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A proteção orçamentária dos direitos e garantias fundamentais durante a pandemia causada pelo novo coronavírus no Brasil / Budget protection of fundamental rights and guarantees during the pandemic caused by the new coronavirus in Brazil

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Academic year: 2020

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A proteção orçamentária dos direitos e garantias fundamentais durante a

pandemia causada pelo novo coronavírus no Brasil

Budget protection of fundamental rights and guarantees during the pandemic

caused by the new coronavirus in Brazil

DOI:10.34117/bjdv6n9-072

Recebimento dos originais: 01/08/2020 Aceitação para publicação: 03/09/2020

Júlio Edstron S. Santos

Professor do IDASP e Uninassau de Palmas. Diretor Geral do ISCON do TCE do Tocantins Doutor em Direito pelo UniCEUB. Mestre em Direito Internacional Econômico pela UCB/DF Membro dos grupos de pesquisa NEPATS - Núcleo de Estudos e Pesquisas Avançadas do Terceiro

Setor da UCB/DF, Políticas Públicas e Juspositivismo, Jusmoralismo e Justiça Política do UNICEUB

E-mail: edstron@yahoo.com.br

Rolf Costa Vidal

Secretário Chefe da Casa Civil do Estado do Tocantins, Advogado, Professor, Especialista em Direito

RESUMO

Reconhecendo que o ano de 2020 é atípico devido ao fato de a humanidade enfrentar a maior pandemia do século XXI, causada por uma nova espécie de coronavírus, trazendo consequências severas para o Brasil, questões cotidianas como a execução orçamentária e acesso à saúde precisam ser resinificadas. Por meio do método hipotético dedutivo e análise dos dados primários do Orçamento Público da União, este artigo acadêmico enfrenta a problematização de qual é a ligação entre o Orçamento Público Federal e a proteção dos direitos fundamentais. O objetivo geral é demonstrar que o Direito Tributário e o Financeiro não são antagônicos aos direitos humanos e fundamentais, pelo contrário há uma estreita relação entre eles. O orçamento é um microcosmo democrático em que são feitas escolhas sobre a implementação de políticas públicas e, por consequência, dos direitos e garantidas fundamentais. Durante o ciclo orçamentário as opções políticas e administrativas são implementadas, sobretudo, na Lei Orçamentária Anual, em que há uma previsão de receitas, gastos e investimentos que serão abordados naquele ano.

Palavras-chave: Direitos Fundamentais, Orçamento Público, Execução Orçamentária, Pandemia ABSTRACT

Recognizing that the year 2020 is atypical due to the fact that humanity faces the greatest pandemic of the 21st century, caused by a new species of coronavirus, bringing severe consequences for Brazil, daily issues such as budget execution and access to health need be reframed. Through the hypothetical deductive method and analysis of the primary data of the Federal Public Budget, this academic paper faces the questioning of what is the connection between the Federal Public Budget and the protection of fundamental rights. The general objective is to demonstrate that Tax and Financial Law are not antagonistic to human and fundamental rights, on the contrary there is a close relationship between them. The budget is a democratic microcosm in which choices are made about the implementation of public policies and, as a result of fundamental rights and guarantees. During the budget cycle, political

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and administrative options are implemented, above all, in the Annual Budget Law, in which there is a forecast of revenues, expenses and investments that will be addressed that year.

Keywords: Fundamental Rights, Public Budget, Budget Execution, Pandemic.

1 INTRODUÇÃO

O ano de 2020 representa um desafio para toda a humanidade, uma pandemia causada por um novo coronavírus, popularmente conhecida como COVID-19, paralisou o planeta causando insegurança e medo. Como consequência há milhões de pessoas contaminadas, centenas de milhares morreram em todo o mundo. No Brasil, o número de óbitos ultrapassa a casa dos cem mil mortos e a contagem da perda de vidas cresce acelerada todos os dias.

A economia mundial passa por um enorme revés e os países em desenvolvimento como o Brasil confrontam-se com escolhas trágicas para manter os seus serviços públicos em ação, não há como sustentar programas governamentais e direitos sociais como saúde, educação e segurança indefinidamente. De forma prática, enquanto nação estamos entre opções como saúde ou educação; contratação de profissionais da área hospitalar ou a manutenção de programas assistenciais.

Neste momento de pandemia, questões como efetivação dos direitos fundamentais, acesso a serviços públicos, escolha e execução orçamentária precisam ser resinificadas à luz dos problemas atuais. Neste diapasão, o presente trabalho acadêmico debruça-se sobre a relação entre orçamento público e a concretização dos direitos e garantias fundamentais no Brasil.

Ainda no plano metodológico, serão utilizados o método hipotético dedutivo e a análise dos dados primários gerados pela União, por meio do Portal de Transparência do Poder Executivo e do portal orçamentário Siga Brasil que é mantido pelo Senado Federal. O objetivo geral é aclarar a relação entre o orçamento público e a efetivação dos direitos e garantias fundamentais no Brasil.

Em enquadramento, parte-se da premissa de que há uma relação simbiótica entre o Direito Financeiro e Tributário e os direitos humanos e fundamentais, uma vez que o financiamento de direitos e garantias fundamentais possibilita o seu acesso por literalmente milhões de brasileiros.

O caminho a ser percorrido demonstrará que a pandemia causada pela COVID-19 é tão séria que sobrecarregou as instâncias governamentais e esvaziou o mercado que sofre a maior retração do século XXI, com uma queda de mais de vinte e cinco por cento em toda a América Latina.

A pandemia causa um efeito em cascata, por um ângulo diminui as atividades empresariais, causando prejuízos, gerando desemprego e mais informalidade no ambiente de trabalho e emprego. Também, como efeito, há uma perda de arrecadação tributária em um momento em que as políticas

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públicas e os serviços públicos essenciais são ainda mais necessários, como educação, saúde, seguridade e segurança pública.

Esta pesquisa ainda demonstrará que as informações públicas do governo federal indicam claramente que há uma histórica diminuição da arrecadação pública e, ao mesmo tempo, um aumento nos gastos e investimentos em políticas públicas e efetivação dos direitos e garantias fundamentais.

Na evolução da importância do planejamento orçamentário, optou-se por adotar constitucionalmente um teto de gastos pela Administração Pública, desta maneira, processam-se concorrências entre os direitos e garantias que devem ser efetivados pelo simples motivo de que não há recursos públicos disponíveis para efetivá-los.

Devido às crises presenciadas no contexto brasileiro, a governabilidade e a governança pública estão sendo severamente testadas. O Brasil está diante do seu desafio mais urgente deste século XXI. Situação que ainda é agravada dentro do território em que há consideráveis discrepâncias sociais e financeiras.

Comprovadamente, neste momento, segundo os dados do Portal da Transparência do Poder Executivo Federal, o Orçamento da União já está em desalinho devido às distâncias entre o que está sendo arrecadado e os montantes destinados para investimentos que estão sendo, cada vez mais, necessários para a superação desta crise aguda.

Uma constatação a ser realizada é que todos os direitos têm custos financeiros e orçamentários, em maior ou menor medida, sendo claro que os direitos sociais requerem ainda mais custeios, como a saúde e a educação que prescindem de constantes aportes estatais para se manterem ativos.

