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Brasil : um projeto para o século XXI - o modelo de 'especializações avançadas'

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(1)

FUNDAÇÃO

GETULIO VARGAS

EPGE

Escola de Pós-Graduação em Economia

Centro de Estudos de

Reforma do Estado

TfXTO PARA DISCUSSÃO

N° 013 Brasil: Um Projeto para o Século XXI - O Modelo de "Especializações Avançadas"

João Paulo dos Reis Velloso

Agosto de 1998

Coordenação Geral

Prof. Rubens Penha Cysne

Diretor de Pesquisas da

Escola de Pós-Graduação em Economia

da Fundação Getulio Vargas a

(2)

Brasil: Um Projeto para o Século XXI - O Modelo de "Especializações Avançadas"1

João Paulo dos Reis Velloso

Instituto Nacional de Altos Estudos - INAE

Rua Sete de Setembro, 71-17° andar

Centro - 20050-005 - Rio de Janeiro

Tel.: (021) 242-4025 / 224-1013

E-mail: inae_sup@rio.nutecnet.com.br

Agosto de 1998

Trabalho elaborado para o X Fórum Nacional realizado no BNDES no

período de 11 a 14 de maio de 1998.

(3)

SUMÁRIO

Página

O DESAFIO: O BRASIL TEM UM PROBLEMA ESTRUTURAL DE

COMPETITIVIDADE. E A SOLUÇÃO PROPOSTA: O MODELO DE

"ESPECIALIZAÇÕES

AVANÇADAS." 03

AS ORIGENS HISTÓRICAS DAS DISTORÇÕES DO NOSSO

DESENVOLVIMENTO: AS TRÊS TRADIÇÕES CULTURAIS E SUAS

RAÍZES POLÍTICAS 11

A primeira tradição cultural: inexistência, no

projeto de desenvolvimento

da Independência e do Império, de papel relevante para a população pobre. 12

A segunda tradição cultural: o uso extensivo de recursos naturais,

geralmente com métodos primitivos. 20

A terceira tradição cultural: a pouca integração entre a Universidade e o

27 desenvolvimento econômico e social

A CONSTRUÇÃO DO MODELO DE "ESPECIALIZAÇÕES AVANÇADAS"

E SEUS PROJETOS ESTRATÉGICOS 32

Desenvolvimento acelerado de capital humano 33

Desenvolvimento de recursos naturais, pela maior aplicação de Ciência

e Tecnologia (num contexto de desenvolvimento sustentável) 35

Maior domínio da tecnologia moderna, pela melhor integração entre

38 Universidade e desenvolvimento

Significado do modelo proposto e suas repercussões sobre as vantagens

comparativas dinâmicas do País

Pressupostos do modelo de

"especializações

avançadas"

Viabilidade do modelo e instrumentos de execução 51

IMPLICAÇÕES DO MODELO E CONCLUSÃO 54

Implicações sociais e políticas 56

Conclusão: uma visão humanista 58

43

48

(4)

O DESAFIO: O BRASIL TEM

UM PROBLEMA ESTRUTURAL

DE COMPETITIVIDADE. E A SOLUÇÃO PROPOSTA:

O MODELO DE "ESPECIALIZAÇÕES AVANÇADAS."

O presente trabalho apresenta uma proposta,

que se pretende objetiva e

realista, de converter o Brasil, no espaço de cerca de duas décadas, da condição

atual, de competidor internacional apenas razoável

(na segunda divisão de

competidores), em grande competidor (ascendendo à

primeira divisão). Seria esta

a melhor forma de

preparar o País para os desafios do desenvolvimento no Século

XXI.

Parte a

proposta da constatação de ter o Brasil um problema estrutural

de competitividade,

que só se resolve no longo prazo. E por isso cabe considerá-lo

em visão estratégica.

Ao longo da década de 90, tem-se realizado um esforço de resolver dois problemas fundamentais para o nosso desenvolvimento: a conquista e, agora, a

consolidação da estabilidade de

preços; e a construção de um modelo de economia internacionalmente competitiva. Trata-se de substituir o antigo modelo, da era

"nacional-desenvolvimentista",

que foi capaz de criar, entre 1930 e 1980, uma

grande economia industrial , integrada e diversificada

(embora com todas as

distorções conhecidas), mas

que se foi desmontando nos anos 80, e acabou

superado

pelas novas realidades do País e da economia mundial.

Tal economia internacionalmente competitiva destina-se a

proporcionar

ao Brasil uma estratégia capaz de, nas atuais condições da economia mundial

(abertura econômica, globalização - e regionalização -, novo

paradigma industrial

e tecnológico), conduzir-nos a um novo ciclo longo de crescimento, estável e

rápido, sem os riscos de estrangulamento externo que levaram ao colapso vários

ciclos anteriores.

Para esse fim, a ênfase do atual estágio vem sendo em tornar mais

competitivos os nossos setores de tradeables

(isto é, produtos competitivos com as

(5)

importações - ou capazes de substituí-las ou voltados

para as exportações). Isso

permitirá reduzir a níveis sustentáveis o déficit em conta corrente do balanço de

pagamentos (4,3% do PIB, em 1997), eliminando uma

grande vulnerabilidade

atual do País. É

parte desse esforço o atual programa do Governo, de dobrar as

exportações brasileiras até o ano 2002 (para atingir a ordem de US$ 100 bilhões

por ano).

A esse propósito, faz-se oportuno recordar uma das lições

(são tantas)

da recente crise da Ásia: apesar de serem modelos exportadores

(ou seja,

economias altamente orientadas para a competitividade internacional), tanto a

Coréia como os outros países mais afetados

pela crise enfrentaram problemas de

perda de competitividade, segundo reconhece o recente estudo do Banco Mundial

sobre o tema1.

No caso da Coréia, conhecido relatório2 (divulgado em outubro de 97)

refere-se a um

"quebra-nozes

competitivo"

(competitive nutcracker): o país teria

ficado imprensado entre a forte competitividade das altas tecnologias do Japão e a

ofensiva chinesa base de produtos intensivos em mão-de-obra não

qualificada).

Os demais

países afetados também teriam tido perda de dinamismo nas

exportações,

por causa da competição japonesa e chinesa.

Se olharmos

para a América Latina, o último relatório sobre a

competitividade mundial

(do Internacional Institute for Management Development

-

IMD) classifica o Chile como o

país mais competitivo da região (26° lugar, para o

37° lugar do Brasil). Efetivamente, nos últimos tempos, o Chile tem tido excelente

desempenho de balanço de

pagamentos, convertendo-se em verdadeiro modelo

exportador. Mas suas especializações são ainda limitadas, e pouco flexíveis:

cobre, frutas de clima temperado.

