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O jogo a salvo: o save game como mecânica e a progressão na experiência temporal dos jogos digitais

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Academic year: 2021

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O jogo a salvo: o save game como mecânica e a progressão na

experiência temporal dos jogos digitais

Rodrigo Campanella Gonçalves Barbosa*

Universidade Federal de Minas Gerais UFMG, Departamento de Comunicação Social, Brasil1

RESUMO

Este artigo busca explorar a relação entre as possibilidades de salvar a progressão em um jogo e o impacto decorrente no tipo de interação que um jogador pode estabelecer com um jogo digital específico, favorecendo ou chegando a ponto de autorizar certos tipos de ação, de exploração e de engajamento ao mediar de forma menos agressiva as potenciais perdas enfrentadas em caso de falha. Nesse sentido, o artigo busca concluir que a opção de salvar a progressão é uma mecânica específica regida por regras diversas a cada título, sendo que tais regras são parte integrante e profundamente transformadora do game design e, por conseguinte, também modificam a experiência de temporalidade proposta para o jogador.

Palavras-chave: Progressão, mecânicas, regras, temporalidade,

save game

1 INTRODUÇÃO

São as regras que definem o que é cada jogo e quais as possibilidades que ele guarda. A repetição do conjunto específico de regras de cada jogo é o que permite que ele se conserve e seja replicado ao longo do tempo [5], que seja identificado em sua especificidade e que tenha sua diferenciação em relação a outros conjuntos de ações que definem modos diversos de jogar. Dentro desse escopo das regras estão guardadas as formas de vitória e de derrota, as estratégias possíveis de serem elaboradas com as ações disponíveis, os elementos a serem manipulados pelo jogador que possuem relevância naquela situação específica, um certo tipo de recorte espacial que define o lugar do jogar e também a temporalidade própria que acaba por ser construída por cada jogo. A reunião dos elementos que compõe cada jogo específico acaba também por definir, em grande parte, qual é a vivência concreta de tempo que um jogador encontrará ali dentro – e isso se dá na forma como cada conjunto específico de regras não apenas propõe mas acaba por definir um tipo específico de progressão.

Podemos começar observando jogos de tabuleiro. É comum que os tabuleiros atuais tenham estampada na caixa uma expectativa de tempo para cada partida completa. No jogo de posicionamento de peças Carcassone, a estimativa de tempo de cada partida é definida como sendo de entre 30 e 45 minutos; em Village, um jogo de gerenciamento de recursos que atravessa diversas gerações familiares em uma vila no campo, o tempo é estimado entre 60 e 90 minutos; Colonizadores de Catan, também um jogo de gerenciamento de recursos, porém baseado na expansão de pequenas cidades em novos territórios a serem explorados, estampa o tempo médio de partida como exatos 75 minutos.

Em jogos de tabuleiro, a possibilidade de que o número de participantes oscile também entra como parte das estimativas de

*

email: rodrigo.pilula@gmail.com

tempo para uma partida completa. Diversos jogos (como o próprio Village ou então Splendor, jogo que mistura progressão por cartas e gerenciamento de fichas de recurso representando metais preciosos) possuem regras especiais que limitam os recursos disponíveis para o jogador (o número total de cartas, fichas ou marcadores) ou a exigência de recursos necessários para ganhar o jogo, dependendo do número de jogadores. A proposta de customização das regras para se adequar ao número de jogadores garante um melhor balanceamento dos elementos disponíveis através do reequilíbrio da progressão possível em cada jogo. Ao diminuir os recursos disponíveis ou necessários para vitória quando há menos pessoas em volta do tabuleiro, tais jogos buscam garantir que o ritmo de jogo siga praticamente inalterado se comparado com partidas em que esteja presente o número total de jogadores. Na estrutura de regras e mecânicas de cada jogo de tabuleiro está entranhada, ainda que discreta e velada, uma certa passagem de tempo impressa nas exigências, limitações e permissões entregues aos jogadores desde o início da partida.

São as regras que também definem grande parte das incertezas presentes em um jogo, à parte de potenciais incertezas exclusivamente narrativas que podem estar relacionadas às regras em diferentes graus, dependendo das intenções e da proposta de design de cada jogo [3]. A incerteza sobre o resultado de cada jogo é o motor que coloca em funcionamento o interesse e a atenção dos jogadores relacionados em cada partida [5] envolvidos com o desenvolvimento do jogo ou com as ações dos outros participantes para readequar suas estratégias, ajustar sua percepção e planejar seus próximos movimentos. Porém, são as diversas incertezas envolvidas no momento de se estar jogando, aquelas que impulsionam ou tentam impulsionar o jogador adiante, que irão definir o sentido próprio de progressão de cada jogo.

Se os diversos tipos de incertezas irão impactar diretamente na progressão do jogador durante uma partida, seja em seu grau de adesão ou na temporalidade própria de cada jogo, é porque são tais incertezas também se definem pelos obstáculos a serem enfrentados pelo jogador: de quais espécies, de qual grau e em que ritmo tais obstáculos irão se apresentar na forma de desafios a serem superados. As incertezas e os desafios propostos se entrelaçam na definição de qualquer jogo. É através da superação que será garantida a continuidade do jogador naquela partida (a garantia temporária de que não será excluído naquela rodada ou a cada etapa de gameplay; a garantia de que ele ainda faz parte do jogo) ou então a possibilidade de que ele ainda tenha, em um dado momento de jogo, chances reais de vitória diante dos oponentes humanos ou do software.

Ao definir os oponentes de um jogador, é essencial que não se esqueça que o próprio jogo pode ser o grande adversário a ser vencido, seja em jogos cooperativos de tabuleiro nos quais o objetivo dos jogadores é vencer as regras do jogo em conjunto (aqui

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entram exemplos como os consagrados Forbidden Island ou

Pandemic, em que a vitória contra as regras só pode ser alcançada

em grupo e com a sobrevivência de todos os participantes), seja em jogos digitais single player, em que o adversário definitivo, em última instância, é o próprio programa de computador que guarda toda a sequência de obstáculos - sem esquecer que por, trás desse ator não-humano [8], existe o extenso trabalho de design e elaboração realizado por desenvolvedores e programadores, o qual ganha forma dentro de um programa digital interativo, que vem a ser considerado como “o jogo” em si.

