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Suzana Teixeira de Queiroz 1 Denise Botelho 2. Resumo

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Academic year: 2021

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Suzana Teixeira de Queiroz1 Denise Botelho2

Resumo

Agressões físicas, psicológicas, difamações, exclusão do convívio social, entre tantas outras formas negativas de referenciar os alunos e alunas, negros e negras, quer seja pela cor de pele, seus traços fenotípicos (cabelos, nariz, lábios) ou por sua religiosidade. O ambiente escolar em muitos momentos é excludente e potencializador dos preconceitos alijados em nossa sociedade. Destarte, faz-se necessário o estudo por novas abordagens pedagógicas acerca dos conteúdos a serem desenvolvidos no campo da História e Cultura Africana e Afro-Brasileira e por conseguinte, a aplicabilidade da lei 10.639/2003. O presente texto relata a experiência de ampliação dos espaços de conhecimento e vivência da cultura afro-brasileira através do estudo da literatura afro-brasileira por meio de linguagens didáticas alternativas em uma turma de correção de fluxo pertencente à Rede de Ensino do Recife/PE. Utilizando-se da metodologia da contação de histórias que permeiam o universo da cultura afro-brasileira, buscamos desenvolver a autonomia das crianças bem como a emancipação da criação artística e reconhecimento de pertença acerca da temática. Propomos a análise dos arquétipos presentes das culturas africanas e suas adaptações ao serem inseridos nas práticas culturais brasileiras, bem como sua valorização, ampliando o incentivo à leitura e escrita, além do fortalecendo as identidades e ancestralidades afrodescendentes.

1Pedagoga e Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação, Culturas e Identidades

(PPGECI/UFRPE/FUNDAJ), Recife-PE, queiroz.suzana@yahoo.com.br.

2 Doutora em Educação e Líder do GEPERGES Audre Lorde, Professora da Universidade Federal Rural de

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Introdução

Com as urgentes e necessárias alterações no campo educacional oriundas das políticas de Igualdade Racial, a partir da promulgação das leis 10.639/03 e 11.645/08, faz-se necessário estudos por novas abordagens pedagógicas acerca dos conteúdos à serem desenvolvidos no campo da História e Cultura Africana e Afro-Brasileira. A falta de familiaridade com o assunto por parte dos (as) professores (as) acarretam ausência de posicionamento docente, trabalhos superficiais em sala de aula, falta de dados concretos em que alunas/os negras/os possam se basear para construírem seus próprios “espelhos” positivos e assim empoderarem-se na luta contra o racismo, a discriminação e o preconceito raciais.

Consideramos que trabalhar com a educação implica atuar entre campos da ética, da diversidade, da cultura, do respeito mútuo, entre tantos outros aspectos, inclusive o das relações raciais. A questão racial no Brasil ainda é um tema polêmico, pois ao seu redor foi construído um enclaustro que também foi denominado de mito da “democracia racial” (PEREIRA, 2005; ABRAMOWICZ, 2006; GOMES 2008; MUNANGA, 2008). Gomes (2004) afirma que discutir sobre educação e cultura negra no Brasil é assumir uma postura política, pois requer posicionamento e construção de práticas pedagógicas de combate à discriminação racial e a “naturalização” das desigualdades.

Desde a década de 1980, podemos identificar produções de escritores(as) as quais podemos classificar como afro-brasileiras, pois de acordo com Assis (2011) “assumem seu pertencimento enquanto sujeitos vinculados a uma etnicidade afrodescendente cresce em volume e começa a ocupar espaço na cena cultural, ao mesmo tempo em que as demandas do movimento negro se ampliam e adquirem visibilidade institucional”, o que ratifica a carga de representatividade e conteúdo emporaderador presente no conteúdo de tais produções.

Embora possamos nos deparar com um relevante número de produções literárias voltadas para o público infanto-juvenil que abordam a temática africana e afro- brasileira (BRAZ, 2001; MACHADO & PETROVICH, 2001; PRANDI, 2007; LODY, 2007; BARBOSA, 2009; entre outros), percebe-se em alguns casos, a falta de compreensão e de interesse em relação ao tema por parte dos profissionais atuantes nas classes iniciais da Educação Básica (e por que não em outras séries do referido nível?).

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A sabedoria das expressões culturais africanas e indígenas traduz-se no saber fazer, que advém do saber ouvir, do saber ver, por meio do compartilhamento de momentos sociabilizados, com conteúdo impressos nos corpos, cabelos, vestimentas, através da prática de convívio social e da oralidade.