Essas duas constatações colocam a importância de ver o problema da

competitividade do ponto de vista dinâmico, ou seja, ao longo do tempo. E de

fazer a indagação: competitivo em

quê? Em setores dinâmicos, com facilidade de

(6)

mudança nas linhas de produtos em que se tem competitividade? Pois é isso que

interessa.

Se examinarmos o desempenho recente brasileiro, vamos chegar à

conclusão de haver dois principais tipos de dificuldade (do ponto de vista

estrutural) ao objetivo de um crescimento rápido e estável das exportações. De um

lado, no Fórum Nacional de 1993, um conjunto de estudos3 revelou

que a nossa

estrutura de exportações

pouco se modificou, desde 1984, quando concluímos os

grandes programas de investimentos em tradeables do II PND (Insumos Básicos e

Bens de Capital, além de Energia). Isso mostra a lentidão

(agravada pela crise dos

anos 80) com

que modificamos as nossas especializações (vantagens comparativas

dinâmicas). Chegou-se a dizer que o Brasil era o campeão da segunda divisão (ou

seja, éramos bastantes eficientes em commodities industriais, como Siderurgia e

Celulose/Papel). Mas estávamos fora da primeira divisão.

De outro, o Fórum de 1997 colocou em evidência o fato de estarmos

virtualmente fora do campo das exportações dinâmicas mundiais4

(digamos: numa

lista de 100

produtos mais dinâmicos, estamos bem colocados em 5 deles). Daí se

vê a dificuldade atual de nos situarmos bem,

particularmente no campo das novas

tecnologias.(#)

Além disso, no tocante às importações, devemos

prevenir-nos contra o

risco de

grandes saltos no seu coeficiente de penetração, como aconteceu em anos

recentes. A forma de fazê-lo é

pela criação, no País, de configurações

sustentáveis. Ou seja, de estruturas industriais capazes de competir com as

importações, nos principais setores.

podemos, então, dizer o seguinte: é muito importante a reestruturação

industrial

que vimos fazendo, desde o início da abertura econômica, em 1990, e

( }

As principais linhas de exportações dinâmicas ou fazem jus a forte elasticidade - renda

da demanda ou se caracterizam por rápido

progresso tecnológico, que permite o freqüente lançamento de novos

produtos ou o grande crescimento da produtividade, com a conseqüente redução de custos e preços. Os segmentos mais importantes das novas

tecnologias, não raro, reúnem duas ou três dessas condições.

(7)

particularmente nos últimos anos. Realizamos grandes

ganhos de produtividade

(com perda de emprego, é verdade), estamos tornando bem mais competitivos os

nossos setores de tradeables e fortalecendo nossa capacidade de exportar em

Agroindústria, Indústrias Tradicionais, Insumos Básicos. Com isso, mantemos os

industrializados com uma

participação de 65 a 70% das nossas exportações totais.

Entretanto,

para dar sustentabilidade à abertura e dinamismo ao

crescimento estável, será preciso, nas próximas décadas, expandir rapidamente

nossas exportações,

(a taxas de pelo menos 10% ao ano). E,

para isso, teremos de

atentar seriamente

para duas questões: como renovar com freqüência nossa pauta

de exportações

(significando: desenvolver novas especializações) e como

passar a

exportar em nichos de altas tecnologias (como já fazemos em aviões pequenos e

-poucas coisas mais). Ao mesmo tempo, não se deve descurar a outra frente: estar

sempre mantendo a competitividade

perante as importações, o que ainda estamos

aprendendo a fazer.

E cabe salientar: essa problemática não se refere apenas à situação atual.

Trata-se de uma questão estrutural, de longo prazo, no desenvolvimento brasileiro,

que provavelmente se tornará mais complexa no futuro, com o avanço da

globalização, as novas reduções tarifárias, resultantes de acordos internacionais

(Informática, Comunicações) e os desdobramentos das novas tecnologias.

Diante dessa verificação, de ter o País um problema estrutural de

competitividade, em caráter duradouro, cabe examinar melhor a sua natureza.

Trata-se de

questão recorrente.

Basta lembrar a nossa experiência histórica em matéria de vantagens

comparativas

(especializações).

De meados do século passado até a altura de 1963, exportávamos mais

ou menos os mesmas coisas: café, açúcar, algodão, fumo

(borracha, durante algum

tempo) e outros produtos agrícolas. A

partir dos anos 40, adicionamos à lista o

(8)

minério de ferro. Havia, às vezes, uma dança de cadeiras, mas o café estava

sempre à frente.

Entre 1964 e 1980, realizou-se, com êxito, a experiência de

passar a

exportar manufaturados,

principalmente das Indústrias Tradicionais (Têxteis e

Calçados) e um pouco de Indústria Automobilística (através de

programa especial,

o BEFIEX), além de produtos

primários não tradicionais: soja e minério de ferro

em grande escala

(inclusive sob a forma de pelotas).

Com a ênfase do II PND em Insumos Básicos (Siderurgia,

Petroquímica, Celulose/Papel, Metais Não Ferrosos) e Bens de Capital,

passamos a

exportadores líquidos

(exportações superiores a importações) nessas duas

categorias, a partir de meados dos anos 80. Nessa mesma década,

perdemos o

bonde no tocante à Informática, ou seja, não tivemos sucesso no campo de novas

tecnologias.

Em síntese, nossa estrutura de exportações tem mudado

por saltos,

através

principalmente de grandes programas de investimentos, lançados a

intervalos (salvo variações menores).

E

por quê? De um lado, existem os condicionamentos

macroeconômicos e a questão do sistema de incentivos, que não cabe aqui discutir.

Mas há também, em especial, o lado estrutural, ligado, além do

perfil

industrial, ao fato de que nossas vantagens comparativas eram resultantes,

tradicionalmente, das nossas dotações naturais de fatores de produção, em geral

dotados de pouca versatilidade e não modernos

(no sentido de terem baixa

intensidade em conhecimento). Trata-se

principalmente de mão-de-obra não

qualificada e recursos naturais, com baixo índice de transformação. Quer dizer,

não eram fatores

"criados"',

na terminologia atual.

A única evolução significativa, segundo visto, foi que, a partir da

década

passada, acrescentamos às nossas vantagens comparativas as commodities

industriais

(produtos padronizados da área de Insumos Básicos), utilizando a nossa

(9)

base de recursos naturais, através de fábricas em escala econômica e com

tecnologia atualizada

(para os padrões do paradigma industrial anterior). E a elas

incorporamos, igualmente, certas linhas de Bens de Capital sob encomenda e

Construção Naval (setores esses que,

praticamente, desativamos no início dos anos

90).

E assim ficamos, de 1984 até agora (salvo a conhecida exceção dos

aviões da EMBRAER).

Não temos sequer tirado maior proveito,

para fins de desenvolvimento

de novas especializações, do fato de dispormos de massa crítica de mão-de-obra

qualificada (pequena, como percentual da PE A, mas grande, em valor absoluto).

