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Imagens Apesar de Tudo

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Imagens apesar de tudo: Imagens apesar de tudo:

problemas e polêmicas em torno da representação, problemas e polêmicas em torno da representação,

de “Shoah” a “O filho de Saul” de “Shoah” a “O filho de Saul”

Por Ilana Feldman Por Ilana Feldman11

 Artigo

 Artigo publicado publicado na na revista revista ARS ARS (São (São Paulo),Paulo),  publicação do Programa

 publicação do Programa de Pós-graduação em de Pós-graduação em ArtesArtes Visuais da ECA/USP, v.14, n.18, 2016,

Visuais da ECA/USP, v.14, n.18, 2016, pp.135-153.pp.135-153.

Resumo: Resumo:

Este artigo pretende investigar as polêmicas e os problemas em torno da representação do Holocausto Este artigo pretende investigar as polêmicas e os problemas em torno da representação do Holocausto (Shoah), a partir de três ensaios de Georges Didi-Huberman,

(Shoah), a partir de três ensaios de Georges Didi-Huberman, Images malgré tout Images malgré tout (2003),(2003),CascasCascas (2013) e (2013) e Sortir du noir 

Sortir du noir   (2015). Tais textos se endereçam ao “inimaginável” e ao “irrepresentável”, filosófico e  (2015). Tais textos se endereçam ao “inimaginável” e ao “irrepresentável”, filosófico e

estético, e o refutam, por meio da análise de quatro fotografias, capturadas por membros do estético, e o refutam, por meio da análise de quatro fotografias, capturadas por membros do Sonderkommando em Auschwitz-Birkenau em agosto de 1944. Em cotejo com o cinema, de

Sonderkommando em Auschwitz-Birkenau em agosto de 1944. Em cotejo com o cinema, de ShoahShoah aa OO  filho de Saul 

 filho de Saul , passando por, passando por Noite e nebl Noite e neblinaina e e Kapo Kapo, atualizamos a querela das imagens, cada vez mais atual, atualizamos a querela das imagens, cada vez mais atual

e longe de ser encerrada. e longe de ser encerrada. Palavras-chave: Palavras-chave:

Georges Didi-Huberman; Shoah; cinema; inimaginável; irrepresentável; Georges Didi-Huberman; Shoah; cinema; inimaginável; irrepresentável;

Abstract: Abstract:

This article intends to investigate the controversies and problems surrounding the Holocaust (Shoah) This article intends to investigate the controversies and problems surrounding the Holocaust (Shoah) representation, from three essays by Georges Didi-Huberman,

representation, from three essays by Georges Didi-Huberman, Images malgré tout  Images malgré tout  (2003), (2003), Ecorces Ecorces (2011) (2011)

and

andSortir du noir Sortir du noir  (2015). These texts address the “unimaginable” and the “unrepresentable”, philosophical (2015). These texts address the “unimaginable” and the “unrepresentable”, philosophical

and aesthetic, and refute it by analyzing four photographs captured by members of the Sonderkommando and aesthetic, and refute it by analyzing four photographs captured by members of the Sonderkommando at Auschwitz-Birkenau in August 1944. In comparison with the cinema, fro

at Auschwitz-Birkenau in August 1944. In comparison with the cinema, frommShoahShoah to toSun of Saul,Sun of Saul, passing passing

through

through Night and Fog  Night and Fog  and and Kapo Kapo, we updated the quarrel of images, more and more current and far from, we updated the quarrel of images, more and more current and far from

 being closed.  being closed.

Key-words: Key-words:

Georges Didi-Huberman; Shoah; cinema; unimaginable; unrepresentable; Georges Didi-Huberman; Shoah; cinema; unimaginable; unrepresentable;

11 Ilana Feldman é doutora em cinema pela Escola de Comunicações e Artes da USP, com passagem pelo Ilana Feldman é doutora em cinema pela Escola de Comunicações e Artes da USP, com passagem pelo

Departamento de Filosofia, Artes e Estética da Universidade Paris VIII.

Departamento de Filosofia, Artes e Estética da Universidade Paris VIII. Atualmente, realiza pós-doutoradoAtualmente, realiza pós-doutorado em Teoria Literária no Instituto de Estudos da Linguagem da UNICAMP, com pesquisa sobre cinema, em Teoria Literária no Instituto de Estudos da Linguagem da UNICAMP, com pesquisa sobre cinema, testemunho e autobiografia.

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Se queres encontrar o fogo, procura-o nas cinzas. Se queres encontrar o fogo, procura-o nas cinzas. Walter Benjamin Walter Benjamin

Apesar de tudo Apesar de tudo  Imagens apesar

 Imagens apesar de tudode tudo ( ( Images malgré tout  Images malgré tout 22), obra seminal do filósofo, historiador da), obra seminal do filósofo, historiador da

arte e teórico das imagens Georges Didi-Huberman, lançada em 2003 na França, é uma arte e teórico das imagens Georges Didi-Huberman, lançada em 2003 na França, é uma extensa e densa elaboração do problema da visualidade da Shoah

extensa e densa elaboração do problema da visualidade da Shoah33, ou Holocausto, a partir, ou Holocausto, a partir de quatro fotografias capturadas em agosto de 1944, no crematório V do campo de de quatro fotografias capturadas em agosto de 1944, no crematório V do campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau, por membros do Sonderkommando: grupo de judeus extermínio de Auschwitz-Birkenau, por membros do Sonderkommando: grupo de judeus obrigados, sob pena de morte imediata e em troca de parca sobrevida, a realizar um obrigados, sob pena de morte imediata e em troca de parca sobrevida, a realizar um trabalho atroz, como direcionar os recém-chegados às câmeras de gás, recolher seus trabalho atroz, como direcionar os recém-chegados às câmeras de gás, recolher seus “pedaços” (“stücke

“pedaços” (“stücke”, como os ”, como os alemães se referiam aos alemães se referiam aos cadáverescadáveres), arrastá-los aos ), arrastá-los aos fornosfornos crematórios, limpar os dejetos e dispersar as

crematórios, limpar os dejetos e dispersar as cinzas.cinzas.  Naquele

 Naquele verão verão de de 1944, 1944, alguns alguns integrantes integrantes do do SonderkommanSonderkommando do conseguiramconseguiram,, articulados à resistência polonesa e diante de todo perigo, transmitir ao mundo os únicos articulados à resistência polonesa e diante de todo perigo, transmitir ao mundo os únicos

testemunhos visuais

testemunhos visuais do genocídio. Traficados dentro de um tubo de pasta de dente, osdo genocídio. Traficados dentro de um tubo de pasta de dente, os

negativos das quatro fotografias, junto com os “manuscritos dos Sonderkommando” negativos das quatro fotografias, junto com os “manuscritos dos Sonderkommando” (publicados na França sob o título

(publicados na França sob o título de “Vozes sob as cinzasde “Vozes sob as cinzas””44),), nos foram relegados pelos nos foram relegados pelos  próprios prisione

 próprios prisioneiros, como iros, como testemunhos testemunhos destinados a destinados a furar a lógica furar a lógica implacável e implacável e fatal dofatal do universo

universo concentracconcentracionário.ionário.

Escondida em um balde, o aparato fotográfico chega ao

Escondida em um balde, o aparato fotográfico chega ao campo em um momento em que,campo em um momento em que, é preciso lembrar, 24 mil

é preciso lembrar, 24 mil judeus húngaros eram executados por dia, com a aniquilação dejudeus húngaros eram executados por dia, com a aniquilação de 435 mil deles em apenas quatro meses. Com as câmeras de gás funcionando 24 horas por 435 mil deles em apenas quatro meses. Com as câmeras de gás funcionando 24 horas por dia, os fornos crematórios abarrotados e finalmente o fim do estoque de Zyklon B, a dia, os fornos crematórios abarrotados e finalmente o fim do estoque de Zyklon B, a substância usada para produzir o gás letal, os judeus começaram a ser jogados vivos nas substância usada para produzir o gás letal, os judeus começaram a ser jogados vivos nas fossas de incineração. É nesse contexto que, protegido sob a moldura negra

fossas de incineração. É nesse contexto que, protegido sob a moldura negra do interior dado interior da câmera de gás do Crematório V e sob pena de execução imediata, o judeu grego e membro câmera de gás do Crematório V e sob pena de execução imediata, o judeu grego e membro do Sonderkommando, conhecido como “Alex”

do Sonderkommando, conhecido como “Alex”55, pode sacar a câmera, apertar o , pode sacar a câmera, apertar o obturadorobturador e registrar algumas trêmulas imagens.

e registrar algumas trêmulas imagens.

