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Espiritualidade na vertigem do tempo

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Academic year: 2021

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Espiritualidade na vertigem do tempo

R oberto E. Zw etsch Resum o

E spiritualidade é a vivência da fé cristã sob a ação do Espírito Santo. Ela abarca a vida integral da pessoa cristã. Essa vivência diz respeito a um a ex p e­ riência radical de g ratuidade e de segui­ m ento do evangelho de Jesus de N azaré. N este artigo o autor ensaia um cam inho pouco com um para refletir sobre o tem a da espiritualidade: o da poesia. Na sua

R esum en

E spiritualidad es la vivência de la fe cristian a sob la acción d e l Espíritu Santo. Ella abarca la vid a integral de la p e rso n a cristia n a . E sta v iv ê n c ia d ice resp e cto a una ex p e rien c ia radical de gratuidad y de seguim iento dei evangelio de Jesús de N azaret. En este artículo el au to r en say a un ca m in o p o c o com ún p a ra re f le x io n a r so b re el te m a de la

A bstract

Spirituality is the living out o f the C hristian faith u n d er th e action o f the Holy Spirit. It com prehends the w hole o f C hristian life. T hat living out has to do w ith a r a d ic a l e x p e r ie n c e o f g ratu ito u sn ess an d d iscip lesh ip o f the gospel o f Jesus o f Nazareth. In this article th e a u t h o r a t te m p ts an u n c o m m o n reflection on the topic o f spirituality by

o p inião, não há linguagem m ais p ro fu n ­ da e in sp irad o ra do que a linguagem p o ­ ética. N ão p o r acaso, a B íblia está cheia dela. A o longo do texto, com enta p o esi­ as d e d iversos autores cristãos, m ostran­ do com o nesses textos transparece um a percepção aguda da realidade h um ana e, nela, a experiên cia do sagrado.

e s p iritu a lid a d , el de la po esia. En su opinion, no hay lenguaje m ás p rofundo e in sp irad o r que el lenguaje poético. N o es p o r acaso, que la B iblia está llena de él. A lo largo dei texto, com enta poesias de diversos autores cristianos m o stran ­ do com o en estos textos se trasluce una p ercepción ag u d a de la realidad h um ana y, en ella, la exp erien cia de lo sagrado.

using poetry. In his opinion, there is no la n g u a g e th a t is m o re p ro fo u n d an d inspiring than the language o f poetry. It is not by chance that the Bible is full o f it. He co m m en ts on poem s by several Christian authors, show ing that in these texts w e have a sharp insight into hum an reality and, w ithin it, the experience o f the sacred.

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“C ristianism o sem crise é um cristianism o dom esticado, com o aliás querem todos os p o d eres da te rra ” . (Zero Hora, 23/01/2000, p. 22.)

Introdução

A cam inhada do povo de D eus e a

teo lo g ia que vem sendo fo rm u lad a no Brasil e na A m érica Latina há pelo m e­ nos três décadas não podem ser en ten d i­ das sem considerarm os a e sp iritu alid a­ de que brota da fé em Jesus C risto. O tem a é tão oportuno e im portante q ue há um a vasta bibliografia j á p ublicada, ta n ­ to na form a de livros com o de a rtig o s1. Este trabalho foi apresentado inicial­ m ente com o A ula Inaugural na abertura do Io sem estre letivo de 2 0 0 0 na S ocie­ dade E ducacional T rês de M aio, n a ci­ dade de T rês de M aio, RS, no d ia 21/02/ 2000. M ais de 300 estudantes e d o ce n ­ te s estiveram presentes ao g inásio de es­ portes, onde proferi a palestra. São p e s­ soas que estudam nos três cursos de g ra­ duação que a instituição oferece: P eda­ g o g ia , A d m in is tra ç ã o e C iê n c ia s da C om putação. E digno de nota que o tem a foi escolhido em com um acordo com a direção da escola: .

C om o m otivação apresentei, antes do texto, qu atro tran sp arên cias feitas a p a rtir de fotos do fo tó g rafo b rasileiro S ebastião Salgado, hoje m u n d ialm en te conhecido, e q ue desenvolve um projeto sobre A s M igrações no M undo, a p artir do qual m on to u um a su p er-ex p o sição com 500 fotos, que, neste ano, será ap re­ sentada em diversas cid ad es do m undo: São Paulo, T óquio, N ova Iorque, Paris e outras. N elas aparecem a face de um a pessoa idosa do N ordeste brasileiro , os p é s de trab alh ad o res rurais, um circulo de um a co m unidade de base cristã ab e n ­ çoando o pão a ser repartido e um a m e ­ nina de um acam pam ento de sem -terras, que aprende a escrever.