Outro ponto que será perseguido neste paper é a demonstração de que, no ambiente de crise causada pela pandemia, o Federalismo Cooperativo brasileiro está atuando e efetivando a distribuição de recursos entre a União, Estados, Municípios o Distrito Federal, principalmente para que haja uma maior condição de se combater os efeitos da COVID-19 de forma sistêmica.

Será salientado que o Federalismo Cooperativo brasileiro é um pacto jurídico complexo em âmbito nacional envolvendo a ordem jurídica federal, abarcando 26 ordenamentos estaduais, mais de cinco mil e quinhentos municípios, sendo que cada ente tem a sua autonomia financeira e administrativa, necessitando de constantes ajustes jurídicos para que se implante um sistema eficaz diante da atual crise sanitária.

O ponto final da pesquisa será alinhar a necessidade de participação da sociedade, sobretudo porque existem possibilidades tecnológicas de inserção popular na elaboração e execução do orçamento público, uma vez que, como já se afirmou, é por meio dele que se opta por uma ação

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estatal ou por outra, portanto, tal decisão não pode ficar apenas restrita à classe política ou aos técnicos.

2 A EXIGIBILIDADE JURÍDICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS NO CONTEXTO DA PANDEMIA CAUSADA PELO NOVO CORONAVÍRUS NO BRASIL

Em 2020 o mundo foi abalado por uma pandemia, causada pelo novo coronavírus, conhecido como COVID-19 e, em questão de poucas semanas, esse vírus atingiu praticamente todos os países do planeta, causando assombro, insegurança e medo à humanidade. A situação é tão séria que historiadoras como Lilia M. Scwarcz (2020) indicam que começaram efetivamente, neste ano, a percepção da indispensabilidade de mudanças necessárias para o século XXI do comportamento humano.

Por causa da atual pandemia, problemas nacionais históricos como a falta de condições de trabalho e emprego formal e informal, as dificuldades de acesso ao sistema de saúde público e as complicações do transporte coletivo se intensificaram e, inclusive, tornaram-se vetores de expansão da doença entre os cidadãos, principalmente os mais necessitados que não puderam permanecer no recomendado isolamento social e precisaram sair de casa para garantir o seu sustento e/ou da sua família

O Brasil foi mostrado como a nação mais urbanamente desigual do mundo, segundo uma pesquisa da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe ou Comissão (CEPAL) do ano de 2019. Por conseguinte, a nação brasileira foi duramente atingida pela COVID-19. No segundo semestre deste ano, há milhões de pessoas contaminadas, centenas de milhares internadas, até mesmo em situação crítica nas Unidades de Tratamento Intensivo (UTI) e, já são mais de cem mil mortos e o número de óbitos cresce vertiginosamente.

A CEPAL (2020) ainda evidenciou que o comércio interno e internacional na América Latina terá um retrocesso de mais de vinte e cinco por cento, trazendo dificuldades de diversas ordens, seja no plano público ou privado1, como o desemprego e o aumento da pobreza extrema em toda a região sul-americana.

A diminuição do comércio na América Latina traz uma série de obstáculos para toda a região, perpassando questões humanitárias, como o fluxo migratório forçado; discussões econômicas como investimento interno e internacional e, também, do desenvolvimento regional porque há um frequente processo de empobrecimento da população local.

1 A Secretária-Executiva da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), Alicia Bárcena,

divulgou em uma coletiva de imprensa o Relatório especial COVID-19 N⁰ 6 da Instituição, intitulado: Os efeitos da COVID-19 no comércio internacional e na logística, em que projeta que o valor das exportações regionais contrairia -23% este ano e o das importações -25%, número também, superior aos -24% registrados durante a crise financeira de 2008-2009 (CEPAL, 2020, p. 2)..

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Especificamente sobre o Brasil, Sergio Abranches sintetizou a situação como “(...) a crise é tríplice e inevitável, de saúde coletiva, econômico-social e política. Temos que evitar uma crise moral. Por todo canto do mundo, imaginava-se que jamais ocorreria uma pandemia como esta” (2020, p. 3). O quadro geral sugere que a sociedade brasileira convive com grande insegurança institucional, com reflexos sobre todo o país.

Neste contexto, a cada momento a governabilidade do Estado brasileiro foi posta à prova2, devido ao complexo sistema de Federalismo Cooperativo3 e a governança pública também esteve provocada frente aos problemas logísticos4 de um país continental, exemplificado nas nuances de realizar-se compras públicas, que precisaram competir no mercado internacional e abastecer municípios isolados, como ocorre na Região Norte do Brasil, em que só é possível acessar algumas cidades por avião ou em grandes jornadas de barco.

O atual momento de crise sobrecarrega as ações estatais, mormente, comprometendo significativas somas financeiras dos recursos públicos para o combate à COVID-19, exigindo a aprovação de uma emenda à Constituição, em regime de urgência, para a realocação de recursos, que ficou conhecida como PEC de Guerra.

Afora os dilemas estatais, o mercado encontra-se com agudos problemas, gerando o aprofundamento do desemprego e a frustração da arrecadação estatal decorrente essencialmente da tributação. Em resumo, o Estado está sobrecarregado e o mercado esvaziado, tal como aponta o gráfico abaixo elaborado pelo Poder Executivo Federal e exposto em seu portal de transparência.

2 Há governadores, em todas as regiões, respondendo com muito mais rigor à ameaça da pandemia. O

confronto entre o presidente e seu ministro e a desobediência serial por Bolsonaro às recomendações da OMS e das autoridades estaduais, como as do governador do DF, apontam para um cenário sinistro, de descontrole da doença no país. Sobretudo se os governadores começarem a relaxar as regras de distanciamento social. O isolamento só encontra oposição no presidente e na facção de degenerados que o apoia. A divergência entre Bolsonaro e Mandetta sobre a necessidade de distanciamento social deve terminar com a demissão do ministro da Saúde. O afastamento do ministro agravará o estranhamento entre o presidente e o Legislativo (ABRANCHES, 2020, p.6).

3 O federalismo cooperativo é compreendido como a convivência harmônica das instâncias federais,

estaduais, municipais e distritais, cada um com suas competências constitucionais e todos voltados a concretização dos direitos e garantias fundamentais.

4 A pandemia da COVID-19 expõe as fragilidades estruturais e os pontos de estrangulamento do SUS, em

particular a falta – ou distribuição desigual –, no território, de profissionais da saúde e de infraestrutura da atenção de média e alta complexidade, bem como a capacidade limitada de produção e realização de testes diagnósticos. Todavia, também traz à tona as fortalezas do maior sistema de saúde público e universal do mundo, que tem um papel preponderante na vigilância e na assistência à saúde, assim como no ordenamento e articulação das ações de enfrentamento à pandemia, nos três níveis de gestão, em todas as Unidades da Federação brasileira. Os desafios que se apresentam são imensos e agravados pela nossa situação social, que impõe condições de vida e saúde precárias, especialmente à população residente nas periferias dos grandes centros urbanos. O recrudescimento de agravos à saúde mental é esperado, em decorrência dos receios gerados pela pandemia e pela situação de isolamento. A sobreposição da COVID-19, no espaço e no tempo, com outras doenças – como as arboviroses transmitidas pelo Aedes aegypti, a influenza sazonal, a tuberculose, a aids, as doenças e agravos não transmissíveis, entre outras –, constitui desafio adicional (OLIVEIRA; et all, 2020, p. 5).