22 DIDI-HUBERMAN, Georges. DIDI-HUBERMAN, Georges. Images malgré tout  Images malgré tout . Paris: Minuit, 2003.. Paris: Minuit, 2003.

33  Preferimos o termo “Shoah”, que em hebraico significa catástrofe ou desastre, em lugar do usual  Preferimos o termo “Shoah”, que em hebraico significa catástrofe ou desastre, em lugar do usual

“Holocausto”, cuja significação sacrificial confere um sentido religioso e, portanto, problemático, para a “Holocausto”, cuja significação sacrificial confere um sentido religioso e, portanto, problemático, para a eliminação de seis milhões de judeus na Segunda Guerra Mundial. A esse respeito, ver: DANZINGER, eliminação de seis milhões de judeus na Segunda Guerra Mundial. A esse respeito, ver: DANZINGER, Leila. “Shoah ou Holocausto: a aporia dos nomes”. In: Arquivo Maaravi: Revista Digital de Estudos Leila. “Shoah ou Holocausto: a aporia dos nomes”. In: Arquivo Maaravi: Revista Digital de Estudos Judaicos da UFMG. Belo Horizonte, v. 1, n. 1, out. 2007.

Judaicos da UFMG. Belo Horizonte, v. 1, n. 1, out. 2007.

44 “Des voix sous la cendre. Manuscrits des Sonderkommando”. In: “Des voix sous la cendre. Manuscrits des Sonderkommando”. In: Revue d’histoire  Revue d’histoire de la de la ShoahShoah, n.171,, n.171,

2001. 2001.

55 Após a publicação de Após a publicação de Images  Images malgré malgré tout,tout, o “autor” das imagens, até então conhecido como Alex, é o “autor” das imagens, até então conhecido como Alex, é

identificado, segundo todas as probabilidades, por Alberto E

identificado, segundo todas as probabilidades, por Alberto Errera, judeu grego nascido em 15 rrera, judeu grego nascido em 15 de janeiro dede janeiro de 1913 em Larissa e membro ativo da resistência grega. Capturado em 24 ou 25 de março de 1944, foi 1913 em Larissa e membro ativo da resistência grega. Capturado em 24 ou 25 de março de 1944, foi deportado à Auschwitz-Birkenau em 9 de abril e selecionado como membro do Sonderkommando do deportado à Auschwitz-Birkenau em 9 de abril e selecionado como membro do Sonderkommando do Crematório V para exercer a função de “chauffeur”, quer dizer, trabalhador nos fornos crematórios. Ele Crematório V para exercer a função de “chauffeur”, quer dizer, trabalhador nos fornos crematórios. Ele desempenhará um papel decisivo na preparação do levante dos prisioneiros. Ver DIDI-HUBERMAN, desempenhará um papel decisivo na preparação do levante dos prisioneiros. Ver DIDI-HUBERMAN, Georges.

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Figura 1: Anônimo (membro

Figura 1: Anônimo (membro do Sonderkommando de do Sonderkommando de Auschwitz, provavelmente Alberto Errera, dito "Alex").Auschwitz, provavelmente Alberto Errera, dito "Alex"). Cremação de corpos gazeados em fossas de incineração ao ar livre, diante do Crematório V d

Cremação de corpos gazeados em fossas de incineração ao ar livre, diante do Crematório V de Auschwitz, agosto dee Auschwitz, agosto de 1944, Museu de Estado Auschwitz-Birkenau (negativos nº

1944, Museu de Estado Auschwitz-Birkenau (negativos nº 277-278).277-278).

Dois anos antes da publicação de

Dois anos antes da publicação de  Images  Images malgré malgré tout tout , as quatro imagens do mais, as quatro imagens do mais

inimaginável e infernal dos eventos, tão singulares quanto precárias, tão reveladoras inimaginável e infernal dos eventos, tão singulares quanto precárias, tão reveladoras quanto faltantes, haviam se tornado, entretanto, no contexto da exposição

quanto faltantes, haviam se tornado, entretanto, no contexto da exposição  Memoire des Memoire des camps - Photographies des camps de concentration et d’extermination nazis 1933-1999 camps - Photographies des camps de concentration et d’extermination nazis 1933-1999,,

realizada em 2001 em Paris

realizada em 2001 em Paris66, objetos de acirrada disputa , objetos de acirrada disputa e polêmica.e polêmica. Uma semana após a abertura da

Uma semana após a abertura da exposição, Claude Lanzmanexposição, Claude Lanzmann, jornalista e n, jornalista e realizador dorealizador do monumental documentário

monumental documentário ShoahShoah (1985), concede uma entrevista ao (1985), concede uma entrevista ao Le  Le MondeMonde77, onde, onde

critica enfaticamente o projeto da exposição e recusa a exibição pública de imagens da critica enfaticamente o projeto da exposição e recusa a exibição pública de imagens da Shoah, fazendo sérias ressalvas aos textos contidos no catálogo, entre eles o de Shoah, fazendo sérias ressalvas aos textos contidos no catálogo, entre eles o de Didi-Huberman. Posteriormente, o debate é abrigado e desenvolvido nas páginas da

Huberman. Posteriormente, o debate é abrigado e desenvolvido nas páginas da Les Temps Les Temps  Modernes

 Modernes, revista editada pelo , revista editada pelo próprio Lanzmann, sendo protagonizado pelo psicanalistapróprio Lanzmann, sendo protagonizado pelo psicanalista

Gerárd Wajcman e por Elisabeth Pagnoux

Gerárd Wajcman e por Elisabeth Pagnoux88. É então em resposta a essa polêmica, que. É então em resposta a essa polêmica, que Georges Didi-Huberman escreve seu livro.

Georges Didi-Huberman escreve seu livro.

 Images malgré tout

 Images malgré touté composto, portanto, por duas metades. A primeira, “Images malgréé composto, portanto, por duas metades. A primeira, “Images malgré

tout” (“Imagens apesar de tudo”) foi publicada originalmente em 2001, no catálogo que tout” (“Imagens apesar de tudo”) foi publicada originalmente em 2001, no catálogo que acompanhava a exposição, no qual Didi-Huberman discorria sobre o aspecto acompanhava a exposição, no qual Didi-Huberman discorria sobre o aspecto fenomenológico das quatro fotografias (“quatro rolos

fenomenológico das quatro fotografias (“quatro rolos de película arrancados do inferno”),de película arrancados do inferno”), salientando suas

salientando suas precárias e p precárias e perigosas condições erigosas condições de produçãode produção, suas marcas visuais como, suas marcas visuais como vestígios incompletos

vestígios incompletos  e seus testemunhos tão necessários como  e seus testemunhos tão necessários como lacunares,lacunares,  em uma  em uma

situação em que a testemunha mesma sabia que não

situação em que a testemunha mesma sabia que não sobreviveria.sobreviveria.

66 Sob a curadoria de Pierre Bonhomme e Clément ChSob a curadoria de Pierre Bonhomme e Clément Chéroux, a exposição ocorreu em Paris, no Hôtel deéroux, a exposição ocorreu em Paris, no Hôtel de

Sully, entre 12 de janeiro e 25 de março de 2 Sully, entre 12 de janeiro e 25 de março de 2001.001.

77 LANZMANN, Claude. “La question n’est pas celle du document, mais celle de la vérité”. Le Monde, LANZMANN, Claude. “La question n’est pas celle du document, mais celle de la vérité”. Le Monde,

19.01.2001. Entrevista concedida a Michel Guerrin. 19.01.2001. Entrevista concedida a Michel Guerrin.

88 WAJCMAN, Gérard. “De la croyance photographique”, Les Temps Modernes, vol.  WAJCMAN, Gérard. “De la croyance photographique”, Les Temps Modernes, vol. 56, n° 613 (mars-mai56, n° 613 (mars-mai

2001), pp. 46-83, e PAGNOUX, Élisabeth. “Reporter photographe à Auschwitz”, Les Temps Modernes, 2001), pp. 46-83, e PAGNOUX, Élisabeth. “Reporter photographe à Auschwitz”, Les Temps Modernes, vol. 56, n° 613 (mars-mai 2001), pp. 84-108.

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Figura 2: Anônimo (membro do Sonderkommando de Auschwitz). Mulheres empurradas em direção à câmara de Figura 2: Anônimo (membro do Sonderkommando de Auschwitz). Mulheres empurradas em direção à câmara de gásgás

do Crematório V de Auschwitz, agosto de 1944. Museu de Estado de Auschwitz-Birkenau (negativo nº 282). do Crematório V de Auschwitz, agosto de 1944. Museu de Estado de Auschwitz-Birkenau (negativo nº 282).