Edileuza Souza e Bárbara Souza (2008, p.25) definem que essa cosmovisão está pautada na “visão ímpar de mundo, na qual o reconhecimento da pessoa humana passa pelas histórias e dá continuidade à herança dos deuses e dos humanos”. Para muitos dos povos africanos e indígenas, a educação inicial das crianças é composta a partir dos ensinamentos das práticas da comunidade na qual ela está inserida, por meio das histórias de seus antepassados, com a valorização de cada acontecimento.

Percebe-se ainda que nos ambientes escolares existem diversas lacunas em relação ao repertório cultural afro-brasileiro, além de não ser apresentada a história do continente africano, a contribuição do negro na cultura brasileira - quer seja na linguagem, na música, nos costumes ou nas religiões - também é ignorada (CAVALLEIRO, 2000; DAVIS, 2000; PRANDI, 2005), agrega-se, ainda, uma total desvalorização das produções negras, fruto de um racismo, apesar que mascarado, mas extremamente perverso. Em nosso caso mais específico, as turmas de correção de fluxo3 angariam uma atenção maior devido ao processo de amadurecimento dos jovens e sua baixa autoestima devido ao atraso na escolaridade.

Mormente, ao promover discussões acerca a implementação de políticas de igualdade racial em ambientes escolares, ampliaremos não só o conhecimento sobre as políticas públicas de estímulo ao estudo das culturas afro-brasileira e indígena como também o enfrentamento ao racismo a partir da construção do sentimento de pertencimento dos sujeitos envolvidos no processo.

Agressões físicas, psicológicas, difamações, exclusão do convívio social, entre tantas outras formas negativas de referenciar os afrodescendentes, quer seja por seus traços fenotípicos (como cor da pele, cabelos, nariz, lábios) ou por sua religiosidade. O ambiente escolar torna-se um local em que os racismos e práticas preconceituosas e

3 São turmas que visam corrigir a distorção idade\série de alunos entre 09 e 14 anos que não

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excludentes são vistas como “brincadeiras” e “peraltices”, indo de encontro ao desenvolvimento sadio de seus educandos.

Desta forma, a partir do estudo dos contos e histórias afro-brasileiras, professores e alunos deparam-se com uma estrutura apropriada para análises dos fazeres afro-brasileiros, de resgate de memória a partir das ancestralidades africanas, da multiplicação da ciência e das tecnologias africanas (arquitetura, matemática, medicina, metalurgia, entre outras) e, sobretudo, a desconstrução da falácia de que os povos tradicionais foram/são isentos de transmissibilidade formativa, educativa devido ao valor da oralidade nas aldeias e comunidades; que foram/são povos bárbaros, que não contribuíram para a história do mundo no qual vivemos hoje.

Material e Métodos

Visando ampliar os espaços de conhecimento e vivência da cultura afro-brasileira através do estudo da literatura afro-brasileira em uma turma de correção de fluxo (Ensino Fundamental I), iniciamos as atividades de pesquisa a partir da execução do projeto intitulado “Acelerando o Conhecimento: a Cultura Afro-Brasileira em Sala de Aula”, o qual teve início em maio de 2015, com duração total de seis meses. A turma participante é vinculada ao Programa de Correção de Fluxo da Rede Municipal de Ensino do Recife, sendo composta por oito alunos (as) com faixa etária entre 10 e 13 anos. As atividades foram desenvolvidas em quatro fases:

1ª Fase: Apresentação do tema e estudo de diversos autores (as) que abordam a cultura afro-brasileira para o público infanto-juvenil;

2ª Fase: Reconhecimento das obras que compunham o acervo da biblioteca da escola;

3ª Fase: Escrita e reescrita do Conto Coletivo (narrativa), escolha das brincadeiras populares e contato com o autor de um dos contos inspiradores (gênero carta);

4ª Fase: Confecção do livro e das personagens (utilização das técnicas de modelagem em papel marché, pintura, colagem, costura e fotografia), cenário e estruturação da peça (Auto).

Para o desenvolvimento do trabalho, levamos em consideração as orientações e organização do cronograma do Programa de Correção de Fluxo – Acelera Brasil. No decorrer do ano letivo e com o apoio da bibliotecária, realizamos a leitura de exemplares

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da literatura afro-brasileira, os quais fazem parte do acervo da Biblioteca da Instituição, bem como lançamos mão do material do inseridos em um dos projetos de formação de novos leitores desenvolvidos pela Prefeitura do Recife.