C onstava ainda a audição do canto

Resistência, da au to ria do P astor Ms. R odolfo G aede N eto, que p o r m otivos técnicos não p ôde ser escutado. N a p o e ­ sia d esse can to o a u to r a p re sen ta um e x em p lo d a n o v a e s p iritu a lid a d e que

1 Cf. entre outros: G ustavo G U TIER R EZ, B eber no próprio p o ço : itinerário espiritual de um povo, trad. Hugo Pedro Bofif, P e tró p o lis: Vozes, 1984. Pedro C A S A L D Á L IG A e José M aria VIGIL, E spi­ ritualidade da libertação, trad. Jaim e A. Clasen, São Paulo : Vozes, 1993 (Teologia e Libertação, IX). Leonardo BOFF, Ecologia, m undiatização. espiritualidade : a em ergência de um novo parad ig ­ m a, São Paulo : Ática, 1993 (R eligião e Sociedade). Leonardo BOFF, Frei BETTO , M ística e espiri­ tualidade, Rio de J a n e iro : Rocco, 1994. Roberto E. ZW ETSCH , Espiritualidade e antropologia : um diálogo com Leonardo BotY, Estudos Teológicos, São Leopoldo, v. 38, n. 2, p. 141-155, 1998. Sobre espiritualidade na form ação teológica: Jaci M A RA SCH IN (Ed.), Q ue è fo rm a ç ã o espiritual?. São Paulo/São Bernardo do Cam po : A STE/PEPG C R, 1990.

; A gradeço particularm ente à sim pática acolhida que tive po r parte do diretor, Prof. Seno Leonhardt, do diretor adm inistrativo, Prof. M arcelo Blum e, e da ProP Ms. Zerta Kupske, C oordenadora do Curso de Pedagogia.

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com eça a brotar em com u n id ad es evan- g é lic o -lu te ra n a s, e s p e c ia lm e n te en tre aquelas pessoas que se em penham pela justiça e a liberdade do povo pobre d es­ te p ais’.

E necessário que esclareça desde já o conceito de espiritualidade com o qual trabalhei. N um livro escrito em 1978, m eu antigo p ro fesso r e am igo H erm ann B randt assim definiu espiritualidade, a p a r ti r d e um d iá lo g o c o m G u sta v o G utiérrez: espiritualidade é o dom ínio do Espírito, é um a vivência da fé que abar­ ca a vida integral da pessoa cristã. Diz respeito a um a ex p e riên c ia radical de gratuidade e de vivência do evangelho, m ovida pelo Espírito Santo de Deus4.

Esse p equeno livro tem m e aco m ­ p an h a d o ao longo de m inha trajetó ria com o cristão, m issionário entre povos indígenas, pasto r e p ro fesso r de Teolo­ gia. Sua inspiração m e fez ir adiante. No que segue desenvolvo o tem a tendo com o contraponto a experiência da poesia b ra­ sileira, em especial aquela que faz refe­ rência a conteúdos religiosos e de fé.

I

N ós som os seres do tem po, seres da história.

M as D eus é antes e depois do tem ­ po. E o acontecim ento m ais alucinante é que ele não quis perm an ecer na eterni­ dade. Ele tam bém se fez ser hum ano. E entrou no tem po. E se fez hum ano, h is­ toricam ente situado, datado, fragilizado. D eus e nós. O ser e o tem po. E ternidade e fragilidade. Vida em busca de sentido.

Num tem po som brio. N um país do m i­ nado. N um a terra ocupada. E ainda as­ sim , terra h abitada p o r um povo sofrido, esperançoso, cheio de sutilezas.

Pois bem , a co m unidade cristã vive sua fé em m eio a esta gente brasileira. Q ual é a esp iritu alid ad e que a m otiva hoje? O u que a q uestiona? E disso que pretendo falar com vocês nesta noite.

Peço licença para c o n d u z ir vocês p o r um cam inho p o u co conhecido e va­ lorizado nas escolas superiores, que é o da poesia. N ão há linguagem m ais bela, pro fu n d a e inspiradora do que a lingua­ gem poética. A B íblia está cheia dela. É um a pena que tenham os tanto pudor para lê-la. Infelizm ente, puseram em nossos o lhos viseiras que nos im pedem de b e­ b er de suas fontes e co n h ecer vivencial- m ente o p o d er de suas palavras, o fres­ cor de suas águas. Hoje, porém , vou bus­ car inspiração em ou tro s lugares.

E que, com freqüência, visito p o e­ tas, m ulheres e hom ens inspirados pelo poder criador das palavras. C om eço com um p oem a de A délia Prado, conhecida p o r revolucionar a poesia brasileira com sua erótica cristã.

Parâmetro

D eus é m ais belo que eu. E não é jovem .

Isto sim , é consolo.

(PR, 382). Q ue poem a! Breve, lím pido, anim a­ dor. Poesia que liberta jo v e n s e pessoas m aduras. Justam ente pessoas com o nós,

' Cf. texto e partitura in O povo canta : cancioneiro II da Pastoral Popular Luterana, 5. ed.,C uritibanos, 1997. p. 264s.

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eternam ente p reo cu p ad as com o que vai ser de nossas vidas.

II

V ivem os num te m p o vertiginoso, m arcado p o r distin tas e entorpecedoras velocidades. A viões voam m ais rápido que o som . A rede m undial de co m p u ta­ dores, co n h e cid a com o Internet, p erm i­ te q u e as in fo rm a ç õ e s circ u lem p elo m u n d o d e fo rm a im ediata. O m esm o acontece com o uso dos satélites das re­ des de T V e rádio.

A velocidade é tam anha que nos sen­ tim o s to n to s, com o se p erd ê ssem o s o ch ão d ebaixo d os pés. Q uem está à m ar­ gem desse processo parece alguém fora do tem po. É gente fora da história. Ex­ cluída. D escartável.

