• Nenhum resultado encontrado

Práticas e relações socioespaciais e culturais nos espaços públicos de Currais Novos/RN, durante a Festa de Sant'Ana: pesquisa qualitativa e etnográfica

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Práticas e relações socioespaciais e culturais nos espaços públicos de Currais Novos/RN, durante a Festa de Sant'Ana: pesquisa qualitativa e etnográfica"

Copied!
139
0
0

Texto

(1)

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES - CCHLA

DEPARTAMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS - DPP

PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS - PPEUR

ALENUSKA LUCENA MEDEIROS

PRÁTICAS E RELAÇÕES SOCIOESPACIAIS E CULTURAIS NOS ESPAÇOS PÚBLICOS DE CURRAIS NOVOS/ RN, DURANTE A FESTA DE SANT’ANA:

PESQUISA QUALITATIVA E ETNOGRÁFICA

Natal – RN 2019

(2)

ALENUSKA LUCENA MEDEIROS

PRÁTICAS E RELAÇÕES SOCIOESPACIAIS E CULTURAIS NOS ESPAÇOS PÚBLICOS DE CURRAIS NOVOS/ RN, DURANTE A FESTA DE SANT’ANA:

PESQUISA QUALITATIVA E ETNOGRÁFICA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos urbanos e Regionais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre, sob orientação do Prof. Dr. Fernando Manuel Rocha da Cruz.

Natal - RN 2019 ção do leitor com uma ótim a citaç ão do docu ment o ou use este espa ço para enfat izar um pont o-chav e. Para coloc ar essa caixa de texto em qual quer lugar na pági na, bast a arras tá-la.]

(3)

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA

Medeiros, Alenuska Lucena.

Práticas e relações socioespaciais e culturais nos espaços

públicos de Currais Novos/RN, durante a Festa de Sant'Ana: pesquisa qualitativa e etnográfica / Alenuska Lucena Medeiros. - 2019. 138f.: il.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas Letras e Artes. Programa de Pós-graduação em Estudos Urbanos e Regionais. Natal, RN, 2019. Orientador: Prof. Dr. Fernando Manuel Rocha da Cruz.

1. Cidade contemporânea - Dissertação. 2. Cultura - Currais Novos (Rio Grande do Norte) - Dissertação. 3. Práticas e percepções

socioespaciais - Dissertação. I. Cruz, Fernando Manuel Rocha da. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 911.3:398.32(813.2)

(4)
(5)

À minha mãe Doris, ao meu pai Silvino. Seridoenses que me fazem resistir.

(6)

RESUMO

O espaço é produzido pelas relações sociais, políticas e econômicas. Nele ocorrem as trocas, os encontros, as festividades e a vida cotidiana que dinamiza a cidade. Entre as dinâmicas encontradas na cidade estão as festas populares, presentes desde a formação da maioria das cidades brasileiras. A cultura da cidade de Currais Novos, no estado do Rio Grande do Norte, apresenta forte influência da Igreja Católica Apostólica Romana, identificada através dos ritos religiosos e apropriações socioespaciais. Contudo, a maior festa religiosa de Currais Novos é a Festa de Sant’Ana que vem absorvendo novas manifestações culturais com características “profanas”, desde o Século XX. Nesse processo de ressignificação festiva, percebe-se que as práticas socioespaciais e culturais interferem nas apropriações de indivíduos e grupos. Por essas ressignificações, o objetivo da presente pesquisa foi analisar as relações socioespaciais e culturais de Currais Novos/RN, a partir da Festa de Sant’Ana, identificando como elas contribuem para a ideia contemporânea de cidade e tendo em conta a tríade espacial de Lefebvre e Soja. A pesquisa seguiu uma abordagem qualitativa e etnográfica, através das técnicas de observação e entrevistas semiestruturadas. Essa metodologia permitiu aproximar a percepção das práticas socioespaciais do discurso compartilhado e praticado no que tange os espaços públicos e à cultura em Currais Novos/ RN. Chegou-se à conclusão de que as práticas socioespaciais e culturais de Currais Novos se realizam a partir das ressignificações das apropriações e dominações de indivíduos e grupos. Porém, é a apropriação que vai tornar possível o espaço irreconciliável, onde as diferentes identidades e intenções de lucro, ideologia e do “festejar “se combinam.

Palavras-chave: Cidade contemporânea. Cultura. Currais Novos. Espaço público. Festa de Sant’Ana. Práticas e percepções socioespaciais.

