-vestibular e estudei durante alguns meses em uma de suas tantas salas de aula. Contudo, foi no período da regência do estágio que senti sua potência e a dinâmica de seu coração acelerar o meu. O toque do sinal, ao término de cada período, soava para mim um tanto assustador, mas, ao se abrirem as portas da sala para a troca de professores, acontecia ali uma explosão de vida. E foi com a turma 213 que comecei a construir e a refletir acerca das emoções e dos sentimentos que a escola desperta. E ao entender a dinâmica das salas, percebi que os jovens estudantes sentiam o que há muito tempo eu havia vivenciado em meu tempo de Ensino Médio: “e agora, voar para onde?

Neste sentido, contextualizo os sujeitos da pesquisa para traçar um perfil que possa auxiliar na compressão das subjetividades que foram sendo descobertas ao longo dos diálogos com a turma, através do questionário aplicado e da entrevista com alguns estudantes.

A turma formada por 35 alunos do 2º ano do Ensino Médio Regular, no período vespertino, era uma turma agitada e bem animada. Na troca de professores, ao tocar o sinal, e à medida que íamos entrando na sala, os estudantes sempre arrumavam uma desculpa para alterar a ordem rotineira da sala. Conversas paralelas, pedidos para ir ao banheiro, “o fulano que está me chamando”. Sempre um movimento de ir e vir antes da aula começar. A turma era composta, em sua maioria, por meninas, e menos da metade por meninos. E eles tinham

(16)

idades variadas: 75% entre 16 e 17 anos; 16,6% entre 14 e 15 anos; 8,3% entre 18 e 19 anos. No que se refere à orientação sexual, com a exceção de uma estudante que se identificou como bissexual, o restante da turma se afirmou como heterossexual.

Esses dados foram coletados no questionário aplicado ao início do ano letivo de 2018, respondido por todos os alunos da turma. Além dele, conforme já mencionado, os pontos de vista e os sentimentos dos estudantes sobre a escola foram explicitados na entrevista coletiva com 8 estudantes da turma.

O questionário faz parte das atividades do Estágio docente do curso de Licenciatura em Ciências Sociais. E esta pesquisa segue um roteiro de perguntas que inicia com a disciplina de sociologia, depois, na segunda parte, com questões sobre a escola, partindo, ao final, para o perfil socioeconômico e cultural dos estudantes. Darei ênfase a algumas questões a partir da segunda parte da pesquisa, pois considerei relevante refletir acerca das emoções e sentimentos que a escola desperta. E dando direção a esse objetivo, a primeira questão que retrata, justamente, o meu interesse é: “Quais os sentimentos que a escola desperta em você?” Eis algumas respostas: desprezo, tristeza, surpresa, novidade, alegria, tristeza, angústia, cansaço, insatisfação, nada, fome, raiva, indignação, ansiedade, nervosismo, sabedoria, sono, criatividade, desespero e decepção. E alguns sentimentos: “sensação de estar assustada”, “vontade de ir embora”, “felicidade pelo esforço que faço”, “incapacidade de estudar para várias provas na mesma semana” e “falta de compreensão nas matérias”.

Na sequência, ao serem questionados sobre a importância de se discutir afeto e pertencimento ao ambiente escolar, mais de 80% respondeu que é importante abordar isso na escola. Já na entrevista coletiva, os participantes descreveram a afetividade dentro da escola como um elemento importante, no sentido de querer serem ouvidos e de preparar o estudante para o conhecimento do outro também.

José – O colégio passa muito o conhecimento acadêmico... tu praticamente aprende sobre currículos acadêmicos... nada como interagir com o outro, nada como o outro é...

Constata-se aqui a necessidade não só de falar sobre sentimentos e emoções, mas que o jovem estudante precisa ser olhado muito mais do que um sujeito puramente racional. Todo indivíduo é composto por um corpo físico, por uma racionalidade, mas também por emoções e sentimentos. Nas 6ª e 8ª Teses sobre Feurbach, Marx enfatiza que a essência humana não é uma abstração, apenas algo interno, e que não ocorre naturalmente, pois se trata de uma construção do próprio homem, a partir do conjunto das relações sociais. O desenvolvimento do homem é, nesse sentido, um processo histórico e social, logo, o homem só se humaniza

(17)

quando se apropria dos mediadores construídos culturalmente e dos conhecimentos construídos pela humanidade no decorrer de seu desenvolvimento sócio-histórico (AITA & FACCI, 2011). Nessa trajetória, a escola em seu cotidiano forma uma complexa trama de relações sociais que envolvem os jovens estudantes a fim de leva-os a um conjunto de experiências sociais vivenciadas nos mais diferentes tempos e espaços. E essa condição formada por normas e regras busca a homogeneidade, no intuito de delimitar a ação dos sujeitos. Nessa frequência, a subjetividade, isto é, as emoções e os sentimentos exclusos no diálogo entre o estudante e a escola, provoca uma tensão, expressa na relação de ambos.