Dela nos valemos apenas para as linhas de Bens de capital sob encomenda, já

mencionadas, e experiências isoladas de exportações de engineering,

por exemplo,

em plataformas de produção de

petróleo (em associação com empresas

estrangeiras).

Igualmente, não temos sabido utilizar adequadamente o potencial de

pesquisa existente em nossos centros de excelência e institutos de pesquisa.

Suponhamos agora que venha a ter êxito o programa de dobrar as

exportações até 2002. Com isso, acrescentaremos algumas novas linhas às nossas

exportações, e durante alguns anos ficaremos com boa situação de balança

comercial

(se não houver explosão de importações). Terá tido êxito a

reestruturação industrial ora em curso, e que vai continuar

por algum tempo,

resultando em maior competitividade internacional.

Mas, salvo se novo

programa de exportações for lançado, nada impedirá

a volta de dificuldades na balança comercial e na conta de Serviços não fatores

(Turismo e Fretes, principalmente).

Porque o que se faz necessário é mudar os condicionamentos estruturais

da nossa competitividade. E, para isso, temos de pensar estrategicamente sobre a

nossa base de fatores de produção,

para adequá-la ao mundo da

"sociedade do

conhecimento".

(10)

Desta forma, cabe voltar à pergunta: como responder adequadamente

aos inevitáveis desafios do próximo século?

Ora, não nos parece possível prever o que vai acontecer com as

tendências econômicas, no século XXI, em termos, por exemplo, de novos

produtos e novas tecnologias. Tem-se apenas a noção geral de caminhar para a

citada sociedade do conhecimento,

que os países desenvolvidos já começam a

visualizar. Mas é

possível, em perspectiva de longo prazo, preparar o País para ter

condições estruturais de adequar-se às tendências

que se forem configurando.

A

presente proposta consubstancia, em caráter preliminar, a visão

estratégica

para alcançar esse objetivo.

A fim de evitar um supercongestionamento de agenda, que ainda

estamos engajados em concluir a implantação da economia competitiva, com

estabilidade de preços, o modelo que se propõe, objetiva e realisticamente, para o

Século XXI, significa apenas um gasto público adicional de pequena monta, capaz

de ser absorvido dentro de níveis de poupança global que o País alcançou em

períodos anteriores.

A idéia fundamental desse modelo

pode ser encontrada num ensaio que

John Hicks publicou em um livro de 1959. Ao discutir o que chama de

desigualdade internacional

"natural"

(o desnível entre desenvolvidos e

subdesenvolvidos), colocou ele uma idéia

que se antecipava a toda a atual

discussão do futuro dos NICs, em face do fenômeno das vantagens comparativas

"criadas"

e do advento do novo

paradigma industrial e tecnológico. Dizia Hicks:

"Porque

uma vez que um país tenha alcançado um certo estágio de

desenvolvimento, ele parece adquirir (ou ser capaz de adquirir) uma espécie

de plasticidade (resilience) contra mudanças em suas vantagens

comparativas. Uma das grandes vantagens das especializações

"avançadas" é

que elas carregam consigo a capacidade (grifo no original) de fazer outras

coisas; assim, se um país

"avançado"

é colocado fora de uma especialização,

não lhe é insuperavelmente difícil desenvolver uma outra."5

(11)

O que Hicks está discutindo é a questão dos condicionamentos

estruturais da competitividade, no longo prazo.

Levando em conta essa constatação, vital

para o futuro do nosso

desenvolvimento - de ser possível criar a capacidade de substituir uma vantagem

comparativa

por outra, quando aquela perde substância —,

a nossa proposta

consiste, essencialmente, numa visão estratégica

para implantação no País, ao

longo de uma

perspectiva de cerca de duas décadas (até 2 020, digamos), de um

modelo de

"especializações

avançadas" la Hicks).

Desde logo, é importante esclarecer, em uma palavra, o que não é - e o

que é -

esse modelo

proposto, para evitar mal-entendidos.

Primeiro, alcançar o estágio de

"especializações

avançadas"- no sentido

aqui usado - não significa estarmos entre os países da vanguarda tecnológica

mundial. Significa dispormos de escopo mais amplo e de versatilidade, em matéria

de vantagens comparativas. Ou seja, de termos condições de rapidamente, quando

necessário, criar novas especializações, se uma ou algumas das de que dispomos

estiverem ameaçadas. Claro, algumas dessas especializações poderão ser em

situação de vanguarda tecnológica. Mas não necessariamente.

Em segundo lugar, também não significa havermos chegado à condição

de país desenvolvido. Seria irrealista

pensar que, em duas décadas, o Brasil passe

da situação atual, de NIC

(e NIC ainda não muito seguro, diante dos desafios

colocados

pela globalização e o novo paradigma industrial e tecnológico), para a

de nação desenvolvida. Ser desenvolvido implica, economicamente, estar num

nível de renda

per capita que não alcançaremos até 2 020, e ter capacidade de

inovação, ou seja, de

gerar tecnologia, inclusive tecnologia de vanguarda,

regularmente, tendo o completo domínio da tecnologia de produto e processo. Ser

capaz de emulação com os Estados Unidos, Europa e Japão, nesse campo. Nós

ainda seremos, em geral, importadores de tecnologia, desde que seja a melhor

tecnologia disponível. E que possamos, em muitos casos, adaptá-la. Ou,

eventualmente, criá-la.

(12)

Além disso, ser desenvolvido significa ser moderno também social e

politicamente. Isto é, ter uma sociedade moderna. E ainda estaremos longe disso.

O

passo seguinte é a definição do novo modelo, através dos projetos

que irão constituí-lo.

Mas antes,

para adquirir a perspectiva adequada, convém fazer um

balanço da experiência anterior brasileira, no longo

prazo, quanto ao uso dos

principais fatores de produção, que condicionam fortemente a competitividade.

A experiência dos sucessivos modelos de desenvolvimento, no País,

inclusive aquele implantado no

período a partir de 1930, revela, a respeito, graves

distorções,

que poderíamos sintetizar da seguinte forma: negligenciamento de

recursos humanos; desperdício - quando não o uso predatório - de recursos

naturais; e desperdício de conhecimento científico e tecnológico, pela pouca

integração entre a Universidade e o desenvolvimento econômico e social.

Trata-se de resultado típico de país em que o principal fator de

produção

foi sempre a acumulação de capital físico

(edifícios, máquinas, equipamentos),

inclusive como a

principal forma de incorporação de novas tecnologias.

AS ORIGENS HISTÓRICAS DAS DISTORÇÕES: AS TRÊS

TRADIÇÕES CULTURAIS E SUAS RAÍZES POLÍTICAS

As distorções assinaladas decorrem, na verdade, de três tradições

culturais, duas delas remontando à herança colonial brasileira, com raízes de

natureza

política.