Ao longo dos meses, foram lidos 20 títulos dentro da temática afro-brasileira4, seguindo de análise conjunta com os(as) estudantes a qual buscou explorar os arquétipos apresentados nas narrativas, buscando realizar a comparação reflexiva entre os personagens presentes nas histórias lidas, relacionando as práticas culturais representadas nos exemplares com as práticas desenvolvidas em nosso país.

Como instrumento de valorização do protagonismo juvenil e reconhecimento de pertença, os (as) alunos (as) participantes do projeto realizaram um reconto a partir da escolha do livro que mais gostaram, confeccionaram as personagens da história, bem como todo o ambiente da peça. Na escolha do material, optamos por utilizar materiais recicláveis como o papelão e a garrafa PET, além de papel marché, tecido, fitas e botões. Desenvolvimento

Em nossa sociedade, estamos vivendo em tempos de reflexão e reordenamento de ações que outrora eram consideradas “brincadeiras”. As denúncias dos casos de racismo em ambientes escolares nos trazem à tona a implícita necessidade de discutirmos e revermos os discursos que são cotidianamente endossados em nossas salas, de aula e de casa. A partir dos conceitos de Michel Mafessoli (1998), buscamos alinhar o establishment, que “não é uma simples casta social, é, antes de mais nada, um estado de espírito que tem medo de enfrentar o estranho e o estrangeiro” com as práticas de violência e abuso que o racismo emana.

Acerca o trabalho pedagógico desenvolvido em muitas instituições de ensino de nosso país, a vivência em cultura negra prioriza o trabalho nas áreas das Humanidades, o que por vezes ratifica a prática de diálogos esparsos, com a referência da influência da

4 “Cartas entre Marias – Uma viagem à Guiné-Bissau” de Virgínia Maria Yunes e Maria Isabel Leite ;

Coleção “Bichos da África” (1, 2, 3 e 4) de Rogério Andrade Barbosa, assim como; “História que me contaram em Luanda” , “A tatuagem – Reconto do povo Luo”, “Não chore ainda não”, “Como as histórias se espalharam pelo Mundo”; “Gosto de África” de Joel Rufino dos Santos; “Betina” de Nilma Lino Gomes; “De grão em grão – O sucesso vem na mão” de Katie Smith Milway; “Aguemon” de Carolina Cunha; “Oxumaré, o Arco Íris” de Reginaldo Prandi; “Ynari, a menina das cinco tranças” de Ondjaki; “O monstro que engolia vidas” de Rouxinol de Rinaré; “O baú das Histórias” de Gail E. Haley; “O coração do Baobá” de Heloísa Pires de Lima; “Canção dos povos da africanos” e “África – Um breve passeio pelas riquezas e grandezas africanas” de Fernando Paixão.

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cultura negra no campo das artes, com a promoção de mostras de cinema, teatro, música, dança, literatura, no texto também traz a indicação de criação de grupos criação de grupos artístico-culturais.

Como descrito por Hall (2005), é no interior dessas representações que as identidades são formadas e transformadas. Assim, a representação pode ser pensada como um processo cultural que “[...] estabelece identidades individuais e coletivas e os sistemas simbólicos nos quais ela se baseia fornecem possíveis respostas às questões: Quem eu sou? O que eu poderia ser? Quem eu quero ser?” (WOODWARD, 2000, p. 17).

Para Carol Adams,

A escola pode ser um poderoso agente de mudança na vida e nas perspectivas do e das jovens, apesar das expectativas sociais que lhes são atribuídas em função de raça ou classe. Quanto maior for a habilidade de docentes em perceber as necessidades e o potencial de diversos grupos de alunos em termo de diferenças de gênero, raça e classe, tanto maior será a probabilidade de que indivíduos e grupos de estudantes tenham um bom desempenho e se beneficiem das oportunidades educacionais. (ADAMS, 2004, p. 109)

À medida em que consideramos a escola como lócus de construção de identidades, de conhecimento e (re)produção das práticas sociais, também implica que haja uma mobilização de práticas pedagógicas e reflexões em torno do currículo, a fim de que o processo educativo favoreça o desenvolvimento de autonomia, auto-reconhecimento positivo e amplamente integrador nos aspectos das diferenças que lá existem.

As ideologias que atuam dentro de uma lógica racista estruturada pelo mito da democracia racial com vista à manutenção das desigualdades e discriminações também podem ser identificadas pela sutileza das representações midiáticas. A falta de espelhos positivos, de conhecimento acerca das personagens históricas que compõem a história de vida dos povos negros acarretam na baixa autoestima de nossas crianças e jovens. Dentre estas destacamos a ideologia do branqueamento e da inferiorização do negro que causam dentre outros aspectos, um processo de auto rejeição e de não aceitação de seu semelhante (SILVA, 2004).