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Fonte: Portal de Transparência Poder Executivo 2020

Diante do gráfico desvendado acima, aflora a noção de que há uma flagrante discrepância entre os valores arrecadados e os gastos e/ou investimentos praticados pela União, evidenciando o comprometimento do Orçamento Público Federal que é o instrumento necessário para a realização de políticas públicas e a concretização de direitos e garantias fundamentais.

Adverte-se que, apesar de chocante e pouco divulgado pela doutrina jurídica nacional, “diz-se habitualmente que os direitos são invioláveis, conclusivos e têm caráter preventivo, mas essas palavras são meros floreios retóricos. Nada que custa direito pode ser absoluto” (HOLMES; SUSTEIN, 2020, p. 2019). Destarte, para qualquer direito ou garantia fundamental, é necessário um investimento estatal, possibilitando o seu acesso por parte da sociedade.

Logo, todos os direitos em maior ou menor medida dependem de recursos públicos. “No geral, o nível de proteção que os direitos de bem-estar recebem é determinado por via política e não judicial” (2019, p. 98). Mesmo, que o senso comum alinhe apenas os direitos sociais como aqueles que prescindem de recursos públicos, uma análise mais acurada, demonstra que para a manutenção de todos os direitos e garantias essenciais são necessárias fontes de custeio públicos, privados ou híbridos.

Outro elemento da construção histórica do Orçamento Público da União, que chama a atenção, é a evolução descompassada do aumento dos gastos públicos5 e a queda da arrecadação tributária, levando-se ao endividamento público, tal como indica o canal de transparência do Poder Executivo Federal.

5 Não se faz um juízo de valor, mas sim uma constatação matemática com base no Portal de Transparência

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Fonte: Portal de Transparência Poder Executivo 2020

O ponto fulcral do gráfico acima é que, ao longo do tempo e de várias gestões governamentais, houve uma constante ampliação do gasto/investimento público e a perda constante de arrecadação. Ainda que os números sejam astronômicos, situados além da casa dos quatro trilhões de reais, chega-se à conclusão de que há cada vez menos recursos discricionários para o custeio de políticas públicas e, consequentemente, efetivação dos direitos e garantias fundamentais pelo Estado brasileiro.

Acresce-se a concepção de que os recursos públicos são vinculados ou discricionários. Os recursos vinculados não podem ser contingenciados e têm uma destinação específica, como exemplo, cita-se os mínimos exigidos pela Constituição em saúde e educação. Já as verbas discricionárias são aquelas em que o gestor público pode escolher a sua aplicação dentro das opções viáveis.

O manejo das verbas vinculadas e discricionárias é o que mais difere o orçamento público do privado. Uma noção equivocada é que um pode ser espelhado no outro. O gestor público não pode escolher não fazer certas despesas, como o investimento mínimo em educação e saúde, sem cometer delitos e ilícitos administrativo e cíveis e penais.

Para este trabalho, adota-se a posição de que o orçamento público é o instrumento jurídico e político que possibilita a realização de políticas públicas e a consolidação de direitos e garantias fundamentais por meio da alocação de recursos públicos que são cada vez mais escassos em um ambiente de participação democrática.

Bem como é um pressuposto desta pesquisa que o cumprimento das leis, dos direitos humanos e dos direitos fundamentais marcam o grau de desenvolvimento de uma sociedade em regra, portanto,

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comportando exceções6, como demonstra o economista indiano Amartya Sen7 (2010). Nesta linha de pensamento também o filosofo Slavoj Zizek (2010), com uma fina ironia, explanou que, por sua relevância, estes direitos essências são tão importantes que por diversas vezes são utilizados paradoxalmente como subterfúgios autoritários ou mesmo como ataques à própria democracia ocidental8.

No plano conceitual, os direitos humanos são aqueles essenciais previstos nos tratados e acordos internacionais e os direitos fundamentais consistem nas previsões contidas na Constituição de um determinado país. Ambos possuem uma força simbólica que os distinguem e os descolam dos textos jurídicos positivados, como descreveu Marcelo Neves (2005).

Um esclarecimento necessário é que não há uma oposição entre o Direito Financeiro e Tributário e os direitos humanos e fundamentais, antes pelo contrário, ocorre uma simbiose em que o financiamento público propicia condições de solidificação das necessidades das pessoas e as pretensões da sociedade brasileira.

Os direitos não nascem em árvores tal qual lecionou Flávio Galdino (2005), ou ainda, conforme a visão acadêmica da escola jusfinanceira uspiana: “é através do Orçamento que serão estabelecidas as prioridades nos gastos públicos e que será possível determinar quanto de recursos será alocado para a implementação dos direitos sociais” (SCAFF, 2014, p. 3). Neste interim, por meio das peças orçamentarias, são direcionados recursos para as políticas públicas que constroem as bases dos direitos e garantias fundamentais.

Hodiernamente, no âmbito federal, há a possibilidade de acesso aos dados da arrecadação e gastos/investimentos públicos, podendo-se verificar a indicação de recursos e a execução orçamentária, até mesmo por ações especificas como a transferência de recursos da União para os demais entes federados, tal como se verifica a seguir.

6 Amartya Sen demonstra em seu livro “Desenvolvimento como Liberdade” que na Índia – o país com maior

número de doutores e pós doutores do mundo existe um milenar sistema de castas sociais que ainda molda a sociedade, até mesmo com práticas excludentes e sexistas.

7 A ideia dos Direitos Humanos tem avançado muito em anos recentes, adquirindo uma espécie de status

oficial no discurso internacional. Comitês influentes reúnem-se regularmente para debater a fruição e a violação de direitos humanos em diversos países do mundo. Certamente a retórica dos direitos humanos hoje em dia é muito mais aceita – na verdade, mais invocada com muito maior frequência - do que no passado. (...) Os direitos humanos também se tornaram uma parte importante da literatura do desenvolvimento, (SEN, 2010, p. 292).

8 Dentro deste contexto podemos situar a proeminente questão dos direitos humanos: os direitos daqueles

que estão morrendo de fome ou expostos a uma violência assassina. Rony Brauman, que coordenou a ajuda à Saravejo, demonstrou como a própria apresentação da crise como “humanitária”, a própria reformulação de um conflito político-militar em termos humanitários, foi sustentada por uma escolha eminentemente política – basicamente, para tomar partido pelo lado sérvio do conflito. A celebração da “intervenção humanitária” na Iugoslávia tomou o lugar de um discurso político, segundo argumenta Brauman, desqualificando, assim, de antemão, todo debate contrário (ZIZEK, 2010, p. 23).

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Fonte: Portal de Transparência Poder Executivo 2020

Ressalta-se, mais uma vez, que o Federalismo Cooperativo Brasileiro, mesmo com problemas e tensões interinstitucionais, vem atendendo as necessidades aprofundadas pela crise sanitária e econômica causada pelo novo coronavírus. Sobretudo, porque vem suplementando os Estados, Municípios e o Distrito Federal com ativos financeiros para o combate à pandemia.

Porém, também é necessário salientar que o financiamento das políticas públicas e o investimento em gastos sociais necessários para o retorno à normalidade estão comprometidos pelo investimento que, até este momento, foi realizado pelos entes federados e, principalmente, pelo aumento da dívida pública e perda da arrecadação, tal qual se depreende do gráfico abaixo.

