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“Mensagem” de Fernando Pessoa

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Academic year: 2021

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- “MENSAGEM” DE FERNANDO PESSOA -

Mensagem a epopeia lírica

A Mensagem, cujas poesias componentes foram escritas entre 1913 e 1934 – data da sua publicação, é sem dúvida a obra-prima onde pessoa lapidarmente imprimiu o seu ideal patriótico, sebastianista e regenerador. É um poema nacional, uma versão moderna, espiritualista e profética de Os Lusíadas.

A Mensagem poderá ser vista com uma epopeia. Porque parte dum núcleo histórico, mas a sua formulação sendo simbólica e mítica, do relato histórico, não possuirá a continuidade. Aqui, a acção dos heróis, só adquire pleno significado dentro duma referência mitológica. Aqui serão só eleitos, terão só direito à imortalidade, aqueles homens e feitos que manifestam em si esses mitos significativos. Assim, sua estrutura será dada pelo que, noutra ideias/forças desse povo: regresso do paraíso, realização do impossível, espera do messias… raízes do desenvolvimento dessa entidade colectiva.

Os antepassados, os fundadores, que pela sua acção criaram a pátria, e ergueram a personalidade, separada, ou plasmaram na sua altura própria; mas Mães, as que estão na origem das suas dinastias, cantadas como “Antigo seio vigilante”, ou “humano ventre do império”; os heróis navegantes, aqueles que percorreram o mar em busco do caminho da imortalidade, cumprindo um dever individual e pátrio (realização terrestre duma missão transcendente); e, finalmente, depois dessa missão cumprida, dessa realização. Na era crepuscular de fim de vida, os profetas, as vozes que anunciam já aquele que viria regenerar essa pátria moribunda, abrindo-lhe novo ciclo de vida, uma nova era – o Encoberto.

A estrutura da obra

Assim, a estrutura da Mensagem, sendo a dum mito numa teoria cíclica, a das Idades, transfigura e repete a história duma pátria como o mito dum nascimento, vida e morte dum mundo; morte que será seguida dum renascimento. Desenvolvendo-a como uma ideia completa, de sentido cósmico, e dando-lhe a forma simbólica tripartida – Brasão, Mar Português, O Encoberto. Que se poderá traduzir como: os fundadores, ou o nascimento; a realização, ou a vida; o fim das energias latentes, ou a morte; essa conterá já em si, como gérmen, a próxima ressurreição, o novo ciclo que se anuncia – o Quinto Império. Assim, a terceira parte, é toda ela cheia de avisos, preenche de pressentimentos, de forças latentes prestes a virem á luz: depois da Noite e Tormenta, vem a Calma e a Antemanhã: estes são os Tempos. E aí sempre perpassarão, com um repetido fulgor, sempre a mesma mas em modelações diversas, a nota da esperança: D. Sebastião, O Desejado, O Encoberto…

É dessa forma, o mítico caos, a noite, o abismo, donde surgirá o novo mundo, “Que jaz no abismo sob o mar que se segue”.

Carácter épico-lírico

· A Mensagem é uma obra épico-lírica, pois, como uma epopeia, parte de um núcleo histórico (heróis e acontecimentos da História de Portugal), mas apresenta uma dimensão subjectiva introspectiva, de contemplação interior, característica própria do lirismo.

O mito

· As figuras e os acontecimentos históricos são convertidos em símbolos, em mitos, que o poeta exprime liricamente. “O mito é o nada que é tudo”, verso do poema “Ulisses”, é o paradoxo que melhor define essa definição simbólica da matéria histórica da Mensagem.

Sebastianismo

· A Mensagem apresenta um carácter profético, visionário, pois antevê um império futuro, não terreno, e ansiar por ele é perseguir o sonho, a quimera, a febre de além, a sede de Absoluto, a ânsia do impossível, a

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loucura. D. Sebastião é o mais importante símbolo da obra que, no conjunto dos seus poemas, se alicerça, pois, num sebastianismo messiânico e profético.