Em relação à pergunta: “Por que você está cursando o Ensino Médio?”, a resposta foi, basicamente, com o interesse de prestar o vestibular e para ter uma melhor colocação no mercado de trabalho. Diante disso, é necessário considerar que o trabalho, nessa fase escolar e na condição juvenil dos estudantes, é um fenômeno complexo e multifacetado, sendo que, no Brasil, a ligação entre o trabalho e a educação apresenta nuances muito diversos que fogem ao tema do presente estudo, mas que estão associados às subjetividades e às questões ligadas aos jovens estudantes e seu percurso no Ensino Médio. Sua inserção laboral nesse período acontece em um momento de grandes transformações no mercado e no âmbito socioeconômico do país. E essa condição contribui para aprofundar ainda mais as desigualdades socioeconômicas, limitando as oportunidades oferecidas às camadas populares. Desta maneira, a educação encontra-se cada vez mais concebida como um fator estratégico e para a inserção no mercado de trabalho. O Ensino Médio parece funcionar como uma “passagem” para o mercado formal de trabalho, sobretudo entre os jovens estudantes provenientes de famílias de baixa renda.

E quanto à pergunta sobre: “Como você classifica a sua escola?”, a maioria respondeu que a considera razoável, listando os motivos:“Porque ela poderia ter mais segurança”, “Não classifico como ótima por causa da estrutura dos banheiros, do lanche e fila da cantina, falta de professores às vezes”, “Porque, não reclamando, mas existe coisas que não favorece o melhor ensino na escola”, “Pois quando eu quero, me esforço, eu fico uma boa aluna, e quando eu não me esforço, fica ruim no desempenho”, “A estrutura é boa, mas a forma dos professores passarem a matéria deveria melhorar”, “Poderia ser melhor, no caso da estrutura”, “Existe os problemas dos banheiros”, “Tem muitas brigas e faltas de coisas necessárias na escola, porém, não acho a escola ruim”, “Há professoras que faltam muito, em alguns aspectos falta organização, os banheiros escolares não estão em uma condição

(18)

boa”, “Porque nos oferece uma estrutura confortável para aprendermos”, “Porque poderia ser melhor”, “Porque ela tem características que a tornam boa/razoável”.

Ao buscar entender essa realidade, o primeiro passo constatado diz respeito ao fato de que os problemas não se aplicam por si sós, ou seja, uma problemática não se reduz apenas à falta de uma melhor estrutura, de escola ou de professores, mas aos desafios existentes no sistema do ensino público. A combinação dessas questões compõe um quadro de dimensões complexas e adversas.

Elementos estruturais e institucionais no sistema educacional presentes na realidade brasileira exercem uma grande influência na inserção dos jovens estudantes no mundo laboral. E, muitas vezes, a escola e o trabalho compartilham mundos distintos e distantes um do outro, onde disputam sua atenção, dedicação e tempo.

Luiz – Por exemplo, eu me esforço o triplo do que eu me esforço na escola, no meu trabalho, para mim dar o meu melhor e ser promovido, sabe? Na escola, tu não tem esse sentimento que tu vai melhorar se tu continuar estudando, porque você não vê o professor te dar um retorno pelo que tu faz. Ele sempre fica te enchendo de conteúdo, mas o aluno também é responsável e não adere esse conteúdo.

Diante disso, o que se constata é que essa relação entre escola e trabalho também gera tensões e desafios a serem superados, pois, para esses jovens estudantes, é necessário conciliar estudo e trabalho. E nesse conjunto de interações, é preciso ressaltar a relação também do estudante com o professor, que muitas vezes gera conflitos e subjetivações. O professor sobrecarregado em seu cotidiano, sem o devido reconhecimento profissional. E se antes sua autoridade enquanto professor era legitimada pelo papel que ocupava, hoje ele precisa construir sua própria legitimidade entre os jovens (DAYRELL, 2007, p. 1121).

E nesse mundo diverso onde estão inseridos esses jovens estudantes, desponta uma questão importante, que vale destacar: cerca de 87,5% deles se desloca até o Instituto via transporte coletivo, enquanto que apenas 4% vai a pé, por morar nas proximidades. O IEE, como já mencionado, localiza-se na área central da cidade, e por ser uma escola pública de referência, é bastante procurada por estudantes de diversos bairros, inclusive da região da Grande Florianópolis.

Em sua maioria, o núcleo familiar dos estudantes é composto, aproximadamente, por 3 a 4 pessoas, embora 4% contem com 2 e 21% com 5 pessoas ou mais em suas residências. A renda mensal das famílias gira em torno de 1 a 3 salários mínimos, o que revela que se situam nas camadas sociais empobrecidas da classe trabalhadora.

(19)

Essa realidade também é evidenciada pelas respostas dos estudantes sobre as profissões ou vínculos com o mundo do trabalho de seus pais e mães. Segundo eles, seus pais são: empresário, caminheiro, coordenador, vigia noturno, autônomo, policial militar, chapeador, segurança, açougueiro, eletricista, pedreiro e administrador. Já as mães: auxiliar de serviços gerais, soldadora/pintora, costureira, vendedora, cabeleireira, assistente administrativa, vigilante, agente da saúde, auxiliar de costura, auxiliar de farmácia, analista de sistema, autônoma, lojista, corretora de imóveis, dona de casa, cozinheira e administradora.

Na questão: “Você trabalha ou já trabalhou?”, a maioria da turma respondeu que ainda não, embora 29% das respostas tenham sido positivas e 17% tenham assinalado já terem trabalhado, mas que no momento não exerciam nenhum tipo de trabalho remunerado. No que se refere ao vínculo de trabalho, os estudantes citaram o programa Jovem Aprendiz1, Estágio e atividade informal, ou seja, sem carteira assinada.