Assim, Didi-Huberman questionava o caráter indizível do testemunho, impensável da Assim, Didi-Huberman questionava o caráter indizível do testemunho, impensável da Shoah e inimaginável de Auschwitz. Se Auschwitz é um evento sem testemunha, como Shoah e inimaginável de Auschwitz. Se Auschwitz é um evento sem testemunha, como acredita Shoshana Feldman

acredita Shoshana Feldman99, pois aqueles que , pois aqueles que verdadeiramente testemunharam morreramverdadeiramente testemunharam morreram nas câmeras de gás – como essas mulheres que, no fundo da imagem, desnudas e nas câmeras de gás – como essas mulheres que, no fundo da imagem, desnudas e desesperadas, correm em direção ao próprio fim –, é justamente por isso que

desesperadas, correm em direção ao próprio fim –, é justamente por isso que devemosdevemos olhar 

olhar , apesar de tudo, para aquilo que restou. Como percebe-se ao longo dessa primeira, apesar de tudo, para aquilo que restou. Como percebe-se ao longo dessa primeira

 parte

 parte do do livro, a livro, a imagem imagem de de que que se se trata atrata aqui qui éé lacunar,lacunar, testemunho tanto de  testemunho tanto de uma violênciauma violência

demencial como de uma

demencial como de uma ausênciaausência; restituição de uma; restituição de uma desapariçãodesaparição; pedaço, traço ou; pedaço, traço ou

farrapo

farrapo de uma resistênciade uma resistência..“Para saber”, Didi-Huberman salienta tantas vezes, “é preciso“Para saber”, Didi-Huberman salienta tantas vezes, “é preciso

imaginar”. imaginar”.

A segunda metade do livro, “Malgré toute image” (“Apesar da imagem toda”), foi A segunda metade do livro, “Malgré toute image” (“Apesar da imagem toda”), foi redigida ao longo de 2001 e 2002, como elaboração das violentas críticas recebidas por redigida ao longo de 2001 e 2002, como elaboração das violentas críticas recebidas por Didi-Huberman na

Didi-Huberman na Les  Les Temps Temps ModernesModernes  pela dupla Wajcman e Pagnoux, que então  pela dupla Wajcman e Pagnoux, que então

acusavam-no de fetichizar e adorar as imagens, como um “judeu cristianizado” e até acusavam-no de fetichizar e adorar as imagens, como um “judeu cristianizado” e até mesmo pervertido. Para Wajcman, a singularidade visual das fotografias não ensinaria mesmo pervertido. Para Wajcman, a singularidade visual das fotografias não ensinaria nada que já não soubéssemos, além de induzir o espectador ao “engano, ao fantasma, à nada que já não soubéssemos, além de induzir o espectador ao “engano, ao fantasma, à ilusão, ao voyeurismo e ao fetichismo”, de uma

ilusão, ao voyeurismo e ao fetichismo”, de uma maneira “abjeta”maneira “abjeta”1010..  Nesse de

 Nesse debate entre a bate entre a iconoclastia judiconoclastia judaica e a aica e a iconofilia cristã – iconofilia cristã – lembremos que lembremos que a tradiçãoa tradição cristã rompeu com o segundo mandamento da lei mosaica, para o qual

cristã rompeu com o segundo mandamento da lei mosaica, para o qual nem a imagem donem a imagem do homem nem o nome de

homem nem o nome de Deus poderiam ser figurados –, Didi-Huberman argumentava queDeus poderiam ser figurados –, Didi-Huberman argumentava que a dupla de detratores (

a dupla de detratores (“metafísicos do tabernáculo”) havia absolutizado o real e “metafísicos do tabernáculo”) havia absolutizado o real e totalizadototalizado as imagens, sacralizando-as e interditando-as. Se “a lei mosaica operou na cultura um as imagens, sacralizando-as e interditando-as. Se “a lei mosaica operou na cultura um

99  FELMAN, Shoshana. “Educação e crise, ou as vicissitudes do ensino”. In: SELIGMANN-SILVA,  FELMAN, Shoshana. “Educação e crise, ou as vicissitudes do ensino”. In: SELIGMANN-SILVA,

Márcio; NESTROVSKI, Arthur (Orgs.)

Márcio; NESTROVSKI, Arthur (Orgs.)Catástrofe e representaçãoCatástrofe e representação. São Paulo: Escuta, 2000, pp.13-71.. São Paulo: Escuta, 2000, pp.13-71.

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retraimento do visível ao legível-audível”

retraimento do visível ao legível-audível”1111, interditando a imagem em favor da, interditando a imagem em favor da valorização do som e da letra, Lanzmann, Wacjman e Pagnoux empregavam, no âmbito valorização do som e da letra, Lanzmann, Wacjman e Pagnoux empregavam, no âmbito do debate estético, cultural e moral sobre a

do debate estético, cultural e moral sobre a (im)possibilidade de representaçã(im)possibilidade de representação da Shoah,o da Shoah, critérios absolutos, de inspiração metafísica.

critérios absolutos, de inspiração metafísica.

Figura 3: Idem (negativo nº 283). Figura 3: Idem (negativo nº 283).

“O inimaginável como experiência não pode ser o inimaginável como dogma”

“O inimaginável como experiência não pode ser o inimaginável como dogma”1212, defende, defende Didi-Huberman, detendo seu olhar sobre essa imagem que nada revela, ou revela muito Didi-Huberman, detendo seu olhar sobre essa imagem que nada revela, ou revela muito  pouco,

 pouco, para para além além do do gesto gesto último último do do “fotógrafo”: “fotógrafo”: aquele aquele que, que, sob sob todas todas as as formas formas dede vigilância dos SS e numa situação de extremo perigo, faz aparecer ao mundo, sem vigilância dos SS e numa situação de extremo perigo, faz aparecer ao mundo, sem enquadrar e sem saber, as árvores de Birkenau, as árvores de Birkenwald, literalmente, enquadrar e sem saber, as árvores de Birkenau, as árvores de Birkenwald, literalmente,  bosque

 bosque de de bétulas. bétulas. De De algum algum modo, modo, as as imagens imagens interrogam interrogam essas essas testemunhas,testemunhas, indiferentes e mudas.

indiferentes e mudas.

Tal postulado parece-nos essencial para que o debate

Tal postulado parece-nos essencial para que o debate1313 seja  seja compreencompreendido, porque Didi-dido, porque Didi-Huberman não nega o “inimaginável” e o “irrepresentável” da ordem da

Huberman não nega o “inimaginável” e o “irrepresentável” da ordem da experiênciaexperiência traumática

traumática, como aporia do , como aporia do testemunho (entre sua necessidade e crônica impossibilidade)testemunho (entre sua necessidade e crônica impossibilidade)

e fundamento negativo da linguagem, encarnado na verdade do

e fundamento negativo da linguagem, encarnado na verdade do corpo do sobrevivente. Ocorpo do sobrevivente. O que ele parece negar é o “inimaginável” e o “irrepresentável” como norma, dogma e que ele parece negar é o “inimaginável” e o “irrepresentável” como norma, dogma e imperativo, fartamente evocados por certas “estéticas da negatividade” (dos quadros imperativo, fartamente evocados por certas “estéticas da negatividade” (dos quadros suprematistas de Malevitch aos monocromos negros de Ad Reinhardt), e, mais suprematistas de Malevitch aos monocromos negros de Ad Reinhardt), e, mais  perigosamente,

 perigosamente, manipulados pelo manipulados pelo negacionismo negacionismo histórico.histórico.

