TEXTO DE APOIO
AS ORIGENS DO PROCESSO ÉTICO
TRADUZIDO POR:
Ana Albuquerque Queiroz
DE:
BESANCENEY, Jean-Claude - Aux Sources de la
demarche éthique. Paris, Soins (557), Fevereiro
1992 p. 33-39.
SUMÁRIO
PÁG.
AS ORIGENS DO PROCESSO ÉTICO ... 3
HOJE - A ÉTICA ... 3
ÉTICA E MORAL ... 4
ÉTICA E CUIDADOS DE ENFERMAGEM ... 5
UM LEQUE DE SITUAÇÕES ... 5
AS ORIGENS DO PROCESSO ÉTICO
O renovado interesse pela ética é um facto social, tal como se pode falar no “ facto do feminino” hoje também se pode dizer que há um “ facto ético”. Enquanto os grupos, em particular os profissionais - jornalistas, economistas…. - se apercebem cada vez mais da necessidade “ voltar atrás” com vista a uma renovação do seu funcionamento. Os poderes humanos estendem-se à medida dos conhecimentos: como os dominar, os regular para o bem de todos ?
HOJE - A ÉTICA
“A questão ética é posta hoje com uma intensidade e uma urgência que se pode medir pelos perigos presentes na actualidade e que se multiplicam”,(1)
diz-nos um sociólogo contemporâneo. E esta interrogação traduz-se frequentemente por uma procura e uma produção de normas:
“Os poderes públicos franceses já colocaram barreiras à quantidade de riscos contemporâneos ( a informática face ás liberdades, a engenharia genética face aquilo que é o Homem enquanto espécie ); decidem actualmente regulamentar os nascimentos assistidos tecnologicamente, os usos dos métodos de procriação artificial; confronta-se com problemas da protecção da carta genética.” (1)
Os profissionais de saúde apercebem-se de questões da mesma ordem e procuram respostas a partir da sua prática. No mundo da enfermagem, multiplicam-se as reflexões, as formações, iniciais ou contínuas, as publicações sobre ética. E, apesar desta abundância, algo desordenada - mas é como a própria vida - quantas vezes os profissionais se sentem sós e impotentes face a questões difíceis. As soluções muito tempo retardadas, são muitas vezes, ainda, tomadas de urgência,
é evidente, e o do público é também muitas vezes visível.
É, então, necessário, que o grupo profissional dos prestadores de cuidados de saúde, se estruture, por todos os meios à sua disposição, se apetreche para melhor fazer face, a estas situações: - é vital para todos e para a sociedade. À criatividade que se manifesta no domínio das ciências e das técnicas de vida e da saúde, deve responder a criatividade ética dos profissionais da saúde.
ÉTICA E MORAL
A distinção entre as duas perspectivas é mais de ordem filosófica e podem ser dadas algumas respostas. Sem entrar em detalhes, sabe-se que a etimologia dos dois termos é a mesma, que o termo “moral” se tem imposta e que está conotado por uma concepção “descendente”: vai-se dos princípios para as aplicações, o que não é sempre operacional e pode ficar no campo individual. Daí o retomar do uso do termo “ética”, que na reflexão filosófica e na prática contemporânea, implica quer a responsabilidade de todos os actores e a procura dos consensos. Uma reflexão clara sobre o processo ético é a que propõe o filósofo Paul Ricoeur. Para ele, o processo ético implica no ponto de partida uma tomada de consciência do problema, um desejo de “lhe “ responder - o que ele chama de “ intenção ética” - os “valores” como fundamento, a vontade de os honrar, depois de uma procura muito concreta para tentar elaborar a melhor resposta possível. O que necessita a referência às “normas”: e é então, que na opinião deste filósofo, intervém a “moral”(2)
ÉTICA E CUIDADOS DE ENFERMAGEM
Ética em enfermagem e ética médica, ética de cuidados de enfermagem, e ética do quotidiano, bioética e ética biomédica, ética clinica e ética hospitalar…os termos multiplicam-se(3), procuremos ver mais claro:
Uma situação relevante da ética, em cuidados de enfermagem, e portanto a “ética em enfermagem”, pode também revelar a “ética médica”; pode também falar-se de “ética clínica”; falar-se a situação é hospitalar, ela constitui igualmente uma situação de “ética hospitalar”. E como as situações são sempre singulares, realça-se também a “ética do quotidiano”, que se diferencia da reflexão ética de fundo. Sem nos ligarmos muito as estes nomes, parece-me que há mais interesse em falar da participação da enfermeira na ética clínica,(4) de modo a não se fazer um paralelo entre a ética de enfermagem e a ética médica - pois as paralelas nunca se encontram Assinalemos, ainda que o termo “bioética”, segundo o uso americano, e o vocabulário a nível de instâncias europeias deve ser usado preferivelmente ao termo “ética biomédica”, conotado sobretudo com a profissão médica.