Ao transformarem o modo como os jogadores atuam entre si e em relação às possibilidades e limitações de ação propostas pelo jogo, diferentes conjuntos de regras estabelecem grandes alterações no modo como o jogador progride em cada jogo. Este artigo, por seu escopo, não aborda todo um campo externo aos jogos que, ainda assim, é parte essencial de sua vivência – a possibilidade, acordada entre os participantes ou permitida pelo jogo digital, de se fazerem pausas durante o jogo, após as quais a partida é retomada do mesmo ponto onde se estava anteriormente, questão que tem profunda relação na forma como os participantes do jogo ou os interatores se apropriam dos jogos, vivenciam a progressão do jogo entremeada com sua vida cotidiana e estabelecem, de forma mais ou menos flexível, possibilidades de “sair do jogo” e “voltar ao jogo” conforme permitido pelo software ou pelos outros jogadores em ação. A intersecção entre o tempo concreto, da vida cotidiana, e as flexões temporais permitidas em relação aos jogos acabam impactando diretamente nos modos como os jogadores estabelecem e compreendem sua relação com o jogo, com os outros jogadores, com o peso de vitórias, derrotas e desafios.

Interessa a esse texto explorar uma outra dimensão da passagem do tempo relacionada aos jogos, que diz respeito ao modo como cada título busca estabelecer para o jogador certas affordances [4] no modo de se jogar, delimitando diferentes conjuntos de possibilidades e limitações de ação que possuem potencial para encaminhar certos tipos de uso e vivência por parte dos jogadores. Ainda que as escolhas dos desenvolvedores efetivadas na proposta de design dos jogos não esgotem as possibilidades de ação para o jogador, o modo como diferentes títulos estabelecem possibilidades de salvar ações, retornar e tentar novamente influencia diretamente seus modos de experimentação possíveis.

A proposta então é explorar como a possibilidade de salvar a progressão em um jogo ou a garantia de um salvamento automático programado no prosseguimento do jogo representam fatores que impactam diretamente nas possibilidades oferecidas pelo software aos jogadores em títulos específicos com potencial para favorecer ou mesmo autorizar certos tipos de ação, de exploração e de engajamento por parte de quem joga, pela forma menos agressiva de mediar as potenciais perdas enfrentadas pelo jogador em caso de falha diante dos obstáculos ou oponentes apresentados pelo jogo. Nesse sentido, podemos dizer que o modo como cada jogo digital define uma regra para que o jogador salve seu avanço em determinado momento/oportunidade do gameplay é parte estruturante da temporalidade daquele título.

2PROGREDIR EM UM JOGO

O sentido de progressão em um jogo pode ser definido como o acúmulo de transformações adquiridas ou causadas por um jogador no decorrer de uma determinada partida. As transformações adquiridas são aquelas que impactam diretamente aquilo que é disponível como recurso para quem joga, inclusive o próprio avatar do jogador, quando for esse o caso – itens ganhos e disponíveis para utilização, adversários e obstáculos já ultrapassados, pontos ou marcadores virtuais ganhos durante a jornada de jogo, além da progressão espacial nos diversos gêneros de jogos que incluem a

descoberta e abertura de novos territórios como recompensa pela sequência de vitórias do jogador.

As transformações causadas por um jogador seriam as transformações sofridas pelo ambiente virtual do jogo como consequência dos atos do jogador – inimigos vencidos que não irão mais retornar, territórios ou fases ultrapassados e “ganhos” durante o gameplay, definições de desenvolvimento para a narrativa que acontecem por conta de decisões do jogador ou mudanças no modo de responder do software trazidas como resposta ao modo de ação do interator em jogos que utilizam algum tipo de inteligência artificial, como forma de adaptar os desafios à capacidade e ao tipo de ação do jogador.

O sentido de progressão em jogo, como descrito nos parágrafos anteriores, pode ser apressadamente relacionado apenas aos jogos digitais, que automaticamente recompensam e frisam a recompensa para o jogador após cada conquista determinada. Porém, esse mesmo sentido de progressão existe em alguma medida em qualquer jogo que, em seu processo, estabeleça transformações nos jogadores e em consequência das ações dos jogadores. A progressão pode ser definida como o conjunto de elementos que, em dado momento, resumem e descrevem a diferença de estado do jogador em relação ao modo como iniciou determinado jogo. Sendo que existem diversos elementos que podem ser utilizados para definir a progressão em diferentes jogos – pontos, avanço de fases, quantidade de recursos, tempo decorrido, itens conquistados, desafios ou oponentes vencidos, escolhas narrativas ou de ação realizadas, customização do avatar – também se faz necessário, ao descrever a progressão em um jogo específico, explicitar qual a referência utilizada. Diferentes referências de progressão podem abrir caminho para análises diferentes em cada pesquisa.

Em uma partida de tabuleiro de “War” ou de “Carcassone”, a progressão pode ser medida em qualquer momento do jogo pelas diversas alterações que aconteceram no tabuleiro desde o início da partida: qual o número de pontos já adquirido e qual o número de pontos potencial de cada jogador pelas peças que possui; a forma como cada jogador já estabeleceu certa estratégia em relação aos elementos que tem no tabuleiro e como essas estratégias entram em choque; qual o número de jogadas já realizadas e como isso permite pressupor, dependendo do jogo, quantas rodadas ainda há pela frente até que um dos jogadores seja declarado vencedor. No caso de “Carcassone”, que possui um número limitado de peças que vão sendo adquiridas uma a uma e utilizadas imediatamente por cada jogador, a progressão do jogo permite dizer com exatidão até mesmo quantas ações faltam para que se termine a partida – porém o número de pontos de cada jogador no mesmo jogador pode ser absolutamente incerto, pois a pontuação relacionada a certos elementos que são construídos/ocupados pelos jogadores (campos, cidades, estradas) costuma permanecer em aberto até as últimas rodadas.

Porém, ao levarmos esse sentido de progressão para os jogos digitais, o tempo também adquire uma outra característica – em grande parte desses jogos, existe a possibilidade constante de que o jogador esgote todos os recursos que permitem que ele continue jogando e “morra” dentro daquela partida, recebendo um game

over. Especialmente nos jogos com modo individual, aqueles

definidos como single player em que o jogador se confronta diretamente com a série de desafios e oponentes lançados sequencialmente pelo software digital, a possibilidade de “perder” o jogo (ou para o jogo) é uma condição constante de punição que acaba por definir modos de jogar diversos, de acordo com aquilo que as regras estabelecem como formato dessa punição. A punição decorrente da falha de um jogador pode ter muitas características, conforme o desenho estrutural de cada jogo.

Na esfera dos jogos single player, há aqueles em que a derrota é definitiva, obrigando o jogador a retornar a seu início, independente da progressão adquirida até ali. Entre esses jogos de derrota

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definitiva, existem aqueles que oferecem ao jogador amplos recursos para que ele possa se defrontar diversas vezes com os mesmos obstáculos e tentar superá-los; e aqueles que definem sua dificuldade apresentando recursos escassos disponíveis para cada uma dessas tentativas, possuindo grau elevado de punibilidade. Também existem jogos em que, mesmo quando todos os recursos são esgotados, oferecem uma possibilidade limitada, porém garantida, de “continues”, que permitem retornar ao jogo no mesmo local da perda anterior ou no início de um determinado ciclo, para tentar novamente.