Quinto Império: império espiritual

· É esta a mensagem de Pessoa: a Portugal, nação construtora do Império no passado, cabe construir o Império do futuro, o Quinto Império. E enquanto o Império Português, edificado pelos heróis da Fundação da nacionalidade e dos Descobrimentos é termo, territorial, material, o Quinto Império, anunciado na Mensagem, é um espiritual. “E a nossa grande raça partirá em busca de uma Índia nova, que não existe no espaço, em naus que são construídas daquilo que os sonhos são feitos… “A Mensagem contém, pois, um apelo futuro”.

A estrutura

· A Mensagem está dividida em três partes. Esta tripartição corresponde a três momentos do Império Português: nascimento, realização e morte. Mas essa morte não é definitiva, pois pressupõe um renascimento que será o novo império, futuro e espiritual.

1. Nascimento – 1ª Parte “Brasão”

Fundação da nacionalidade, desfile de heróis lendários ou históricos, desde Ulisses a D. Afonso Henriques, D. Dinis ou D. Sebastiao.

2. Realização – 2ª Parte “Mar Português”

Poemas inspirados na ânsia do Desconhecido e no esforço heróico da luta com o mar. Apogeu da acção portuguesa dos Descobrimentos, em poemas como “O Infante”, “O Mostrengo”, “Mar Português”.

3. Morte – 3ª Parte “O Encoberto”

Morte das energias de Portugal simbolizada no “nevoeiro”; afirmação do sebastianismo representado na figura do “Encoberto”; apelo e ânsia messiânica da construção do Quinto Império.

Análise do Poema "O dos Castelos" A Europa jaz, posta nos cotovelos: De Oriente a Ocidente jaz, fitando, E toldam-lhe românticos cabelos Olhos gregos, lembrando.

O cotovelo esquerdo é recuado; O direito é em ângulo disposto. Aquele diz Itália onde é pousado;

Este diz Inglaterra onde, afastado,

A mão sustenta, em que se apoia o rosto. Fita, com olhar esfíngico e fatal,

O Ocidente, futuro do passado.

O rosto com que fita é Portugal.

Reflexão:

Tal como neste poema da “Mensagem”, a estrofe de “Os Lusíadas” indica Portugal como “cabeça da Europa toda” atribuindo-lhe uma missão predestinada. Mas “n’Os Lusíadas” essa missão é ditada pelo “Céu” que quis que Portugal vencesse na luta contra os mouros enquanto na “Mensagem” a missão de Portugal será mais abrangente.

Análise do Poema "Ulisses" O mito é o nada que é tudo. O mesmo sol que abre os céus É um mito brilhante e mudo -- O corpo morto de Deus, Vivo e desnudo.

Este, que aqui aportou,

Foi por não ser existindo. Sem existir nos bastou. Por não ter vindo foi vindo E nos criou.

Assim a lenda se escorre A entrar na realidade,

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E a fecundá-la decorre. Em baixo, a vida, metade

De nada, morre.

Reflexão:

Ulisses, o herói da guerra de Tróia e protagonista da obra odisseia de Hómero, é um dos grandes mitos da civilização grega, e segundo a lenda, terá fundado Lisboa. Ao recuperar esta lenda e elege-lo como um dos primeiros poemas da “Mensagem”, Fernando pessoa tem precisamente a intenção de atribuir a Portugal uma origem mítica, que é mais valiosa de que qualquer origem histórica (os heróis desta obra são localizadas sobretudo no seu lado mítico).

Tal como na “Mensagem”, Camões recupera nos Lusíadas a lenda de que Ulisses terá fundando Lisboa.

Análise do Poema "D. Afonso Henriques" Pai, foste cavaleiro.

Hoje a vigília é nossa. Dá-nos o exemplo inteiro E a tua inteira força!

Dá, contra a hora em que, errada, Novos infiéis vençam,

A bênção como espada, A espada como bênção!