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Um ponto que salta aos olhos, no gráfico anteriormente colacionado, é a queda abrupta nos gastos/investimentos nas políticas públicas no ano de 2020, momento de aguda crise. Sendo que esta situação se impõe como um ponto de atenção para os órgãos governamentais e a população em geral, até mesmo porque, no momento, a velocidade da recuperação da economia ainda é inserta.

“As políticas públicas dependem, no mais das vezes, com maior ou menor intensidade, de recursos públicos para se viabilizarem, razão pela qual se materializam nas leis orçamentárias” (CONTI, 2020, p. 250). Neste diapasão, seja o Estado brasileiro, pessoa jurídica de Direito Público Externo, a União, Estado-membros e Municípios, pessoas jurídicas com autonomia financeira e orçamentária e a Administração Pública em todas as esferas devem utilizar os recursos do erário para realizar anseios básicos como saúde, educação, transporte ou segurança.

Em um estado federado, como o Brasil, em que o poder político decisório é distribuído entre os entes federados (União, Estados, Municípios e o Distrito Federal), é importante que as competências constitucionais sejam utilizadas para realizar uma proteção multinível dos direitos e garantias fundamentais em favor do cidadão, ou “dentro de este marco multinível de derechos, donde diversos poderes públicos y privados contribuyen a la configuracion del estatuto jurídico de la ciudadania”, tal como registrou Enrique Conde e Rosário Ausina (2018, p.244)9, indicando que se deve estender uma rede de proteção buscando efetivar os direitos econômicos e sociais, ou seja, os direitos sociais, tal qual indica o gráfico ao lado sobre a execução orçamentária com ações sociais básicas, em que os recursos da União são direcionados para os Municípios em função do pacto federativo brasileiro, demonstrado nos dados deste ano pelo Portal de Transparência da União.

9 Un paso más en esta tutela “multinível” de los derechos se encuentra, por último, en la actual tendência a reconecer “cartas sectoriales” de derecho en diversos âmbitos públicos y privados, al objeto de mejorar la transparência, publicidad y honestidade que han de estar presentes en la relacion del ente en cuestion con la ciudadania” (CONDE; AUSINA, 2018, p. 245).

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Os direitos fundamentais são aqueles considerados essenciais e por este motivo são positivados na Constituição de um país. Cada um dos direitos ou garantias fundamentais significa uma luta e a conquista histórica da sociedade, tal como assinala Fábio Konder Comparato (2018) e Lynn Hunt (2009) e, também, a atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal10.

Uma noção propedêutica é que os direitos e garantias fundamentais, por estarem previstos na Constituição, estão no ápice do Ordenamento Jurídico e se irradiam e vinculam todos os comandos jurídicos, tal qual, a lição clássica de Hans Kelsen (2003)11 e atual de Ingo Sarlet (2019)12, ou seguindo a posição doutrinária de J.J Canotilho, “direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente” (2018, p. 393).

Com a Constituição Cidadã de 1988, dissipou-se as dúvidas da aplicabilidade direta dos direitos e garantias previstos de forma expressa ou implícita no texto fundamental, tendo em vista que, conforme o seu artigo 5°, §1°, prevendo que: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata” (BRASIL, 2020, p. 12).

Evidencia-se que todos os direitos e garantias previstos na Constituição estão amparados pela sua aplicação imediata. É claro que, por motivos diversos como a falta de recursos, problemas estruturais ou mesmo déficits históricos, como acontece com a infraestrutura nacional, há problemas para a materialização de previsões essenciais, como por exemplo, o acesso à saúde.

Todos os direitos fundamentais necessitam de alguma maneira de prestações estatais, contudo para a materialização dos direitos sociais, que estão contidos em diversos dispositivos constitucionais, é imperativo que haja uma participação financeira estatal. “Por sua vez, (...) os direitos sociais, como a saúde, a educação, o trabalho, a assistência aos desamparados (impõe) o dever principal de fazer, de agir, de implementar políticas públicas” (MARTINS, 2020, p. 31), que levam a consolidação dos direitos e garantias fundamentais.

Em enquadramento histórico, especificamente os direitos sociais nasceram das necessidades dos trabalhadores por melhores condições de exercício profissionais e evoluíram para demandas da sociedade, tal qual ocorre com a segurança pública, ou conforme a doutrina portuguesa de Canotilho,

10 Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades

clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade. [MS 22.164, rel. min. Celso de Mello, j. 30-10-1995, P, DJ de 17-11-1995.].

11 “Todas as normas cuja validade pode ser reconduzida a uma e mesma norma fundamental formam um

sistema de normas, uma ordem normativa. A norma fundamental é a fonte comum da validade normativa, o seu fundamento em comum” (KELSEN, 2003, p. 217).

12 “(...) os direitos fundamentais nascem e se desenvolvem com as Constituições nas quais foram

reconhecidos e assegurados e é sob tal perspectiva (não excludente de outras dimensões)” (SARLET, 2019, p. 35).

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“independemente da adesão aos postulados marxistas, a radicação da ideia de necessidade de garantir ao homem no plano econômico social e cultural, de forma a alcançar um fundamento existencial-material” (2018, p. 385).

Observa-se que a Corte Suprema Brasileira vem reiteradamente demonstrando a essencialidade dos direitos sociais, reconhecendo, inclusive, a necessidade de atuação constante do Estado para a sua pavimentação em prol da população, sobretudo a massa de cidadãos mais carentes do Brasil, tendo como arquétipo a Ação Direta de inconstitucionalidade (ADI) de n°. 5.938, relatada pelo ministro Alexandre de Moraes e julgada no ano de 201913, sendo, ainda, a jurisprudência dominante o Recurso Extraordinário número 559.646, julgado em 2011 e o Agravo em Recurso

Extraordinário (ARE) número 654.823, sentenciado em 2013, sendo que ambos estabeleceram o

precedente pelo STF assim “o direito à segurança é prerrogativa constitucional indisponível, garantido mediante a implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal serviço” (BRASIL, 2020, p. 478).

Sendo a segurança pública um direito fundamental social, é plausível que haja uma interpretação lógico-sistemática que leve ao entendimento de que todos os direitos da mesma categoria constitucional estão amparados pelo dever de promoção estatal, até mesmo, porque alguns como a saúde e educação têm previsões sobre a utilização mínima de recursos públicos para a sua efetivação.

Sobre os direitos sociais também há a celeuma doutrinária e jurisprudencial sobre a teoria da reserva do possível, que surgiu dos julgados da Alemanha, sobre o acesso universal à educação superior e espraiou-se pelo Ordenamento Jurídico brasileiro, aduzindo que seja por questões financeiras e orçamentarias (reserva do possível simples) ou por comprometimento político (reserva do possível qualificada), os direitos podem ser obstaculizados no plano fático da sociedade, buscando-se também as proibições de excesso ou, ainda, a proteção insuficiente por parte das instâncias estatais14.