As representações sub-julgadas da história e cultura do povo negro está visceralmente entrelaçada ao poder de enraizamento das (in)verdades criadas pela cultura eurocentrada, silenciando as vozes desse percurso histórico e determinando quais os

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discursos estarão ao alcance para a formação de nossas crianças e jovens de descendência negra, assim como os não-negros.

A partir da reflexão acerca da abordagem transdisciplinar durante o processo de ensino-aprendizagem, buscamos analisar diretamente os dilemas e disfunções sociais que repercute no ambiente escolar, velhos problemas engendrados e herdados da modernidade. Como elemento crucial está à fragmentação do conhecimento, que separa quem aprende do que se aprende, ou seja, na escola valorizam-se os conteúdos e não a complexidade dos processos de ensino-aprendizagem e nas relações humanos como um todo (Moraes, 2015).

Estas inquietudes desvelam a “que a realidade é multidimensional em sua natureza complexa, interdependente, mutável, entrelaçada e nutrida pelos fluxos que acontecem no ambiente e com base no que cada um faz” (MORAES, 2015, p.43) caracterizando nas palavras de Morim “complexo é aquilo que é tecido em conjunto”.

A vida cotidiana de nossas crianças e jovens necessitam de uma integração com o Universo escolar, bem como na constituição dos currículos formais em desenvolvimento. A realidade sócio-cultural e afetiva interfere diretamente nas vivências instituídas no ambiente escolar, assim como suas experiências construídas neste espaço. Torna-se relevante o desenvolvimento de propostas pedagógicas que ampliem os processos de socialização, interação, troca coletiva de conhecimentos, estimulando e fortalecendo a importância de cada sujeito no processo educativo, valorizando as diversidades, motivando os educandos a aprender, interligando os conhecimentos que despertem o interesse do educando de forma integrada aos conteúdos preconizados nos currículos escolares.

Urge a necessidade de que a escola, enquanto instituição educativa e formativa para a vida social, ressignificar seu ambiente. Tornar-se um espaço de acolhimento, respeito e sobremaneira, de formação para a vida cidadã plena. Atuar no campo das relações étnico-raciais é, acima de tudo, um posicionamento político.

A violência racista está fundamentada na negação do outro. Para posicionar esse outro como inferior, o racismo assume diversas facetas e se estabelece em diversos discursos. Destacamos que uma das suas principais especificidades é o seu falso caráter “cordial” que fundamenta o mito da democracia racial. A convivência no ambiente escolar, quando as atividades da Educação lá concebidas são pensadas no pleno exercício

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da garantia dos direitos de aprendizagem proporciona aos estudantes o partilhamento da diversidade sócio-étnica-racial, de gênero, das múltiplas deficiências, auxiliando na construção de uma consciência crítica e de respeito à estas realidades.

Resultados e Discussão

A partir da tentativa de elaborar novos fundamentos metodológicos e pragmáticos nas práticas pedagógicas, alicerçados nos pilares da transdisciplinaridade, criatividade e inclusão dos sujeitos inseridos no processo educativo, concebemos a interdependência dos processos imbricados na conformação dos fenômenos sociais como sistemas complexos e capazes de revitalizar a convivência humana, a ética da solidariedade mediante um pensamento ecologizante (Moraes, 2015).

Diante disto, propomo-nos algumas atividades realizadas no ano de 2015 ao longo do projeto “Acelerando o Conhecimento: a Cultura Afro-Brasileira em Sala de Aula”, a partir de um contexto emergente e mobilizador das alterações no campo educacional no que se refere às Políticas de Igualdade Racial nos ambientes escolares, novas abordagens pedagógicas reclamam um trabalho transdisciplinar e criativo dos conteúdos a serem desenvolvidos no campo da História e Cultura Africana e Afro-Brasileira. Esta imprescindibilidade compactua com “uma educação transformadora de suas condições psicológicas, cognitivas, afetivas e espirituais e que se favoreça seu pleno desenvolvimento humano” (MORAES, 2015, p.20).

Neste contexto, as atividades propostas neste projeto promovem estratégias didáticas criativas que integram o conhecimento experiencial do aluno na gestação das diversas aprendizagens. Assim, os espaços de conhecimento e vivência da cultura afro-brasileira ocorreram através do estudo da literatura afro-afro-brasileira (histórias das culturas africanas), por meio de linguagens didáticas alternativas, tendo como mote de trabalho, Ariano Suassuna e o teatro de Mamulengos.