Outros dos jogos que possuem game over possibilitam ao jogador salvar sua progressão em determinados momentos, usualmente relacionados a um certo local ou à interação com certo tipo de elemento do jogo, para que ele possa retomar a partida continuamente daquele ponto caso aconteçam perdas definitivas ou caso simplesmente queira tentar novamente a partir dali, para modificar sua série de ações, aperfeiçoar sua estratégia e seu manejo da situação de jogo ou simplesmente paralisar o jogo em um dado momento e retomar em algum momento posterior. Nos jogos que possibilitam salvar a progressão do jogador, existem aqueles em que o ato de salvar é ativo – exigindo que o jogador interaja com certo elemento do cenário ou com uma opção específica do menu e escolha salvar seu progresso até aquele ponto – e outros em que o save game é uma característica automática, realizada a cada ciclo específico – por exemplo, no jogo independente Hyper Light Drifter (Heart Machine, 2016), a progressão é salva a todo momento em o jogador troca de “sala” no jogo, atravessando uma porta, saindo de um elevador ou atravessando um pórtico virtual, já que o ambiente virtual é definido por módulos espaciais claramente separados e exploráveis individualmente, uma escolha de design diretamente relacionada à forma como o jogo propõe os embates entre o jogador e os adversários virtuais de modo centralizado em cada uma dessas “salas”, uma tipologia de design clássica de certos títulos que unem elementos de batalha em tempo real e a exploração de rpg’s. O mesmo recurso de autosave define o modo de guardar o progresso nos jogos narrativos da produtora Telltale Games (The Walking

Dead, The Wolf Among Us) com uma diferença significativa – se

em Hyper Light Drifter é possível voltar e explorar novamente todas as áreas já atravessadas, as escolhas realizadas nos jogos da Telltale são definitivas durante aquele gameplay e não há modo de retornar e modificar suas ações para experienciar outras consequências.

3 SALVAR/SEGUIR, ESCOLHER/PROGREDIR

As escolhas mecânicas que asseguram menor ou maior segurança do jogador em relação à proteção de sua progressão são estabelecidas pelos desenvolvedores e não podem ser reconfiguradas pelos jogadores, salvo alguns casos em que é possível desativar a opção de salvamento automático da progressão. Em suas diferenças, elas claramente desenham e incentivam formas diversas de experimentação do jogador em relação a cada um desses títulos, às suas sequências de desafios e à exploração de seus mundos virtuais.

Uma maior proteção da progressão do jogador até um dado momento do jogo não configura automaticamente um ponto positivo. Jogos apresentam sequências de obstáculos e desafios para o jogador; a dificuldade de progredir, ampliada pela onipresença de uma possibilidade de perda significativa de todo o progresso, pode ser exatamente o que interessa a certos tipos de

1 Roguelike é um subgênero de jogos definido pela geração

randômica de níveis, mapas labirínticos e ocorrência de morte permanente quando os recursos de energia do personagem chegam ao final. O nome se refere ao jogo Rogue original, de 1980, que apresentou pela primeira vez essa combinação de características.

jogadores que valorizam esse acréscimo de risco envolvido na necessidade de vencer cada desafio da melhor maneira para evitar ter que voltar ao início do jogo. Por outro lado, jogos com alto grau de interruptibilidade possuem nessa característica algo que interessa potencialmente a gamers em busca de jogos “casuais” [8], por permitirem sessões extremamente curtas de gameplay, sem a iminente perda de todo o avanço conquistado até o momento. A diferenciação relativa à segurança da progressão parece se refletir diretamente na classificação entre jogos com mecânicas essencialmente “hardcore” e jogos com mecânicas “casuais”. Com base em um levantamento de características de diversos títulos, o autor define que “hardcore games design is inflexible in that it asks for many resources from the player, and requires much knowlege of game conventions, much time investment, and a preference for difficulty” [8]. O investimento de tempo longo comumente é conjugado com a necessidade de sessões de jogo estendidas, para que o jogador alcance os locais necessários para salvar a progressão e não perca seus últimos avanços, ou com o enfrentamento de diversos retrocessos ao longo da progressão, momentos em que perde todos seus recursos, chega ao game over e é obrigado a recomeçar do último ponto salvo (ou mesmo de um ponto ainda anterior) para se preparar melhor para vencer o obstáculo ou adversário apresentado pelo jogo naquele momento.

Em jogos do tipo roguelike1, os ambientes a serem explorados pelo jogador e os adversários e desafios são criados pelo software de modo procedural, se modificando a cada nova sessão de jogo, e a morte do jogador quando se esgotam todos seus recursos de sobrevivência in-game é definitiva (permadeath), sem que seja possível apelar para qualquer ponto de salvamento da progressão ou outro recurso de continuidade. Em jogos de permadeath, toda a progressão do jogador é perdida definitivamente e torna-se necessário começar uma nova partida, do início, sem qualquer dos recursos coletados anteriormente. Em alguns jogos, o avanço anterior permite, no máximo, novas opções de escolha de personagem ou de características do avatar ao começar uma nova sessão de jogo (do zero).

As características distintivas (e valorizadas) de jogos roguelike são baseadas exatamente em um grau elevado de dificuldade, ao não permitirem que o jogador tenha respostas prontas para os desafios que serão apresentados pelo jogo em uma próxima vez (já que os desafios serão gerados de modo diferente da experiência anterior), ao não permitirem que o jogador salve no momento que for mais confortável para poder tentar novamente uma vitória (nesses jogos, quando há opção de save game, ela normalmente é restrita a uma pausa – ao fechar e recomeçar o jogo, o jogador está novamente no mesmo ponto em se parou) e ao estabelecerem a derrota como ponto definitivo, sem segundas chances para retornar e tentar novamente, deixando o reinício completo como única opção.

Em Don`t Starve (Klei Entertainment, 2013), um simulador de sobrevivência com fortes elementos roguelike, o jogador deve buscar se manter vivo durante o máximo possível de dias em uma espécie de ilha localizada em uma dimensão paralela e povoada por diversos tipos de criaturas fantásticas, que em grande parte das vezes entram em confronto com o jogador. A progressão principal em Don`t Starve é a contagem de dias sobrevividos, exibida com destaque no canto superior direito da tela sobre o relógio que exibe a passagem temporal de cada um dos dias – a chegada da noite é normalmente o momento de maior alerta do jogo, quando a maior parte dos adversários se aproveita da escuridão que preenche a tela

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para atacar. A opção de proteção durante a noite para o jogador, desde a primeira passagem de dia, é acender uma tocha ou fogueira que ilumine parcialmente a tela e afaste os inimigos que se escondem na sombra total. Logo após a passagem da noite, com o retorno da luz pela manhã, o jogo salva automaticamente a progressão do jogador. Porém, cada sessão de jogo iniciada tem todas as suas progressões salvas em um mesmo slot de save game, apagando o ponto anterior de salvamento.