Reflexão:

Este poema apresenta-se como uma prece dirigida a D. Afonso Henriques, “Pai” de uma geração que lendariamente recebeu a força e a missão de Deus. O sujeito poético, assumindo-se como voz do colectivo português, pede ao Rei-Rei que dê ao seu povo o exemplo, a força e a bênção, porque “Hoje a vigília é nossa”, somos nós que temos que ser cavaleiros contra “novos infiéis”, fantasmas do adormecimento colectivo.

Implicitamente, este poema recupera a lenda da Batalha de Ourique, que atribuiu uma dimensão sagrada á fundação de Portugal, tal como nos é apresentando no episódio “Batalha de Ourique” de Os Lusíadas.

Análise do Poema "D. Sebastião Rei de Portugal" Louco, sim, louco, porque quis grandeza

Qual a Sorte a não dá.

Não coube em mim minha certeza; Por isso onde o areal está

Ficou meu ser que houve, não o que há.

Minha loucura, outros que me a tomem Com o que nela ia.

Sem a loucura que é o homem Mais que a besta sadia, Cadáver adiado que procria? Reflexão:

Comparação “Os Lusíadas”/ “Mensagem”, é a D. Sebastião que Camões dedica “Os Lusíadas” e é a este Rei que o poeta dirige o apelo no sentido de continuar a tradição dos antigos heróis portugueses, para fazer ressurgir a pátria da “apagada e vil tristeza” do presente.

Na “Mensagem”, D. Sebastião (e o sebastianismo) é o mito organizador de toda a obra, no sentido de que o rei representa o sonho que ressurgirá do nevoeiro em que o Portugal presente está mergulhado, impulsionado a construção do Futuro.

Análise do Poema "O Infante"

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce. Deus quis que a terra fosse toda uma, Que o mar unisse, já não separasse. Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,

E a orla branca foi de ilha em continente, Clareou, correndo, até ao fim do mundo,

E viu-se a terra inteira, de repente, Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te português. Do mar e nós em ti nos deu sinal. Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez. Senhor, falta cumprir-se Portugal!

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Este poema (“O infante”) foi criado para estabelecer uma relação passado/presente/futuro. Deus quis que os portugueses sonhassem o desvendamento do mar, fazendo nascer a obra dos descobrimentos.

Os portugueses no passado cumpriram, a missão divina, desvendando os mares desconhecidos e criando o Império. Mas este desfez-se e, no presente, Portugal é uma pátria sem glória que falta “cumprir-se” daí o apelo profético expresso no último verso exclamativo, ao cumprimento do destino mítico do Portugal.

Análise do Poema "Ascensão de Vasco da Gama" Os Deuses da tormenta e os gigantes da terra Suspendem de repente o ódio da sua guerra E pasmam. Pelo vale onde se ascende aos céus Surge um silêncio, e vai, da névoa ondeando os véus,

Primeiro um movimento e depois um assombro.

Ladeiam-no, ao durar, os medos, ombro a ombro, E ao longe o rastro ruge em nuvens e clarões.

Em baixo, onde a terra é, o pastor gela, e a flauta Cai-lhe, e em êxtase vê, à luz de mil trovões, O céu abrir o abismo à alma do Argonauta.

Reflexão:

A figura de Vasco da Gama é engrandecida neste poema por vários aspectos:

1. Pela situação de elevação aos céus num plano superior ao da simples condição humana – libertando-se do corpo, torna-se alma e imortaliza-se;

2. Pelos efeitos provocados por esta situação: o pasmo dos Deuses e dos Gigantes, o silêncio e assombro da natureza e a admiração dos homens;

3. Pelo nome de “Argonauta” dado a Gama, identificando-o com os heróis míticos da Grécia antiga, que procuravam desvendar o desconhecimento, buscando o inacessível e o impossível. É de salientar que este poema se associa à representação que é conferida a Vasco da Gama “n’Os Lusíadas” obra em que o herói é também elevado no plano dos Deuses nomeadamente no episódio “Ilha dos Amores”.