11

11 Ver FUKS, Betty. Ver FUKS, Betty. Freud e a Judeidade – a vocação do exíl Freud e a Judeidade – a vocação do exílioio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000, pp.10. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000, pp.10 12

12 Images malgré tout  Images malgré tout , op. cit., pp. 69., op. cit., pp. 69. 13

13  Para uma revisão mais detalhada da polêmica, ver PENNA, João Camilo. “Representar o  Para uma revisão mais detalhada da polêmica, ver PENNA, João Camilo. “Representar o

irrepresentável?”. In: Sentido dos lugares. Abralic. Associação Brasileira de Literatura Comparada. irrepresentável?”. In: Sentido dos lugares. Abralic. Associação Brasileira de Literatura Comparada. Universidade Estadual do Rio de Janeiro,

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 Nesse se

 Nesse sentido, a crntido, a crença fervorosença fervorosa de Lanza de Lanzmann na mann na dimensão inimadimensão inimaginável da ginável da Shoah e nShoah e naa  potência do

 potência do testemunho do testemunho do sobrevivente através dasobrevivente através da palavra palavra, crença que dá forma a seu, crença que dá forma a seu

filme

filmeShoah,Shoah, não poderia ser compreendida sem a tradição judaica, para a qual não poderia ser compreendida sem a tradição judaica, para a qual a palavraa palavra

operaria de um modo performativo, não como desvelamento, mas como criação de operaria de um modo performativo, não como desvelamento, mas como criação de sentido

sentido1414. Em. Em ShoahShoah, esse sentido é encarnado no corpo do sobrevivente, quando, no, esse sentido é encarnado no corpo do sobrevivente, quando, no  presente da

 presente da filmagem, filmagem, “o “o conhecimento se conhecimento se faze faze carne”carne”1515. De acordo com o poeta Paul. De acordo com o poeta Paul Celan, numa formulação que parece sintetizar o intento de Lanzmann, testemunhar é Celan, numa formulação que parece sintetizar o intento de Lanzmann, testemunhar é aguentar a solidão de uma responsabilidade e a aguentar a responsabilidade, aguentar a solidão de uma responsabilidade e a aguentar a responsabilidade,  precisamente,

 precisamente, dessa solidãodessa solidão1616..

Cascas Cascas

Em 2011, oito após a publicação de

Em 2011, oito após a publicação de Images malgré tout  Images malgré tout , Georges Didi-Huberman vai ao, Georges Didi-Huberman vai ao

campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau, como um turista até certo

campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau, como um turista até certo ponto qualquer,ponto qualquer, com sua máquina fotográfica em punho.

com sua máquina fotográfica em punho. Esse tour ou Esse tour ou deambulaçãdeambulação pelo coração do o pelo coração do queque sobrou da máquina de morte nazista dará origem ao ensaio “Cascas”

sobrou da máquina de morte nazista dará origem ao ensaio “Cascas”1717 (( Ecorces, Ecorces, nono original), publicado em português em 2013, como parte integrante de uma edição da original), publicado em português em 2013, como parte integrante de uma edição da revista Serrote. “Cascas” é uma espécie de caderno de notas, ou ensaio autobiográfico, revista Serrote. “Cascas” é uma espécie de caderno de notas, ou ensaio autobiográfico, escrito a partir das

escrito a partir das fotografias registradas pelo filósofo.fotografias registradas pelo filósofo.

Figura 4: Georges Didi-Huberman, Auschwitz-Birkenau, junho de 2011. Figura 4: Georges Didi-Huberman, Auschwitz-Birkenau, junho de 2011.

14

14 De acordo com a psicanalista Betty Fuks, se, na tradição judaica, a interdição da imagem é correlata à De acordo com a psicanalista Betty Fuks, se, na tradição judaica, a interdição da imagem é correlata à

importância atribuída ao som e à letra, “escutar e falar são os sentidos que ocupam um lugar de destaque importância atribuída ao som e à letra, “escutar e falar são os sentidos que ocupam um lugar de destaque na liturgia judaica, cuja prece principal tem o nome de

na liturgia judaica, cuja prece principal tem o nome deSchemáSchemá (Escuta)”. Através das contribuições de Jean (Escuta)”. Através das contribuições de Jean

Lyotard em

Lyotard em Figura foracluída, Figura foracluída, a autora também afirma que “o judaísmo é a expressão de um olho que se a autora também afirma que “o judaísmo é a expressão de um olho que se

fechou para que a palavra fosse ouvida”. Ibid, pp.109. fechou para que a palavra fosse ouvida”. Ibid, pp.109.

15

15 Agradeço a João Moreira Salles pela precisa expressão, enunciada em uma aula na Fundação Getúlio Agradeço a João Moreira Salles pela precisa expressão, enunciada em uma aula na Fundação Getúlio

Vargas do Rio de Janeiro, em 05/12/2016. Vargas do Rio de Janeiro, em 05/12/2016.

16

16 Apud FELDMAN, Shoshana. op. cit., pp. 15. Apud FELDMAN, Shoshana. op. cit., pp. 15. 17

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Didi-Huberman registrou pavilhões, caminhos, a loja de souvenires, um passarinho entre Didi-Huberman registrou pavilhões, caminhos, a loja de souvenires, um passarinho entre duas cerca-elétricas de arame farpado, as ruínas do

duas cerca-elétricas de arame farpado, as ruínas do Crematório V, uma janela Crematório V, uma janela de onde umde onde um guarda da SS inspecionava as triagens e as árvores, na verdade bétulas, que dão nome a guarda da SS inspecionava as triagens e as árvores, na verdade bétulas, que dão nome a Birkenau. As cascas que arranca de um tronco são pensadas por ele como metáfora para Birkenau. As cascas que arranca de um tronco são pensadas por ele como metáfora para a relação entre imagem e realidade, aparência e verdade, habitando o limiar entre uma a relação entre imagem e realidade, aparência e verdade, habitando o limiar entre uma aparência fugaz e uma inscrição sobrevivente: “A casca não é menos verdadeira que o aparência fugaz e uma inscrição sobrevivente: “A casca não é menos verdadeira que o tronco. É inclusive pela casca que a árvore, se me atrevo a dizer, se exprime”

tronco. É inclusive pela casca que a árvore, se me atrevo a dizer, se exprime”1818..

Suas fotos em preto e branco, publicadas em papel poroso e amarelado, são a expressão Suas fotos em preto e branco, publicadas em papel poroso e amarelado, são a expressão  justa daquilo

 justa daquilo que sobreviveu, das que sobreviveu, das cascas do bosque cascas do bosque às imagens às imagens clandestinas capturadasclandestinas capturadas  pelos

 pelos membros membros do do SonderkommandSonderkommando. o. Se Se o o projeto projeto nazista nazista era era não não deixar deixar rastros rastros dodo extermínio em massa para torná-lo “inimaginável”, argumenta o filósofo, então as fotos extermínio em massa para torná-lo “inimaginável”, argumenta o filósofo, então as fotos dos prisioneiros “dirigem-se ao inimaginável, r

dos prisioneiros “dirigem-se ao inimaginável, refutando-o”efutando-o”1919.. Por isso, Auschwitz não éPor isso, Auschwitz não é inimaginável. Auschwitz é senão imaginável. E isso significa não uma negação da inimaginável. Auschwitz é senão imaginável. E isso significa não uma negação da negação, mas um apelo, um chamado à tarefa – tão insuportável quanto necessária – de negação, mas um apelo, um chamado à tarefa – tão insuportável quanto necessária – de nos colocarmos a imaginar. Aqui, não podemos esquecer que Didi-Huberman dialoga nos colocarmos a imaginar. Aqui, não podemos esquecer que Didi-Huberman dialoga com Hannah Arendt, para quem a im

com Hannah Arendt, para quem a imaginação é uma faculdade políticaaginação é uma faculdade política2020..

Figura 5: Georges Didi-Huberman, Auschwitz-Birkenau, junho de 2011. Figura 5: Georges Didi-Huberman, Auschwitz-Birkenau, junho de 2011.

A certa altura, o filósofo espanta-se ao ver três das fotografias do Sonderkommando A certa altura, o filósofo espanta-se ao ver três das fotografias do Sonderkommando reproduzidas em totens enormes, em versões reenquadradas e retocadas, de maneira a reproduzidas em totens enormes, em versões reenquadradas e retocadas, de maneira a tornar mais “legível” a realidade que elas testemunham. Como se vê, as sombras foram tornar mais “legível” a realidade que elas testemunham. Como se vê, as sombras foram eliminadas, tornando o enquadramento mais regular, numa supressão

eliminadas, tornando o enquadramento mais regular, numa supressão daquilo quedaquilo que  justamente

 justamente as as tornaria tornaria possíveis, possíveis, como como o o ângulo ângulo enviesado enviesado e e a a grande grande penumbra penumbra dada  própria câmera de

 própria câmera de gás; as gás; as duas imagens mostrando a duas imagens mostrando a incineração dos corpos incineração dos corpos ao ar ao ar livrelivre foram “corrigidas”

foram “corrigidas” e os corpos das mulheres, correndo em direção às câmeras de gás,e os corpos das mulheres, correndo em direção às câmeras de gás,

