• Nenhum resultado encontrado

MULHERES INDÍGENAS E NÃO INDÍGENAS NO SERVIÇO PÚBLICO DE SAÚDE

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "MULHERES INDÍGENAS E NÃO INDÍGENAS NO SERVIÇO PÚBLICO DE SAÚDE"

Copied!
7
0
0

Texto

(1)

MULHERES INDÍGENAS E NÃO INDÍGENAS NO SERVIÇO PÚBLICO DE SAÚDE

Evelyne Marie Therese Mainbourg (ILMD/FIOCRUZ), Pery Teixeira (SIASI/MS), Esron Soares Carvalho Rocha (UFAM), Carlos E A. Coimbra Jr. (ENSP/FIOCRUZ), Maria Ivanilde Araújo (UFAM)*

Palavras-chave: saúde da mulher; população indígena; área urbana; distribuição por raça ou etnia; estudo comparativo.

Introdução

Poucos estudos foram realizados para conhecer os indígenas urbanos no Brasil, seu perfil de morbimortalidade e sua relação com o Sistema Único de Saúde. A população indígena residente nas áreas urbanas não é contemplada pelo subsistema de atenção à saúde indígena, já que o mesmo foi concebido para atender prioritariamente a população aldeada, distante de unidades de saúde. Portanto, segundo o modelo atual, não foi desenvolvida uma proposta para assegurar atendimento culturalmente diferenciado ao segmento urbano da população indígena, sendo estes atendidos juntamente com a população geral nas unidades de saúde municipais ou estaduais existentes1. Também no campo da pesquisa em saúde, os indígenas urbanos são raramente contemplados em investigações de qualquer tipo, diferentemente daqueles que habitam terras indígenas. Por conseguinte, enquanto o número crescente de investigações tem contribuído para o conhecimento do perfil de morbimortalidade na população indígena e de suas necessidades de saúde, a realidade epidemiológica do indígena urbano permanece desconhecida2. As mulheres indígenas constituem um grupo reconhecidamente mais vulnerável, demandando assistência especializada e acesso a programas de saúde específicos ao longo de todas as fases da vida. O objetivo desse trabalho foi descrever as condições de saúde reprodutiva e de acesso aos serviços públicos de saúde de mulheres indígenas que vivem em Manaus, Amazonas, em comparação às não indígenas residentes nas mesmas áreas da cidade.

*Trabalho apresentado no VII Congreso de la Asociación LatinoAmericana de Población e XX Encontro Nacional de Estudos Populacionais, realizado em Foz do Iguaçu/PR – Brasil, de 17 a 22 de outubro de 2016.

(2)

Trata-se de um estudo transversal que foi realizado a partir de uma amostragem aleatória estratificada proporcional por bairro, representativa da população indígena residente em Manaus (a qual foi calculada com base nas regiões administrativas do Censo Nacional de 2000), bem como de uma amostragem do mesmo tamanho da população não indígena, morando nas mesmas áreas3.

Vale ressaltar que, conforme acertado com as associações indígenas da cidade, os questionários foram aplicados por 17 entrevistadores indígenas após devido processo de seleção e treinamento, e com supervisão. Ao todo, foram aplicados 699 questionários em mulheres (48% em mulheres indígenas) nos 57 bairros que formavam a cidade na época.

O presente estudo trata apenas do módulo relativo às mulheres: fecundidade, pré-natal, último parto, exame de Papanicolau (chamado “preventivo”), mamografia e do módulo relativo ao desempenho do Sistema Único de Saúde a partir da busca por esses atendimentos nas unidades visitadas: atendimento médico, tipo de parto, realização de exames, pagamento, entrega dos resultados, acompanhante e visita domiciliar.

Para os testes estatísticos, o nível de significância escolhido foi de 5% e o erro de 3%. Foram utilizados o qui-quadrado de Pearson

 

2 e o teste exato de Fisher, os testes t de Student, de Mann-Whitney e de Kruskal-Wallis, quando indicados.

Resultados

A proporção de mulheres indígenas que tiveram filho(s) foi de 50,6% contra 42,1% para as não indígenas (p=0,050). O número médio de filhos foi de 3,4 entre indígenas contra 2,9 entre as não indígenas (p<0,018). Com isso, as indígenas tendem a manter nível de fecundidade superior às não-indígenas na cidade de Manaus4. Mas vale observar que a taxa bruta de natalidade dos não-indígenas não está muito distante do que se verifica nas cidades brasileiras para populações de baixa renda, como a população não indígena entrevistada neste estudo4.