O sistem a que hoje d om ina o m u n ­ do é altam ente seletivo. Q uem não se adapta, fica fora. T om a-se um zero à es­ querda. Perde im portância. D eixa de in ­ te re ssa r até m esm o com o núm ero em frias estatísticas. O sistem a é cruel na sua ciência e onipotência.

C om o país, o B rasil d esesp e ra d a­ m en te p rocura se inserir no circuito g lo ­ bal. O governo d efende a globalização. E faz tudo p ara ad eq u ar o país, a sua po lítica econôm ica, ao sistem a m undial. Vende as estatais a preços vis, segue à risca o pro g ram a do Fundo M onetário Internacional, corta gastos com saúde,

educação, m oradia, in vestim entos que seriam esse n c ia is p ara um p ro jeto de nação livre e so b e ra n a \

Q ue dizer desse projeto? Haverá um cam inho alternativo, um outro jeito de nos inserirm os com o povo e país no cenário das nações? Sou daqueles que teim am em dizer que sim! E pequenos exem plos que acontecem pelo país afora m e confirm am que essa história do pensam ento único pregado pelo nova ideologia do sistem a m undial das m ercadorias é apenas uma das versões para descrever o m undo de hoje6. Esta é hoje a ideologia dom inante. C om o um a idéia, porém , pode ser con­ testada e transform ada pela própria so­ ciedade. S igam os em frente. O uçam os m ais um a vez A délia Prado:

III

A cicatriz

Estão equivocados os teólogos

quando descrevem Deus em seus tratados. Esperai p o r m im que vou ser apontada com o aquela que fez o irreparável. Deus vai nascer de novo para m e resgatar. M e m ata, Jonathan, com sua faca, m e livra do cativeiro do tem po. Q uero en ten d er suas unhas,

o plano não se fixa, sua cara desaparece. Eu am o o tem po porque am o este inferno, este am or doloroso que precisa do corpo, da pro teção de D eus para dizer-se

' Cf. José Luís FIORI, O s m oedeiros falsos, P e tró p o lis: Vozes, 1997. Elio GA SPA RI, O s núm eros da reuína tucana. Zero Hora. Porto Alegre, 13/02/2000, p. 4. Id., A lógica da ruína do an d ar de baixo. Zero Hora, Porto Alegre, 20/02/2000, p. 5. Luis Inácio Lula da SILVA, D istribuir para crescer, Zero Hora, Porto Alegre, 20/02/2000, p. 13.

'' O livro A opçào brasileira, escrito po r vários intelectuais e lideranças políticas do Brasil, oferece exem plos de um cam inho alternativo às p olíticas do governo FHC. Cf. C ésar BENJAMIN et alii, .4 o pção brasileira, 3“ reim pressão. Rio de Janeiro : C ontraponto, 1998.

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nesta tarde infestada de pedestres. Ter um corpo é com o fazer poem as, pisar m argem de abism os, eu te am o. Seu relógio, in congruente com o m eus

sapatos,

um a cruz gozosa, ó Felix Culpa! (PR , 392). D eus, o tem po e o s corpos. A mor. A esp iritu alid ad e de que carecem o s só se faz p len a se souber aliar corpo, tem po e e tern id ad e com o liam e d o am or. Por isso, posso tranqüilam ente afirm ar que to d a espiritualidade cristã que afoga o corpo, que nega a vida e a paixão de v i­ ver, não é de Deus.

Espiritualidade cristã assum e a vida, o corpo, a p aixão de viver. Ela é um ra­ dical grito pelo sentido divino da vida, integralm ente: corpo, alm a, espírito. A vida é sagrada. A vida h um ana é dádiva d ivina e m aravilhosa. Por isso, a esp iri­ tu alid ad e cristã se com p ro m ete com o resgate p erm anente da d ignidade h u m a­ na, com o aponta o tem a da C am panha da F raternidade E cum ênica de 2000.

IV

C om o seres do tem po e da história, vivem os em m eio a contradições. H ones­ tam en te, eu diria: nós m esm o s som os co n tra d iç ã o am bulante. D izem o s um a coisa. F azem os outra. S om os pela paz. M as tecem o s arm adilhas para a guerra. A berta ou veladam ente. N ão im porta. É p reciso reco n h ecer isso. A té para rec u ­ p erarm o s um m ínim o de saúde e senso de ju stiça . E co m p reen d erm o s po r que existe a palavra perdão!

O uçam os um agudo poem a do n o s­ so querid o e saudoso M ario Q uintana, sem pre genial em suas visões de so litá­ rio poeta:

Segundo poema didático

N ós ainda estam os resolvendo os assu n ­

tos de Rom a, nós som os Rom a

e o velho Egito e N ínive e B abilônia... E,

ap e sa r das b rincadeiras laboratoriais, ainda som os gerados da m esm a maneira. N ada nasce do ar.

O s p ró p rio s deuses, tão diversos, são,

co nform e a vez, o tem po, a ocasião, as fa n ta sia s su c e ssiv a m e n te u sa d a s e

despidas

pelo D eus único e verdadeiro. U m a d ivina m ascarada? Não!

Ele não tem a m ínim a culpa d os co stu ­ reiros.

Por trás d os disfarces

- no m eio de to d o s e de tudo - sorri, com placentem ente, o D eus Nu.

Sorri, sobretudo,

para o po eta que to ca o pandeiro a lira

o pífano

o violo n celo p rofundo enquanto

ao pé de todas as cruzes so ld ad o s jo g a m aos dados os destinos de R om a e do m undo.