13 A Constituição Federal proclama importantes direitos em seu artigo 6º, entre eles a proteção à maternidade,

que é a ratio para inúmeros outros direitos sociais instrumentais, tais como a licença-gestante e o direito à segurança no emprego, a proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei, e redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. A proteção contra a exposição da gestante e lactante a atividades insalubres caracteriza-se como importante direito social instrumental protetivo tanto da mulher quanto da criança, tratando-se de normas de salvaguarda dos direitos sociais da mulher e de efetivação de integral proteção ao recém-nascido, possibilitando seu pleno desenvolvimento, de maneira harmônica, segura e sem riscos decorrentes da exposição a ambiente insalubre (CF, art. 227). A proteção à maternidade e a integral proteção à criança são direitos irrenunciáveis e não podem ser afastados pelo desconhecimento, impossibilidade ou a própria negligência da gestante ou lactante em apresentar um atestado médico, sob pena de prejudicá-la e prejudicar o recém-nascido. [ADI 5.938, rel. min. Alexandre de Moraes, j. 29-5-2019, P, DJE de 23-9-2019.].

14 Ao lado da ideia proibição de excesso tem a Corte Constitucional alemã alegando a proibição da proteção

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A reserva do possível e o mínimo existencial são matérias jurídicas e políticas que definem a perda, ou as condições de acesso a determinado direito ou garantia fundamental, principalmente, em casos de escassez de recursos públicos, tal qual está ocorrendo neste momento de pandemia.

Ponto nevrálgico, para este trabalho acadêmico, é que os direitos sociais necessitam de constantes investimentos estatais para se tornarem efetivos, contudo, não se deve estabelecer um pensamento reducionista de que as previsões constitucionais estão subordinadas a condição financeira, de forma simples, os direitos não ocorrem apenas quando os cofres públicos estão cheios.

O que ocorre é que é preciso aprofundar a simbiose entre direitos fundamentais e o orçamento público. O erário oferece suporte aos direitos econômicos e culturais, na mesma medida que as previsões jurídicas estabelecem padrões privados e públicos de atuação, como por exemplo, o objetivo constitucional de diminuir as desigualdades regionais e a tributação social, elaborada para pavimentar um caminho entre metas fundamentais e a realidade do Brasil, ou de forma sintética “(...) el Derecho, su primera finalidad es resolver problemas sociales: distribuir recursos escasos, o contribuir al incremento o la c conservación de los mismo, evitando situaciones criticas” (ORTEGA, 2013, p. 43).

Porém, mesmo reconhecendo que a Administração Pública não tem uma vara de condão que possa resolver os grandes problemas históricos que assolam o Brasil em um passe de mágica, o momento não é de (re)discussão do mínimo existencial ou do conteúdo intangível dos direitos fundamentais.

O que se busca no atual ambiente de crise(s) é assegurar o acesso ao básico de direitos para a população, sobretudo a mais carente que prescinde do mínimo do mínimo, tal qual aduzido por Flavio Martins15 (2020), que se encontra em situação de extrema pobreza, alijada, em regra, de condições sanitárias mínimas como o acesso à água tratada16.

Até o momento, firmou-se o entendimento de que o Brasil e o mundo passam pela maior pandemia do século XXI. Situação que causa mais stress institucional nas esferas públicas e privadas,

parece que esteja a ferir o princípio da proibição de insuficiência, mas sim um dever de proteção. (MENDES, BRANCO, 2015, p. 76).

15 Apesar da teoria de Flávio Martins, ser inovadora, consistente e coerente, não coadunamos com a ideia de

que apenas o ensino fundamental é o mínimo porque há milhões de pessoas com fome no Brasil.

16 Entre os desafios da infraestrutura nacional, o maior é reverter o atraso no setor de saneamento básico.

Atualmente, 100 milhões de brasileiros vivem em residências que não têm coleta de esgoto (...). Um total de 1.277 cidades brasileiras mantêm contrato para coleta de esgoto, mas não contam com o serviço. Outros 206 municípios mantêm serviços, embora suas delegações estejam vencidas e 36 se valem de contratos precários. É o que mostra estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que calculou os números com base em dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS). De acordo com o levantamento, 1.519 cidades brasileiras – o que representa 57% das 2.677 que têm delegações para serviços de esgotamento sanitário – se encontram em situação irregular, o que significa contrato vencido/inexistente ou delegação em vigor sem a prestação do serviço. (CNI, 2020, p. 2).

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tendo como consequência direta a efetivação de proteção dos direitos fundamentais, sobretudo, os direitos sociais que prescindem de investimentos estatais para se concretizarem.

3 O ORÇAMENTO PÚBLICO E A ALOCAÇÃO DE RECURSOS NECESSÁRIOS PARA A PROTEÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS E A SUPERAÇÃO DA COVID-19

“Que as contas públicas brasileiras vão de mal a pior todos já sabemos. Mas, o cenário não para de piorar. Já que, ano após ano, o déficit fiscal – despesas maiores que as receitas – se acumulam de maneira crescente” (ABRAHAM, 2019, p. 189), preocupando autoridades, acadêmicos e, principalmente, dificultando o acesso a serviços públicos essências à população brasileira.

Das discussões sobre as vantagens dos modelos estatais liberais ou sociais, que haviam se estabelecido no Brasil em 2019, foram suplantadas pelas crises econômicas e sociais de 2020. Situação que indica a necessidade de um reposicionamento estatal para enfrentamento da pandemia e recuperação da economia em um segundo momento.

O desemprego, altos índices de trabalho informal e desigualdade social lembram que há graves problemas a serem enfrentados rapidamente. “O que os mais otimistas podem não ter enxergado é que o mundo pós-pandemia começou a ser construído durante a própria pandemia e não foi nada bonito de se ver” (CARVALHO, 2020, p. 122) e, infelizmente o quadro continua a piorar.

Como demonstrado há um firme liame entre a necessidade de recursos e a efetivação dos direitos e garantias fundamentais, sendo esta uma conclusão depreendida da pré-republicana lição de José Rubino de Oliveira “(...) o pensamento, a discussão e a execução são phases geraes, sob as quaes se manifesta a actividade administrativa” (1884, p. 72).

A mais de um século se ataviava a necessidade de alocação de recursos para que a Administração Pública procedimentalizasse os direitos e garantias fundamentais da população brasileira, sendo, portanto, necessário que o orçamento público seja observado sempre com mais cuidado por todos os envolvidos, do planejamento à execução dos gastos e aos investimentos do erário.

Ainda do ponto de vista histórico, José Maurício Conti (2020) demonstrou que o controle orçamentário tem raízes no vetusto artigo 13 da Magna Carta inglesa de 1215, documento que impôs formalmente limites a atuação real17. Posteriormente, as peças orçamentárias foram gradativamente incorporando-se aos paradigmas do Estado liberal, social e democrático de direito, tornando-se eficazes para a gestão pública.

17 Art. 12 Nenhuma “ajuda” ou “tributo de isenção militar” será estabelecida em nosso reino sem o

consentimento geral, a não ser para o resgate de nossa pessoa, para fazer cavaleiro nosso filho primogênito, e para casar nossa filha primogênita. Para estes propósitos, somente poderá ser estabelecida uma ajuda razoável. De igual maneiro se procederá quanto às ajudas da cidade de Londres (MAGNA CARTA LIBERTATUM).

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No Brasil a Constituição Imperial de 1824 já reconhecia a necessidade de utilização de leis orçamentárias, adotando o parâmetro de atuação do Poder Executivo assim “é demais ele que prescinde à execução das leis do orçamento que responde pela legalidade das despesas e boa fiscalização da receita”, tal como doutrinou Pimenta Bueno (1978, p. 233).