As mulheres que perderam um filho foram em proporção maior entre as indígenas (18%) do que entre as não indígenas (10,8%) (p=0,047). O número médio de filhos que faleceram foi de 1,45 para os indígenas e 1,39 para os não indígenas, com variablilidade grande, pois chegou até 6 (contra 3 para os não indígenas).

Nos últimos dois anos, ao saberem que estavam grávidas, 38% das mulheres indígenas procuraram primeiro um parente, rezador, benzedeira, parteira ou pajé, contra 28,6% das mulheres não indígenas. De forma corolária, a proporção de gestantes não

(3)

indígenas que procuraram um serviço de saúde foi maior (71,4% contra 61,5%). Nos doze meses anteriores, 15% das mulheres indígenas tiveram um filho nascido vivo, contra 13,2% para as mulheres não indígenas (p<0,003). Talvez isso seja relacionado ao menor acesso ao pré-natal, já que no último pré-natal, as indígenas tiveram mais de cinco consultas, contra sete para as não indígenas (p<0,003). No entanto, quase todas fizeram o pré-natal na ocasião dessa última gravidez (92% das indígenas e 89% das não indígenas), sendo que 80% das não indígenas começaram no primeiro trimestre da gravidez (contra 62,5% para as indígenas) e 20% no segundo trimestre (contra 37,5% para as indígenas). Todavia, a porcentagem de indígenas atendidas por médico (na última consulta de pré-natal) foi maior (87,5%) que a de não indígenas (58,33%), atendidas principalmente por enfermeiro (P=0,049). De forma corolária, a proporção de não indígenas atendidas por uma enfermeira foi maior em relação às indígenas. Vale observar que, à época desse inquérito, a Secretaria Municipal de Saúde de Manaus realizava uma campanha que visava priorizar o atendimento ao indígena.

Contudo, o número de exames realizados para determinar taxa de glicemia e sorologia para detectar sífilis nas gestantes indígenas durante o pré-natal foi menor: 58,3% contra 88,0% entre as não indígenas, (com P<0,019) para a glicemia; e 50% contra 76% entre as não indígenas (com P<0,059) para o teste para a sífilis. Além disso, o resultado desse exame foi entregue antes do parto para 83,3% das indígenas contra 94,73% das não indígenas.

O exame do HIV foi proposto a todas as gestantes indígenas e 92% das não indígenas. As primeiras aceitaram realizar o exame, em maior proporção (92%) que as segundas (86%). Todas as não indígenas que fizeram esse exame receberam o resultado antes do parto; contra 91% das indígenas.

As mulheres que pagaram alguma consulta ou exame de pré-natal foram 29,2% entre as indígenas (contra 12% entre as não indígenas, ou seja, o dobro). As mulheres que participaram de um grupo de gestantes (no SUS) são proporcionalmente mais numerosas entre indígenas (33,3% contra 24% entre as não indígenas.

Na hora da dor do parto, 86% das não indígenas chamaram o SAMU (contra 77% para as indígenas); as outras pediram ajuda da vizinha. As indígenas ganharam neném, em proporção maior, num hospital (46% contra 39% das não indígenas); e 61% das não indígenas ganharam em outro tipo de serviço de saúde. Após o parto, o profissional colocou o bebê sobre a mulher em 68% dos casos com as mulheres indígenas, contra 88,9% com as mulheres não indígenas. O profissional que atendeu a gestante no parto foi

(4)

um médico para 92,3% das mulheres indígenas e 89,3% das mulheres não indígenas. Depois do parto, 53,8% das mulheres indígenas não foram para a consulta pós-parto contra 46,4% das mulheres não indígenas. 73,7% das mulheres indígenas e 70% das não indígenas não receberam em casa a visita da equipe de saúde após o parto.

Com relação a exames de rotina como o Papanicolau, mamografia e orientações preventivas, a percentagem de mulheres que não tiveram realizado nenhum desses exames é maior entre as indígenas (21,3%) do que entre as não indígenas (16,6%). Vale observar que mais da metade das mulheres (53,4%) nunca fizeram o exame de Papanicolau, e 17,4% das mulheres que o fizeram tiveram que pagá-lo. O exame de Papanicolau (“preventivo”) realizado pelo menos uma vez, o foi em menor proporção entre as indígenas (42,8%) do que entre as não indígenas (50%), com p<0,038. Esse exame teve que ser pago por 18,4% das mulheres não indígenas e 16% das indígenas. O resultado do exame foi obtido por 71,9% das mulheres indígenas e 89,4% das não indígenas. Na ocasião desse exame, são realizados como rotina a medição do peso e da pressão arterial, e o exame das mamas. Também são dadas orientações sobre auto-exame (entre outras). Mas a realização desses itens mostra percentagens para as indígenas que são inferiores às percentagens para as não indígenas. A proporção menor de indígenas que obtiveram o resultado, em relação às não indígenas é mais um elemento indicativo da dificuldade de acesso ao exame de Papanicolau para as mulheres indígenas. Para cada três mulheres indígenas que conseguiram fazer uma mamografia há menos de 5 anos, foram quatro mulheres não indígenas conseguindo (12,7% contra 9,4% indígenas). As não indígenas tiveram um pouco mais de sucesso, em parte porque pagaram (37% contra 21,4% das mulheres indígenas). Mas a mamografia foi realizada somente em 11,1% do total das mulheres, nos cinco anos anteriores. O resultado da mamografia foi entregue em proporções semelhantes aos dois grupos de mulheres.