UM LEQUE DE SITUAÇÕES
Sempre singulares, as situações que requerem num dado momento um “processo ético” correspondem todas aos progressos atingidos nos conhecimentos biológicos e médicos e nas práticas terapêuticas que daí decorrem. Enquanto que um certo número de situações de todos os dias se transformaram, e que um conjunto de situações novas se criaram, então é preciso a umas e outras procurar fazer face.
Nascer, sofrer a doença e procurar a cura, morrer, estes aspectos essenciais da vida humana, são de todos os tempos. Depois, de algumas dezenas de anos, entretanto, a maneira de os abordar transformou-se consideravelmente; os métodos de diagnóstico pré-natal permitem seguir a evolução da gravidez, a medicina fetal, a
desconhecidos ou sem solução. Mas que questões novas! É sempre o mesmo, ao longo da existência, graças á aparição de técnicas novas, como as das transplantações, das novas próteses, da microcirurgia, que permitem igualmente resolver os problemas de saúde que antes eram insolúveis. Enfim, a abordagem da morte está profundamente modificada por técnicas como a reanimação e a manipulação de produtos com efeitos poderosos.
Mas reencontramos também situações novas - a possibilidade de ultrapassar a esterilidade através da procriação medicamente assistida, os procedimentos de ensaios clínicos controlados, todas as questões tão difíceis ligadas à SIDA, os problemas relacionados com o envelhecimento da população, aqueles que provêm da dificuldade de dizer “ a verdade”, ou da necessária gestão dos “recursos” hospitalares… As orientações tradicionais como as deontológicas, tão necessárias que continuam a ser, mas que já não são suficientes, uma procura mais complexa torna-se necessária: é o processo ético.
UMA MANEIRA DE SER E DE FAZER
Se bem que a ética não se reduza a uma espécie de nova “disciplina” que se tornará necessário integrar e que permitirá encontrar as “ boas soluções”. Ela também não pode consistir simplesmente em viver a profissão com devoção e bom senso.
O processo ético implica que os actores interessados - enfermeiras, médicos, outros profissionais, o paciente (ele mesmo) se ele pode, a família, os próximos - sejam capazes de colocar bem a questão, com todos os seus elementos disponíveis de visar as soluções, e fazer uma escolha o mais consensual possível. Nós somos cada vez mais afrontados para a decisão a um nível o mais próximo possível da realidade, o mais concreto, o mais pessoal. É necessário que tenhamos os meios, é
preciso que nos formemos, de maneira que o “sentido ético” nos habite e que anime a nossa percepção da vida. É uma espécie de nova “competência” que nos é pedida, para retomar uma expressão que se usa do outro lado do Atlântico.
Competência que se adquire pela formação, que se enriquece pela experiência e que vem enriquecer a competência inerente ao ser enfermeira.
REFERÊNCIAS
(1) - GEORGES Blandier, Le Désorde, Fayard, 1988, p. 182.
(2) - cf. O artigo “Ethique” de Paul Ricoeur na Enciclopédie Universalis.
(3) - Particularmente na Europa e na América do Norte, onde os sistemas de saúde estão mais desenvolvidos.
(4) - cf. Por exemplo a intervenção de J. Fortin, “ L´´Ethique clinique comme terrain de la bioéthique”
implication de “l´infirmière “, no colóquio.
La Bioéthique. Foudements et méthods, Montréal 1989.