Em geral, a turma tem acesso à internet em suas casas, mas também se conecta através de celulares, e em locais variados, como no trabalho, em locais públicos como LAN Houses, nos computadores da escola, etc.

As experiências teóricas e práticas ocorridas durante o Estágio docente do curso de Licenciatura de Ciências Sociais, e também, a grave crise sociopolítica e econômica instaurada pelo atual governo, conduziram-me a uma perspectiva existencial também enquanto estudante, pois encarar as consequências práticas do conhecimento adquirido permite pensar os desafios profissionais futuros e encarar os próprios medos. E foi essa reflexão, incluindo as análises da realidade escolar no IEE e da sala de aula investigada, que me inspiraram a abordar questões subjetivas afetadas por relações sociais complexas, vivenciadas pelos jovens estudantes que são os sujeitos desta pesquisa.

Isso porque olhar para a escola é olhar também para dentro, para os sujeitos dos processos de ensino e aprendizagem que ali se desenvolvem – professores e estudantes – e para as relações que estabelecem entre si e com a escola. Pressupomos a escola em suas funções contraditórias na sociedade capitalista: por um lado, a instituição voltada para a reprodução das relações sociais de desigualdade e da cultura dominante; por outro, um espaço possível de emancipação, pela apropriação do conhecimento acumulado historicamente, pela “efetiva incorporação dos instrumentos culturais, transformados agora em instrumentos ativos de transformação social” (SAVIANI, 2007, p. 72).

1Conforme a Lei º 10.097, de 19 de dezembro de 2000, o governo estabeleceu cotas mínimas de contratação de

aprendizes para as empresas de médio e grande porte, no intuito de estimular a inserção dos jovens no mercado de trabalho.

(20)

Nessa direção, Goméz (1998, p. 14) considera a escola conforme o seu papel de instituição especificamente configurada para desenvolver o processo de socialização na sociedade capitalista. Neste sentido, ela seria conservadora, pois busca garantir a reprodução social e cultural como condição para a sobrevivência da sociedade. Entretanto, ao mesmo tempo, a instituição escolar estimula o estudante a enxergar o mundo lá fora, através de seus conteúdos de ensino e sistemas de organização, que gradativamente introduzem ideias e conhecimentos. Logo, a escola contribui decisivamente para a interiorização das ideias, dos valores e das normas da sociedade, mas também possibilita ao estudante pensar e atuar no mundo externo.

Desde a consolidação do capitalismo, reforça-se a convicção de que a educação escolar poderia ser um mecanismo de controle social. Foi recomendada pelos teóricos da política liberal do século XVIII como uma forma de tornar o povo ordeiro e obediente aos superiores (LIBÂNEO, 2013, p. 238). Portanto, essa posição configura em si a anulação da pluralidade essencial para o desenvolvimento do ser humano, de modo que permanece sempre a questão: qual é a função da escola, já que ela se constitui como um espaço de aquisição de conhecimento e aprendizagem?

Nesse espaço contraditório, as dimensões da vida social e subjetiva dos sujeitos dos processos educativos ficam obscurecidas. No caso da realidade escolar em questão, uma série de mecanismos burocráticos e de controle dificulta o estudante olhar para dentro de si, falar e expressar emoções e sentimentos que o afligem. No cotidiano escolar observa-se um silenciamento ou negação de conflitos e problemas que, muitas vezes, são manifestações de questões subjetivas.

Silenciar essas emoções e sentimentos dos jovens estudantes é esquecer as condições sociais que rodeiam nossa própria condição social. Por outro lado, reconhecer socialmente as emoções é ouvir também uma voz de significação sociológica e política. Neste sentido, se predomina sua dimensão de reprodutora social e instituição conservadora, a escola silencia as condições sociais sobre as quais ela mesma se assenta. E silencia de uma maneira tão poderosa que reforça ideias de um senso comum que individualiza e naturaliza questões sociais, culpando os sujeitos envolvidos. E como consequência disso, o problema passa a ser individual: “eu não consigo”, “eu não sou capaz”, “não sou inteligente”, “estudar não é para mim”, “nunca vou ser alguém na vida”, etc.

(21)

Por isso, pensar o ser humano como ser integral, superando ajustamentos e acomodações, aprendendo e desenvolvendo conhecimentos em sua plenitude, requer equilíbrio:

O delicado equilíbrio da convivência nas sociedades que conhecemos ao longo da história requer tanto a conservação quanto a mudança, e o mesmo ocorre com o frágil equilíbrio da estrutura social da escola como grupo humano complexo, bem como com as relações entre esta e as demais instâncias primárias da sociedade (PEREZ GOMÉZ, 1998, p. 14).

Uma finalidade da Educação Básica, especialmente do Ensino Médio, apontada por grande parte dos autores e correntes da Sociologia da Educação, consiste na preparação para a incorporação dos estudantes no mundo do trabalho. Segundo Goméz (1998, p. 14), desde as correntes funcionalistas até a teoria da correspondência, passando pela teoria do capital humano, do enfoque credencialista ou das diferentes posições marxistas e estruturalistas, todas, embora com importantes matizes diferenciais, concordam em admitir que, ao menos, desde o surgimento das sociedades industriais, a função principal que a sociedade delega e encarrega à escola é a incorporação futura ao mundo do trabalho.