A cada novo dia automaticamente salvo, o dia anterior é automaticamente eliminado. Ao salvar o progresso antes de sair, o jogador também apaga automaticamente o ponto em que o jogo estava salvo anteriormente. Existem ações que permitem ao jogador escapar dessa característica do jogo, nada difíceis de serem encontrados em uma rápida pesquisa online2. Porém, permanecendo fiel ao sistema original de salvamento de progresso projetado para Don’t Starve, a morte do avatar é uma constante durante o aprendizado do jogar, exigindo diversos reinícios para dominar minimamente as mecânicas básicas do jogo: manter-se alimentado, com boa sanidade, com quantidade razoável de madeira e gravetos pra acender o fogo noturno e progredindo em termos de itens que podem ser construídos para enfrentar os novos inimigos que atacam o jogador conforme os dias avançam. A exploração do cenário - para buscar novos itens e maior quantidade dos itens “básicos” necessários para a sobrevivência, que se esgotam ao permanecer na mesma área - e a passagem das estações trazem novos tipos de desafios que, não raro, conduzem a novas mortes que exigem um reinício completo do jogo, independente do quanto se avançou na última vez.

Em contraponto com a alta punibilidade de Don`t Starve em sua execução das características centrais de um roguelike está Sheltered (Team17, 2016), outro simulador de sobrevivência, desta vez situado em um abrigo nuclear durante um período pós-apocalíptico, colocando o jogador inicialmente no controle de uma família de quatro sobreviventes, que pode ao longo das semanas receber outros moradores, caso sejam aceitos alguns dos outros humanos sobreviventes que ocasionalmente batem à porta da casa-abrigo oferecendo ajuda em qualquer tipo de serviço em troca de proteção. Em Sheltered, da mesma forma que em Don't Starve, não existe opção de salvar a progressão em um slot específico e recuperar parte do avanço em caso de morte e game over. Ao sair do jogo, também é acionada a função de salvar o progresso automaticamente, mas funcionando apenas como pausa – ao retornar, o jogo se inicia novamente daquele ponto exato. A morte é definitiva e tanto o estado inicial do abrigo nuclear encontrado pelo jogador quanto a série de desafios e encontros travados por ele ao longo do jogo serão procedurais e diferentes a cada nova partida iniciada – os itens, adversários e possíveis aliados que chegarão à porta do abrigo ou que serão encontrados na exploração das edificações e pequenas cidades ao redor não se repetirão, exigindo que o jogador altere sua estratégia e a ordem de suas ações de modo a se adaptar à nova situação a cada reinício.

Porém, se em Don't Starve os ciclos diários de salvamento automático ocorrem logo após um período de perigo elevado e risco de morte potencial, que se passa durante toda a extensa escuridão da noite, em Sheltered os ciclos de vida são absolutamente mais longos e os riscos mais distanciados dentro do ritmo temporal. Morre-se de fome, de doenças, de ferimentos causados em confrontos com outros sobreviventes, de envenenamento ou de desidratação severa mas, com exceção de ocasionais mortes em combate com outros sobreviventes, todos os outros riscos levam uma boa parcela de tempo para se converterem em game over, possibilitando que os jogadores possam tentar contornar o risco

2 Uma rápida pesquisa em fóruns aponta que é possível forçar o fechamento do programa do jogo pouco antes do momento da

efetivo buscando provimentos ou a construção de itens que possam evitar o esgotamento completo da energia.

Ainda que os esses dois jogos possuam como característica o impedimento do jogador a salvar e recuperar seu progresso no momento que desejar, o modo como cada um deles apresenta e desenvolve o risco imediato de perda para o jogador acaba por influenciar diretamente a maneira como a ausência dessa funcionalidade afeta a experiência própria de jogo, exercendo de modo bastante diverso a punibilidade para o jogador em caso de qualquer tipo de falha – seja por ignorância sobre mecânicas e prioridades para garantir sua sobrevivência, falha de estratégia ou mesmo completa falta de sorte diante daquilo que é gerado proceduralmente, incluindo-se aí, em Sheltered, a habilidade de sobreviventes adversários para ferirem o jogador durante embates diretos.

A correlação entre a impossibilidade de retornar a um ponto anterior para refazer as ações de modo diferente e a temporalidade dos desafios e do consumo de recursos em cada jogo é essencial para diferenciar as experiências de Don’t Starve e Sheltered entre si e em relação a jogos com autosave na perspectiva de Hyper Light

Drifter, em que o salvamento de jogo é garantido a cada nova tela

atravessada.

Em Hyper Light, a estrutura de jogo privilegia que a experiência do jogador, do início ao fim do jogo, seja realizada no decorrer de um gameplay contínuo. Não havendo morte definitiva, com a rápida retomada do jogo na sala anterior sempre que os recursos se esgotam (algumas salas são compostas por vários desafios em sequência), o jogador não enfrenta a possibilidade de quebra definitiva de seu gameplay diante da falha. É possível conseguir mais recursos e retornar depois ao ponto em que se foi derrotado, tentar imediatamente novas estratégias ou refinar as ações do que foi tentando anteriormente, conhecendo em parte o comportamento dos adversários. O aprendizado com as falhas pode ser imediatamente colocado em prática, pois os desafios são bastante pontuais e recortados espacialmente. Ainda que a progressão de habilidades e armas seja essencial para avançar, não existe aqui a necessidade de um gerenciamento complexo de várias habilidades ou itens que irão influenciar ao longo do jogo – não é necessário estar atento de modo permanente a uma estratégia de longo prazo, como nos outros jogos descritos. Os desafios são bem definidos e também relativamente separados uns dos outros (não totalmente separados pois os recursos gastos em um certo momento irão impactar logo adiante), ao contrário dos outros dois títulos. Em Don’t Starve e Sheltered, os elementos são muito mais intrinsecamente ligados, deixando o jogo muito mais próximo de uma definição emergente do que progressiva (JUUL, 2005). Cada ciclo diário enfrentado nesses títulos é composto por uma série de ações de exploração espacial, de uso de recursos, de construção de novos itens e de enfrentamento de inimigos que não permite retorno. Pela limitação exposta no design do save game, em tais jogos essa opção não abre uma larga opção estratégica que poderia permitir salvar e retornar ao jogo em momentos passados para explorar novas áreas do mapa, privilegiar o recolhimento ou desenvolvimento de certos itens e mesmo criar defesas prioritariamente já sabendo quais os inimigos ou outros perigos que existem naquele cenário-mapa específico. Havendo possibilidade de salvar o jogo em determinado momento e retornar a esse ponto anterior, todas essas opções estratégicas estariam disponíveis ao jogador. Em se tratando dos simuladores de sobrevivência aqui descritos, tais opções não existem, obrigando o jogador a realizar um aprendizado estratégico através de sucessivas sessões de jogo em mapas que são criados proceduralmente a cada novo início, guardando diferentes proporções dos recursos-padrão, tipos de morte para evitar que o último arquivo salvo de jogo seja apagado junto do game over.