(A H S, p. 81). Então, o s destinos do m undo, o n os­ so destino com um , o nosso futuro, n or­ m alm en te são jo g a d o s pelos pod ero so s com dados e soldados. N ão ten h am o s ilusões. E esse futuro incerto é decidido ao pé de todas as cruzes. A cruz não é ap en as sinal do passado. Ela está crava­ da no tem po, no nosso tem po. E a seus pés nos encontram os. Ela é tam bém cruz

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plural, são cru zes as que ho je m arcam lugares, co rp o s e ép o cas. E com elas C risto se identifica.

Q ual será nossa po sição diante d es­ sas cruzes, o u diante daquela única cruz que nos salva? Pois este que nos salva é o D eus NU que é capaz de sorrir para p obres e poetas, m as sabe d izer tam bém : “Ai de vós, os ricos! p o rq u e te n d es a vossa consolação. Ai de vós os que estais agora fartos! p orque vireis a te r fom e. Ai de vós o s que ag o ra rides! porque h aveis de lam entar e chorar. Ai de vós, quando todos vos lo u v a re m ! porque as­ sim procederam seus pais com os falsos pro fetas” (L u cas 6.24ss.).

V

Volto a A délia Prado porque ela m e faz lem brar de que o D eus N U é corpo presente, desafiador para nós, seu povo hoje e aqui neste país. E recorro a esse p oem a porque ele corrói nossas hipocri­ sias e falsa m oral. O ra, espiritualidade cristã não pode confundir-se com m ora- lismo hipócrita ou falsidades de qualquer natureza. A espiritualidade cristã, que re­ m onta à experiência da cruz e, nela, às cruzes de nosso tem po, precisa ser cor­ poralm ente transparente, apaixonadam en­ te com passiva, m isericordiosa, am ante dos m ais pequenos e fracos, porque sabe- se ela m esm a fruto de fraqueza, angústia e dor. Por isso m esm o, se to m a cantante, exultando em esperança, pronta a sem ear novas possibilidades de vida.

A o poem a, pois:

Festa do corpo de Deus

C om o um tu m o r m aduro a poesia pulsa dolorosa anunciando a paixão:

“ Ó crux ave, spes unica O p assiones te m p o re” . Jesus tem um p ar de nádegas! M ais que Javé na m ontanha esta revelação me prostra. O m istério, m istério, suspenso no m adeiro o corpo hum ano de Deus. É próprio do sexo o ar

que nos faunos velhos surpreendo, em crianças supostam ente p ervertidas e a que cham am dissoluto.

N isto consiste o crim e,

em fotografar um a m u lh er gozando e dizer: eis a face do pecado. Por séculos e séculos os dem ô n io s porfiaram

em nos ceg ar com este em buste. E teu corpo na cruz, suspenso. E teu corpo na cruz, sem panos:

olha para m im . Eu te adoro, ó salvador m eu que apaixonadam ente m e revelas a inocência da carne.

Expondo-te com o um fruto nesta árvore de execração o que dizes é am or, am o r do corpo, amor.

(PR , 279). C om o é possível ver am o r num co r­ po torturado e nu? Só m esm o quem am a o to rturado e nu e po r ele é tra n sfo rm a ­ do. Essa pessoa, sim , desvenda o em bus­ te, a m entira, e salva o corpo da ex e cra­ ção, da m aldição e da tristeza.

Q uando Jesus foi co nduzido p e ra n ­ te o g overnador rom ano Pôncio Pilatos, torturado, enfraquecido e caluniado, o representante do p o d er im perial não en ­ controu nele crim e algum . M as, renden- do-se às m anobras p olíticas e à c o n sp i­ ração, lavou as m ãos e cond en o u Jesu s à cruz. No G etsêm ani, o lugar da caveira.

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Jesus m orreu crucificado ao lado de dois ladrões, sendo assistido de longe p o r al­ guns de seus m edrosos discípulos e m ais de perto po r sua m ãe e um jo v e m am igo.

Solitário, abandonado, Jesus entre- gou-se ao Pai, g ritou e disse: “ Tudo está consum ado!” C om o se sabe do testem u­ nho b íblico, foi D eus quem m udou o fi­ nal dessa história de assassinato, com os fatos inusitados do dom ingo de Páscoa. É essa surpresa hum anam ente inveros­ sím il que sustenta até os dias de hoje a com unidade das discípulas e dos discí­ pulos de Jesus m undo afora.

Então, espiritualidade cristã só pode ser um a espiritualidade crítica. Pois ela nasce da crise da cruz. De um a crise ra­ dical. Se o cristian ism o vive ho je no m undo um a pro fu n d a crise, bem -vinda crise porque ela nos aproxim a do cerne da fé. A cruz é a crise perm anente da vida cristã, diante da qual os argum entos tre ­ m em e o coração é sacudido até as en ­ tranhas.

A crise é constitutiva da fé e da es­ piritu alid ad e cristãs. Toda vez que a l­ guém im aginar vencê-la p ara colocar-se no lugar de D eus, reduziu a fé e a esp iri­ tualidade às dim ensões hum anas e aquie­ to u o E sp írito do R essuscitado. C om isso, ac a b ru n h a o E spírito. M a nipula Deus. D eixem o-nos, pois, revolucionar pela cruz de C risto 7.