Contemporaneamente, “o orçamento é ato legal que dá competência ao Executivo a executar despesas públicas, investimentos, com base na arrecadação de receitas, com base na arrecadação de receitas” (CALIENDO, 2019, p. 1862). Conceitualmente o orçamento público é o conjunto de receitas e despesas que serão realizadas em determinado ciclo orçamentário. Por força constitucional, o orçamento estatal é projetado em quatro anos com o Plano Plurianual (PPA) e, anualmente, executado com a Lei de Diretrizes Orçamentárias Anual (LOA).

Sendo, inclusive, possível afirmar que as escolhas efetuadas no plano orçamentário representam um microcosmos democrático, porque haverá uma intensa discussão sobre em que atividade estatal, sobre qual atividade serão alocados recursos públicos, na esfera federal, estadual, municipal ou distrital.

Em termos constitucionais, o orçamento público é juridicamente amparado por três leis orçamentárias, a saber, o Plano Plurianual (PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Lei Orçamentária Anual (LOA). Tendo ainda que essa legislação interage entre si, auxiliando o planejamento estatal a médio e curto espaço temporal, possibilitando o acompanhamento de receitas, despesas, metas e objetivos políticos18 e administrativos.

No contexto atual, as leis orçamentárias são celebradas como “a mais importante depois da Constituição”, segundo a doutrina de José Maurício Conti (2018, p. 159), com base no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n°. 4.048/2008, em que o Ministro Gilmar Mendes

18 Fiscalização abstrata de normas orçamentárias. Anexo de lei orçamentária anual (LOA – Lei 13.225/2016).

(...). Legítimo controle orçamentário pelo Poder Legislativo. Ausência do abuso do poder de emenda. Inocorrência de desvio de finalidade ou de desproporcionalidade. (...) O abuso do poder de emenda, assim como do descumprimento das premissas de proporcionalidade (ou de razoabilidade), não pode ser acolhido quando suscitado de forma genérica, diante da ausência de impugnação específica e adequada dos requisitos normativos reveladores desses excessos invocados – em quaisquer das tradições teóricas sustentadas (seja a do desvio do poder, seja a da proporcionalidade, ou ainda a da razoabilidade). O desvio de finalidade tem como referência conceitual a ideia de deturpação do dever-poder atribuído a determinado agente público que, embora atue aparentemente dentro dos limites de sua atribuição institucional, mobiliza a sua atuação à finalidade não imposta, ou não desejada pela ordem jurídica, ou pelo interesse público. O abuso parlamentar não se configura, sob o ângulo da principiologia dos subprincípios da proporcionalidade (necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito), quando imposta a redução do orçamento público destinado a órgãos e programas orçamentários, em decorrência de crise econômica e fiscal. (...) A Jurisdição Constitucional, em face da tessitura aberta de conformação legislativa prevista pelo inciso I do § 3º do art. 166 da CRFB/1988, não detém capacidade institucional automática ou pressuposta e não pode empreender, no âmbito do controle abstrato, a tarefa de coordenação entre o PPA e as respectivas LDOs e LOAs. Consectariamente, diante da ausência de abusividade, deve-se declarar que a função de definir receitas e despesas do aparato estatal é uma das mais tradicionais e relevantes do Poder Legislativo, impondo-se ao Poder Judiciário, no caso, uma postura de deferência institucional em relação ao debate parlamentar, sob pena de indevida e ilegítima tentativa de esvaziamento de típicas funções institucionais do Parlamento. [ADI 5.468, rel. min. Luiz Fux, j. 30-6-2016, P, DJE de 2-8-2017.]

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sentenciou “A lei orçamentária é a lei materialmente mais importante do ordenamento jurídico logo abaixo da Constituição” (BRASIL, 2020, p. 15), isto porque, por meio delas são financiadas políticas públicas, direitos e garantias fundamentais e, até mesmo, a democracia brasileira, sobretudo, por meio de fundos próprios.

“O orçamento público há muito deixou de ser peça de natureza contábil para se tornar um instrumento efetivo de controle da sociedade sobre as finanças públicas” (HENRIQUE, 2018, p.31). Além dos instrumentos eletrônicos para participação social e acompanhamento orçamentário, foram realizadas experiências exitosas da participação popular na elaboração das propostas para distribuição do erário em Porto Alegre e Belo Horizonte, como ponderou Leonardo Avritzer (2007).

Marcus Abraham (2019) evidencia que as discussões atuais focalizam o orçamento público como um instrumento efetivo de gestão, já não se aceitando que ele seja uma mera peça ficcional ou de contabilidade criativa. Reforça-se, na elaboração orçamentária, há a necessidade de inclusão da sociedade para se construir a democracia e se promover o controle social das decisões, implementações e resultados das deliberações aprovadas.

No Brasil, o orçamento público foi transformado em um peça jurídica e política de gerenciamento de recursos escassos com a promulgação da PEC do Teto de Gastos (EC 95/2016), limitando a utilização dos recursos da União. Cada escolha orçamentária representa uma prioridade da própria sociedade, sendo, portanto, necessário o acompanhamento dos órgãos de controle e da população para se evitar distorções ou, ainda, seguindo Fernando Scaff que aduz: “costumo dizer que o orçamento é um sistema de vasos comunicantes, pois alterar um item implicará necessariamente em movimentar outro” (2018, p. 4).

Ao longo da trajetória da Administração Pública brasileira, o orçamento ganhou relevância por possibilitar o acompanhamento do uso do erário para a construção de políticas públicas e efetivação dos direitos fundamentais exigidos pela sociedade. “Mesmo não sendo possível ignorar que o orçamento, desde o início, representa uma importante conquista como instrumento disciplinador das finanças públicas, sua função principal foi a de possibilitar (...) o controle do Executivo” (GIACOMONI, 2018, p.55).

Com o contexto atual, o orçamento da União pode ser acompanhado em tempo online, por canais oficiais, por exemplo, pelo Portal de Transparência do Poder Executivo Federal e Siga Brasil, que é mantido pelo Senado Federal, por eles é possível acompanhar a arrecadação e efetuação de despesas, auxiliando no controle social. Ainda com base nestas ferramentas, tem-se o volume total dos recursos que são esperados para este ano, tal como indica o gráfico abaixo.

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Fonte: Siga Brasil/2020

Pelo parâmetro das informações acima, percebe-se que a União tem como planejamento a arrecadação de mais de quatro trilhões de reais. Em termos numéricos, é um altíssimo valor, demonstrando o porquê do Brasil figurar como a sexta maior economia do mundo.

Porém, quando se confronta o valor orçado pela União com as necessidades da sociedade brasileira, os altos custos da má gestão, da corrupção19 e do combate à pandemia, o numerário torna-se escasso para torna-se resolver estes significativos problemas.

Outro ponto orçamentário brasileiro causador de calafrios em gestores e na população é o endividamento público, situação comprometedora da capacidade estatal de realizar investimentos públicos em áreas essenciais diversas como a infraestrutura ou a seguridade social, tal como aponta a distribuição de recursos da União no gráfico a seguir.