(7)

ABSTRACT

Space is produced by social, political and economic relations. In it there are the exchanges, the meetings, the festivities and the daily life that dynamizes the city. Among the dynamics found in the city are the popular festivals, present since the formation of most Brazilian cities. The culture of the city of Currais Novos, in the state of Rio Grande do Norte, is strongly influenced by the Roman Catholic Church, identified through religious rites and socio-spatial appropriations. However, the biggest religious festival in Currais Novos is the Feast of Sant'Ana, which has been absorbing new cultural manifestations with "profane" characteristics since the 20th century. In this process of festive resignification, it is perceived that socio-spatial and cultural practices interfere in the appropriations of individuals and groups. The aim of the present research was to analyze the socio-spatial and cultural relations of Currais Novos / RN, starting from the Feast of Sant'Ana, identifying how they contribute to the contemporary idea of the city and taking into account the spatial triad of Lefebvre and Soy. The research followed a qualitative and ethnographic approach, through observation techniques and semi-structured interviews. This methodology allowed us to approach the perception of socio-spatial practices of the shared and practiced discourse regarding public spaces and culture in Currais Novos / RN. It was concluded that the socio-spatial and cultural practices of Currais Novos are based on the re-significances of the appropriations and dominations of individuals and groups. However, it is the appropriation that will make possible the irreconcilable space, where the different identities and intentions of profit, ideology and "partying" combine.

Keywords: Contemporary city. Culture. Currais Novos. Public place. Feast of Sant'Ana. Practices and socio-spatial perceptions.

(8)

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1-PROPOSTA DE LEITURA ESPACIAL ... 29

FIGURA 2-SÍNTESE DA TEORIA DE LEFEBVRE ... 40

FIGURA 3-SÍNTESE DA CATEGORIA A SER USADA DE SOJA –THIRDSPACE ... 41

FIGURA 4-TERRITÓRIO DO SERIDÓ ... 63

FIGURA 5-SITUAÇÃO DE CURRAIS NOVOS ... 65

FIGURA 6-DIVULGAÇÃO DE FILME RELIGIOSO. ... 66

FIGURA 7-DIVULGAÇÃO DE FILME RELIGIOSO. ... 69

FIGURA 8-INSERÇÃO DE EVENTOS ENTRE 1964 A 1994. ... 70

FIGURA 9-INSERÇÃO DE EVENTOS ENTRE 2000 A 2017 ... 70

FIGURA 10-FESTA DE SANT’ANA,CURRAIS NOVOS. ... 71

FIGURA 11-FESTA DE SANT’ANA,CURRAIS NOVOS. ... 71

FIGURA 12-TRAJETO ENTRE MARCO DO ZERO (HISTÓRICO) NO TOTORÓ, E A IGREJA PARÓQUIA DE SANT’ANA. ... 74

FIGURA 13-OCUPAÇÕES DOS ESPAÇOS PÚBLICOS DURANTE A FESTA DE SANT’ANA DE CURRAIS NOVOS. ... 76

FIGURA 14-OCUPAÇÕES DOS ESPAÇOS PÚBLICOS DURANTE A FESTA DE SANT’ANA DE CURRAIS NOVOS. ... 77

FIGURA 15-NOITE DO PAVILHÃO ... 84

FIGURA 16-NOITE DO PAVILHÃO ... 87

FIGURA 17-NOITE DO PAVILHÃO ... 88

FIGURA 18-DURANTE O DIA AS MESAS E CADEIRAS RECOLHIDAS. ... 89

FIGURA 19-SOLAR DAS ARTES OCUPADO DURANTE A FEIRINHA DE SANT’ANA DURANTE O DIA. ... 90

FIGURA 20-EXPOSIÇÃO NO SOLAR DAS ARTES NO MESMO DIA DA FEIRINHA DE SANT’ANA. ... 91

FIGURA 21-VISTA SUPERIOR DA FEIRINHA DE SANT’ANA A PARTIR DO SOLAR DAS ARTES. ... 92

FIGURA 22-ESPAÇO PARA AS QUERMESSES NA RUA ESCRIVÃO ANTÔNIO QUINTINO E APRESENTAÇÃO TEATRAL NA DESEMBARGADOR TOMAZ SALUSTINO. ... 93

FIGURA 23-ESPAÇO PARA AS QUERMESSES NA RUA ESCRIVÃO ANTÔNIO QUINTINO E APRESENTAÇÃO TEATRAL NA DESEMBARGADOR TOMAZ SALUSTINO. ... 94

(9)

SIGLAS

AABB – ASSOCIAÇÃO ATLÉTCA BANCO DO BRASIL CDL – CÂMARA DE DIRIGENTES LOJISTAS

CIAC – CENTRO RELIGIOSO

CIAMS – CONGRÈS INTERNATIONAUX D’ARCHITECTURE MODERNE ECC – ENCONTRO DE CASAIS COM CRISTO

IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA

IPHAN – INSTITUTO DO PATRIMONIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL ONG – ORGANIZAÇÃO NÃO GOVERNAMENTAL

(10)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 10

1 ABORDAGEM METODOLÓGICA ... 16

2 A CONCEITUAÇÃO DO ESPAÇO ... 20

2.1 O ESPAÇO PARA OS AUTORES CLÁSSICOS ... 20

2.2 A TRÍADE ESPACIAL, EM LEFEBVRE E SOJA ... 29

3 CIDADES CONTEMPORÂNEAS ... 41

3.1 CIDADE MODERNA E PÓS-MODERNA... 41

3.2 CIDADE CRIATIVA ... 54

4 SUBSÍDIOS PARA A HISTÓRIA DA FESTA DE SANT’ANA ... 62

5 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE A FESTA DE SANT’ANA ... 78