A espiritualidade cristã não tem e as crises. Ela tem e é a preguiça, a d esfaça­ tez, a covardia, a insensibilidade com o sofrim ento alheio, o desam or, a im pie­ dade, a om issão, a vilania. A espirituali­ dade cristã é an tes p aciente, teim osa, resoluta no cam inho da ju stiç a e da paz. Ela não se envaidece, m as reconhece suas

lim itaçõ es. Ela é su ced ân ea do am or. A m or em te m p o s de cólera, de dengue, de febre am arela e de insensibilidades brutais.

VI

Voltem os a M ario Q uintana. Vejam o que ele diz a respeito de

O Deus vivo

D eus não está no céu. D eus está no fu n ­ do do poço

onde o deixaram tom bar.

- C aim , o que fizeste do teu Deus?! S uas unhas en san g ü e n tad a s arran h am

em vão as paredes escorregadias. D eus está no inferno...

E preciso que lhe em prestem os to d as as nossas forças

todo o nosso alento

para trazê-lo ao m enos à face da terra. E sentá-lo depois à nossa m esa

e dar-lhe do nosso pão e do nosso vinho, e não d eix ar q ue de novo se perca. Q ue de novo se p e r c a ... nem que seja no

céu!

(A H S, 64). Tem um te x to no E v a n g e lh o de M ateus, capítulo 25, que se to m o u ch a ­ ve na teologia latino-am ericana da liber­ tação. N ele Jesus expõe po r m eio de um a parábola com o se dará o ju lg a m e n to fi­ nal. O texto é surpreendente p orque nele Jesus anuncia a form a de sua presença no perío d o de sua ausência. Q u er dizer, se hoje não vem os Jesus em carne e osso, nem po r isso ele está distante de nós. A liás, está bem perto, só que nós não o

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vem os. Porque ele nos parece pobre d e­ m ais, sujo e fam into d em ais, esfarrapa­ do e perseguido, um zero à esquerda.

E que ele está no inferno e nós não costum am os n o s ap ro x im ar do inferno. P referim os a segurança do céu de n os­ sos sonhos de classe m édia ao inferno o nde está Deus.

N o p o em a a partilh a do p ão e do v i­ nho é o m om ento de co m u n g ar a p re ­ sença de D eus. A presença libertadora de Deus. C om ida e festa. Partilha de bens e de alegria. C om o aconteceu com os discíp u lo s a cam inho de Em aús. D eus no m eio dessa m esa partilhada com am or e paixão. C om paixão. A ntídoto p ara to ­ dos os infernos conhecidos e d esco n h e­ cidos. Compassion, com o disse o g ra n ­ de D alai Lam a - líd er d os b u d istas - q uando veio ao Brasil.

A espiritualidade cristã é partilh a de p ão e de vinho, de casa e de bens, de am izade e de conhecim ento, de esp eran ­ ças e de sofrim entos, de sonhos e de bus­ cas, d e utopias, enfim. Ela ja m a is se con­ fo rm a com a injustiça. S onha e se arris­ ca p elas transform ações u rgentes de que c a re c e a n o ssa ca sa c o m u m : a te rra

brasilis. Por isso m esm o, a esp iritu ali­ d a d e c ristã é ec u m ê n ic a e e c o ló g ic a, ab ran g e o tod o , terra e céu. Por isso, ela não discrim ina diante das diferenças cul­ turais, antes as realça, valoriza, d ignifi­ ca. N egros, povos indígenas, sem -terra, estrangeiros, m ulheres, pessoas idosas, indigentes, pessoas p o rtadoras de defi­ ciência, m enores, todas encontram n es­ sa e s p iritu a lid a d e g u a rid a , re s p e ito , amor. Todas recebem d ela o Espírito que dá Vida e intercede p o r nós d iante de Deus com g em idos inexprim íveis (R o ­ m anos 8.26).

A espiritualidade cristã é cam inho de vida. Ela perm ite um a ex p eriência de D eus que nos convence do seu am o r po r nós. Som os seres am ados. Som os gente perdoada. S om os gente libertada. Isto é obra divina em nós. P or isso tem os ra­ zões para cantar e d ançar diante do C ria­ dor, nas ruas e n os tem plos, nas escolas e n as prisões, n a terra e n as altu ras infi­ nitas do cosm o.

Essa espiritualidade nos anim a ao se g u im e n to d o C ru cificad o . C o n tra a banalização da vida e a exacerb ação do individualism o d oentio de nossos dias, ela nos ensina a viver a liberdade das fi­ lhas e d os filhos de Deus. E tal ex p e­ riência é gratuita, am orosa e com prom is- siva.

Com o isso acontece? Há m uitas m a­ neiras. Pode ser um encontro com a reali­ dade, pode ser a revelação de um poem a, pode ser o am or por um a pessoa am iga ou po r um a causa maior. Pode ser o encontro com as pessoas pobres e indefesas. Pode ser um sermão ou prédica. Pode ser até m esm o a solidão. Sempre, porém , ela se dá com o expressão do encontro com a Pa­ lavra do Deus Vivo. N ão só na literalidade do texto bíblico, m as na força do Espírito que a letra revela. Nesse encontro, som os duplamente derrotados, dele saindo, porém e paradoxalm ente, vitoriosos. C om o na­ quela luta de Jacó com o anjo de Deus no vau do Jaboque. Lutou, ficou m anco, m as saiu vivo! (Gênesis 32.22ss.). A gente luta, perde, m as sai m arcado para toda a vida. E a m arca é a liberdade de viver na graça de Deus! Que diferença com a luta por so­ brevivência no atual sistem a capitalista. Aqui não há perdão. A com petição é desi­ gual e impiedosa. Poucos ganham , muito poucos8.