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desafios variados e também conjuntos diferentes de itens disponíveis com a capacidade de modificar a jogabilidade. Em Don’t Starve, o salvamento de jogo automático no início de cada dia, logo após o encerramento do momento de maior vulnerabilidade do jogador durante a noite, apenas pontua uma pequena vitória conquistada após o pico diário de risco. Nele, a opção de tentar certas ações, falhar, compreender a falha e retornar para fazer de modo diferente passa pela necessidade de reiniciar o jogo e realizar novamente toda a série de ações até determinado ponto da progressão com o acréscimo de que, sendo um jogo procedural, serão novos desafios, espaços, recursos e adversários. A diferença essencial na vivência da progressão entre Don’t Starve e Sheltered parece se encontrar em outro lugar – o modo como cada um deles permite encontrar recursos, exige o consumo diários de parte desses recursos e, em ciclos determinados de tempo, lança novos obstáculos em grau de dificuldade mais alto que exigem preparação e conhecimento prévio do jogador.

4 MECÂNICAS E REGRAS

A incompletude e as contradições que atravessam os conceitos de regras e mecânicas em jogos acabam encontrando seu lugar também como parte da discussão sobre o progresso possibilitado por cada jogo e as características individualizadas de proteção da progressão que apresentam.

Järvinen [6] propõe que as concepções de mecânicas e regras devem ser estabelecidas em separado, ao contrário de outros autores que sobrepõem ou derivam entre si tais conceitos ([2], sendo que as mecânicas são “meios para guiar o jogador em determinados comportamentos ao constranger o espaço de possíveis planos para alcançar objetivos”. O autor constrói uma conexão direta entre as mecânicas e os objetivos propostos pelo jogo (que seriam parte das regras), na qual as mecânicas seriam sempre descritas com verbos (de ação) e poderiam melhor ser recortadas e compreendidas como ações que são realizadas pelo jogador no sentido de completar certo objetivo (de vitória) proposto pelo jogo.

Ampliando e melhor definindo o escopo das mecânicas, Sicart propõe utilizar uma abordagem e um vocabulário advindos da programação orientada a objetos para estabelecer mecânicas como sendo “métodos invocados por agentes, desenhados para interação com o estado do jogo” [12]. Utilizando o paradigma da programação orientada a objetos, “métodos” são as funcionalidades ou mecanismos que um objeto digital possui para acessar e interagir com outros objetos digitais em um mesmo código. Nesse sentido, o conceito de mecânica segue o sentido original de agência proposto por Järvinen, que busca enfatizar a descrição dos meios disponíveis para um jogador, mas subtrai da concepção anterior a questão de serem “meios direcionados a objetivos”. Ao realizar essa mudança, o conceito é refinado de maneira a abarcar também os atores não-humanos que fazem parte do jogo e também possuem mecânicas específicas para interação, as quais são constrangidas por limites estabelecidos por cada jogo – as regras: “Implicit in this definition is an ontological difference between rules and mechanics. Game mechanics are concerned with the actual interaction with the game state, while rules provide the possibility space where that interaction is possible, regulating as well the transition between states. In this sense, rules are modeled after agency, while mechanics are modeled for agency.” [12]

A partir dessa definição renovada, torna-se mais claro e necessário questionar se os sistemas de salvamento da progressão em jogos podem ou não ser definidos como mecânicas ou regras em cada jogo, compreendendo em meio a esse movimento de que maneira isso afeta a própria jogabilidade de cada título.

Utilizando a concepção de mecânicas como aquilo que afeta o

estado de jogo no sentido mais básico, ou seja, afetar de alguma

maneira a ordem ou as ações dos outros elementos dentro do

ambiente virtual de jogo em determinado momento de modo a gerar um movimento de transformação em resposta à agência do jogador, é possível arriscar a afirmação de que os sistemas de salvamento não poderiam ser considerados mecânicas nessa concepção. Mesmo nos jogos em que o save game é definido através da interação do jogador com outro elemento do ambiente virtual a conceituação original de Sicart ainda pode ser colocada em discussão, pois essa interação acaba por não afetar em nada os outros elementos em ação no ambiente de jogo - em Grand Theft

Auto 4 (Rockstar, 2008), o jogo é salvo quando o jogador opta pela

ação de dormir quando está em uma das casas que pode adquirir durante o jogo; em jogos de plataforma, como no clássico Sonic (Sega, 1991) o checkpoint que garante salvar parte do caminho percorrido em uma fase deve ser tocado pelo avatar para que seja ativado. Nenhuma dessas ações gera efetivamente algum tipo de reação para o jogador no percurso de jogo – nem reação de outros personagens, nem a obtenção de novos itens no universo do jogo e nem uma mudança efetiva no tipo de reação que as mecânicas do jogo apresentam em relação ao jogador.

Também nos jogos em que a função de salvar jogo é acionada automaticamente ao se ultrapassar determinado ponto (Dont't

Starve, Sheltered) ou nos quais essa ação acontece em um menu

externo ao “campo de jogo” em si, fora do recorte espacial em que as ações do jogador são colocadas em prática diante das regras e com as mecânicas, o salvamento de jogo também parece ser um tipo de funcionalidade que não se enquadra facilmente no conceito de “mecânica de jogo” que estamos utilizando aqui. Mas é necessário seguir adiante nesse movimento e extrapolar o que está na conceituação original de Sicart que, de saída, pode parecer exigir que o método de salvamento não esteja inserido na lista das mecânicas e busque outra classificação.

Olhando por um ângulo mais amplo, se mecânica define aquilo que permite que se possa acessar e interagir com outros objetos digitais, a própria existência de uma funcionalidade de gravação de dados que permite ao jogador interagir com o banco de dados do software-jogo e gravar sua progressão para mantê-la a salvo em caso de morte, criando a possibilidade de que ele volte a pontos anteriores do jogo que vinha fazendo, seja por motivo de esgotamento de seus recursos ou por vontade de refazer suas ações, já parece uma descrição com fundamentação suficiente para considerá-la como uma mecânica específica.

