Fundamentos para uma
Teologia da Santidade
A santidade pessoal como questão
teológica em Die Kirchliche Dogmatik
de Karl Barth e em Theodramatik de
Hans Urs von Balthasar
se apresenta hoje à Igreja Católica], terá necessidade não só de teólogos (também deles), mas sobretudo de santos. Não só de decretos e ainda menos de novas comissões de estudo, mas de figuras pelas quais, como faróis, nos possamos orientar. Era justamente este o sentido último do alarme de Córdula. Não é verdade que nada podemos fazer para ter santos. Devemos, por exemplo, tentar uma vez, embora com algum atraso, tornar-nos como Córdula. “Mais vale tarde do que nunca.”» (Hans Urs von Balthasar, Córdula, 119)
«A figura do santo é a específica maneira na qual se produz a irrupção de Cristo, na qual este é “formado” de maneira nova na criatura humana. Neste homem concreto, aqui e agora; mas, por sua vez, nessa pessoa precisa para o bem de muitos, para o âmbito de expansão do santo.»
Índice
Prefácio
Para uma teologia realmente «cristã» 13
Apresentação
«Ser santo hoje» 15
INTRODUÇÃO 18
1. Âmbito e tema 20
2. Estrutura, fontes e metodologia 21
3. Agradecimentos 24
4. Status quaestionis: a santidade como questão teológica 25 4.1. A salvação por Cristo: como se processa? Colocar a questão 26
4.2. Caminhos diferentes: o Oriente e o Ocidente 32
4.2.1. A deificação no Oriente 33
4.2.2. A visão beatífica no Ocidente 35
4.2.3. Um mesmo propósito 37
4.3. Natureza e graça: uma questão em aberto 37
4.4. A vocação universal à santidade: que implicações? 45
4.5. Barth e Balthasar: um longo debate 49
CAPÍTULO 1
Analogia: momento metodológico 53
1.1. Intuições fundamentais da doutrina de Erich Przywara 55
1.1.1. Tensão entre metanoética e metaôntica 56
1.1.2. Tensão entre transcendentalismo metafísico
e metafísica transcendental 56
1.1.6. A fundamentação da analogia no princípio de
não contradição 72
1.1.7. Conclusões finais a respeito da relevância histórica
do sistema de Przywara 76
1.2. A crítica barthiana à analogia entis 78
1.2.1. Breve percurso teológico 78
1.2.2. Fundamentos da crítica à analogia entis 81
1.2.3. O conhecimento de Deus 84
1.2.4. A crítica à analogia entis católica 89
1.2.5. A única analogia possível no pensamento barthiano 96 1.3. A analogia entis no plano do pensamento de Balthasar 104 1.3.1. A interpretação balthasariana da crítica de Barth 104 1.3.2. A analogia entis como chave do sistema de Balthasar 117
1.4. Conclusões preliminares 138
CAPÍTULO 2
A «eleição» como conceito-chave do sistema
barthiano e a relevância da Cristologia de Balthasar 142
2.1. A doutrina da eleição em Barth 142
2.1.1. A correção da doutrina da eleição 144
2.1.2. A eleição de Jesus Cristo 171
2.2. Eleição e Antropologia teológica segundo Balthasar 180 2.2.1. A interpretação de Balthasar da doutrina da eleição
de Barth 180
2.2.2. A doutrina da eleição no contexto da teologia de Balthasar 182
2.2.3. A doutrina da eleição em Balthasar 212
2.3. Visão de conjunto 214
CAPÍTULO 3
Graça criada e graça incriada: a participação
na santidade de Deus 216
3.1. Um longo debate entre católicos e protestantes 217
3.2. A graça divina segundo Barth 221
9 Índice
3.2.2. Crítica de Barth à teologia católica sobre a graça 229
3.2.3. Justificação e santificação 233
3.2.4. Há lugar para os «santos» no sistema barthiano? 242 3.3. Uma perspetiva diferente sobre a graça divina:
o contributo de Balthasar 247
3.3.1. A graça no encontro de liberdades 248
3.3.2. Vida de Cristo: a graça em nós 254
3.3.3. Os santos como lugar teológico para a resolução do debate 263
3.4. Convergências e divergências 271
CONCLUSÃO 273
1. Um longo percurso: que é a santidade? 274
1.1. Antropologia 276 1.2. Cristologia 278 1.3. Eclesiologia 279 1.4. Sacramentologia 280 1.5. Escatologia 281 2. Limites da investigação 282
3. Alguns aspetos finais 282
Posfácio do autor
O recente magistério sobre a santidade 284
1. Alguns elementos introdutórios a respeito do texto papal 284
2. O «gnosticismo atual» 285
3. O «pelagianismo atual» 287
4. Algumas reflexões conclusivas 289
Para uma teologia realmente «cristã»
O mundo em que vivemos e a sociedade que integramos são essencialmente comuns e realmente contraditórios. Comuns, pois desde o ar que respiramos à vida que levamos nada é exclusivo de alguns nem individualmente sustentável. Contraditórios, porque as coisas não se apresentam assim, antes pelo contrário tantíssimas vezes. Dos problemas ambientais às desigualdades gritantes, esta contradição impede-nos de ser o que devíamos, realizando-nos como «pes-soas», isto é, seres em relação: uns com os outros, uns para os outros, todos para todos. Cabe a decisão de cada um dentro da corresponsabilidade geral.