Passemos a analisá-las.

(13)

A primeira tradição cultural: inexistência, no projeto de desenvolvimento da

Independência e do Império, de papel relevante

para a população pobre.

O Relatório sobre o Desenvolvimento Humano de 1990, das Nações

Unidas (PNUD), apresenta o Brasil como um caso de

"oportunidade

perdida de

desenvolvimento humano"

(enquanto a Coréia constituía um caso de

"desenvolvimento

humano sustentado").6

Essencialmente, nas últimas décadas, nós nos havíamos caracterizado

como um

país de crescimento rápido e de substancial dispêndio nos setores sociais,

mas de baixo conteúdo de capital humano.

Segundo relatório do Banco Mundial7, o Brasil estava aplicando, na

segunda metade dos anos 80, cerca de 25% do PIB na área social, anualmente. Tal nível é satisfatório

para países de renda média, e excede o percentual tanto do

México como da Coréia. A despeito disso, nós nos encontrávamos, em 1990, em

situação comparável à dos

países latino-americanos mais pobres, no tocante a

indicadores sociais básicos, como expectativa de vida ao nascer, mortalidade

infantil e escolarização.

As origens desse descompasso devem ser

procuradas nos padrões de

desenvolvimento econômico e social adotados de longa data.

Num retrospecto histórico, tomaremos como ponto de partida as

primeiras décadas do século XIX.

Na altura da Independência, a alta burocracia e as classes dominantes

fizeram uma opção pela escravatura, como forma de organizar o trabalho, em

particular na Agricultura de exportação (açúcar, fumo, algodão), que experimentou uma ressurgência, em fins do século XVIII e início do século XIX. Para os

grandes comerciantes da praça do Rio de Janeiro (os

"negociantes

de grosso trato")

e de Salvador, a escravidão era também importante

por causa do tráfico de

escravos

provenientes da África, que eles controlavam, além de, freqüentemente,

(14)

Cabe aprofundar as razões dessa opção,

pois havia claramente uma

alternativa de recrutamento de mão de obra: a

população livre (na grande maioria,

pobre) representava, em 18199, entre 65 e 70% do total da população (estimada em

pouco mais de 3 milhões de habitantes).

A motivação básica da

preferência pela escravidão residia no

preconceito contra a

população livre pobre (crescentemente constituída de

libertos),

que era considerada inapta para o trabalho disciplinado - a grande massa

dos

"desclassificados" ou

"desocupados". "Desclassificados", "em

relação às

necessidades da

grande propriedade agroexportadora"10.

Em decorrência da citada opção, o projeto de nação independente,

concebido em 1822 e 1823, terminou aceitando a continuação da escravatura. O

receio básico era

que o novo país perdesse a unidade e a monarquia - dois valores

fundamentais

para os líderes do projeto dominante —, como resultado de uma

"prematura"

abolição da escravatura. Por isso, os

projetos de país favoráveis à

abolição (como o de José Bonifácio)11 foram derrotados na Constituinte de 1823.

r

E verdade

que, em conseqüência das pressões da Inglaterra, houve a

proibição do tráfico em 1831, mas só em 1850 realmente se estancou o fluxo de

novos escravos vindos da África. E nesse intervalo de 20 anos houve uma

escalada da importação de escravos, em volume

que permitiu suprir razoavelmente

as necessidades mínimas da agroexportação do Centro-Sul (e

principalmente da

cafeicultura), até tornar-se clara a inevitalidade da abolição.

Na altura de 1850,

quando já se havia estabelecido o predomínio da

cafeicultura, houve uma reafirmação da opção

pela escravatura^, no Centro-Sul, e,

( }

Se considerarmos o projeto de desenvolvimento implícito nas deliberações do

Conselho de Estado, por volta daquela época, vamos verificar tratar-se de um

projeto de modernização de caráter europeu, mas que continuava aceitando como alicerce da

economia a Agroexportação, à base de grandes propriedades e da escravidão. Não se

tratava de um projeto contra a Indústria, mas que a considerava secundária, voltada mais

para o atendimento das necessidades da economia cafeeira12. O projeto de

Industrialização e de capitalismo moderno de Mauá, por outro lado, era certamente

minoritário.13

(15)

particularmente, em São Paulo, a despeito da cessação do tráfico e do conseqüente

aumento do

preço dos escravos. Nas décadas seguintes, a região passou a importar

escravos do Nordeste.

Foi somente pouco antes da Abolição

que a cafeicultura de São Paulo

(já agora estabelecida no Oeste do estado) resolveu apelar para a imigração em

larga escala, como forma de substituir o braço escravo. Permanecia,

pois, o

preconceito contra a população pobre livre.

O resultado direto dessa opção reafirmada foi

que, entre nós, a

escravidão se tornou dominante no modelo econômico e teve

prolongamento

extemporâneo: Brasil e Cuba foram os dois últimos países do mundo europeu e

europeizado a abolir a escravidão.

Esse duplo caráter da escravidão tornou-a o elemento definidor do tipo

de economia

(ficara viabilizada a agricultura exportadora, de grandes

propriedades) e de sociedade (a sociedade patriarcal, prolongada indefinidamente), em nosso País.(#)

Isso não significa que o escravo tenha sido reduzido à condição

reificada. Mesmo naquele regime hediondo e dominado

por violência inata, a

racionalidade do senhor

passou a adquirir, crescentemente, sentido de

racionalidade

política (e não estritamente econômica)14, à medida

que o preço do

escravo se elevava e era necessário dele obter melhor rendimento e mais longa

vida útil. Assim, o escravo passou a dispor de certos espaços de manobra e

sentidos de liberdade15. Isso ocorreu de diversas formas: a

permissão para operar

pedaço de terra próprio (a chamada

"brecha

camponesa"), a

possibilidade de

aprender ofícios ou de exercer atividades de

ganho (os

"escravos

de ganho" do Rio

n

Muito diferente foi a situação dos Estados Unidos, onde a escravidão não foi

dominante, salvo no Sul. Era ela de apenas relativa importância na Nova Inglaterra, na

região Centro e no Meio-Oeste. E o fato de que o Sul escravocrata foi derrotado

militarmente, na Guerra de Secessão, permitiu eliminar, gradualmente, em quase todo o

país os principais mecanismos de perpetuação da pobreza dos libertos (embora não da

segregação e do preconceito).

(16)

de Janeiro16), as condições para comprar sua liberdade. Ou, em certos casos, a

rebelião. E crescentemente a fuga.

Diferentemente do escravo, como dito, ao homem pobre livre não era

atribuído papel definido no modelo econômico. E o

preconceito já citado, que o

relegava à condição de

"desocupado",

continuou ao longo de todo o século XIX.

Daí a famosa expressão de Couty, em seu livro sobre a escravidão

brasileira: "O

Brasil não tem povo". Ou seja: a maioria da população passava a

não ter história.