Porém, entre esses enfoques teóricos, o autor afirma que as discrepâncias surgem quando se trata de definir o significado sobre o que é a preparação para o mundo do trabalho2. Para tanto, Goméz conclui que é necessário indicar que essa preparação para a nova geração não se limita apenas à área de conhecimentos, ideias, habilidades e capacidades formais, mas inclui também a formação de atitudes, disposição, interesses e pautas formais (PEREZ GOMÉZ, 1998, p. 15).

O autor aponta também para uma segunda função do processo de socialização na escola: a formação do cidadão para sua intervenção na vida pública. Em outras palavras, tornar-se um cidadão capaz de tomar decisões, fazer intervenções e manter a dinâmica e o equilíbrio do tecido social da comunidade humana:

Preparar para a vida pública nas sociedades formalmente democráticas na esfera política, governadas pela implacável e às vezes selvagem lei do mercado na esfera econômica, comporta necessariamente que a escola assuma as vivas contradições que marcam as sociedades contemporâneas desenvolvidas. O mundo da economia, governado pela lei da oferta e da procura e pela estrutura hierárquica das relações de trabalho, bem como pelas evidentes e escandalosas diferenças individuais e grupais, impõe exigências contraditórias aos processos de socialização na escola (PEREZ GOMÉZ 1998, p. 15).

2 Para o autor, essa discrepância ocorre devido a como essa preparação se realiza, como suas consequências

promovem a igualdade de oportunidades ou a mobilidade social, ou para reproduzir e reafirmar as diferenças sociais de origem dos indivíduos e grupos (GOMÉZ, 1998, p. 15).

(22)

Uma evidente e contraditória ideologia que se justifica pela lógica da razão e, com isso, uma lógica de aceitação e consolidação do status quo. Caberia, então, considerar uma oscilação entre o otimismo e o pessimismo. A grande preocupação aqui é pensar acerca dessa sensação que se traduz para o jovem estudante. Como se verá ao longo deste trabalho e na entrevista coletiva realizada com alguns estudantes da turma 2013, é justamente quando a escola omite as emoções que ela desperta, que consolida o que pensa combater e legitima a ordem existente das desigualdades e desajustes sociais. E dessa forma a escola transmite, muitas vezes implicitamente, e em outros momentos explicitamente, uma ideologia cujos valores são o individualismo, a competitividade e a falta de solidariedade.

Dar tom às emoções e deixá-las vibrar de maneira otimista não é algo simples de se construir, mas possível de se conquistar. Falo não de um otimismo ingênuo e infantil, mas de dar significado à vida, partindo para uma argumentação sociológica, de transformar a escola com sua lógica homogeneizante pela lógica da diversidade. E assim, retomar o pessimismo e não cair no otimismo ingênuo, pois, segundo Goméz, a escola como instituição social cumpre funções específicas e restritas, não tendo como compensar as diferenças que uma sociedade de livre mercado impulsiona e provoca. Isso porque ela, a sociedade, se sustenta em grupos e classes com oportunidades econômicas, políticas e sociais, em sua prática, muito desiguais (PEREZ GOMÉZ, 1998, p. 23). Porém, conforme salienta o autor, a escola pode atenuar os efeitos das sociedades industriais, mas, apesar de sua constituição formalmente democrática na esfera política, ela mantém viva as injustiças e as desigualdades.

A intervenção compensatória da escola deve revestir-se de um modelo didático flexível e plural que permita atender às diferenças de origem, de modo que o acesso à cultura pública se acomode às exigências de interesses, ritmos, motivações e capacidades iniciais dos que se encontram mais distantes dos códigos e características em que se expressa (PEREZ GOMÉZ, 1998, p. 23).

Em suma, um modelo flexível e plural que abarque justamente esse processo de compreender e atender às diferenças de origem e de partida, de modo que cabe à escola analisar a complexidade particular que o processo de socialização adquire em cada época, comunidade ou grupo social.

O autor defende também que fomentar essa pluralidade de formas de viver, pensar e sentir ‒ em que os indivíduos respeitem os diferentes pontos de vista e projetos vitais, diálogos através do debate de ação política, da participação e cooperação ativa ‒, pode criar e construir um clima de entendimento e solidariedade (PEREZ GOMÉZ, 1998, p. 24). No entanto, nossa situação atual, assim como a divisão do trabalho, e sua consequente

(23)

hierarquização na sociedade mercantil, provoca justamente o contrário, isto é, a diferente valorização social, que desqualifica a diversidade e a pluralidade entre os indivíduos. A dimensão disso é explicitada e verbalizada pelos estudantes na entrevista coletiva.

A seguir, elencam-se algumas citações dos estudantes sobre o desenvolvimento cultural da escola, sua rotina e conteúdo:

José - Está muito sistematizado.

Pedro - Tem que estar sempre sendo provado, o tempo inteiro.

José - Tem professores que passam a matéria no quadro e não falam nada até passar toda a matéria. Aí ele começa a falar e explica uns 15 minutos sobre a matéria, prova, trabalho e se vira. Não que não dá para aprender, mas com alguns minutos na internet você pega tudo que ele passa e entende melhor do que ele explicando, e tu acaba com um livro no teu caderno e vê que escreveu à toa. E também tem os professores que dão sempre o mesmo método de disciplina, falam é assim: “desse jeito, desse jeito e desse jeito, se não for assim não é”.