A revelação bíblica vai nesse sentido, do princípio ao fim. No Génesis somos criados em união complementar, distintos mas como um só. No Apocalipse a «nova Jerusalém» é a cidade de Deus onde todos são saciados. Um horizonte recuperado e culminado na vida de Cristo, o «Cordeiro» que Deus nos ofereceu para se oferecer por nós: «[Um Anjo] mostrou-me, depois, um rio de água viva, resplendente como cristal, que saía do trono de Deus e do Cordeiro. No meio da praça da cidade e nas margens do rio está a árvore da Vida que produz doze colheitas de frutos […]. O trono de Deus e do Cordeiro estará na cidade e os seus servos hão de adorá-lo, e vê-lo face a face, e hão de trazer gravado nas suas frontes o nome do Cordeiro…» (Ap 22, 1 s).
Esta passagem está cheia de sugestões espirituais e práticas. É profecia que nos alarga a alma e é exigência que nos define a vida. Reparemos que os cida-dãos da nova Jerusalém trazem gravado nas frontes o nome do Cordeiro, modo de dizer que são de Cristo e seu sinal no mundo. São inteiramente de Deus, sendo inteiramente para os outros. Por isso serão «santos», isto é, de Deus. Na revelação bíblica a santidade de Deus é primeiro percebida como absoluta distância da imperfeição humana; é depois compreendida como amor absoluto revelado em Cristo. É agora comunicada pelo Espírito, Santo e santificador.
Como Igreja – aquela assembleia reunida em torno de Deus e do Cordeiro – só podemos entender-nos como anúncio e testemunho da santidade no mundo e para o mundo. Palavra, sacramentos e caridade são no dia a dia de cada fiel a concretização da santidade, segundo a respetiva condição e serviço.
O Papa Francisco lembra-o na exortação apostólica Gaudete et Exsultate. Com frases como estas: «O que quero recordar com esta Exortação é sobretudo o chamamento à santidade que o Senhor faz a cada um de nós, o chamamento
14 Fundamentos para uma Teologia da Santidade
que dirige também a ti: “sede santos, porque Eu sou santo” (Lv 11, 45; cf. 1Pe 1, 16)» (GE, 10). Recordando no mesmo número que nisso insistiu o último Concílio Ecuménico: «O Concílio Vaticano II salientou vigorosamente: “munidos de tantos e tão grandes meios de salvação, todos os fiéis, seja qual a sua condição ou o seu estado, são chamados pelo Senhor à perfeição do Pai, cada um por seu caminho” (Lumen Gentium, 11).»
O Padre Ricardo Figueiredo partilha connosco o seu sólido trabalho aca-démico sobre a Teologia da Santidade. Apresenta-nos detalhadamente a con-tribuição de dois grandes teólogos do século xx, com os quais continuamos a aprender: Karl Barth e Hans Urs von Balthasar. Protestante o primeiro e católico o segundo, na respetiva distinção ou convergência.
Tratando do nosso caminho para Deus, ou de Deus para Deus, parte da diferença entre Deus e a humanidade, tão essencial em si mesma como ultra-passada pelo próprio Deus, quando em Cristo nos encarna e diviniza. Realiza-se então e plenamente o que a nossa condição criatural de algum modo intuía, como analogia entis, ou seja, o que na criatura mantinha a marca do Criador.
Criador que nunca desiste da sua criação e por isso mesmo nos elege como referência constante do seu amor e graça. Amor e graça que em Cristo têm plena comprovação, dando-nos aquela vida em abundância (cf. Jo 10, 10), que nunca alcançaríamos doutro modo. Assim mesmo Deus nos justifica – em Jesus Cristo, o justo (cf. 1Jo 2, 1-2) – e nos abre, por ação do Espírito, um caminho de santificação, no dia a dia da vida de cada um e no horizonte amplo da salvação de todos.
Pela grande aplicação ao estudo e pela não menor aplicação à prática pas-toral o Padre Ricardo Figueiredo está em ótimas condições para nos ajudar a compreender estas realidades, tão fundamentais como existenciais. Inscreve-se muito bem numa geração de autores que refletem a vida eclesial que acompa-nham, acenando ao tempo áureo daqueles Padres da Igreja que foram pastores e doutores, de Ireneu a Agostinho, de Ambrósio a Gregório Magno. O dia a dia de múltiplos e grandes afazeres pastorais diretos e concretos não lhes retirou interesse nem tempo para a reflexão, a oração e a escrita. Bem pelo contrá-rio, nisso mesmo encontraram base e substância para uma teologia realmente «cristã».