A funcionalidade de salvar um jogo não é de modo algum intrínseca a qualquer jogo digital, parte integrante de um programa por obrigação de design. Se a funcionalidade existe, é porque foi programada como forma possível de interação direta entre quem joga e o estado de jogo em determinado momento do gameplay, criando um comando para que o jogador tenha acesso à gravação em um banco de dados específico do jogo, a partir do qual suas partidas serão salvas e posteriormente retomadas, logo ao reiniciar um jogo (carregamento automático do último estado salvo) ou pela seleção de um dos estados salvos em um menu próprio (carregamento condicional realizado pelo jogador).

Além se apresentar como uma das formas disponíveis para que o jogador acesse dados e gere uma mudança no estado de jogo, reconfigurando o ponto de início do jogo ao alcançar um local determinado ou criando um novo arquivo que permite retomar o avanço conquistado até determinado momento, as opções de salvar o progresso de jogo também parecem se caracterizar como mecânicas pois influenciam diretamente os modos de jogar adotados em cada jogo. Não são apenas algo como “funcionalidades anexas” que se somam ao jogo em processo, mas são modos potenciais de interação direta entre o jogador e a máquina de estados do jogo, opcionais ou automáticos, que afetam o modo como os jogadores agem dentro do jogo, criam suas estratégias, arriscam ou não diversificar ações para tentar superar os desafios e adversários, adotam comportamentos de exploração

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ou apenas detém seu foco nas ações necessárias para prosseguir. O salvamento de jogo é efetivamente uma forma ativa, um verbo de

ação nos jogos que possuem tal funcionalidade.

Compreendendo então o salvamento de jogo como uma mecânica oferecida por muitos jogos, o modo como essa mecânica se apresenta em cada título é estabelecido através de limitações de design e programação que determinam que o jogador aja de determinada maneira para alcançar a ação desejada – ou seja, como

regras [12][7][11], que determinam e possibilitam o

funcionamento de diversas opções de save game, não apenas no sentido muito difundido de regras como limitações que criam obstáculos e previnem que o jogador realize suas ações com o meio mais eficiente possível [13][12], mas entendendo que as regras são possibilitadoras dos modos de jogar propostos pelos criadores e desenvolvedores de cada jogo [14], permitindo que as ações dos jogadores encontrem espaço, respaldo e sentido no ambiente proposto pelo jogo.

Dessa maneira, passa a ser possível compreender que a mecânica de salvar jogos proposta (ou não) por cada título, com suas regras específicas de funcionamento, interligada às outras mecânicas e regras que definem cada jogo, é parte essencial e estruturante da temporalidade e da progressão pretendidas por cada game design, ao permitir que se estabeleça, do modo mais brando ao mais severo, qual o grau de punição ao jogador em caso de qualquer tipo de falha que leve à derrota ou à morte em determinado momento do jogo. É esse grau de punibilidade que irá definir, para o jogador, qual o tipo de aceitação ou mesmo incentivo que aquele ambiente virtual específico oferece para que ele se arrisque em determinados tipos de estratégia mais variados ou arriscados, na escolha de opções mais diversas de ação, na exploração do ambiente virtual, no teste das limitações e ações possíveis naquele ambiente virtual. Nos dois jogos do estúdio Playdead, Limbo (2010) e Inside (2017), o salvamento automático a cada nova cena alcançada é parte essencial do modo como os quebra-cabeças em plataforma do jogo podem ser resolvidos, já que a falha em resolver qualquer um dos desafios propostos pelos jogos termina na morte certa do avatar controlado pelo jogador. Porém, cada tentativa frustrada não remete o jogador novamente ao início do jogo, ao início daquela fase/cenário específico (cada cenário possui diversos desafios sequenciais) ou retira algum tipo de marcador energia ou vida que poderá levar o jogador ao reinício do jogo quando ele chegar a morrer. Ao falhar em resolver o quebra-cabeças espacial daquele ambiente, o jogador irá voltar ao início da cena, sendo necessário apenas que recomece do zero o posicionamento dos elementos que o levarão para aquela solução.

O modo como os quebra-cabeças desses dois jogos são desenhados lança o jogador na direção da morte certa grande parte das vezes – seja porque a ação que parece mais lógica como solução esconde uma armadilha, seja porque existe um elemento escondido no cenário que leva à falha, porque o elemento necessário para vencer o desafio não está explícito e leva a tentativas enganosas, porque é preciso extrema perícia com diversas tentativas para alcançar o objetivo ou porque testar o funcionamento dos elementos disponíveis no ambiente para chegar à solução implica em, antes disso, ser ferido e morto por alguns deles. Há também os casos em que os elementos da cena são utilizados de maneira incorreta e irreversível – apenas matando o avatar o jogador pode fazer com que os elementos retornam a seu ponto inicial. Se Limbo e Inside fossem jogos em que não existe a função de salvar automaticamente ou jogos em que o salvamento acontecesse apenas em alguns poucos lugares de cada cenário, o aumento nos níveis de punibilidade, de exigência (para o jogador) e de repetição de ações já resolvidas anteriormente transformaria esses dois títulos em obras completamente diferentes. Essas mudanças alterariam o tempo necessário para se completar o jogo e a fluidez dos desafios (pela exigência de repetir diversas ações anteriores a cada falha) e

obrigariam os jogadores a considerarem com muito mais cuidado cada mínimo ato de exploração e o uso de cada elemento, para evitar a perda de progressão, aumentando a tensão na interação com todos os aspectos do ambiente de jogo e restringindo ao máximo as possibilidades de ação para tentar “acertar de primeira”.

Em certo momento de Inside, o jogador é levado a tomar parte em uma fila de inspeção em que todos os outros seres humanóides, sem vontade própria, se movem em um mesmo ritmo aparentemente aleatório de passos, saltos e paradas. Sendo obrigado a se passar por um desses seres para não ser descoberto, o jogador deve a imitar o mesmo ritmo dos outros com o máximo de exatidão – algo que facilmente leva a falhas diversas quando o movimento dos personagens se modifica, fazendo com que o jogador seja descoberto e rapidamente morto. Apenas nessa cena do jogo, que ocorre quando mais da metade do percurso total já foi realizado, não é incomum que se morra algumas vezes. Porém, como a falha em Inside é apenas momentânea e a cada novo desafio (ou nova cena), a progressão é automaticamente salva, o peso da falha é extremamente diluído, permitindo inclusive que o jogador possa explorar qual o limite da tolerância ao “erro” que ele pode ter em relação ao movimento dos outros personagens (existe uma tolerância mínima na imitação das ações), pois a falha significa apenas voltar ao início da mesma sala em que ele se encontra. Em um jogo em que uma morte nesse momento fosse definitiva, tal falha significaria voltar alguns cenários e dezenas de quebra-cabeças já vencidos, para alcançar novamente o ponto no qual se falhou – sob o risco de falhar novamente no passo seguinte. Mas o design de Inside (assim como o de Limbo) concentra seu grau de dificuldade em forçar o jogador a tentar diversas possibilidades de ação e posicionamento de elementos em busca da solução, não na necessidade de performar novamente dezenas de ações já solucionadas. É um design que, devido ao sistema de salvamento de progressão, valoriza a experimentação com os elementos de cada nova tela e impulsiona o jogador adiante, sem a necessidade de vencer novamente aquilo que já foi testado, solucionado e executado.