Luiz - Não dão outros meios de você resolver uma questão.

Na sociedade contemporânea, a escola parece perder um espaço central na transmissão e distribuição de conhecimento e informação. Os meios de comunicação em massa, as redes sociais, os aplicativos e os youtubers oferecem, de modo bem atrativo, um conjunto de informações rápidas e variadas, que dialogam na linguagem atual dos jovens estudantes. Ao mesmo tempo, difunde-se amplamente a ideia de que vivemos em uma “sociedade do conhecimento”, e que em todos os ambientes da vida social circulam novos saberes, que rapidamente se tornam obsoletos. Seja nos espaços educativos, seja nos locais de trabalho, o que importa é que os sujeitos estejam preparados para reaprender continuamente, em um processo de adaptação constante a novas situações. Esse é o discurso que circula nas mídias eletrônica e impressa e que dá sustentação a políticas curriculares que secundarizam o trabalho educativo de socialização dos conhecimentos acumulados ao longo da história humana. São ideias defendidas nas chamadas “pedagogias do aprender a aprender”, que estão fundamentando a política educacional de governos neoliberais. De acordo com Duarte:

[...] a educação deve preparar os indivíduos para acompanharem a sociedade em acelerado processo de mudança, ou seja, enquanto a educação tradicional seria resultante de sociedades estáticas, nas quais a transmissão dos conhecimentos e tradições produzidos pelas gerações passadas era suficiente para assegurar a formação das novas gerações, a nova educação deve pautar-se no fato de que vivemos numa sociedade dinâmica, na qual as transformações em ritmo acelerado tornam os conhecimentos cada vez mais provisórios [...] (DUARTE, 2008, p. 11).

(24)

O autor assinala o caráter adaptativo dessa pedagogia, que defende uma atuação dos educadores voltada para a formação das competências necessárias para uma inserção na sociedade global, dominada pela tecnologia. Nessa perspectiva, aos educadores restaria a tarefa de conhecer a realidade, não de criticá-la, e apontar possibilidades para a sua transformação, mas no sentido de se adaptar às novas exigências da sociedade capitalista.

Nesse contexto de aparente esvaziamento das finalidades educativas da escola, crescem os desafios para um trabalho docente que atenda às necessidades sociais dos estudantes. E isso, sem abrir mão da socialização dos conhecimentos científicos e culturais construídos historicamente, uma vez que caberia ao professor tornar esses conhecimentos objetos de interesse dos estudantes, aproximando-os de sua vida cotidiana.

Em seu livro Escola e Democracia, Saviani (1999) apresenta uma proposta que visa responder às necessidades educativas para a transformação social. O autor defende uma teoria histórico-crítica que busque a aprendizagem significativa, na qual os conteúdos deverão ser contextualizados a partir da realidade dos estudantes, promovendo a inclusão social. Anuncia que a tarefa de uma teoria crítica é superar o poder ilusório, característico das teorias não-críticas, como a impotência decorrente das teorias crítico-reprodutivistas, “colocando nas mãos dos educadores uma arma de luta capaz de permitir-lhes o exercício de um poder real, ainda que limitado” (SAVIANI, 1999, p. 41).

No segmento de sua análise, Saviani (1999) ressalva que o caminho apresenta armadilhas, pois os mecanismos de adaptação são acionados periodicamente a partir dos interesses das classes dominantes e podem ser confundidos com os anseios da classe dominada. No entanto, adverte que é necessário avançar e captar a natureza específica da educação. Do ponto de vista prático, para ele:

[...] trata-se de retomar vigorosamente a luta contra a seletividade, a discriminação e o rebaixamento do ensino das camadas populares. Lutar contra a marginalidade através da escola significa engajar-se no esforço para garantir aos trabalhadores um ensino da melhor qualidade possível nas condições históricas atuais. O papel de uma teoria crítica da educação é dar substância concreta a essa bandeira de luta de modo a evitar que ela seja apropriada e articulada com os interesses dominantes (SAVIANI, 1999, p. 42).

E os desafios atuais que se colocam para um trabalho educativo nas salas de aula, que ultrapasse e supere as ideias de senso comum, são enormes. O educando e a escola também se deparam com as adversidades históricas de hoje, que podem ser vislumbradas na fala dos estudantes na discussão acerca da internet e das redes sociais:

(25)

Maria - Tem o Google Class, mas essa tecnologia quem usou esse ano foi só o professor de Geografia, para ajudar a gente, mas foi mais ou menos ainda, mas ele foi o único que usou.

Lucia - É uma sala de aula virtual, sabe. O que ele passou no dia, ele vai lá chega e coloca.

Maria - Fora as atividades.

José - A qualquer hora tu pode voltar e rever aquela matéria. Maria - Ele meio que não usa caderno.

Lucia - Uma revisão para a prova, ele também coloca.

Luiz - Os slides também. E a gente procura um conteúdo na internet e aparece milhões de videoaulas.

José - Eu acho sites mais rápidos, você pode localizar mais rápido os textos.

Esses fragmentos refletem, aparentemente, os efeitos de um modo sutil e imperceptível para eles, de um capital de informações rápidas e de fácil acesso, muitas vezes destituídas de fundamentação científica e com forte conteúdo ideológico de negação da crítica social. E isso dá suporte, e aparentemente supre, uma carência de ações docentes inovadoras diante dessa nova configuração da sociedade capitalista.