Por ocasião do parto, uma em cada quatro mulheres (26,9% das indígenas e 28,6% das não indígenas) disse ter pago alguma coisa durante o seu pré-natal e uma em cada três (34,6% das indígenas e 32,1% das não indígenas) não teve direito a acompanhante durante o parto. Vale ressaltar que, quanto ao tipo de parto, não houve diferença significativa entre os dois grupos de gestantes: 56% de partos normais e 44% de cesarianas. É evidente o excesso de cesarianas realizadas em Manaus, ultrapassando qualquer recomendação.

As condições do parto (instituição, profissional, humanização) e do pós-parto foram mais precárias/menos acessíveis para as gestantes indígenas: chamada do SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), atendimento por um médico, colocação do

(5)

recém-nascido sobre a mulher logo após o parto, comparecimento à consulta pós-parto, visita domiciliar da equipe de saúde após o parto. Parece haver uma desconsideração da paciente e uma pressa em adiantar o serviço de cuidar do recém-nascido, ao invés de deixa-lo mais tempo junto à mãe. Essa conduta, para algumas etnias, pode ser muito mal vivenciada e é motivo de queixas. O não comparecimento à consulta pós-parto por aproximadamente metade das mulheres (53,8% das indígenas e 46,4% das não indígenas) mostra o quanto é necessário o acompanhamento pela Unidade Básica de Saúde da Família e o quanto são desanimadores o tempo de espera e as condições de espera (falta de espaço, má ventilação, etc.) por parte das mulheres que procuram atendimento. Por outro lado, apenas 28,2% das mulheres receberam alguma visita domiciliar por parte da equipe de saúde após o parto.

Discussão

Chama à atenção a proporção de mulheres indígenas que perderam um filho, em relação à das não indígenas (quase o dobro), o que não pode ser explicado somente pelo fato de ter mais filhos, mas pode indicar a diversidade de situações sócio-econômicas e de acesso ao SUS entre elas.

O fato das mulheres indígenas serem mais atendidas por um médico e não uma enfermeira pode significar que foram até uma UBS onde a probabilidade de ser atendido por um profissional médico é maior.

As diferenças estatisticamente significativas observadas em relação à dosagem de glicose e teste para sífilis (na ocasião da última gravidez) não são explicadas pelo menor número de consultas pré-natal das mulheres indígenas, pois 92% fizeram o pré-natal (porcentagem até um pouco maior do que entre as mulheres não indígenas), e esses exames não precisam ser repetidos a cada consulta. Para as indígenas, pode haver (em proporções maiores) uma relação entre o fato de terem feito o pré-natal numa unidade maior do que a UBS da Família, o fato de terem feito o pré-natal com um médico (e não com uma enfermeira) e o fato de terem pago alguma consulta ou exame.

A diferença entre os dois grupos é observada também para a realização do exame de Papanicolau ao qual as mulheres indígenas parecem ter mais dificuldade de acesso. E é possível que as mulheres não indígenas cheguem a fazer esse exame mais facilmente, mas pagando. Para cada três mulheres indígenas que conseguiram fazer uma mamografia há menos de 5 anos, são quatro não indígenas. As não indígenas tiveram um pouco mais

(6)

de sucesso, em parte porque pagaram. O acesso a uma atenção à saúde completa é reduzido para as mulheres indígenas.