18

18 “Cascas”, op. cit., pp. 132. “Cascas”, op. cit., pp. 132. 19

19 Images malgré tout  Images malgré tout , op. cit., pp. 29., op. cit., pp. 29. 20

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retocados, a partir de um

retocados, a partir de um close extraído da fotografia original. A quarta, close extraído da fotografia original. A quarta, a imagem abstrataa imagem abstrata das folhagens, sequer fora incluída no memorial:

das folhagens, sequer fora incluída no memorial:

Costumamos pensar que as imagens devem mostrar algo reconhecível, mas elas Costumamos pensar que as imagens devem mostrar algo reconhecível, mas elas são mais do que isso. São

são mais do que isso. São gestos gestos,,atos de falaatos de fala. As sombras e a falta de foco dessas. As sombras e a falta de foco dessas

fotos mostram a urgência e o perigo com que foram feitas. Eliminar isso com o fotos mostram a urgência e o perigo com que foram feitas. Eliminar isso com o  pretexto de que prejudicam a visibilidade é errado. Essas fotos são testemunhos,  pretexto de que prejudicam a visibilidade é errado. Essas fotos são testemunhos, e é desonesto cortar a fala de uma testemunha. Temos que escutar também seus e é desonesto cortar a fala de uma testemunha. Temos que escutar também seus silêncios.

silêncios.2121

Em uma instituição que transformou um “lugar de barbárie” (Auschwitz como

Em uma instituição que transformou um “lugar de barbárie” (Auschwitz como  Lager  Lager ),),

em “lugar de cultura” (Auschwitz como Museu de Estado), como demonstram as em “lugar de cultura” (Auschwitz como Museu de Estado), como demonstram as estratégias do Museu de Auschwitz-Birkenau, seria preciso saber de que gênero de cultura estratégias do Museu de Auschwitz-Birkenau, seria preciso saber de que gênero de cultura esse lugar de barbárie tornou-se o espaço público exemplar 

esse lugar de barbárie tornou-se o espaço público exemplar 2222. Pois a cultura não é um. Pois a cultura não é um adereço, ornamento ou apanágio. Antes, é um lugar de conflito e disputa, mal-estar e adereço, ornamento ou apanágio. Antes, é um lugar de conflito e disputa, mal-estar e dissenso, um lugar, como queria Benjamin

dissenso, um lugar, como queria Benjamin2323, que testemunha a própria barbárie, onde, que testemunha a própria barbárie, onde  processos

 processos históricos históricos e e sociais sociais ganham ganham forma forma e e visibilidade. visibilidade. “O “O que que dizer dizer quandoquando Auschwitz deve ser esquecido em seu próprio lugar, para construir-se como um lugar Auschwitz deve ser esquecido em seu próprio lugar, para construir-se como um lugar fictício destinado a lembrar Auschwitz?”

fictício destinado a lembrar Auschwitz?”2424, pergunta-se Didi-Huberman perplexo –, pergunta-se Didi-Huberman perplexo – questão que poderia ser endereçada a diversos monumentos de memória,

questão que poderia ser endereçada a diversos monumentos de memória, da experiênciada experiência da Shoah às ditaduras civis-militares na América

da Shoah às ditaduras civis-militares na América Latina.Latina. Caminhando por esse museu a céu aberto com o olhar

Caminhando por esse museu a céu aberto com o olhar de um “arqueólogo”, articulando ede um “arqueólogo”, articulando e montando “o que vemos no presente, o que sobreviveu, com o que sabemos ter montando “o que vemos no presente, o que sobreviveu, com o que sabemos ter desaparecido”

desaparecido”2525, Didi-Huberman, em outro momento, fotografa um passarinho que, Didi-Huberman, em outro momento, fotografa um passarinho que  pousou entre dois

 pousou entre dois arames farpados, o arames farpados, o arame farpado arame farpado original, já original, já enferrujado, da enferrujado, da décadadécada de 1940, e o arame

de 1940, e o arame farpado atual, que parece ter sifarpado atual, que parece ter sido instalado recentemente. Sem saber,do instalado recentemente. Sem saber, o passarinho pousou entre duas temporalidades terrivelmente disjuntas, o passado e o o passarinho pousou entre duas temporalidades terrivelmente disjuntas, o passado e o  presente. “Se

 presente. “Sem saber”, ele am saber”, ele anota, “o passnota, “o passarinho pousou enarinho pousou entre a barbárie e a culturatre a barbárie e a cultura””2626..

 Kapo

 Kapo ee Noite e neblina Noite e neblina

 No

 No contundente e contundente e paradigmático artiparadigmático artigo go “Da “Da abjeção”abjeção”2727, publicado em 1961 na revista, publicado em 1961 na revista

Cahiers du Cinema

Cahiers du Cinema, o crítico Jacques Rivette estabelece uma recusa a, o crítico Jacques Rivette estabelece uma recusa a  Kapo Kapo (1960), de (1960), de

Gillo Pontecorvo, em um

Gillo Pontecorvo, em um texto que consagra, no pensamento sobre cinema, uma relaçãotexto que consagra, no pensamento sobre cinema, uma relação entre forma e moral, entre estética e ética. Para Rivette, a encenação melodramática de entre forma e moral, entre estética e ética. Para Rivette, a encenação melodramática de um campo de concentração, cristalizada no detalhe de um único movimento de câmera (o um campo de concentração, cristalizada no detalhe de um único movimento de câmera (o travelling que mostra a morte de uma personagem, interpretada pela atriz Emmanuelle travelling que mostra a morte de uma personagem, interpretada pela atriz Emmanuelle Riva, a qual se joga contra uma cerca de arame farpado eletrificado), tornaria o filme Riva, a qual se joga contra uma cerca de arame farpado eletrificado), tornaria o filme abjeto e o cineasta, por

abjeto e o cineasta, por conseguinte, desprezívconseguinte, desprezível:el:

21

21 Diz Didi-Huberman em uma entrevista a um jornalista brasileiro. Ver DIDI-HUBERMAN, Georges. Diz Didi-Huberman em uma entrevista a um jornalista brasileiro. Ver DIDI-HUBERMAN, Georges.

“Georges Didi-Huberman fala sobre imagens e memórias do Holocausto”. O Globo, 16/03/2003.

“Georges Didi-Huberman fala sobre imagens e memórias do Holocausto”. O Globo, 16/03/2003. EntrevistaEntrevista concedida a Guilherme Freitas.

concedida a Guilherme Freitas.

22

22 “Cascas”, op. cit., pp. 105. “Cascas”, op. cit., pp. 105. 23

23 Ver BENJAMIN, Walter. “Sobre o conceito de história”. In: O Ver BENJAMIN, Walter. “Sobre o conceito de história”. In: Obras escolhidas I: Mabras escolhidas I: Ma gia e técnica, arte egia e técnica, arte e

 política

 política. São Paulo: Brasiliense, 1996, pp. 222.. São Paulo: Brasiliense, 1996, pp. 222.

24

24 “Cascas”, op. cit., pp. 108. “Cascas”, op. cit., pp. 108. 25

25 Ibid, pp. 117. Ibid, pp. 117. 26

26 Ibid, pp. 106. Ibid, pp. 106. 27

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O homem que decide, nesse momento, fazer um travelling para a frente para O homem que decide, nesse momento, fazer um travelling para a frente para reenquadrar o cadáver em contra-plongée, tomando cuidado para inscrever reenquadrar o cadáver em contra-plongée, tomando cuidado para inscrever exatamente a mão levantada num ângulo de seu enquadramento final, esse exatamente a mão levantada num ângulo de seu enquadramento final, esse homem só tem direito

homem só tem direito ao mais profundo desprezo.ao mais profundo desprezo.

Se Jean-Luc Godard

Se Jean-Luc Godard2828,, l’enfant terriblel’enfant terrible da história do cinema, já havia formulado a sua da história do cinema, já havia formulado a sua célebre boutade

célebre boutade  –  – “o “o travelling travelling é é uma uma questão questão de de moral”moral”2929 –, Rivette problematizava: –, Rivette problematizava: “Existem coisas que só devem ser abordadas no temor e no terror; a morte é uma delas, “Existem coisas que só devem ser abordadas no temor e no terror; a morte é uma delas, sem dúvida; e como, no momento de filmar uma coisa tão misteriosa, não se sentir um sem dúvida; e como, no momento de filmar uma coisa tão misteriosa, não se sentir um impostor?”.

impostor?”.