No já comentado Dont`t Starve, a punibilidade muito mais alta do que nos títulos citados acima, determinada em boa parte pela impossibilidade de salvar e retomar um jogo de um ponto anterior e pelo apagamento automático do arquivo de save após a morte do jogador, faz parte de sua adesão às características de um jogo do gênero roguelike, no qual esse índice acentuado de dificuldade é valorizado e definido como parte do design geral do jogo. Nesse tipo de jogo, inclusive, a “repetição das ações” pelo jogador ao ter que começar novamente praticamente não acontece, a não ser em linhas gerais de progressão, pois sendo ambientes virtuais com desafios procedimentais, as características do cenário de jogo, os perigos apresentados e os itens disponibilizados para ajudar no progresso variam de uma partida à outra. Dessa maneira, o jogo não se repete e a possibilidade de salvar o jogo é restringida e reduzida a uma pausa durante a partida, que é desenhada para durar dezenas de horas conforme aumenta a habilidade do jogador em sobreviver ao longo do tempo e das estações. Assim, o salvamento de jogo, ainda que restrito, permanece sendo parte importante (e possibilitadora) do game design, ao permitir que as partidas se alonguem por dias ou semanas, sem impedir o jogador de interromper seu jogo ao custo de perder sua progressão.

5 RUMO AO FINAL (DO JOGO)

Com o lugar do salvamento de jogo estabelecido como uma mecânica e com as características desse salvamento garantidas como regras de um determinado título, torna-se possível afirmar que todas as possibilidades de se resguardar a progressão e garantir a continuidade em jogo após uma falha ou uma sequência de falhas são componentes determinantes no modo como cada jogo propõe um determinado modo de jogar, um ritmo de jogo e de que forma

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ele favorece ou encaminha ações possibilitadas ou determinadas [1] para quem joga, definindo diferentes experiências de jogo e de exploração de ambientes virtuais regidos por interação, espacialidade, participação e exploração enciclopédica [9]. A influência da mecânica de salvamento de progressão sobre o ritmo (ou sobre a fluidez) de um jogo e as diferentes exigências que isso enseja para o jogador podem ser avaliadas de modo extremamente diverso em dois títulos que não possuem a punição da morte definitiva ou “game over”: o sucesso comercial fps de grande porte Bioshock (2K Games, 2007) e o pequeno jogo independente e eminentemente textual Killing Time at Lightspeed_ (Gritfish, 2016).

Em Bioshock, um jogo em primeira pessoa em que o grande valor dedicado à progressão narrativa está depositado exatamente na metrópole subaquática de Rapture, que é o ambiente e também o personagem principal do título [1], o salvamento de progressão pode ser realizado a qualquer momento através de um menu externo ao ambiente de jogo. Além disso, caso a energia do jogador seja esgotada no embate com um adversário, logo após morrer ele será “ressuscitado” na Vita Chamber mais próxima, equipamento (que também faz parte da narrativa espacial do jogo) dedicado exatamente a restaurar a saúde dos habitantes da cidade. Essa grande facilidade em salvar o jogo e retomar de um ponto anterior, junto da garantia de não morrer após ter sua energia esgotada enfatizam um índice muito baixo de punibilidade que favorece o principal aspecto que o jogo valoriza em seu design pela estruturação das regras: a exploração do ambiente urbano digital, através dos objetos, da divisão e construção dos ambientes, dos rastros e indícios deixados pelo caminho, para compreender a história de ascensão e decadência que transformou o projeto utópico que deu origam a Rapture em uma completa distopia mergulhada em uma guerra civil. Ao permitir que o jogador não tenha receio de uma morte definitiva em jogo e também que salve a qualquer momento para facilitar o enfrentamento dos desafios (e também evitar que gaste muitos itens ou munição em tentativas frustradas de vencer certos adversários), Bioshock fomenta o espírito de exploração do jogador, que o próprio jogo exige na maior parte das missões, permitindo que a busca e a compreensão dos detalhes do espaço seja feita sem grande receio em relação aos obstáculos encontrados nesses percursos, permitindo virtualmente infinitas tentativas ao jogador até que ele efetivamente consiga superar cada desafio.

Já em Killing Time at Lightspeed, a falta da possibildade de salvar o jogo impõe uma exigência ao jogador, mesmo que não exista morte definitiva ou qualquer possibilidade de “game over” – é preciso enfrentar o jogo, experimentar a viagem literal proposta por ele, de uma só vez. Em Killing Time, o jogador assume o lugar de um viajante em um ônibus espacial destinado a uma colônia humana em um planeta localizado a 29 anos de distância. Pela velocidade da nave, a sensação de tempo durante a viagem é estimada em menos de uma hora. Durante esse período, a única ação permitida ao jogador é acessar seu perfil em uma rede social ficcional (FriendsPage) para acompanhar algumas notícias e as publicações de amigos na linha do tempo. A cada atualização na página, pela diferença de passagem de tempo, um ano se passou na Terra mesmo que poucos minutos tenham se passado no jogo. Porém, como não existe mecânica programada para que se salve o progresso durante o jogo, toda a experiência deve ser realizada de uma só vez, em um percurso textual que pode durar algumas horas, caso o jogador resolva ler todos os textos disponíveis, ou pouco mais de uma hora, caso se atenha apenas à linha principal de (reduzida) interação do jogo, concentrada na linha do tempo com as postagens dos amigos e bots na rede social.

A opção por não incluir um “salvar jogo” em Killing Time acaba somando verossimilhança à proposta de experimentar, sem grandes interrupções, uma curta viagem ficcional à velocidade da luz

durante a qual décadas se passam para os habitantes do planeta Terra – algo enfatizado também pela forma como o jogo se encerra, com o esvaziamento de postagens e perfis na linha do tempo, indicando as mudanças que ocorrem no planeta de origem. Em um jogo no qual a experiência própria de vivenciar a passagem do

tempo faz parte da proposta narrativa e da reflexão proposta, a

impossibilidade de manipular ou trapacear o progresso linear (seja para pausar e voltar depois, seja para testar outras interações com as postagens dos amigos) acaba sendo uma escolha essencial para fazer com que essa progressão – inevitável, diretamente vinculada ao tempo real do jogador que, afinal, joga com regras reais em um ambiente virtual (JUUL, 2005) – se torne um elemento expressivo absolutamente coerente com a proposta temática.