19 O Banco Interamericano de Desenvolvimento demonstra reiteradamente que há uma perda de até trinta

por cento com atos de má gestão ou corrupção em todo o mundo. “Um estudo realizado pelo Departamento de Competitividade e Tecnologia (Decomtec) da Fiesp (Federação das Indústrias de São Paulo) revelou os prejuízos econômicos e sociais que a corrupção causa ao País. O valor chega a R$ 69 bilhões de reais por ano (...) Entre 180 países, o Brasil está na 75ª colocação, no ranking da corrupção elaborado pela Transparência Internacional. Numa escala de zero a 10, sendo que números mais altos representam países menos corruptos, o Brasil tem nota 3,7. A média mundial é 4,03 pontos. Além disso, o levantamento também traz simulações de quanto a União poderia investir, em diversas áreas econômicas e sociais, caso a corrupção fosse menos elevada. Veja abaixo o quanto poderia ser investido do dinheiro gasto em corrupção no Brasil” Disponível em: https://sindjufe-mt.jusbrasil.com.br/noticias/2925465/o-preco-da-corrupcao-no-brasil-valor-chega-a-r-69-bilhoes-de-reais-por-ano.

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Fonte: Siga Brasil/2020

Seguindo o ensinamento aristotélico20 (2015) de que a virtude está no comedimento, é preciso entender que o orçamento público não se confunde com o particular. Existem receitas que não podem ser minoradas ou deixadas de lado, como o pagamento de servidores, investimentos em saúde e educação. Por conseguinte, o que se espera de uma boa gestão pública é que ela tenha equilíbrio entre os gastos/investimentos e o austericídio21, distinguindo que ambas alternativas podem prejudicar a economia e, principalmente, a sociedade.

Aceitando-se a ideia de que o orçamento público é finito e escasso, impõe-se que cada escolha estatal seja feita com cuidado, os riscos sejam medidos e a eficiência se torne comprovada. “Neste sentido, os orçamentos devem basear-se em resultados e a administração pública deve ser controlada e responsabilizada por eles” (GIACOMONI, 2018, p.55).

Dois apontamentos feitos por Fernando Scaff podem contribuir neste momento, o primeiro é que “o orçamento público é o local, por excelência, no qual o governo realiza a justiça distributiva, isto é, aquela na qual se redistribui as riquezas de uma sociedade” (2018, p. 149), ou seja, por meio das peças orçamentarias o Estado incentiva ações ou esvazia políticas públicas, devendo agir com parcimônia e buscar cumprir os objetivos, direitos e garantias fundamentais.

20 Logo, a virtude versa os afetos e ações, nos quais o excesso é erro e a falta é censurada, porém o meio

deles se enquadra com justeza, e é louvado: e estas duas condições são próprias da virtude (2015, p. 57).

21 No momento atual, a crise é outra. Há dúvidas importantes e crescentes a respeito dos paradigmas de

políticas públicas a serem adotados. Embora os Direitos Culturais, SNC e PNC tenham sido constitucionalizados, como já escrevemos, os ataques retóricos aos artistas, as dificuldades em relação à mobilização política, a desconstrução efetiva da participação social e dos conselhos nacionais e, repetindo-se historicamente, contudo, de forma mais intensa, as dúvidas em relação ao financiamento, geram a sensação de que começa a se desenhar uma crise de outra magnitude. A crise é de paradigma. O paradigma de política cultural centrado na ideia da democracia cultural e na institucionalização de políticas federativas, mesmo que não tenha sido completamente articulados em governos anteriores, passa a conviver com outro que começa a se gestar, recessivo e redutivo em relação ao conceito de direitos culturais e receptivo à ideia de que o mercado oferta cultura, de que a política cultural pode ser objeto de regulação moral e orientações ideológicas particulares e de que a limitação de recursos pode ser justificada em nome de um Estado reduzido (SILVA; ZIVIANI, 2020, p. 4).

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O segundo ponto levantado pelo autor em comento é que o orçamento “trata-se do ambiente no qual o governo faz as ”escolhas trágicas” de distribuição dos recursos arrecadados” (SCAFF, 2018, p. 149). Isto porque, em um país em desenvolvimento, as necessidades são muitas, a diferenças abissais e os recursos são parcos.

Para contextualizar a segunda afirmação acadêmica de Scaff (2018), escolhe-se o exemplo de que, em meio a pandemia causada pela COVID-19, um ente estatal pode ser levado a escolher sobre a manutenção de um hospital ou uma escola, todas situações de escolhas trágicas. Haja vista que ambos são direitos fundamentais e possuem a mesma hierarquia, são claros mínimos constitucionais que são exigidos juridicamente, o gestor ou julgador pode se ver diante uma “escolha de Sofia”.

Reconhece-se que não é uma decisão fácil, são possíveis vários caminhos que perpassam escolhas pessoais, decisões institucionais, posições tecnocratas ou, até mesmo, a motivação de participação democrática, tal qual ocorre com os modelos de orçamento participativo.

Um exemplo da escolha de alocação de recursos foi a aprovação da “PEC de Guerra”, contra o novo coronavírus, possibilitando que a União executasse um orçamento paralelo, específico para o enfrentamento da pandemia, com os seguintes valores orçados.

Fonte: Siga Brasil/2020

Adverte-se, outra vez, que os valores nominais são surpreendentes, porém devem ser cotejados com os desafios e os custos de uma pandemia em um país de dimensão continental, com uma população de mais de duzentos e vinte milhões de pessoas, socialmente diverso e com um déficit histórico de acesso ao direito fundamental à saúde.

Outro ponto que precisa ser evidenciado é a dificuldade de execução do orçamento da PEC de Guerra pela União, ente que deve interagir por expressa disposição constitucional e pelo imperativo do Federalismo Cooperativo, com vinte e seis estados membros, o distrito federal e mais de cinco mil e quinhentos municípios, cada um com legislações próprias, particularidades e

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necessidades diversificadas, situação que pode ser dimensionada com os desafios de uma cidade no interior do Amazonas e outra no Rio Grande do Sul em um ambiente de crise sanitária por causa da COVID-19. Contudo, o esforço estatal, ainda que com críticas, vem se demonstrando eficiente, tal como se observa pelos valores que já foram pagos e liquidados, ou seja, foram efetivamente utilizados.

Fonte: Siga Brasil/2020

O volume de mais da metade dos recursos originalmente destinados demonstra que houve resultados efetivos nesta política pública federal. A distribuição dos recursos usados para o combate ao novo coronavírus também corrobora com a obrigação de enfrentamento dos desafios pela União neste momento pandêmico.

Fonte: Siga Brasil/2020

Além da concretização do Federalismo Cooperativo, a distribuição dos recursos para o combate à COVID-19 também indica a necessidade de uma ampla rediscussão sobre os investimentos que devem ser dispensados para o sistema de seguridade social brasileiro, que envolve a saúde, assistência e seguridade pública, configurando o cerne da Ordem Social brasileira ou, de forma clara,

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o mínimo do mínimo que qualquer pessoa no Brasil tem direito ao acesso22, nos termos específicos de cada um, simplesmente por ser uma pessoa.

Um último ponto que demonstra as ligações entre o Orçamento Público e a efetivação dos direitos das pessoas é encontrado nos orçamentos do Ministério da Saúde e dos investimentos em Seguridade Social apresentados no Portal Siga Brasil que, em tempo online, disponibiliza a arrecadação, gastos, investimentos e liquidação de ativos financeiros e orçamentários da União.