Esta tríade norteadora busca, “perceber a interdependência dos processos para melhor dialogar com a vida, reconhecendo os diálogos criativos entre educação e vida, ensino aprendizagem, individuo e contexto, educador e educando” (MORAES, 2015, p.18). E parte do cerne da transdisciplinariade, a relação sujeito/objeto, manifesta na prática humano-pedagógica.

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O direcionamento destes eixos esteve calcado na realidade, na subjetividade e intersubjetividade, colocados por Moraes (2015) como o papel do outro no seu processo de construção do conhecimento. Deste modo, as atividades iniciais do projeto ocorreram pautadas na leitura e audição de histórias da literatura afro-brasileira. O trabalho criativo desenvolvido nesta etapa pontua a causalidade circular de natureza recursiva, em uma nova ordem de compreensão, pois neste momento as crianças perceberam a articulação dos contextos narrativos em diferentes níveis de realidade, relacionando-os como fatores constitutivos da dinâmica da vida.

Na experiência com o estudo da literatura afro-brasileira em sala de aula é nítida a manifestação da criatividade enquanto encontro em diálogo com a vida, fazendo uso dos símbolos que exterioriza o dialogo entre a experiência consciente e inconsciente (Rollo May, 1982), a criatividade como expressão fenomenológica complexa e transdisciplinar coloca:

As atividades criativas são aquelas que propiciam uma experiência de inteireza, de plenitude, algo que o sujeito está envolvido por inteiro em sua multidimensionalidade e que exige flexibilidade estrutural de pensamento, de ação, de fluência cognitiva, espiritual, psicológica ao lidar com um objeto ou vivenciar determinado processo (MORAES, 2015, p. 171-172).

Para o desenvolvimento do trabalho aqui exposto, foram lidos cerca de 20 títulos que abordam conhecimentos integrantes da cultura afro-brasileira. Dentre as obras lidas, duas das histórias contadas chamaram à atenção dos alunos: O monstro que engolia vidas, lenda dos povos Zulus recontada em cordel por Rouxinol de Rinaré, e a As Pérolas de Cadija, que aborda a lenda do Quibungo, presente no livro “Gosto de África” de Joel Rufino dos Santos. A similaridade das duas lendas trouxe aos alunos(as) a concepção da diversidade presente na contação de histórias, onde cada local onde esta é compartilhada, ganha novos personagens e ressignificações.

Para o reconto, houve a escolha da lenda do Quibungo, que após pesquisa coletiva, descobrimos que também pertence ao rol das lendas folclóricas brasileiras. De origem angolana, a história do Quibungo foi trazida pelos africanos escravizados de origem banto e foi inserida no folclore baiano, porém não se espalhou pelos demais estados do país.

A história criada foi desenvolvida para ser recontada através do teatro de mamulengos e confecção do livro, fotografamos as personagens dentro do cenário criado pelos(as) alunos(as). As páginas do livro são em tecido, uma escolha particular dos(as)

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estudantes, pois os mesmos afirmaram que livros de papel todos fazem, mas produzir um em tecido seria mais especial.

Como resultado, apresentamos o projeto em um evento internacional de divulgação científica e recebemos menção honrosa da Secretaria de Educação do Recife. A produção coletiva dos alunos venceu uma seleção interna da Rede Municipal de Ensino para a publicação do livro por uma editora, e este será distribuído em todas as Bibliotecas das escolas municipais. O lançamento do livro impresso na escola ocorreu ainda em dezembro de 2015, com direito a sessão de autógrafos.

Esta conjuntura criativa é caracterizada por Moraes (2015) como plural e multidimensional, cujo caráter é singular, recursivo, auto-organizador, contraditório e imprevisível. A dinâmica das atividades segue a métrica estes pressupostos, levando as crianças a confeccionarem as personagens da história, bem como todo o ambiente da peça, elas optaram por utilizar materiais recicláveis como o papelão e a garrafa PET, além de papel marché, tecido, fitas e botões. Na vivência desta atividade ficou evidente a necessidade de informações e saberes de diferentes disciplinas, na construção do conhecimento.