Mas nada melhor que deixar o próprio Couty, em outro livro, de

"esboços

sociológicos", desnudar o seu preconceito. Como escreveu:

"...

o Brasil não tem

povo, ou melhor, o povo que lhe foi dado pelas

misturas de raças e pelas alforrias não desempenha um papel ativo e útil.

"Esta

mestiçagem biológica e social produziu muitos homens notáveis

na

política, na administração e até nas letras; e, como escrevemos a propósito

da escravidão, as províncias onde havia maior número de pessoas de cor mais

escura foram durante muito tempo as mais influentes na Nação. Mas, como

todos reconhecem, essa mestiçagem não construiu um povo de trabalhadores

constantes e econômicos.

"O

trabalhador permanente, que comparece ao trabalho diário, quase

não existe na população livre dos campos brasileiros".

Não é outra a idéia que um personagem de

"Viva

o povo brasileiro"

apresenta como sua concepção de povo:

"Mas,

vejamos bem, que será aquilo que chamamos de

povo?

Seguramente não é essa massa rude, de iletrados, enfermiços, encarquilhados,

impaludados, mestiços e negros. A isso não se pode chamar um povo, não

era isso que mostraríamos a um estrangeiro, como exemplo do nosso povo.

(17)

O nosso povo é um de nós, ou seja, um como os próprios europeus. As

99 18 classes trabalhadoras não podem passar disso, não serão jamais povo .

Sem embargo, sabemos hoje, como tem mostrado a bibliografia

revisionista19, que o Brasil era mais que uma economia de

plantation

agroexportadora, tal como a sociedade era mais do que a dicotomia senhores e

escravos.

A população pobre livre soube encontrar, a seu modo, diferentes formas

de inserção no mundo do trabalho. Claro, existia o problema do estigma que a

escravidão colocava sobre o trabalho disciplinado, e principalmente o trabalho

manual. Mas, em primeiro lugar, havia a inserção através da agricultura familiar,

20

espalhada por todas as regiões, embora sob o signo da precariedade. Uma vez

que era negado o acesso à terra, com título de propriedade (as

classes dominantes

procuravam monopolizar as terras públicas), o pequeno produtor usava os mais

diferentes recursos e subterfúgios para poder lavrar o seu pedaço de terra (as

diversas estratégias de sobrevivência), tirando proveito da abundância de terras

j „21 "não

ocupadas ou apenas nominalmente apropriadas.

Tal atividade tinha considerável importância, se levarmos em conta a

significação, principalmente para o Rio de Janeiro e outras cidades, da agricultura

de abastecimento interno. Cabe, de passagem, lembrar o fato de terem sido

desproporcionalmente grandes, para país pobre, as principais cidades brasileiras.

Mesmo reconhecendo o caráter eminentemente rural da economia

brasileira, esse fato é inegável: em fins do século XVII, o Rio de Janeiro era

provavelmente maior que Nova York; Salvador era maior que qualquer

cidade

americana, salvo Filadélfia, e maior que Bristol, Liverpool ou Manchester, na

Inglaterra. Recife era maior que Boston.22 A razão é que as cidades portuárias

desempenhavam funções muito importantes no modelo de agricultura de

exportação.

No século XIX, a importância da agricultura de abastecimento interno

aumentou rapidamente, com o desenvolvimento do café e, nas duas últimas

(18)

décadas, a urbanização crescente e a industrialização em razoável escala. Seus

modelos eram diferenciados. A pecuária do Sul dependia principalmente de

grandes estâncias. Mas em Minas Gerais e demais regiões as culturas de alimentos

eram desenvolvidas

por um sistema misto, de propriedades maiores e agricultura

familiar (sem falar nas colônias de imigrantes

que estavam aparecendo no Sul).

Nas áreas urbanas, no final do século, a população pobre livre exercia as

chamadas

"profissões

sem academia" (músicos ambulantes, trapeiros, selistas,

"ratoeiros", "urubus",

apanhadores de papel), além de vários tipos de artesanato.

Desta forma, os

"desocupados"

estavam

quase sempre ocupados, no

campo ou na cidade, de uma forma ou de outra.

Com o advento dos surtos industriais, a

partir das duas últimas décadas

do século, no Rio e em São Paulo, os homens livres imigrantes e - em menor

proporção -

também os nacionais começaram a inserir-se no trabalho organizado

das fábricas.

Mas é

preciso lembrar em que condição: a mão de obra era

superabundante e não qualificada.

Por esta última razão, baixa era a sua produtividade. E, pelos dois

motivos, muito baixos eram os salários. Desta forma, o trabalhador de fábrica, no

Brasil, estava no exato oposto das condições da mão-de-obra na indústria

americana.^ O proletariado urbano vivia, em geral, em condições de

pauperização, embora não marginalizado, ou seja, sem o estigma que se aplicava

(-)

Com efeito, a industrialização americana teve de consolidar-se, a partir de 1820 (após

os insucessos de tentativas anteriores, por causa da competição inglesa), em condições de

custo tanto de mão de obra como de capital mais elevado que na Inglaterra. A saída

encontrada foi realizar grandes ganhos de produtividade da mão de obra e operar de

forma menos verticalizada, para tirar proveito de grandes escalas de produção. Dois

fatores levaram ao rápido crescimento da produtividade: o alto nível de qualificação da

mão de obra americana ("treinamento e educação") e a introdução de maior intensidade

de capital.

(19)

ao restante da população pobre urbana, ainda sob a suspeição de ser inapta para o

trabalho e indisciplinada.(>)

Podemos agora chegar às conclusões do retrospecto empreendido.

A primeira conseqüência grave dessa relação de descaso e, mesmo,

desconfiança em relação à população pobre livre foi que faltou, no Brasil, o

compromisso político com a qualificação dos seus recursos humanos, e,

particularmente, com a Educação básica, a despeito da universalidade e gratuidade

asseguradas na Constituição de 1823 (art. 179). Compromisso que também faltou

no tocante aos seus direitos políticos e direitos civis.

Assim é que, de acordo com os censos, em 1872 somente 18,6% da

população livre eram alfabetizados; e em 1890, apenas 15,8% da população total.25

A segunda conseqüência foi a criação de mecanismos de reprodução da

pobreza em relação aos ex-escravos. A razão básica é que, como a eles não foi

dada

qualquer assistência -

educacional ou de ocupação -, foram os libertos

lançados na massa da

população pobre, com o agravante do preconceito de cor.

O resultado foi que a inserção dos ex-escravos no mercado de trabalho

se verificou "nas

regiões predominantemente agrárias e mais subdesenvolvidas do

Brasil, onde as oportunidades econômicas e educacionais são muito menores."