Análise do Poema "O Monstrengo" O mostrengo que está no fim do mar Na noite de breu ergueu-se a voar; A roda da nau voou três vezes, Voou três vezes a chiar,

E disse: «Quem é que ousou entrar Nas minhas cavernas que não desvendo, Meus tetos negros do fim do mundo?» E o homem do leme disse, tremendo: «El-Rei D. João Segundo!»

«De quem são as velas onde me roço? De quem as quilhas que vejo e ouço?» Disse o mostrengo, e rodou três vezes, Três vezes rodou imundo e grosso. «Quem vem poder o que só eu posso,

Que moro onde nunca ninguém me visse E escorro os medos do mar sem fundo?» E o homem do leme tremeu, e disse: «El-Rei D. João Segundo!»

Três vezes do leme as mãos ergueu, Três vezes ao leme as reprendeu, E disse no fim de tremer três vezes: «Aqui ao leme sou mais do que eu: Sou um povo que quer o mar que é teu; E mais que o mostrengo, que me a alma teme E roda nas trevas do fim do mundo,

Manda a vontade, que me ata ao leme, De El-Rei D. João Segundo!»

Reflexão:

O que o Gigante Adamastor é para Os Lusíadas é para a Mensagem “O mostrengo”. Ambos, cardeais, axiais; ambos de tal importância, que foram colocados, pelos seus autores, exactamente, pensadamente, mesmo materialmente, no meio do grande poema. No caso da Mensagem, o rigor e a exactidão são matemáticos: 21 poemas antes, 21 poemas depois de “O mostrengo”. Estes episódios, estão no meio pois isto é a meio da viagem e é o ponto mais alto e difícil para o povo português.

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Análise do Poema "Mar Português" Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal!

Por te cruzarmos, quantas mães choraram, Quantos filhos em vão rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena.

Quem quer passar além do Bojador Tem que passar além da dor.

Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu.

Reflexão:

Este poema compara-se com o episódio “despedida das naus em Belém” de “Os Lusíadas” pois as lágrimas de Portugal que tornaram salgados o mar, são as mesmas que os familiares choraram perante a partida dos marinheiros para a aventura marítima.

Análise do Poema

"Uns com os olhos postos no passado" Uns, com os olhos postos no passado, Vêem o que não vêem: outros, fitos Os mesmos olhos no futuro, vêem O que não pode ver-se.

Por que tão longe ir pôr o que está perto – A segurança nossa? Este é o dia,

Esta é a hora, este o momento, isto É quem somos, e é tudo.

Perene flui a interminável hora

Que nos confessa nulos. No mesmo hausto Em que vivemos, morreremos. Colhe o dia, porque és ele.

Reflexão:

O sujeito poético neste poemas diz que “uns” e “outros” são os que não são capazes de viver o presente. Assim, “uns” vivenciam o tempo olhando para o passado, o que significa não ver a realidade, pois já não existe. “Outros” olham para o futuro e, por isso, também não vêem a realidade, uma vez que apenas existe na imaginação.

Neste poema o sujeito poético usa vários paradoxos para traduzir a impossibilidade e o engano a que são conduzidos aqueles que vivem da recordação ou da imaginação.

Recursos estilísticos Os Lusíadas

Invocação ex: “E vós, ó bem nascida segurança” Hipérbato ex: “A vista vossa tema o monte Atlante,” Anáfora ex: “E vós, ó bem nascida segurança / Da Lusitana antígua liberdade, / E não menos certíssima esperança”

Sinédoque ex: “Da Lusitana antígua liberdade,” Antítese ex: “De aumento da pequena Cristandade;” Personificação ex: “Que são vistos de vós no mar irado,” Perífrase ex: “E vereis ir cortando o salso argento”

A Mensagem

Pleonasmo ex: “mim minha certeza:” Hipérbole ex: “choros de ânsia”

Personificação ex: “alma atlântica” Hipérbato ex: ” Mas já no auge da suprema prova ” Invocação ex ; “Demore-a Deus” Sinédoque ex: “Surges ao sol em mim, e a névoa finda:” Comparação ex; “Nem o que é mal nem o que é bem.” Anáfora ex: “E entorna, ” “E em mim”

Referências

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