Esta descrição é segundo Moraes (2015), a interação com o objeto em um processo de criação, novas informações relacionadas a esse objeto vão reabastecendo recursivamente o próprio processo criativo e sendo transformado em conhecimento, ou melhor, estado de experiência ótima, que constitui o campo energético e informacional, ponte entre a realidade interior do sujeito e a realidade exterior do objeto. Partindo do interesse dos alunos, houve a confecção de um livro em tecido, com ilustrações a partir das fotografias da peça de mamulengos. Para tal, os alunos bordaram e costuraram as páginas e a capa do livro, e nisso auferimos que “o impulso elementar e a força vital para criar provêm de áreas ocultas do ser” (FAYGA OSTROWER apud MORAES, 2015), expressando diferentes linguagens.

O trabalho sistemático e contextualizado com as vivências de cada um, serviu de suporte para que houvesse aproximação dos alunos com a emancipação da criação artística e criativa de cada um deles direcionada ao processo de ensino-aprendizagem. O engajamento, envolvimento e colaboração foram primordiais para romper com a lógica tradicional reducionista binária, a evasão e a frequência dos alunos sofreram modificações positivas após o início das atividades, ampliando o incentivo à leitura e escrita, além do fortalecendo as identidades e ancestralidades afrodescendentes.

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Os resultados do projeto encontram-se inseridos no que Moraes denomina de vivência de um estado T de terceiro incluído, estado emergente e transdisciplinar manifesto em uma nível de realidade superior na problematização do real, “nesse instante T, a consciência renova-se e liberta-se ao vivenciar momentos de plenitude e bem- estar, momentos de inteireza, integridade e atenção focada, momentos de superação dos limites anteriores” (MORAES, 2015, p. 182).

O engajamento dos jovens, além do envolvimento e colaboração dos mesmos foi primordial para que o projeto fosse desenvolvido. Percebemos que, o trabalho sistemático e contextualizado com as vivências de cada um serviu de suporte para que houvesse aproximação dos(as) alunos(as) com a proposta de trabalho. Também foi identificado que a evasão e a frequência sofreu modificações positivas após o início das atividades, tendo em vista que os mesmos almejavam a participação em todos os processos, pois quando faltavam, os colegas sempre relatavam o que tinha sido executado e cobravam da professora que a participação efetiva em todas as fases do processo só seria possível se houvesse assiduidade.

Considerações Finais

Rompendo as barreiras de exclusão pela situação de atraso escolar ou por questões raciais, sociais ou de gênero, o trabalho por meio de pesquisas investigativas e de valorização da cultura local corrobora com a formação formal e identitária dos sujeitos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem.

Nessa perspectiva, preproposição de atividades voltadas para execução da Lei 10.639/03 propicia a construção de uma Educação Básica que contemple a identidade étnico racial e a diversidade cultural das crianças e jovens que frequentam os espaços educacionais, abrindo caminhos para aqueles(as) que buscam efetivar, no cotidiano, a construção de uma sociedade igualitária.

Em relação ao trabalho com temas que abordem a cultura afro-brasileira, atentamos que muitos paradigmas e pré-conceitos foram quebrados, principalmente a resistência em desenvolver atividades ligadas aos países africanos, o que foi vivenciado mais intensamente no início do projeto. Ainda percebemos alguns comentários depreciativos (apelidos) para com os colegas ou para situações do dia a dia que envolvam pessoas negras, mas a interferência dos(as) professores(as) nestes momentos, revisitando os objetivos do projeto em desenvolvimento busca a intermitência dos processos

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educativos, haja vista que seis meses de atividades não “apagarão” décadas de vivências racistas e discriminatórias, mas será sim, um novo lumiar na vida de cada um, cada uma. O professor é mediador dos processos de aprendizagem, agente mobilizados da reconstrução de saberes. O trabalho docente exige familiarização com as metodologias e materiais de apoio de ensino que venham a corroborar com o desenvolvimento de uma prática libertadora. No caso da impletação de uma Educação Antirracista, faz-se necessário que, primordialmente, que o\a professor\a tenha interesse em favorecer uma aprendizagem significativa e com ampla reflexão crítica acercaas relações étnico-raciais em sala de aula.

Outro ponto a se considerar é o necessário re-pensar a prática pedagógica, levando em consideração a heterogeneidade e singularidades dos sujeitos inseridos no processo de ensino-aprendizagem. O compromisso com a educação para a ampla vivência cidadã e com a garantia do direito de aprendizagem, que é a inserção da temática das relações étnico-raciais em sala de aula e com o combate ao racismo e aos preconceitos que permeiam o ambiente escolar e que em muitos casos, culminam na exclusão e violências no ambiente escolar.

Referências

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