Vale ressaltar alguns pontos em comum entre os dois grupos estudados. Quase todas as gestantes (nove em cada dez) fizeram o pré-natal na ocasião da última gravidez. A participação em grupo de gestantes ainda não é uma prática generalizada, pois apenas 28,6% das gestantes participam de grupo. Na ocasião do parto, uma em cada quatro mulheres disse ter pago alguma coisa. E uma em cada três mulheres não teve direito a acompanhante. O tipo de parto foi exatamente o mesmo em ambos os grupos de mulheres: normal em 56% dos casos e cesariano em 44% dos casos, o que pode ser considerado ainda distante das recomendações oficiais. O não comparecimento à consulta pós-parto da metade das mulheres (53,8% das indígenas e 46,4% das não indígenas) mostra o quanto é necessário o acompanhamento pela UBS da Família e o quanto são desanimadores o tempo de espera e as condições de espera (espaço, ventilação...) das pessoas que procuram atendimento, condições que são dificilmente compatíveis com um recém-nascido no colo. Por outro lado, apenas 28,2% das mulheres receberam a visita da equipe de saúde em casa após o parto. Vale observar que mais da metade das mulheres (53,4%) nunca fizeram o exame de Papanicolau, e 17,4% das mulheres que o fizeram tiveram que pagá-lo. O resultado foi obtido em 30 dias para dois terços das mulheres, e em pelo menos 45 dias para um terço. Esse exame que representa uma das poucas ocasiões de controlar outros parâmetros de saúde da mulher e de passar orientações (principalmente para aquelas que já têm vários filhos e caminham para a menopausa) não é devidamente aproveitado para isso em 19% dos casos. A mamografia foi realizada somente em 11% das mulheres, nos cinco anos anteriores.

Conclusão

Os resultados indicam que o acesso a uma atenção à saúde integral pelas mulheres indígenas é restrito. Por outro lado, vale frisar que algumas características do Sistema Único de Saúde em Manaus limitam o acesso aos serviços para ambos os grupos de mulheres estudados: chegar a ter que pagar exames, não ter direito a acompanhante, não receber visita da equipe de saúde em casa após parto, não ter acesso ao exame de Papanicolau. A precariedade do Sistema Único de Saúde se soma às condições desfavoráveis das mulheres indígenas em relação às não indígenas.

(7)

1 – MAINBOURG, E.M.T. et al. População indígena da cidade de Manaus: condições de saúde e SUS. Relatório Projeto PPSUS para a FAPEAM. Manaus, 2008.

2 – SANTOS, R.V.; COIMBRA Jr., C.E.A. Cenários e tendências da saúde e da epidemiologia dos povos indígenas no Brasil. In: COIMBRA Jr. C.E.A.; SANTOS, R.V.; ESCOBAR, A.L. (Orgs.). Epidemiologia e saúde dos povos indígenas no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. FIOCRUZ/ABRASCO, 2003, p. 13-48.

3 - MAINBOURG, E.M.T.; ARAÚJO, M.I.; CRUZ, G.J.S. Educação escolar, ocupação e renda entre indígenas de Manaus. Anais do XVIII Encontro Nacional de Estudos Populacionais, Águas de Lindóia-MG, 2012. Disponível em : <http://www.abep.nepo.unicamp.br/xviii/anais/files/ST4[663]ABEP2012.pdf>. Acesso em: 28 abr. 2016.

4 - MAINBOURG, E.M.T.; TEIXEIRA, P.; ROCHA, E.S.C.; ARAUJO, M.I.; LOPES, E.J.S.: População Indígena da Cidade de Manaus: Demografia e SUS In: ALMEIDA, A.W.B. de; SANTOS, G.S. dos (Orgs.): Estigmatização e território – Mapeamento situacional dos indígenas em Manaus. Manaus: Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia / Editora da Universidade Federal do Amazonas, 2008, p. 193-210.

Referências

Documentos relacionados

Ante o exposto, defiro o pedido de medida liminar para determinar à autoridade impetrada que receba e efetue o protocolo imediato de requerimentos efetuados por advogado através

De acordo com estes resultados, e dada a reduzida explicitação, e exploração, das relações que se estabelecem entre a ciência, a tecnologia, a sociedade e o ambiente, conclui-se

Embora muitas pessoas lutem para ter acesso a planos e seguros privados de saúde, a maior parte delas, ao se aposentar, perde os planos por não poderem pagar, porque as

(Adoro assistir o Discovery Channel. É meu canal favorito de assistir...). She loves movies about space travel in the future. Ela adora filmes sobre viagens espaciais

A vacina não deve ser administrada a imunodeprimidos, grávidas, menores de 1 ano de idade e hipersensibilidade a algum dos componentes da vacina e terapêutica concomitante

Analisando os padrões de fecundidade em 2010 apresentados no Gráfico 1-1.a, observa-se maior concentração da distribuição da fecundidade das mulheres não-indígenas em seu

Material elaborado pela Profª Me Luciane Benazzi.. “O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e.. instituições públicas federais,

Mochila com pormenores em tecido de rede em contraste COMPOSIZIONE: Canvas: 100% Poliestere Mesh: 100% Poliestere COMPOSICIÓN: Canvas: 100% Poliéster Mesh: 100%