* Cf. artigo de C lóvis ROSSI, No m undo novo, poucos chegam ao pico. Folha d e S. Paulo, São Paulo, 06/02/2000, (2), p. 9. Um dad o apenas: dos 6 bilhões de pessoas do m undo, 3 bilhões sobrevivem

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Paulo, o apóstolo, entendeu a fé em C risto com o liberdade. Disse: “ Para a liberdade foi que C risto nos lib erto u ” (G álatas 5.1). E com pletou este p en sa­ m ento dizendo: “O S enhor é Espírito; e onde está o Espírito do S enhor aí há li­ b erdade” (2 C oríntios 3.17)’.

A característica dessa liberdade cris­ tã é o serviço. Som os livres não para fa­ z e r o que quiserm os, pois isto não é li­ b erdade. Servir livre e esp o n tan eam en ­ te. Servir para criar espaços e experiên­ cias de liberdade. S ervir com o m arca da vida com unitária cristã. M as que fique claro, não co n fu n d ir serviço com servi­ lism o, com subserviência, com p atern a­ lism o ou m aternalism o. Pois aí estam os diante de relações desiguais e escravi- zadoras. O serviço que b ro ta da esp iri­ tualidade cristã é o que hoje poderíam os traduzir po r cidadania. C idadão ou c i­ dadã é a p essoa que coopera para o bem de sua cidade e p ara que a liberdade seja nela um a realização. P ortanto, serviço, cidadania e dem ocracia. C om o desdo­ bram ento da espiritualidade cristã.

VII

D. Pedro C asaldáliga é bispo cató­ lico rom ano da P relazia de São Félix do A rag u aia, M ato G rosso. E ta m b ém é poeta. De seus poem as tenho recebido

m uita ilum inação, com o neste dedicado a sua m ãe, escrito em língua catalã e d e­ pois traduzido ao português:

O nome novo

Pranto e silêncio e grito, é a palavra que m e enche agora a boca e o espírito.

Q ue nunca ainda eu havia chegado a entender, mãe: a li-ber-da-de!

(C om todos os que lutaram e m orreram po r Ela:

com todos os que a cantaram e a sofre­ ram e a sonharam ...

eu a canto e a sofro

- e a faço, tam bém , um p ouco - , a livre Liberdade!

A quela, quero dizer, m ãe, total, com que o C risto nos libertou.) Se m e batizas outra vez, um dia, com a água dos soluços e da m em ória, com o fogo da m orte e da G lória ...: diz a D eus e ao m undo

que m e puseste o nom e

de Pedro-Liberdade!

(A R , 189).

com até 2 dólares po r dia! Ele foi apresentado no encontro anual do Fórum Econôm ico M undial, realizado em Davos, Suiça, neste m ês de fevereiro de 2000. O utra inform ação, esta de David Bryer, diretor-executivo da OXFAM , ON G britânica: no século XIX, a renda dos 20% m ais ricos era apenas três vezes superior à dos 20% m ais pobres. Nos anos 30 deste século passou a ser 30 vezes maior. Hoje. é 74 vezes maior! E nada indica que essa tendência vá se inverter... Isto é, os ricos ficam sem pre mais ricos e em m enor núm ero (concentração mundial da renda), enquanto os pobres sem pre mais pobres e em constante crescim ento (expansão e exclusão).

'' Cf. JoséCOMBL.IN, Vocação para a liberdade, 2 .ed., São P au lo : Paulus, 1998. Jürgen MOL.TMANN, O Espirito da Vida : um a pneuniatologia integral, trad. Carlos Alm eida Pereira, Petrópolis : Vozes, 1999 (especialm ente cap. V).

(10)

Este p oem a foi escrito en q u an to D. Pedro e alguns de seus am ig o s da Igreja de São Félix eram p ro cessad o s pela D i­ tadura M ilitar p o r subversão. Por vários dias ele ficou preso em sua pró p ria resi­ dência, vigiado com o pessoa de alta pe- riculosidade.

Só quem viveu nos lim ites da insti- tucionalidade, roçando as b otas d os so l­ d ad o s a serviço do Poder, disposto a d e ­ fender o direito dos p o b res e vida digna para to d o s é que sabe o que é te m er pela p ró p ria liberdade.