Figura 6: Gillo Pontecorvo, três fotogramas d

Figura 6: Gillo Pontecorvo, três fotogramas de “Kapo” (1960)e “Kapo” (1960)

Pontecorvo, o “impostor” para Rivette, também realizador de

Pontecorvo, o “impostor” para Rivette, também realizador de A batalha de Argel  A batalha de Argel  (1966) (1966)

ee Queimada Queimada (1969), após (1969), após Kapo Kapo consagrou-se por fazer um cinema dito político que, como consagrou-se por fazer um cinema dito político que, como

um típico cineasta de esquerda, subestimava os pressupostos políticos e formais da um típico cineasta de esquerda, subestimava os pressupostos políticos e formais da  própria estética

 própria estética que que realizava.realizava. Segundo o crítico Ruy Gardnier Segundo o crítico Ruy Gardnier 3030, mesmo querendo nos, mesmo querendo nos transmitir uma mensagem libertária, o diretor italiano nos carregava aos ápices do transmitir uma mensagem libertária, o diretor italiano nos carregava aos ápices do conformismo através de um didatismo sem par. “Que é um grande cineasta ninguém conformismo através de um didatismo sem par. “Que é um grande cineasta ninguém duvida. E que se trata de arranjar-lhe um lugar na história do cinema, idem. Gillo duvida. E que se trata de arranjar-lhe um lugar na história do cinema, idem. Gillo Pontecorvo é então o Steven Spielberg de esquerda. Mas a esquerda precisa de Steven Pontecorvo é então o Steven Spielberg de esquerda. Mas a esquerda precisa de Steven Spielbergs?”, ele provoca.

Spielbergs?”, ele provoca. Fazendo referência à

Fazendo referência à Noite  Noite e e neblinaneblina (1955), ensaio cinematográfico de Alain Resnais, (1955), ensaio cinematográfico de Alain Resnais,

lançado dez anos após o término da guerra, Rivette também acrescentava, como um lançado dez anos após o término da guerra, Rivette também acrescentava, como um  princípio

 princípio metodológico, que metodológico, que um um cineasta cineasta devedeve  julgar o que mostra  julgar o que mostra ee ser  ser julgado julgado pelapela  forma como

 forma como mostramostra, nunca se habituando ao horror. Por isso, se o público se habituava, nunca se habituando ao horror. Por isso, se o público se habituava

ao melodrama de

ao melodrama de Kapo Kapo por meio de  por meio de uma identificação catártica, não era possível, jamais,uma identificação catártica, não era possível, jamais,

habituar-se a

habituar-se a Noite e Neblina Noite e Neblina. Fundindo imagens documentais, captadas no momento da. Fundindo imagens documentais, captadas no momento da

liberação dos campos, com filmes nazistas de f

liberação dos campos, com filmes nazistas de ficção e sequências realizadas pelo próprioicção e sequências realizadas pelo próprio Resnais,

Resnais, Noite e  Noite e neblinaneblina nascia como um dos expoentes do cinema moderno, o cinema nascia como um dos expoentes do cinema moderno, o cinema

de depois dos campos, marcando indelevelmente a geração que cresceu no

de depois dos campos, marcando indelevelmente a geração que cresceu no pós-guerra napós-guerra na França e servindo de contraponto à “abjeção” de

França e servindo de contraponto à “abjeção” de Kapo. Kapo.

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28 No final dos anos 1980, Godard  No final dos anos 1980, Godard lançou-se em uma intensa polêmica com Claude Lanzmann a propósitolançou-se em uma intensa polêmica com Claude Lanzmann a propósito

de seu longo ensaio cinematográfico

de seu longo ensaio cinematográfico Histoire du  Histoire du cinémacinéma(1988), no qual justapõe imagens de arquivo da(1988), no qual justapõe imagens de arquivo da

abertura dos campos em 1945, captadas a cores

abertura dos campos em 1945, captadas a cores pelo cineasta George Stevens, com cenas do cinema clássicopelo cineasta George Stevens, com cenas do cinema clássico americano realizado posteriormente pelo próprio Stevens, em

americano realizado posteriormente pelo próprio Stevens, em Um lugar ao sol Um lugar ao sol  (1951), numa operação de (1951), numa operação de

montagem provocadora e radical. Ver

montagem provocadora e radical. Ver Images malgré tout  Images malgré tout , op. cit., pp.172-187., op. cit., pp.172-187.

29

29 Em realidade, em uma mesa redonda a  Em realidade, em uma mesa redonda a respeito do filmerespeito do filme Hiroshima, meu amor  Hiroshima, meu amor  (1959), de Alain Resnais, (1959), de Alain Resnais,

 publicada na

 publicada naCahiers du CinémaCahiers du Cinéma (n. 70, 1960), (n. 70, 1960), Jean-Luc Godard inverte a fórmula do crítico Luc MoulletJean-Luc Godard inverte a fórmula do crítico Luc Moullet

a propósito de Samuel Fuller (“A moral é uma questão de travelling”), formulada no texto “Sam Fuller: nos a propósito de Samuel Fuller (“A moral é uma questão de travelling”), formulada no texto “Sam Fuller: nos  passos de Marlowe” (

 passos de Marlowe” (Cahiers du CinémaCahiers du Cinéma, n. 93, 1959)., n. 93, 1959).

30

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Figura 7: Alain Resnais, “Noite e neblina” (1955) Figura 7: Alain Resnais, “Noite e neblina” (1955)

Décadas mais tarde, em 1992, o crítico Serge Daney retoma o texto de Rivette no belo Décadas mais tarde, em 1992, o crítico Serge Daney retoma o texto de Rivette no belo ensaio autobiográfico “O travelling de Kapo”

ensaio autobiográfico “O travelling de Kapo”3131, no qual também aproxima, no qual também aproxima Kapo Kapo de de Noite Noite

e neblina

e neblina, mas se pergunta se os jovens de seu tempo, espectadores de televisão e, mas se pergunta se os jovens de seu tempo, espectadores de televisão e

consumidores de publicidade, ainda conseguiriam se indignar diante de algum consumidores de publicidade, ainda conseguiriam se indignar diante de algum  procedimento d

 procedimento de linguagem. Em seu e linguagem. Em seu diagnóstico, “as diagnóstico, “as imagens não esimagens não estão mais do lado datão mais do lado da dialética do ‘ver’ e

dialética do ‘ver’ e do ‘mostrar’, elas passaram inteiramente para o do ‘mostrar’, elas passaram inteiramente para o lado da promoção, dalado da promoção, da  publicidade, ou seja, do

 publicidade, ou seja, do poder”. Por isso, poder”. Por isso, a questão dos a questão dos campos, a questão campos, a questão que marcaraque marcara toda sua infância e

toda sua infância e adolescêncadolescência, seria ainda e ia, seria ainda e sempre colocada, mas não mais através dosempre colocada, mas não mais através do cinema:

cinema:

É o que eu me dizia olhando, há alguns dias, um clip que entrelaçava, É o que eu me dizia olhando, há alguns dias, um clip que entrelaçava, langorosamente, imagens de cantores verdadeiramente célebres e crianças langorosamente, imagens de cantores verdadeiramente célebres e crianças africanas verdadeiramente famintas. Os cantores ricos – “We are the children / africanas verdadeiramente famintas. Os cantores ricos – “We are the children / we are the world!” – misturando suas imagens com as imagens dos esfomeados. we are the world!” – misturando suas imagens com as imagens dos esfomeados. De fato, eles tomavam seu lugar, as substituíam, as eclipsavam. Fundindo e De fato, eles tomavam seu lugar, as substituíam, as eclipsavam. Fundindo e encadeando estrelas e esqueletos em uma piscadela figurativa em que duas encadeando estrelas e esqueletos em uma piscadela figurativa em que duas imagens tentam ser apenas uma, o clip executava com elegância essa comunhão imagens tentam ser apenas uma, o clip executava com elegância essa comunhão eletrônica entre Norte e Sul. Eis então,

eletrônica entre Norte e Sul. Eis então, me digo, a face atual da me digo, a face atual da abjeção e a formaabjeção e a forma melhorada do meu travelling de

melhorada do meu travelling de Kapo Kapo. (...) Em 1961, um movimento de câmera. (...) Em 1961, um movimento de câmera

estetizava um cadáver e, trinta anos mais t

estetizava um cadáver e, trinta anos mais tarde, uma série de fusões faz dançar osarde, uma série de fusões faz dançar os agonizantes e os vips. Nada mudou.

agonizantes e os vips. Nada mudou.