Jogos em que o percurso linear pode durar algumas dezenas de horas, como Bioshock ou os jogos da série Borderlands (2K GAMES), ou jogos que valorizam em sua estrutura de mecânicas períodos de imersão que facilmente podem também somar outras dezenas de horas, como Sheltered ou Don’t Starve, só se tornam efetivamente possíveis de serem jogados em sua integridade (ou algo próximo disso) a partir da disponibilidade de uma função que salve a progressão até determinado ponto, para que se continue a jogar em um momento seguinte. O modo facilitado com que diversos jogos com amplos ambientes abertos para exploração (sejam eles mundos abertos de espaço contínuo ou diversos grandes cenários acessíveis a partir de pontos especííficos) trabalham a mecânica de salvamento é também aquilo que permite a eles construírem experiências potenciais que chegam a dezenas ou centenas de horas entre o percurso principal de jogo e missões secundárias. O mesmo acontece em obras que estabelecem uma dinâmica extremamente punitiva e de morte constante em relação às ações do jogador, como os já citados em Inside ou Limbo, nos quais a função de autosave permite diversas retomadas já prevendo sequências de falhas do jogador e uma maior extensão de tempo para completar a experiência linear proposta.

Além disso, em jogos em que o fator de rejogabilidade é parte essencial da experiência, congelar certo ponto da progressão é uma opção indispensável para que seja permitido ao jogador, a partir dali, testar várias possibilidades – cada nó de ações potenciais guardado em um save game, nessa situação, é a abertura possível para dezenas de experiências de exploração de um mesmo título. Jogos que valorizam a rejogablidade, no sentido que adotamos aqui, são aqueles nos quais a construção espacial e de game design é feita de modo a incentivar o contínuo retorno do jogador para testar outras possibilidades de exploração dos ambientes, de descoberta de detalhes narrativos em personagens ou cenários do jogo, de busca a passagens secretas ou itens escondidos, de teste em estratégias de vitória e enfrentamento a adversários e obstáculos, de busca por “pontos de experiência” para avançar mais rapidamente ou de engajamento em missões paralelas (sidequests) que acrescentam à experiência em geral sem necessariamente acrescentarem ao percurso que leva ao final do jogo (nos jogos em que é possível falar de um final bem demarcado).

Em todos esses casos, a mecânica de salvar a progressão termina por representar um fator indispensável para impulsionar o jogador adiante, com sua influência direta na punibilidade de cada título e no tipo de punição estabelecido por cada jogo em relação a uma falha ou a uma sequência de falhas. Ao intervir no sentido de progressão de um jogo de modo a transformar a experiência do jogador, a mecânica que permite salvar o jogo define todo um universo de possibilidades para quem joga, permitindo que ações mais diversas sejam livremente experimentadas – no sentido estratégico, de combate, de exploração de cenários ou de missões – com a segurança de que boa parte do que foi conquistado pelo jogador até aquele ponto está assegurado até um ponto anterior. A existência da mecânica de salvar jogo e o modo como ela é implantada em cada título redefinem o modo como jogos são

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experimentados e explorados, alterando o modo como o jogador se aventura, em cada gameplay, pelos ramos da árvore de possibilidades, a gametree (JUUL, 2005), de cada obra.

6CONCLUSÕES

As possibilidades de experiência propostas para o jogador no design de cada jogo estão intimamente relacionadas ao modo como cada obra estabelece a vivência da progressão. A estruturação de diferentes possibilidades de progressão, aspecto da temporalidade interna dos jogos, repercute diretamente no modo de lidar com os desafios propostos, na adesão/aceitação de diferentes graus de punibilidade pelo jogador, no incentivo ou limitação à exploração dos ambientes virtuais e à experimentação de ações diversas e na ênfase a certos elementos do jogo em detrimento de outros.

Os diferentes títulos brevemente analisados neste artigo permitem observar como diferenças no game design são características centrais para propor ou até estabelecer diferentes tipos de interação entre jogos e jogadores. Em jogos que incluem modos facilitados de salvar a progressão ou que garantem essa funcionalidade automaticamente, a ênfase pode ser rapidamente estabelecida para a resolução dos desafios apresentados sequencialmente pelo jogo, sem a preocupação de uma perda definitiva. Em jogos que privilegiam a morte constante e a perda da progressão, o estabelecimento de estratégias de longo prazo, o aperfeiçoamento na manipulação de ações/itens e o aprendizado através de mortes seguidas por constante recomeços serão parâmetros que irão guiar o jogador em sua exploração diante de possíveis falhas, levando em consideração as muitas diferenças que esse processo pode ter em cada jogo – em diferentes designs de jogo, o ciclo de ações e de punibilidade pode significar dias ou minutos de esforço “perdidos” a cada fim de jogo.

Ao buscar compreender como a temporalidade dos jogos é afetada pelas possibilidades de salvar a progressão, e entendendo isso como um fator essencial para entender a punibilidade de cada jogo, este artigo pretendeu avançar na discussão de um aspecto usualmente pouco estudado do game design para destacá-lo como elemento estruturador que encaminha diferentes modos de ação para o jogador em relação aos ambientes virtuais e às ações possíveis em cada título. Dentro da rede de mecânicas e regras que define um jogo, saber qual é o tipo de punição e incentivo à progressão estabelecidos são fatores inescapáveis para compreender a relação proposta pela obra com aquele que joga. É dentro desse entrelaçado de limitações, possibilidades e desafios que se constrói a vivência de tempo de um jogo – e também sua atratividade para tipos diversos de experiências.

REFERÊNCIAS

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Disponível em http://lostgarden.com/2006/10/what-are-game-mechanics.html (Acessado em 01/07/17).

[3] G. Costikyan. Uncertainty in Games. Cambridge: MIT Press, 2013. [4] J.J. Gibson. The ecological approach to visual perception.

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Ciberespaço. Editora UNESP/ITAÚ Cultural, 2001 [11] K. Salen; ZIMMERMAN, Eric. Rules of Play. Game Design

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Disponível em: http://gamestudies.org/0802/articles/sicart (Acesado em 01/07/17)

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Killing Time at Lightspeed. Gritfish, 2016 Limbo. Playdead, 2010

Pandemic. Matt Leacock, 2007 Sheltered. Team17, 2016 Splendor. Marc André, 2014

Village. Inka Brand, Markus Brand, 2011 War. Grow, 1972

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