E,

quando eles ficaram no eixo mais desenvolvido (Rio e São Paulo),

foram

alijados para trabalhos não qualificados: serviço doméstico, ocupações indefinidas

e atividades extrativa, pastoril e agrícola." Foi tardia e lenta a sua incorporação

ao setor industrial.

(,)

Mesmo na última década do século passado e nas primeiras deste século, quando a

industrialização passou a adquirir importância no Rio e, depois, em São Paulo, persistia,

aos olhos do empresariado e das classes dominantes, em geral, a dicotomia entre

trabalhador de fábrica e pobre não operário, este último relegado à classe dos

"vadios',

quando não à

"classe

perigosa".24

(20)

Tal situação de preconceito em relação à população pobre, e

principalmente a negros e mulatos, na verdade só se foi modificar nos anos 20 e 30

deste século, como resultado da conjugação de três fatores: a redução drástica da

imigração, a Lei dos 2/3 (de 1931), e a mudança do modelo econômico, após a

crise de 29, convertendo a industrialização em motor do crescimento. A Indústria

(seguida do Comércio) passou a exigir

grandes contingentes de trabalhadores, e

mecanismos como o SEN AI e o SEN AC (para treinamento dos empregados) foram

estabelecidos.

Sem embargo, a era do

"nacional-desenvolvimentismo",

entre 30 e 80,

seguida da longa década de crises e oportunidades

perdidas, até recentemente, não

trouxe, para o País, o desenvolvimento de seu capital humano. Tanto

que o

diagnóstico do Relatório sobre o Desenvolvimento humano da ONU (PNUD) foi o

já citado: crescimento rápido, mas oportunidade perdida de desenvolvimento

humano.

A razão fundamental é que os modelos sociais implantados a

partir dos

anos 30 trouxeram uma

grande expansão quantitativa do ensino (e do sistema de

Saúde), mas acompanhada de distorções graves: falta de prioridade ao pobre, baixa

qualidade da Educação, elevados custos e grande desperdício.

Tais modelos sociais baseavam-se em

grandes programas nacionais (sob

a responsabilidade da União,

que tinha participação importante na execução),

ligados a grandes burocracias,

que permitiam a criação de grandes clientelas

políticas. O patrimonialismo de Estado, no Brasil, manifestava-se principalmente

nas áreas sociais.

Neles se encontrava uma lógica

política perversa. No caso da

Educação,

por exemplo, os pobres não tinham representação política. Por isso, a

grande prioridade não era o ensino básico, mas o ensino superior. Pela mesma

razão, até hoje, o ensino nas universidades públicas é gratuito, mesmo para os

ricos: até o estudante pobre se coloca a favor da gratuidade, com receio de que, se

(21)

da Educação, no início dos anos 70, fez um ensaio de cobrança de mensalidade dos

alunos de alta renda, teve nas mãos uma gigantesca greve de estudantes.

Por outro lado, a gestão do ensino primário era muito sujeita ao

clientelismo político, na escolha de diretores de escola, nomeação e movimentação

de

professores (ou funcionários). Isso afetava a qualidade do ensino e o seu

custo.

Além disso, os critérios de transferência voluntária de recursos do Ministério da

Educação para os estados e municípios não eram objetivos. O Fundo Nacional de

Desenvolvimento da Educação (FNDE) foi criado, com a Reforma Universitária de

1969, para dar origem a um sistema de financiamento de projetos, das

universidades e dos programas de ensino das unidades federadas. Mas logo se

converteu em simples complementação do orçamento do Ministério da Educação.

Por seu turno, a sociedade era muito ativa em reivindicar a expansão do

ensino,

principalmente superior (após a revolta estudantil de 68, as matrículas nas

universidades federais passaram a crescer a taxas entre 15 e 20% ao ano). Mas se

revelava pouco exigente em matéria de qualidade e custos: o sistema ficava livre

para atuar dentro de sua lógica política perversa.

Claro, os últimos anos, em particular no atual Governo, viram

mudanças importantes, principalmente quanto ao ensino básico. E a opinião

pública se conscientizou da necessidade de exigir qualidade

na Educação.

Começou a romper-se a lógica política perversa.

A segunda tradição cultural: o uso extensivo de recursos naturais, geralmente com

métodos primitivos

É sintomático comparar dois padrões de desenvolvimento e tipos de

inserção internacional, ambos baseados na intensidade de recursos naturais.

De um lado, temos o que poderíamos chamar de

"modelo

escandinavo"

(Dinamarca, Finlândia, Noruega e Suécia), característico de uma área que

apresenta uma renda

per capita de pelo menos cinco vezes aquela dos mais

prósperos países latino-americanos.

(22)

Área desenvolvida, com uma inserção internacional moderna, obtida

através do desenvolvimento da infra-estrutura tecnológica,

qualificação de recursos

humanos,

produtos, processos e equipamentos necessários ao processamento e

industrialização de seus recursos naturais. Aspecto importante dessa inserção é a

especialização em várias linhas de produtos ao longo de toda uma cadeia

produtiva, desde a produção ou extração do bem agrícola, florestal ou mineral, até

o produto final industrializado e os equipamentos necessários a todo o processo

(assim como os respectivos componentes). Ou seja, múltiplas formas de aplicação

do conhecimento científico e tecnológico ao desenvolvimento de recursos

28 naturais.

De outro lado, temos o caso do Brasil, com renda per capita média e

inserção internacional baseada em exportações agrícolas e minerais, assim como

de

produtos semimanufaturados e commodities industriais (produtos siderúrgicos

básicos, petroquímicos básicos, alumina-alumínio e celulose-papel). Nossas

especializações mais sofisticadas

(as referidas commodities industriais), com

poucas exceções, remontam a 1984 (conclusão do II PND).

Embora não seja esse o único fator, é relevante assinalar que o Brasil

está

procurando superar uma tradição cultural econômica de longa data, baseada

em duas características. Primeiro, o uso extensivo de recursos naturais,

considerados superabundantes,

geralmente por métodos primitivos. Em segundo

lugar, a baixa densidade econômica dos recursos naturais. Ambas as

características indicam baixa aplicação de conhecimento científico e tecnológico

ao uso de tais recursos, significando, por isso, uma inserção muito menos

sofisticada e um espectro de vantagens comparativas muito mais limitado e menos versátil

que nos países escandinavos.

Por trás dessa nossa tradição cultural e econômica está a raiz política: a

falta de compromisso com a

preservação e o enriquecimento econômico dos

(23)

Para entender melhor as conseqüências de tal tradição, cabe fazer um

retrospecto histórico, relativo principalmente à região da Mata Atlântica29, onde se

concentrou o desenvolvimento do País até

poucas décadas atrás.