Segundo Daney, em

Segundo Daney, em  Kapo, Kapo,  era ainda possível reclamar de Pontecorvo por abolir  era ainda possível reclamar de Pontecorvo por abolir

rapidamente uma distância que seria necessário “manter”. O travelling era imoral pelo rapidamente uma distância que seria necessário “manter”. O travelling era imoral pelo motivo que ele nos colocava lá

motivo que ele nos colocava lá onde nós não estávamos. “Lá onde eu, em onde nós não estávamos. “Lá onde eu, em todo caso, nãotodo caso, não  podia

 podia nem nem queria queria estar”. estar”. O O travelling travelling era era imoral imoral porque porque ele ele nos nos “deportava” de “deportava” de nossanossa situação real de espectadores e nos transformava em testemunhas, nos incluindo situação real de espectadores e nos transformava em testemunhas, nos incluindo

31

31  DANEY, Serge. “O travelling de Kapo”. In: Revista de Comunicação e Linguagens, nº23. Lisboa,  DANEY, Serge. “O travelling de Kapo”. In: Revista de Comunicação e Linguagens, nº23. Lisboa,

Edições Cosmos, 1996. Edições Cosmos, 1996.

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forçosamente no quadro. “Ora, que sentido poderia ter a fórmula de Godard senão que é forçosamente no quadro. “Ora, que sentido poderia ter a fórmula de Godard senão que é necessário não se coloca

necessário não se colocar lá onde não se está, nem falar em r lá onde não se está, nem falar em lugar dos outros?”lugar dos outros?”3232..

Se, no início dos anos 1990, Daney reclamava que, no mundo da televisão e da Se, no início dos anos 1990, Daney reclamava que, no mundo da televisão e da  publicidade,

 publicidade, não não havendo havendo mais mais nem nem bons bons nem nem maus maus procedimentos procedimentos em em relação relação àà manipulação das imagens, a alteridade teria praticamente desaparecido, não sendo mais manipulação das imagens, a alteridade teria praticamente desaparecido, não sendo mais uma “imagem do outro”, mas “uma imagem entre outras” no mercado das imagens de uma “imagem do outro”, mas “uma imagem entre outras” no mercado das imagens de marca, hoje, ele ficaria estarrecido, senão apático, diante de um

marca, hoje, ele ficaria estarrecido, senão apático, diante de um aparelho de TV. “E esseaparelho de TV. “E esse mundo que não me revolta mais, que só provoca em mim desgosto e inquietude, é mundo que não me revolta mais, que só provoca em mim desgosto e inquietude, é exatamente o mundo sem o cinema”

exatamente o mundo sem o cinema”3333, Daney poderia, melancólico, repetir. Para o crítico,, Daney poderia, melancólico, repetir. Para o crítico, fora o cinema que lhe ensinou

fora o cinema que lhe ensinou a perceber, incansavelmea perceber, incansavelmente pelo olhar, a nte pelo olhar, a que distância deque distância de si começava o outro.

si começava o outro.

Por isso, em um momento histórico em que as distâncias foram abolidas e em que tudo Por isso, em um momento histórico em que as distâncias foram abolidas e em que tudo  parece ter se tornado visível e mostrável, quando morre-se ao vivo

 parece ter se tornado visível e mostrável, quando morre-se ao vivo e repetidamente, dose repetidamente, dos  programas de telev

 programas de televisão vespertinos às imagisão vespertinos às imagens divulgadas peens divulgadas pelo terrorismo internacional,lo terrorismo internacional, a polêmica em torno da representação da Shoah continua sendo paradigmática para a polêmica em torno da representação da Shoah continua sendo paradigmática para refletirmos sobre a “Era das catástrofes” em que ainda vivemos. Mais do que nunca, é refletirmos sobre a “Era das catástrofes” em que ainda vivemos. Mais do que nunca, é  preciso

 preciso pensar pensar de de que que modo modo a a crítica crítica da da cultura cultura em em geral geral e e das das artes artes e e do do cinema cinema emem  particular

 particular podem podem se se posicionar posicionar diante diante de de imagens imagens traumáticas, traumáticas, de de eventos eventos extremos,extremos, inimagináveis e talvez irrepresentáveis – ou representáveis, apesar de tudo

inimagináveis e talvez irrepresentáveis – ou representáveis, apesar de tudo3434. Se algo. Se algo aparece como impossível, é aí que deve resistir

aparece como impossível, é aí que deve resistir o pensamento.o pensamento. Com todo o dogmatismo da ocasião, era isso a

Com todo o dogmatismo da ocasião, era isso a que Theodor Adorno, em 1949, anos antesque Theodor Adorno, em 1949, anos antes de Rivette, Godard, Daney e Lanzmann, nos convocava em seu “Crítica cultural e de Rivette, Godard, Daney e Lanzmann, nos convocava em seu “Crítica cultural e sociedade”

sociedade”: “É : “É barbárie escrever um poema depois de barbárie escrever um poema depois de Auschwitz”Auschwitz” 35 35, imortalizou. , imortalizou. NesseNesse texto, Adorno defendia que a crítica cultural da época se confrontava com os estertores texto, Adorno defendia que a crítica cultural da época se confrontava com os estertores da dialética entre cultura e

da dialética entre cultura e barbárie, fazendo eco ao visionário postulado benjaminiano debarbárie, fazendo eco ao visionário postulado benjaminiano de que nunca existiu um documento da cultura que não fosse ao mesmo tempo um que nunca existiu um documento da cultura que não fosse ao mesmo tempo um documento da barbárie

documento da barbárie3636..

Como ressalta Marcio Seligmann-Silva

Como ressalta Marcio Seligmann-Silva3737, esse tabu , esse tabu das imagens reinstaurado por Adornodas imagens reinstaurado por Adorno era na verdade um chamado, um apelo – como o faz

era na verdade um chamado, um apelo – como o faz hoje, em outro sentido, Georges Didi-hoje, em outro sentido, Georges

Didi-32

32 Ibid, pp.17. Ibid, pp.17. 33

33 Ibid, pp.18. Ibid, pp.18. 34

34 Seria interessante notar que alguns dos filmes mais instigantes e comoventes produzidos na atualidade Seria interessante notar que alguns dos filmes mais instigantes e comoventes produzidos na atualidade

são aqueles que conseguem construir uma escritura para o trauma, fazendo da dimensão “irrepresentável” são aqueles que conseguem construir uma escritura para o trauma, fazendo da dimensão “irrepresentável” do evento traumático – político, histórico

do evento traumático – político, histórico ou pessoal – um princípio de ou pessoal – um princípio de invenção formal, como se vê eminvenção formal, como se vê em A A imagem que falta

imagem que falta (França/Camboja, 2013), de Rithy Pahn;(França/Camboja, 2013), de Rithy Pahn; Isto não é um filme Isto não é um filme (Irã, 2010), de Jafar Panahi; (Irã, 2010), de Jafar Panahi; Valsa com Baschir 

Valsa com Baschir   (Israel, 2008), de Uri Folman;  (Israel, 2008), de Uri Folman;  Je  Je veux veux voir voir   (França/Líbano, 2011), de Joanna  (França/Líbano, 2011), de Joanna

Hadjthomas e Khalil Joreige;

Hadjthomas e Khalil Joreige; O que resta do tempoO que resta do tempo  (França/Palestina, 2009), de Elia Suleiman;  (França/Palestina, 2009), de Elia Suleiman; TheThe  Pixelated Revolution

 Pixelated Revolution (Líbano, 2012), de Rabih Mroué; (Líbano, 2012), de Rabih Mroué;Videogramas de uma revoluçãoVideogramas de uma revolução (Alemanha, 1992), (Alemanha, 1992),

de Harum Farocki e Andrei Ujica;

de Harum Farocki e Andrei Ujica; Juízo Juízo (Brasil, 2008), de Maria Augusta Ramos; (Brasil, 2008), de Maria Augusta Ramos; OrestesOrestes (Brasil, 2015), (Brasil, 2015),

de Rodrigo Siqueira;

de Rodrigo Siqueira; Nostalgia  Nostalgia da da luz luz  (Chile, 2010), de Patricio Guzmán, entre outros. Afora algumas (Chile, 2010), de Patricio Guzmán, entre outros. Afora algumas

tentativas problemáticas, o genocídio que acontece desde 2011

tentativas problemáticas, o genocídio que acontece desde 2011 na Síria permanece “sem imagem”.na Síria permanece “sem imagem”.

35

35 ADORNO, Theodor. “Crítica cultural e sociedade”. In: COHN, Gabriel (Org.) ADORNO, Theodor. “Crítica cultural e sociedade”. In: COHN, Gabriel (Org.) Theodor AdornoTheodor Adorno. São. São

Paulo: Ática, 1986, p.91. Paulo: Ática, 1986, p.91.