Conforme já assinalado, esse mundo das relações sociais que rodeia esse jovem estudante também é um mundo de transmissão de informações, conhecimentos, valores e concepções ideológicas, que cumpre o papel mais próximo da reprodução da cultura dominante. Sendo assim, somente a escola pode cumprir a função na reelaboração crítica dessa cultura e processo de dominação (PEREZ GOMÉZ, 1998, p. 25). E isso não significa dizer que escola está livre de condicionamentos e de contaminação, mas que se apoia na lógica da diversidade, na interpretação dos indivíduos, em suas emoções e nas diversas formas de interpretar a realidade.

Provocar a reconstrução crítica do pensamento e da ação nos alunos/as exige uma escola e uma aula onde se possa experimentar e viver a comparação aberta de pareceres e a participação real de todos na determinação efetiva das formas de viver, das normas e padrões que governam a conduta, assim como das relações do grupo da aula e da coletividade escolar (PEREZ GOMÉZ, 1998, p. 26).

Ao longo de sua história, a escola pública tem passado por mudanças (LIBÂNEO, 2013, p. 258), entre aspectos positivos e negativos. Um exemplo disso, que indica um processo contraditório em seu contexto, ocorre na democratização e ampliação do acesso, mas não nas condições de seu funcionamento. Remuneração precária dos professores, baixos

(26)

investimentos na formação dos profissionais e péssimas condições de trabalho que afetam, de modo inevitável, a qualidade do ensino. Com base nisso, segundo Libâneo, a construção da escola pública brasileira é ainda um processo inacabado.

Fatores como esse motivaram ainda mais seguir com o trabalho sobre as emoções que a escola desperta. Foi observando e ouvindo os jovens estudantes, a escola e seu entorno, que foi possível seguir adiante. Sabe-se que as consequências das relações sociais e seus processos de construção se vinculam a determinadas condições históricas, e que, como seres humanos, somos diretamente afetados por emoções e sentimentos que implicam em várias etapas de nossas vidas.

Cumpre notar que o sistema de ensino, em sua postura homogeneizante de educação e mediante uma perspectiva crítica, constitui uma organização política, ideológica e cultural em que indivíduos e grupos, com diferentes interesses, valores, crenças e com desigual visão da realidade, mobilizam poderes e elaboram processos de negociação, pactos e enfrentamentos (LIBÂNO, 2013, p. 234). Com vistas ao homem teórico, a educação institucionalizada é um sistema que também o distancia de sua totalidade, separando o corpo, a emoção e a inteligência.

Como prática social, e sendo um fenômeno essencialmente humano, o ato de educar acompanha o ser humano ao longo de seu caminho e história. Libâneo argumenta que a prática educativa envolve a presença de sujeitos que ensinam e aprendem ao mesmo tempo conteúdos, objetivos, métodos e técnicas coerentes. Porém, desse modo, a educação pode articular aspectos contraditórios como opressão e democracia, intolerância e paciência, autoritarismo e respeito, conservadorismo e transformação, mas jamais ser neutra (LIBÂNEO, 2013, p. 235).

Nessa contradição, nos deparamos com um sistema educacional que abandona uma formação mais humanista em prol de uma formação cientificista e tecnicista. É preciso lembrar que uma formação não exclui a outra, mas é essa vulgarização do ensino que objetiva formar pessoas úteis e rentáveis para o mercado de trabalho, e não personalidades harmoniosamente amadurecidas e desenvolvidas como um todo. Diante disso, temos o exemplo do Ensino Médio, que historicamente se caracteriza por sua dualidade estrutural, estabelecendo políticas educacionais distintas às camadas sociais desiguais. As reformas educacionais realizadas nas últimas décadas não deram conta de reparar essa questão, sendo que as políticas educacionais no Brasil para o Ensino Médio continuam refletindo o dualismo

(27)

fundamentado na divisão social do trabalho. O Ensino Médio, ao longo de sua história, tem sido excludente, seletivo e vulnerável.

Segundo Marise Ramos, as finalidades do ensino de nível médio, nunca realizadas na sociedade brasileira, estão centradas na pessoa humana, no sujeito e em seu direito de acesso aos conhecimentos acumulados historicamente:

Não sujeitos abstratos e isolados, mas sujeitos singulares cujo projeto de vida se constrói pelas múltiplas relações sociais, na perspectiva da emancipação humana, que só pode ocorrer à medida que os projetos individuais entram em coerência com um projeto social coletivamente construído.

Com isso colocamos a discussão sobre as finalidades do ensino médio ou, ainda sobre o que lhe confere sentido: sujeitos e conhecimentos. Sujeitos que têm uma vida, uma história e uma cultura. Que têm necessidades diferenciadas, mas conquistaram direitos universais. Conhecimentos que são construídos socialmente ao longo da história, constituindo o patrimônio da humanidade, a cujo acesso, portanto, todos têm direito (RAMOS, 2004, p. 39-40).

É a partir da Revolução Industrial que os estabelecimentos de ensino promovem a qualificação para impulsionar toda uma nova configuração social que procura manter o status quo, conduzindo-a um estado meritocrático e criando uma perspectiva ilusória e sedutora que produz frustrações e conflitos. Em outras palavras, a escola passa a ter um papel ideológico na construção dos indivíduos, e uma vez não sendo neutra, continua alimentando a máquina geradora que qualifica como força de trabalho.