A experiência de D. Pedro m e rem e­ te a um outro poem a, este de um pastor evangélico-luterano para quem a luta pela liberdade custou a própria vida. Refiro- m e a Dietrich Bonhoeffer, condenado à forca pela G estapo, a polícia de Hitler, p o u co an tes do té rm in o da 2a G u erra M undial, no cam po de concentração de Floessenburg. Bonhoeffer ficou m ais de três anos preso p o r sua coerência com o seguidor de Cristo. Logo que com preen­ deu aonde levava o regim e de Hitler, p as­ sou para a oposição. Participou da Igreja Confessante, a igreja dos cristãos alem ães q u e r e s is tir a m ao r e g im e n a z is ta . C om pactuou com os que queriam acabar com o ditador e a loucura da guerra. Por isso foi preso, m as nunca perdeu a fé e a esperança. Aliás, com panheiros seus de prisão testem unharam com o ele, apesar de todo o sofrim ento, sem pre encontrava forças para sorrir com altivez, anim ar seus colegas de infortúnio e alim entar a ch a­ m a da esperança nas prisões p o r onde passou. E dele o poem a

Estações no caminho

para a liberdade10

D isc ip lin a

Se partes em busca da liberdade, ap re n ­ de prim eiro

a te r d iscip lin a para os sentidos e para a alm a

a fim de não seres levado p o r tuas co b i­ ças, sem rum o,

de um lado p ara o outro. P rocura te r m ente e corpo bem castos,

sob te u co n tro le e d om ínio, e sem pre obedientes

a fim de seguirem p ara o nde se encontra a m eta.

N inguém chegará ao segredo da liber­ dade, a não ser que

com perseverança se exercite na sã d is­ ciplina.

Ação

Evita de te p ren d er a fazer coisa q u al­ quer, a não ser o direito,

faze-o com coragem ; não pares n o sim ­ plesm en te possível,

ag arra som ente o que é real, e n u n ca te perc as na fuga

de m eras idéias, porque som ente na ação se acha a liberdade.

A b an d o n a o vacilar m edroso e enfrenta a tem pestade

do q u e a c o n te ce lá fora, ap o iad o p o r D eus e seu m andam ento

no qual sua fé se inspira e, eis, que com jú b ilo indescritível

Dietrich BO N H O EFFER, Resistência e subm issão, trad. E m e sto J. Bem hoeft, Rio de Ja n e iro : P aze Terra, 1968, p. 179s. Sobre a influência de Bonhoeffer na A m érica L atina, cf. N élio SCHNE1DER, Sinais da teologia e do testem unho de Dietrich Bonhoeffer na A m érica Latina, Estudos Teológicos, São Leopoldo, v. 35, n. 3, p. 246-257, 1995.

(11)

o teu espírito alcançará liberdade. S o frim e n to

M aravilhosa transform ação. A s m ãos tão fortes, ativas

tu as tens (ag o ra) am arradas. Im potente, na solidão estás vendo

o fim de to d a a tu a ação. M as ainda res­ p iras e p õ es o direito

bem calm o e com fé em m ãos m ais p o ­ tentes, bem satisfeito.

A penas um instante tocaste, feliz, na li­ berdade,

logo a entregaste a Deus, p ara que Ele esp lendidam ente a aperfeiçoasse. M o rte

A gora vem , sublim e festival no cam inho para a liberdade eterna.

M orte, descansa as algem as p esad as e as altas m uralhas

de nosso corpo m ortal, de nossa alm a tão iludida

a fim de p o d erm o s ver afinal o que antes não perm itiram .

P rocuram os-te, liberdade, na disciplina, na ação e na dor;

m orrendo, agora, reconhecem os no sem ­ b lante de D eus a ti m esm a.

A espiritualidade cristã anim a o ca­ m inho em busca da liberdade. Hoje em dia m uita g ente m orre preco cem en te em n o s s o p a ís , s o b r e tu d o jo v e n s c o m o vocês. Esses não puderam b eb e r um gole q ue fosse d essa lib e rd ad e. M o rre ra m antes do tem po. M as nós, os vivos, não p odem os desistir. E para tan to rec eb e­ m os o Espírito d e Cristo e o exem plo dos que nos precederam e m orreram p o r essa fé. Hoje, esses versos nos ensinam a can­ ta r com gratidão um hino à liberdade e sair em seu alcance.

C hego ao ú ltim o p o e m a , este de m inha autoria, ao estilo d os salm os b í­ b licos, que consta de m eu p equeno livro

Vigília - salmos para tempos de incer­ teza (p. 45s.). E que espiritualidade cristã só subsiste q uando se alim enta diutur- nam ente da oração. Da o ração co n trita e alegre. Em h o ras b o as ou ruins. No re­ cesso do quarto ou em m eio à m ultidão nas ruas. No alto de um pen h asco ou no fu n d o do abism o. N os te m p lo s e nos m osteiros. N a escola, no carro, no ô n i­ bus, em m eio ao trab alh o , na loja, na p adaria, ao lado do fogão ou no m eio de um b anho restaurador. Em to d o s os lu ­ gares um a pessoa de fé ora, clam a, c a n ­ ta e exalta o C riador e S alvador de to d o s nós. Pois em Jesus de N azaré acab o u a antiga divisão entre sagrado e profano, santo e pecador. É que a p a rtir da n o v i­ dade m aio r do evangelho da ág u a viva, chegou a hora definitiva em q u e os ver­ d adeiros ad o rad o res de D eus Pai e M ãe o adoram em espírito e em verdade. E são essas as pessoas que D eus pro cu ra para seus adoradores e ad o rad o ras (João 4.23). Por isso m esm o, tal e sp iritu alid a­ de p ro cu ra a com unhão, o con selh o m ú ­ tuo e o serviço de amor. D eixem os, pois, fluir aquilo que nosso coração, p o r ve­ zes, angustiadam ente, deseja cantar, m as que a razão e a bo ca em luta conosco m esm os procuram travar e desviar.