Vale a

pena lembrar a diferença essencial entre a floresta tropical da

América do Sul (por exemplo) e as florestas temperadas - e pouco diversificadas

-da América do Norte e -da Europa. A

primeira constitui um ecossistema dotado de

incomparavelmente maior diversidade, complexidade e originalidade. Por isso, a

sua destruição é um dano incalculável e irreversível. Ou seja, ela não

pode ser

reconstituída

(enquanto a floresta temperada, muito mais simples, pode sê-lo).

O complexo da Mata Atlântica, mais ou menos na época do

Descobrimento,

"interiorizava-se

até cerca de cem

quilômetros da costa, no norte,

e alargava-se a mais de quinhentos quilômetros, no sul. No total, a floresta cobria

cerca de 1 milhão de

quilômetros quadrados".30

Se considerarmos a nossa herança colonial, até fins do século XVIII as

necessidades de uso da Mata Atlântica foram poucas, mas devastadoras. Havia a

atividade de extração, de

pau-brasil ou madeira para construção naval (e outros

tipos de construção); a agricultura de mercado interno, itinerante e de base

familiar; e, principalmente, a agricultura de exportação, à base da grande

propriedade (açúcar, algodão, fumo).

Como o método usado era geralmente de

"derrubada

e queimada" da

floresta,

para muitos contemporâneos tratava-se de

"agricultura

bárbara". E, por

isso, Saint Hilaire, no começo do século XIX, falava da

"necessidade

imperiosa"

de modificar o regime agrícola.31

A emergência do predomínio da economia do café passou a significar

demandas crescentes e múltiplas sobre a floresta.

De um lado, a própria economia do café se baseava numa agricultura de

grandes propriedades -

em terras públicas, obtidas através de sesmarias ou sem

titulação -, predatória e itinerante. No estado do Rio, o café era plantado nas

(24)

encostas cobertas pela Mata Atlântica, pois se julgava necessário solo coberto por floresta "virgem". Continuava a "derrubada e queimada".

Interessava apenas a quantidade produzida: produtividade ou qualidade

não importavam. Por isso, o mercado de destino era

principalmente o americano,

onde havia menor concorrência.

Como é sabido, a ferrovia levou o café para o interior, e principalmente

para o Oeste paulista.

De outro lado, manifestavam-se as demandas das atividades

complementares: ferrovias (lenha para queimar e dormentes), indústria

(combustível, construções), produção de alimentos (mais terras e mais derrubadas),

urbanização (construção civil, carvão e lenha).

Isso não significa que não houvesse nenhuma corrente, por assim dizer,

"conservacionista"

no Brasil. Desde a vinda da família real portuguesa, e ao longo

de todo o século XIX e início do século XX, destacou-se a atividades dos

naturalistas, tanto estrangeiros como brasileiros^. O apoio da coroa portuguesa

tinha objetivo bem definido: descobrir novas culturas, que pudessem representar

novas correntes de exportação. Por sua própria iniciativa, os naturalistas passaram

a assumir posições conservacionistas. Mas isso não impediu que continuasse a

tradição de uso extensivo e predatório dos recursos naturais.

Entre 1930 e 1980, segundo referido, teve lugar a construção, no

Brasil, de uma grande economia industrial, com aceleração do crescimento,

principalmente a partir dos anos 50. Essa industrialização rápida verificar-se-á, a

maior parte do tempo, ainda dentro dos padrões de utilização extensiva dos

recursos naturais e de desatenção às conseqüências ambientais. Foi ela

acompanhada de substancial expansão da Agropecuária, da Infra-estrutura

(principalmente Energia e Transporte Rodoviário), explosão da urbanização e

(,)

Em recente tese de doutorado, mostrou-se a existência de uma linhagem de intelectuais

preocupada com o diagnóstico e contenção da devastação dos nossos recursos naturais, no

período entre o fim da colônia e a proclamação da República.32

(25)

explosão demográfica (a população passou de cerca de 35 milhões de habitantes

em 1930

para 119 milhões em 1980).

E trouxe um salto nas múltiplas demandas exercidas sobre a floresta, os

recursos naturais e o meio ambiente, em geral. Demandas principalmente em

termos de energia e combustível (lenha e carvão vegetal, por várias décadas),

matérias primas da floresta e da produção agropecuária e mineral, espaço para

urbanização, área para plantio, exportação direta (de madeira e minérios).

Para citar algumas distorções:

"Estima-se

que, em 1948, lenha e carvão

" 33 *

vegetal representavam 79% de toda a energia consumida no Brasil"

(a despeito

do avanço da hidroeletricidade). O aumento da produção agrícola, até o início dos

anos 60, foi essencialmente através da expansão de área, realizada por programas

privados de colonização no Paraná e em Mato Grosso, e pela simples ocupação de

terras, em todas as frentes de deslocamento da fronteira agrícola^ , facilitada pela

expansão do sistema rodoviário. A exportação de pinho acelerou grandemente a

destruição da araucária nativa, no Paraná e Santa Catarina.

A

partir de fins dos anos 50, a expansão da hidroeletricidade;

juntamente com o aumento do consumo de petróleo, mudou a matriz energética,

reduzindo o uso da madeira como fonte de energia. Depois de 64, e

principalmente nos anos 70, manifestou-se, de diversas formas, certo aumento da

aplicação de tecnologia (e ciência) ao uso dos recursos naturais.

De um lado, deslanchou o processo de modernização da Agricultura,

que veio, nos estabelecimentos médios e grandes, a representar a afirmação do

modelo de complexos agro-industriais. Foi ela intensa nas regiões Sudeste e Sul (e

nos espaços de lavouras de exportação do Centro-Oeste e da Zona da Mata

nordestina). Mas era muito desigual: "Em

1980, três

quartos das unidades

(,)

Mesmo após o avanço da modernização na Agricultura, continuou o aumento de área.

Entre 1950 e 1980, a área dos estabelecimentos agrícolas praticamente dobrou (aumento de 1,7 milhão de km ).

(26)

produtivas rurais do Brasil só dispunham de meios manuais de produção, como a

enxada, o facão, a foice e o machado".34

Tal modernização

permitiu a viabilização do cultivo racional da região

dos

"cerrados",

em Goiás e Mato Grosso

(calagem, fertilizantes), a partir dos anos

70.

Na mesma época, acelerou-se o crescimento do setor industrial de

Insumos Básicos (Siderurgia, Petroquímica, Metais Não Ferrosos, Celulose e

Papel), que veio a tornar-se a

grande prioridade do Programa de Investimentos do

II PND (juntamente com Energia e Bens de Capital), a partir de 1975, e a constituir

a categoria de maior importância das nossas exportações, depois de meados dos

anos 80.

Mas, ao mesmo tempo, passavam a tornar-se críticos os problemas

ambientais trazidos

pelo tradicional padrão de desenvolvimento, pelo menos até o

início da década de 70.