Desta forma, a escola é uma organização socialmente construída. Porém, vale destacar que não representa o único espaço em que ocorre a educação, pois:

A vida social implica a vivência da educação pelo convívio, pela interação entre as pessoas, pela socialização das práticas, hábitos e valores que produzem a vida humana (LIBÂNEO, 2013, p. 234).

E como prática social, a educação assume diferentes modalidades: a educação informal, a educação não formal e a educação formal. E nenhuma é mais importante do que a outra. Todas acontecem na vida dos indivíduos. Contudo, aqui tratamos da educação formal, objeto deste estudo.

Conforme assinala Libâneo (2013), a educação formal deveria responder também às necessidades vitais dos educandos, e não à mera sobrevivência e preparação para o mercado de trabalho. Esse sistema classificatório e excludente gera obstáculos ao aprendizado e sentimentos de incapacidade individual. A entrevista com os estudantes da turma 213 exemplifica esse aspecto:

(28)

José - Puramente obrigação.

Maria - É implantado pra gente , quando a gente é criança que a gente deve estudar, mas...

Luiz - Para ser alguém na vida.

José - Eu digo que não é nem tanto implantando quando é pequeno, mas eu digo, se tu não fizer, o que tu vai fazer depois? Até teus pais podem não falar de Ensino Médio, mas se não tiver o Ensino Médio não vai fazer nada depois, não faz faculdade.

Luiz - É bom pra o currículo.

Maria - Nem todo mundo que é bem sucedido tem ensino, mas tem que ter uma cabeça boa para isso. Mas de qualquer forma, o ensino é a maneira que vai fazer você ser alguém na vida.

Salientei algumas frases para a compreensão de algumas emoções, como ansiedade, por exemplo, que surgiram ao início da entrevista com os estudantes e que reforçam a convicção de que a educação, mesmo em sua configuração atual, continua sendo um mecanismo de controle social.

Como pesquisadora e educadora, vejo a “educação como um ato de amor”, assim como Paulo Freire. E sendo assim, isso proporciona uma preocupação maior com o sistema educacional, com um sistema que, em outras palavras, se perde com a vida, com a natureza, com suas tradições, uma educação que tenta formar um determinado tipo de ser humano que está sendo levado ao seu próprio empobrecimento. Acredito que os modos de vida inspiram maneiras de pensar, mas também os modos de pensar criam maneiras de viver. Não há separação entre a vida e a educação. Fazer parte de um todo, físico, emocional e intelectual. Aprender a viver é aprender a conhecer, é experimentar. Contudo, isso não é suficiente para o desenrolar do amadurecimento humano. Como somos seres sociais, precisamos conhecer e questionar, enquanto sujeitos inseridos em um determinado tempo histórico e vivendo relações sociais constitutivas.

Saviani parte da premissa que a educação é a promoção do homem e que promover o ser humano significa libertá-lo de toda e qualquer forma de dominação. Entretanto, o autor adverte que agarrar-se à educação como uma espécie de tábua de salvação para os problemas nacionais representaria uma postura ingênua e privada de qualquer criticidade:

Isto porque, se por um lado, ela se constitui num possível ponto de rompimento do chamado “circulo vicioso” do subdesenvolvimento, por outro lado, ela própria se apresenta como que encerrada dentro do “círculo”. Daí, as deficiências do processo educacional, constantemente apontadas, raramente sanadas e frequentemente agravadas (SAVIANI, 1983, p. 2).

(29)

Mesmo com todas as críticas e sua construção histórica concomitante ao nascimento da sociedade industrial, e mesmo que o sistema educacional tenha se constituído para reforçar e consolidar o capitalismo, é preciso estar aberto para uma permanente reflexão sobre a escola, a educação, os professores e os jovens estudantes. E com isso, pensando naqueles que mais necessitam da escola, eles, os jovens estudantes, pois a base é construir em conjunto uma consciência crítica dos fatos e das circunstâncias ao seu redor.

Como diz Saviani (1999) em Escola e Democracia, a educação não transforma o mundo “de modo direto e imediato e sim de modo indireto e mediato, isto é, agindo sobre os sujeitos da prática”. A roda já foi inventada, todavia, precisamos continuar a modernizá-la, e assim, criar novos mecanismos para, com isso, contribuir com sua história.

(30)

PARTE II FORA DO NINHO

Durante a observação participante na turma 213, do 2º ano do Ensino Médio, do IEE, no Estágio docência, surgiram várias perguntas que orientaram os caminhos da pesquisa: o que é juventude, ou melhor, como podemos definir a juventude? Com base em que concepção de subjetividade é possível pensar as emoções e os sentimentos dos estudantes em relação à escola? Como os estudantes pesquisados se relacionam com o trabalho? Esse conjunto de observações e questões passou a ser importante na busca de uma compreensão da dimensão subjetiva presente nas relações sociais estabelecidas pelos estudantes da turma 213, dentro e fora do ninho. A definição de juventude é dada pelo Dicionário de Português Online como: “substantivo feminino; parte da vida do homem entre a infância e a idade viril; o brilho da juventude; estado de uma pessoa jovem”. Todavia, no cotidiano, nos deparamos com uma variedade de imagens que interferem na compreensão do que é ser jovem. Com base nisso, Dayrell apresenta alguma dessas imagens, argumentando que, em uma delas, a juventude é vista em sua condição de transitoriedade pela qual o jovem é um “vir a ser”. E com isso, ser jovem é uma passagem para a vida adulta, pois no futuro está o sentido de suas ações no presente (DAYRELL, 2003, p. 40):