“O grande escuro é Deus”

Para A délia Prado Um dia abri o livro

e lá estava escrito: “ O grande escuro é Deus

e forceja po r nascer da m inha ca rn e” . Sim , é canto de m ulher parideira

(12)

poetisa m ineira solta nos prados colhendo as flores que o vento sem eou. G rande és tu, m eu Deus, e escuro com o o ébano africano que aqui reverencio.

D esde sem pre forcejas p o r n ascer em nossas carnes, nossas vidas,

nossos braços, barracos, m ãos e m entes. M as com o é difícil aceitar-te p o b re e frágil, sem te r sequer um a p ed ra o nde reclinar a cabeça cansada de peregrino am bulante do evangelho da aleg ria maior. Q uem se dispõe a p a rir o céu e a terra? O m ar, a distância febril? O novo canto da vida? O g rito do pobre oprim ido? A d o r da nova esperança? A luz no fim do túnel? R ecolho cacos de vida

nas m in h a s andanças descalças e de p edaço a pedaço

vai se form ando um desenho que nem eu im aginava

n o s m ais lúcidos sonhos ignotos, F orjador do m undo novo, do escuro nasce o claro, céu aberto se espraiando na vigília dessa hora de am or e gratuidade. Sim , m eu Deus, tu és com o o ferreiro que m alha o ferro da m inha vida querida. Saberei suportar o teu m alho?

R esum indo: som os seres do tem po e da história. E D eus é antes e depois do tem po. M as entrou no tem po, fragilizan- do-se com o ser hum ano igual a nós. Essa presença divina no m eio de n ós revela o sistem a do m undo, as m uitas dom inações e exclusões. N isso, revela tam bém n o s­ sas p róprias contradições, as cicatrizes do tem po que m arcam n o sso s co rp o s m ortais, nossos d esejos, sonhos, ilusões e utopias.

Deus, o tem po e os nossos corpos. Deus nasce sem pre de novo para nos res­ gatar. A vida h um ana com o ela é: co n ­ traditória, m as sagrada, divina e m ara­ vilhosa. Por isso, quis m o strar aqui que a espiritualidade cristã é apaixonada pela vida. Ela é um radical g rito que se ju n ta ao g rito de D eus pelo sentido da vida. Q ue m istério profundo!

Tal esp iritu alid ad e vive do am o r e do perdão de Deus. Ela desafia a nós e aos pod ero so s que jo g a m nosso destino aos p és da cruz. Por isso m esm o, com o fruto m aduro da cruz-crise ela é crítica de todos os poderes que escravizam e que se baseiam na injustiça. Ela é esp iritu a­ lidade aberta, corajosa, com passiva. Pois se alim enta da m isericórdia divina. Do am or m aior. C om -paixão!

E la n ão se c o n fu n d e co m fa lso s tnoralism os. É capaz de am ar um corpo nu pendido d e um m adeiro ignom inioso e covarde. Ela vive do E spírito do Res­ suscitado que ilum inou um dom in g o de Páscoa h á m uito tem po e a partir do qual o rum o da história m udou radicalm ente.

A espiritualidade cristã não foge do inferno, m as passa p o r ele com o única m aneira de ch eg ar à m esa em to m o da qual com partilham os pão e vinho na p re­ sença libertadora do próprio Deus. Por isso m esm o, é espiritualidade solidária com gente pobre e indefesa e não nega o outro, m as constrói com ele um m undo

(13)

hum ano e fraterno, no qual a ju stiç a é com o um beijo de am or e am izade.

A espiritualidade cristã é vivência livre e libertada de quem conheceu a li­ b erd a d e p ara a qual C risto n o s lib er­ tou, com o escreveu Paulo, o apóstolo. Essa liberdade se to m a, hoje, serviço, disp o sição voluntária para exercer com m a tu rid ad e a nossa cidadania. O exercí­ cio d a cidadania é outra form a de m a n i­

festar a com un itaried ad e da vivência es­ piritual da fé.

E sp iritu alid ad e cristã, finalm ente, recebe sua força da oração perm anente. Essa o ração não tem fronteiras, lugar ou h ora preferidas. Ela se dá e se faz na ver­ tigem do tem po, em qualquer lugar onde pesso as se abrem para o encontro com a V erdade de nossas vidas, de nosso m u n ­ do e da nossa h istória com um .

Bibliografia

BONHOEFFER, Dietrich. Resistência e submissão. Trad. Ernesto J. Bemhoeft. Rio de Ja­ neiro : Paz e Terra, 1968.

CASALDÁLIGA, Pedro. Antologia retirante. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 1978. PRADO, Adélia. Poesia reunida. São Paulo : Siciliano, 1991.

QUINTANA, Mario. Apontamentos de história sobrenatural. 4. ed. Rio de Janeiro : Globo, 1987.

SALGADO, Sebastião. Terra. São Paulo : Cia. das Letras, 1997. Reproduzi as fotos das páginas 21, 59,91 e 107.

ZWETSCH, Roberto E. Vigília - salmos para tempos de incerteza. São Leopoldo : Sinodal, 1994.

--- . Cristianismo, crise e cruz. Zero Hora, 23/01/2000, p. 22.

R oberto E. Z w etsch Escola S u perior de Teologia C aixa Postal 14 9 3 0 0 1 -9 7 0 São L eopoldo - RS

Referências

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