36

36 “Nunca houve um documento da cultura que não fosse também um documento da barbárie. E, assim “Nunca houve um documento da cultura que não fosse também um documento da barbárie. E, assim

como a cultura não é isenta de barbárie, não o é, tampouco, o processo de transmissão da cultura”. In: como a cultura não é isenta de barbárie, não o é, tampouco, o processo de transmissão da cultura”. In: BENJAMIN, Walter. “Sobre o conceito de história”. I

BENJAMIN, Walter. “Sobre o conceito de história”. In: Obras escolhidas I:n: Obras escolhidas I: Magia e  Magia e técnica, técnica, arte e arte e políticapolítica..

São Paulo: Brasiliense, 1996, pp.222. São Paulo: Brasiliense, 1996, pp.222.

37

37 SELIGMANN-SILVA, Márcio. SELIGMANN-SILVA, Márcio. A atualidade de Walter Benjamin e Theodor Adorno A atualidade de Walter Benjamin e Theodor Adorno. Rio de Janeiro:. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 2010, pp.51. Civilização Brasileira, 2010, pp.51.

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Huberman – para que refletíssemos sobre as aporias inerentes a toda tentativa de Huberman – para que refletíssemos sobre as aporias inerentes a toda tentativa de  pensamento

 pensamento e representação e representação após a catásapós a catástrofe.trofe.

 Shoah  Shoah

Catástrofe é o significado de “Shoah”, palavra curta e opaca, como uma pedra, escolhida Catástrofe é o significado de “Shoah”, palavra curta e opaca, como uma pedra, escolhida  por

 por Claude Claude Lanzmann Lanzmann para para intitular intitular seu seu filme: filme: obra obra monumental monumental de de nove nove horas horas dede duração, realizada ao longo de 12 anos (entre 1972 e 1985), integramente composta, no duração, realizada ao longo de 12 anos (entre 1972 e 1985), integramente composta, no tempo presente da realização, por testemunhos de sobreviventes (incluindo alguns tempo presente da realização, por testemunhos de sobreviventes (incluindo alguns carrascos nazistas e poloneses moradores nas cercanias dos campos) e desprovida de uma carrascos nazistas e poloneses moradores nas cercanias dos campos) e desprovida de uma única imagem de arquivo.

única imagem de arquivo.

O arquivo, para Lanzmann, além de

O arquivo, para Lanzmann, além de ser composto por “imagens sem imaginação”, comoser composto por “imagens sem imaginação”, como afirmou em algumas ocasiões, seria um conjunto de

afirmou em algumas ocasiões, seria um conjunto de documentos visuais do passado, que,documentos visuais do passado, que, ao contrário dos testemunhos verbais no presente da fi

ao contrário dos testemunhos verbais no presente da filmagem, ancorados na verdade delmagem, ancorados na verdade de seus corpos, de seus traumas e de suas vozes, poderiam ser

seus corpos, de seus traumas e de suas vozes, poderiam ser falsificados ou refutados. Defalsificados ou refutados. De acordo com Lanzmann, todo procedimento que precisa, através de um documento ou acordo com Lanzmann, todo procedimento que precisa, através de um documento ou imagem de arquivo, comprovar aquilo que é dito, entraria no regime da verificação e da imagem de arquivo, comprovar aquilo que é dito, entraria no regime da verificação e da contestação, inscrevendo o testemunho na esfera daquilo que pode ser provado, contestação, inscrevendo o testemunho na esfera daquilo que pode ser provado, contestado ou refutado. De fato, tal lógica é extremamente grave quando se trata do contestado ou refutado. De fato, tal lógica é extremamente grave quando se trata do testemunho de um sobrevivente (

testemunho de um sobrevivente ( superstes superstes) e não do modelo jurídico da testemunha) e não do modelo jurídico da testemunha

ocular, o terceiro em uma cena de litígio, numa situação de tribunal (

ocular, o terceiro em uma cena de litígio, numa situação de tribunal (testistestis))3838..

Admitindo ou não, Lanzmann foi evidentemente influenciado por seu vasto Admitindo ou não, Lanzmann foi evidentemente influenciado por seu vasto conhecimento dos arquivos, chegan

conhecimento dos arquivos, chegando até mesmo a do até mesmo a usá-lo de maneira indireta, através deusá-lo de maneira indireta, através de seus entrevistados, como na sequência com o historiador Raul Hilberg, como chama seus entrevistados, como na sequência com o historiador Raul Hilberg, como chama atenção Simone de Beauvoir 

atenção Simone de Beauvoir 3939. Seu equívoco, entretanto, encontra-se no fato de. Seu equívoco, entretanto, encontra-se no fato de “absolutizar” os documentos, como se fossem imagens totais,

“absolutizar” os documentos, como se fossem imagens totais, encobridoras da realidadeencobridoras da realidade e manipuladoras da verdade, em um

e manipuladoras da verdade, em um típico preconceito metafísico. Mas as itípico preconceito metafísico. Mas as imagens, comomagens, como insiste Didi-Huberman, não são portadoras da verdade, sendo

insiste Didi-Huberman, não são portadoras da verdade, sendo antes um farrapo dela, antes um farrapo dela, umum vestígio sempre incompleto. Nesse sentido, o grande engano de Lanzmann é tomar as vestígio sempre incompleto. Nesse sentido, o grande engano de Lanzmann é tomar as quatro fotografias capturadas pelos membros do Sonderkommando como “documento” quatro fotografias capturadas pelos membros do Sonderkommando como “documento” ou “prova”, como se essas imagens testemunhassem diante de um tribunal, e não como ou “prova”, como se essas imagens testemunhassem diante de um tribunal, e não como

testemunhos visuais

testemunhos visuais do genocídio, fragmentários e parciais, como todo  do genocídio, fragmentários e parciais, como todo testemunho.testemunho.

Apesar de rejeitar

Apesar de rejeitar Noite e neblina Noite e neblina e de afirmar  e de afirmar em diversas ocasiões, como um sacerdoteem diversas ocasiões, como um sacerdote

do Templo, que “não há imagens da Shoah”, fala reverberada por Gérard Wajcman em do Templo, que “não há imagens da Shoah”, fala reverberada por Gérard Wajcman em seu artigo na

seu artigo na Les  Les Temps Temps Modernes,Modernes, Lanzmann não conseguiu escapar dos travellings, Lanzmann não conseguiu escapar dos travellings,

38

38 Sobre a diferença entre essas duas modalidades testemunhais, Sobre a diferença entre essas duas modalidades testemunhais,  superstes superstes ee testis,testis,  ver SELIGMANN-  ver

SELIGMANN-SILVA, Marcio. “O testemunho e a política da memória: o tempo depois das catástrofes”. In: Proj. História, SILVA, Marcio. “O testemunho e a política da memória: o tempo depois das catástrofes”. In: Proj. História, São Paulo, (30), jun. 2005, pp.81.

São Paulo, (30), jun. 2005, pp.81.

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39  “Curiosamente, a recusa de Lanzmann é refutada em seu próprio filme, onde ele recorre, ainda que  “Curiosamente, a recusa de Lanzmann é refutada em seu próprio filme, onde ele recorre, ainda que

raramente, aos arquivos. A recusa aos arquivos é refutada pela declaração do historiador da Shoah, Raul raramente, aos arquivos. A recusa aos arquivos é refutada pela declaração do historiador da Shoah, Raul Hilberg. Tendo em sua mão um documento original dos nazistas que detalhava o transporte dos trens da Hilberg. Tendo em sua mão um documento original dos nazistas que detalhava o transporte dos trens da morte, Hilberg se pergunta: ‘Mas por que um documento como esse é tão fascinante? Quando tenho em morte, Hilberg se pergunta: ‘Mas por que um documento como esse é tão fascinante? Quando tenho em mão tal documento, sobretudo em se tratando de

mão tal documento, sobretudo em se tratando de um documento original, eu sei que a bum documento original, eu sei que a burocracia da épocaurocracia da época o teve, ela mesma, entre as mãos. Isto é um artefato. É isto que fica. Os mortos não estão mais aqui”, em o teve, ela mesma, entre as mãos. Isto é um artefato. É isto que fica. Os mortos não estão mais aqui”, em nossa tradução. Ver: Claude Lanzmann,

nossa tradução. Ver: Claude Lanzmann, ShoahShoah, préface de Simone de Beauvoir, Gallimard, Folio, 1997,, préface de Simone de Beauvoir, Gallimard, Folio, 1997,

2000. 2000.

Referências

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