Na Indústria, o

problema principal era representado pelos escassos

elementos tecnológicos de tratamento, reciclagem e

processamento.34

Na Agricultura, certos aspectos ecológicos e ambientais não eram

percebidos em toda a sua dimensão. "A

utilização crescente de adubos químicos e

agrotóxicos, a intensa e concentrada mecanização e as extensas monoculturas

voltadas

para o mercado externo causavam a erosão e a degradação de terras

agrícolas, assim como sérios impactos sobre os recursos florestais, sobre os rios e

os lagos, e sobre o equilíbrio biológico de pragas e doenças. Por último, em

algumas áreas que foram alvo de programas públicos de irrigação, o manejo

inadequado da tecnologia levou a sérios problemas ambientais, com destaque para

a lixiviação de

produtos químicos e a salinização de solos agricultáveis."34

O ecossistema urbano foi o maior prejudicado pela Indústria,

concentrada nas regiões metropolitanas e principalmente na Grande São Paulo.

Por outro lado, a acumulação da

pobreza em guetos (favelas e outros aglomerados

(27)

subnormais), desprovidos de serviços de saneamento básico, tinha conseqüências

óbvias (poluição de mananciais, desmatamento).

Se considerarmos as regiões-problema, cabe destaque à Amazônia, que

passou a sofrer os efeitos dos grandes projetos agropecuários incentivados e da

abertura da fronteira agrícola, facilitada pela construção de rodovias. O

desmatamento conseqüente teve os efeitos negativos conhecidos: impacto de

chuvas torrenciais sobre as áreas desmatadas (lixiviação, erosão hídrica, perda de

materiais do solo); perda de biodiversidade; e contribuição

para o processo de

aquecimento

global.

Tal situação provocou uma reação, no Pais, a partir do início dos anos

70, no bojo do movimento ambientalista mundial.

Na Conferência de Estocolmo (em 1972), a

posição brasileira foi de

reconhecimento da importância da

questão ambiental, mas caracterizando a maior

responsabilidade dos desenvolvidos

pelo problema do aquecimento global, e

denunciando o fato de

que, em países subdesenvolvidos, a pobreza, desassistida de

serviços básicos, também constitui fonte de problemas ambientais.

Em 1974, o II PND, explicitamente, definiu, pela primeira vez em plano

de governo, no País, uma política de

"desenvolvimento

urbano (com prioridade

para transportes coletivos, uso de solo, zoneamento urbano, saneamento e outros

equipamentos sociais), controle da poluição e preservação do meio-ambiente."35

A Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA) e o Instituto

Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF)

puderam, a partir daí, dispor de

instrumentos

para coordenar uma ação nacional nas duas últimas áreas. Seguiu-se

a aprovação de legislações de controle da poluição em vários estados. E o governo

federal, através de resolução do CDE, chegou a proibir qualquer órgão federal de

aprovar

projetos industriais para a Grande São Paulo.

A situação hoje apresenta aspectos favoráveis e desfavoráveis, após

(28)

A poluição urbana mudou de natureza: as indústrias com alto potencial

poluidor (como Petroquímica e Celulose-Papel) passaram a observar requisitos

satisfatórios de controle de poluição. Por isso, a maior responsabilidade pela

poluição urbana passou a ser do uso do automóvel (veículos, em geral) e da

carência de saneamento básico (principalmente rede de esgotos) e adequada

disposição de lixo.

Permanece, em geral, a limitada aplicação de ciência e tecnologia ao

desenvolvimento de recursos naturais, com objetivo de preservação e aumento da

densidade econômica, na linha de um

"modelo

escandinavo". Evidência disso é,

por exemplo, sermos ainda fracos na exportação de Indústrias Alimentícias.

Os problemas ambientais da Amazônia continuam a agravar-se, por

estarem ainda fora de controle, a despeito dos esforços realizados pelo Governo, o

desmatamento e a

queimada. As políticas em curso não parecem revelar uma

visão clara de saber-se o que fazer da Amazônia (assim como da região semi-árida

do Nordeste).

A terceira tradição cultural: a pouca integração entre a Universidade e o

desenvolvimento econômico e social.

A abertura econômica e a globalização tornaram imperativo que a

maioria das empresas, principalmente nos setores de tradeables, faça

permanentemente o acompanhamento da fronteira mundial de tecnologia. Do

contrário, estão condenadas a perder participação de mercado e a verem

desfazer-se sua capacidade competitiva.

Nas circunstâncias atuais, há dois obstáculos a superar, na situação

brasileira.

De um lado, considerável número de empresas, nacionais ou

estrangeiras, ainda estão presas a certa passividade tecnológica da fase anterior

(quando a proteção era elevada e o que importava, essencialmente, era o mercado

(29)

interno): pouca atenção à tecnologia de

processo, tecnologia de produto, design

(para adaptar e melhorar a tecnologia adquirida).

Ou hesitantes ante as dificuldades para obter a tecnologia mais recente,

principalmente em áreas de complexos industriais de novas tecnologias (como

Eletrônica-Informática, Comunicações e Bens de Capital sofisticados).

Dificuldades só superáveis, muitas vezes, através de alianças estratégicas ou

investimentos na Europa e nos Estados Unidos (para participar de empresas de

venture capital ou adquirir pequenas empresas, detentoras de determinadas

tecnologias).

E também

provável que, como ocorre em grande número de casos, as

empresas tenham

pouca inclinação para recorrer a parcerias ou obter consultoria de

institutos de pesquisa tecnológica, no País, ou, em geral, de universidades. Nosso

sistema industrial tende a demandar pouco do sistema nacional de

desenvolvimento científico e tecnológico.

De outro lado, o Governo realiza

grande gasto na área de ciência e

tecnologia (C&T): algo superior a 1% do PIB (se consideradas as despesas com

dedicação exclusiva de

professores, nas universidades federais).36 Isso é bem mais

do que gasta a Coréia (0,3%, com recursos

públicos).

Mas - e isso constitui o segundo obstáculo a superar salvo na área de

Agricultura

(com destaque para a EMBRAPA), as universidades públicas

brasileiras e os institutos de pesquisa (com certas exceções)^ não vinham, até

pouco tempo, mostrando tendência a muita receptividade às necessidades do nosso

desenvolvimento econômico e social, e, em particular, a fazer parcerias ou dar

consultoria a empresas industriais. Têm elas um grande número de centros de

excelência (talvez uns 80),

que geralmente fazem pesquisa. Mas seus programas,

( )

Bons exemplos são os Institutos de Tecnologia em setores de Infra-estrutura, na UFRJ, financiados por empresas estatais; o Centro de Tecnologia de Comunicações,

junto à UNICAMP, financiado

pela TELEBRÁS; o Instituto Paulista de Tecnologia; o Centro Tecnológico Aeroespacial, do Ministério da Aeronáutica; o Instituto Oswaldo Cruz, do

Ministério da Saúde; e alguns outros.

Referências

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