Sob essa perspectiva, há uma tendência de encarar a juventude na sua negatividade, o que ainda não chegou a ser (SALEM, 1986), negando o presente vivido. Esta concepção esta muito presente na escola: em nome do “vir a ser” do aluno, traduzido no diploma e nos possíveis projetos de futuro, tente-se a negar o presente vivido do jovem como espaço valido de formação, assim como as questões existenciais que eles expõem, bem mais amplas do que apenas o futuro (DAYRELL, 2003, p. 41).

Vários autores já se debruçaram sobre o tema e contribuíram para construir uma definição sobre o que é juventude. Dayrell assinala que os critérios que a constituem são históricos e culturais. Nessa perspectiva, a juventude é tida como parte de um processo mais amplo da constituição dos sujeitos, que apresenta especificidades que marcam a vida de cada um. E esse processo é influenciado pelo meio social onde se desenvolve e pela qualidade de trocas que este proporciona (DAYRELL, 2003, p. 42).

Segundo Dayrell, as transformações da vida social nas últimas décadas têm provocado mudanças nas relações entre a juventude e escola. Dificuldades e desafios crescentes têm levado a um processo de culpabilidade mútua. Para a escola, o problema se situaria na

(31)

juventude, “com seu pretenso individualismo de caráter hedonista e irresponsável, dentre outros adjetivos, que estaria gerando um desinteresse pela educação escolar”. Para os jovens, a escola se mostra distante de seus interesses, com uma rotina reduzida e cansativa, professores que pouco acrescentam à sua formação, tornando-se para eles cada vez mais uma “obrigação”, justificada apenas pela necessidade de um diploma (DAYRELL, 2007, p. 1106).

O autor defende que as mudanças sociais recentes atingem “as instituições e os processos de socializações das novas gerações, implicando em mudanças também na condição juvenil, sua cultura e expectativa de vida”. Para ele:

Trata de compreender suas práticas e símbolos como a manifestação de um novo modo de ser jovem, expressão das mudanças ocorridas nos processos de socialização, que coloca em questão o sistema educativo, suas ofertas e posturas pedagógicas (DAYRELL, 2007, p. 1107).

Esses distanciamentos entre os estudantes e a escola tornam-se explícitos na entrevista coletiva:

Luiz - Raramente eu tenho vontade de vir para a escola. Você não vem para a escola para se divertir e ter um conteúdo interessante. Você vem para a escola para saber a mesma coisa que você já sabe.

Pedro - Sempre as mesmas aulas, sempre o mesmo jeito que o professor explica. Maria - Não sai do padrão sabe.

José - É tipo a mesma aula com a mesma matéria. Cris - Às vezes dá sono, às vezes dá preguiça.

É necessário salientar que, ao refletir sobre a escola, a educação, os jovens e suas emoções, estou levando em consideração uma parcela da juventude brasileira, que são os estudantes das escolas públicas, situados socialmente nas classes trabalhadoras, majoritariamente de baixa renda, marcados por um contexto de crescentes níveis de desigualdade social. Porém, mesmo se tratando de um universo empírico restrito, não significa dizer que, de alguma maneira, o que é tratado aqui não seja vivenciado por outros jovens de lugares sociais diversos.

Para Dayrel, outra imagem que se criou da juventude reflete uma visão romântica que foi se cristalizando a partir de 1960. Nessa visão, a juventude seria um tempo de liberdade, de prazer, de comportamentos e expressões exóticas. E mais recente ainda, apresenta-se uma percepção da juventude reduzida ao campo cultural, como se ela só expressasse sua condição juvenil nos finais de semana ou quando se envolve com alguma atividade cultural (DAYRELL, 2003, p. 41), o que não deixa de ser e fazer parte do cotidiano de ser jovem, mas

Referências

Documentos relacionados

Na busca por esse objetivo, iremos contextualizar o cenário legal e institucional que insere a política de formação continuada na agenda das políticas

O Fórum de Integração Estadual: Repensando o Ensino Médio se efetiva como ação inovadora para o debate entre os atores internos e externos da escola quanto às

O objetivo principal desta ação será tornar o material pedagógico utilizado e as dinâmicas mais próximas às deficiências de aprendizado apresentadas pelos alunos,

O Documento Orientador de 2013, dispondo sobre as atribuições do (a) professor (a) articulador (a) de projetos, determina que ele (a) deverá estar lotado (a) na unidade escolar,

Atualmente, sua principal função é atuar, em conjunto com o Conselho de Escola, na gestão da unidade escolar, participando das decisões relativas à organização

Preenchimento, por parte dos professores, do quadro com os índices de aproveitamento (conforme disponibilizado a seguir). Tabulação dos dados obtidos a partir do

Nesse contexto, o presente trabalho busca investigar a distorção idade-série na escola em questão, bem como compreender que ações são mobilizadas pela equipe gestora e pelos

Pensar a formação continuada como uma das possibilidades de desenvolvimento profissional e pessoal é refletir também sobre a diversidade encontrada diante