Fonte: Siga Brasil/2020

Apesar do Ministério da Saúde possuir o segundo maior orçamento da União, a manutenção de hospitais, aquisição de materiais, equipamentos e pagamento de profissionais deixa pouco espaço para investimentos sociais. Situação que é piorada pela dívida histórica no sistema de saúde brasileiro. Sendo até salutar não se olvidar que apenas com a Constituição de 1988 criou-se um Sistema Único de Saúde (SUS), com parâmetros universais e integrais em que qualquer pessoa tem o direito de ser atendido.

O SUS se traduz em uma revolução silenciosa e democrática no Brasil, tal como indicara Gouveia et all (2020), milhões de pessoas que não tinham acesso ao direito à saúde passaram a ter condições de atendimento em uma estrutura que envolve todos os entes federados e atores públicos e privados e a alocação de bilhões de reais.

Outro ponto que se sobressai é a execução orçamentaria do Fundo Nacional de Saúde, ação governamental federal capaz de cumprir a competência para operacionalizar as transferências constitucionais entre os entes federados e instituições conveniadas para o exercício das atividades sanitárias e que são imprescindíveis neste momento de crise pandêmica.

22 Não se olvida que para acessa a Previdência Social é necessário a contribuição específica. O ponto

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Fonte: Siga Brasil/2020

Tal qual a consagrada música de Geraldo Vandré “para não dizer que não falei das flores”, as escolhas orçamentárias têm um forte conteúdo político e, neste sentido, não estão livres de vieses ideológicos e com idiossincrasias claras. Havendo tanto um espaço para discricionariedade quanto para o exercício de controles, internos, externos e sociais. Fato que se evidencia nas discrepâncias entre a liberação de recursos no mesmo ciclo orçamentário, iu até mesmo na distribuição de emendas parlamentares.

Um último ponto a ser examinado é a utilização do Orçamento da União por funções orçamentárias.

Fonte: Siga Brasil/2020

O gráfico acima exemplifica as escolhas que são efetuadas na elaboração do Orçamento Público, em termos constitucional, não há hierarquia entre direitos e garantias fundamentais. Porém, em termos orçamentários, determina que política pública pode ser incentivada por meio da injeção de recursos ou desidratada por ações que não estejam alinhadas com a linhas governamentais.

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As análises dos dados orçamentários da União possibilitam entender, por utilização do método hipotético dedutivo, que a situação, sobretudo, por previsão constitucional e, até mesmo, por causa do princípio da simetria, repete-se em maior ou menor medida nos Estados-membros e municípios.

A situação financeira do Brasil é grave, mesmo havendo recursos que estão se tornando ainda mais escassos. Mas, ao mesmo tempo, há o exercício constante de interações interinstitucionais, por causa do Federalismo Cooperativo, com transferência de vultuosos recursos entre a União, Estados, Municípios e o Distrito Federal.

O ponto central deste artigo foi demonstrar que há uma ligação direta entre as leis orçamentárias, a consolidação das políticas públicas e a concretização dos direitos e garantias fundamentais.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No ano de 2020, a humanidade enfrenta o seu maior desafio no século XXI. Uma nova espécie de coronavírus, conhecida como COVID-19, causou medo e insegurança a todos por ser uma doença sem cura, até o momento, causando centenas de milhares de mortes, milhões de contaminações e mais de cem mil mortes no Brasil.

Devido à COVID-19, ocorreu um considerável prejuízo para as atividades empresariais, originando demissões, aumento na informalidade e, ainda, mais pressão nos serviços públicos essenciais. Uma síntese do momento é que o Estado está sobrecarregado e o mercado momentaneamente esvaziado. Situação que causa ainda mais diminuição do volume de recursos públicos disponíveis, haja vista que há acelerada frustração de arrecadação de tributos.

Pelo relatado exposto, torna-se evidente que a pandemia aprofundou a crise econômica e social que era experimentada pela população brasileira, inclusive, deixando claro que, nas discussões, se haveria mudanças das características de Estado Social ou Liberal no Brasil para o reconhecimento de que no ano de 2020 as ações estatais são imprescindíveis.

A falta de recursos discricionários disponíveis impõe aos agentes estatais a necessidade de tomarem decisões trágicas, como por exemplo, utilizar o erário para construir um hospital ou uma escola, ou ainda, contratar profissionais de saúde, ou adquirir equipamentos escolares. Esta situação compele a tomada de decisões dignas “da mitologia grega de Sofia”.

Por meio do método hipotético dedutivo e análise dos dados oficiais do Orçamento da União, disponibilizados pelo Portal de Transparência do Poder Executivo e, também, do Siga Brasil que é mantido pelo Senado Federal, o presente texto acadêmico demonstrou, como objetivo geral, que há uma simbiose entre o Direito Financeiro e Tributário e os direitos humanos e fundamentais.

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O ponto acadêmico central buscado foi elucidar que todos os direitos prescindem de recursos estatais, contudo os direitos sociais prescindem de constantes investimentos para atender as demandas da sociedade, tais quais a educação, saúde e segurança.

Um assunto elucidado no texto foi que os direitos sociais precisam de recursos públicos para se tornarem efetivos no Brasil, mas, ao mesmo tempo, não se subordinam às condições financeiras do Estado. O que se iluminou foi que os direitos e garantias fundamentais estabelecem padrões que somente podem ser atendidos com o investimento do erário.

Nesta linha de pensamento, o planejamento, elaboração e execução do orçamento público é um microcosmos democrático, posição em que serão feitas escolhas sobre quais direitos serão privilegiados com a indicação de meios financeiros e orçamentários e aqueles que ficaram em um segundo plano, tendo em vista que os recursos são cada vez mais escassos na União e, quase que invariavelmente, nos demais entes federados.

Delimitou-se que o orçamento público cumpre os imperativos constitucionais e se materializam em leis orçamentárias, principalmente no Plano Plurianual (PPA), Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) e Lei Orçamentária Anual (LOA), prevendo os investimentos em políticas públicas e concretização dos direitos e garantias fundamentais em todos os entes federados, ou seja, União, Estados, Municípios e o Distrito Federal, por meio da apresentação das fontes de custeio.

A crise só não está sendo mais lesiva à população brasileira por causa das ações tomada pela União aprovando por Emenda à Constituição a “PEC de Guerra”, viabilizando um vultoso orçamento para o enfrentamento da COVID-19, sobretudo, transferindo recursos financeiros para os demais entes federados, por meio do Federalismo Cooperativo, ou seja, o pacto para o exercício das competências constitucionais em parceria entre todos os entes federados, formando um verdadeiro condomínio jurídico do Estado brasileiro.

Uma questão discorrida demonstrou que o valor nominal do Orçamento da União é compatível com a sexta maior economia do mundo, porém, ao lado dos vultosos números, há problemas históricos, estruturais e a mais desigual região urbana do mundo, tudo isto em meio a maior pandemia deste século, equilibrando os valores e as dificuldades.

Avançando, consignou-se que as escolhas orçamentárias devem ser acompanhadas pela sociedade devido às novas tecnologias de inclusão social. A distribuição do orçamento precisa da participação da população envolvida para que se tenha efetivamente a legitimidade democrática e, sobretudo, um instrumento para a superação das atuais crises financeiras e orçamentárias.

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Referências

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