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 118

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 124

(11)

INTRODUÇÃO

As festas são consideradas um momento de diversão e de relaxamento, possibilitam a sociabilidade, as trocas, e não menos, as festas religiosas proporcionam esses momentos e de reafirmação da fé. As festas religiosas são consideradas bens culturais1 que todos os anos se manifestam nas cidades brasileiras revelando significados importantes de um tempo e de um espaço. Desde então, cada festividade religiosa apresenta características particulares em decorrência da concepção, produção e apropriações de símbolos que são recriados e que perpetuam numa determinada sociedade ou grupo. No Brasil, existem celebrações de religiosidade católica que por contribuírem, também, com o respeito à diversidade e à criatividade humana são tombadas2 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) com a finalidade de resguardo dos processos culturais para as futuras gerações, como a Festa de Sant’Ana de Caicó/ RN, a Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis/ GO, a Festa do Divino de Paraty/ RJ e a Festa do Senhor Bom Jesus do Bonfim/ BA, entre outras manifestações de cunho cultural do país.

Para tanto, o objetivo desse trabalho foi investigar e refletir as práticas e relações socioespaciais e culturais de Currais Novos/ RN a partir da Festa de Sant’Ana, assim como, compreender como elas contribuem para a ideia contemporânea de cidade, tendo em conta a tríade espacial de Lefebvre e Soja.

Os objetivos específicos da pesquisa procuraram estudar os espaços públicos de Currais Novos/RN, ocupados durante a Festa de Sant’Ana, a partir da tríade espacial de Lefebvre e de Soja; analisar e compreender no âmbito da dinâmica urbana em Currais Novos, a importância cultural dos espaços públicos na perspectiva da cidade contemporânea e criativa; levantar as

1 De acordo com o artigo 216 da Constituição Federal de 1988, os bens culturais podem ter natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto. São portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, como as formas de expressão; os modos de criar, fazer e viver; as criações científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico (BRASIL, 1988).

2 O termo tombamento passou a ser conhecido no Brasil, na década de 1930, a partir de sua utilização em uma das propostas de norma de proteção ao patrimônio histórico e artístico do país conhecida como anteprojeto de Mário de Andrade (1936), e desde 1937, com a publicação do Decreto-lei nº 25/37, que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico do país, o termo passou a ser reconhecido como a ação do Estado ao colocar, sob sua tutela, bens cuja conservação fosse de interesse público, por seu valor histórico, artístico, arqueológico, etnográfico, paisagístico e bibliográfico (SANTOS; TELLES, 2014).

(12)

práticas de sociabilidade e memória coletiva em relação à festa cultural de Sant’Ana de Currais Novos/ RN.

A análise da realidade urbana contemporânea, da sua organização e prática socioespacial, fornece a reflexão sobre a cidade que se tem e subsidia os desafios que surgem em detrimento dos complexos interesses que pairam sobre a cidade. Essa pesquisa científica tem importância não apenas pelo registro de fatos contemporâneos da dinâmica da cidade, mas sim pelas nuances de um tempo onde a festa religiosa tradicional continua a revelar novos acordos sociais.

Desse modo, é um tema que necessita ser apreciado por causa das mudanças estruturais que ocorrem na sociedade. Esse estudo poderia ser em qualquer outra localidade, frente ao grande número de manifestações religiosas que ocorrem nas cidades brasileiras, porém, Currais Novos, além de estar numa região de contexto cultural forte no Estado do Rio Grande do Norte, onde as festas católicas continuam a predominar nas ocupações espaciais, ela diferentemente das outras cidades, possui uma festa religiosa com programação longa, diversificada, privada, pública, religiosa e profana, inserida em região onde outra cidade tem a festa tombada com a mesma padroeira. Entretanto, são festas distintas entre concepção, tempo e manifestações.

A percepção da realidade detectada e analisada na pesquisa contribuem para o desenvolvimento e planejamento cultural local de Currais Novos, e não menos, para a ideia identitária regional, onde a compreensão da apropriação socioespacial e cultural local dá margens à diversidade que contrapõe a ideia total de unidade que existe no Seridó3. E tão quanto importante, esse trabalho científico é relevante quanto a inserção de uma análise teórica clássica e contemporânea em um objeto complexo que continua perpetuando ritos, segregando e dominando o espaço, mas também, absorvendo novas culturas e manifestações.

As festas populares de caráter religioso consistem em manifestações culturais que se caracterizam, dentre outros aspectos, em eventos efêmeros e transitórios, perdurando por algumas horas, dias ou semanas. Parte dessas festas, no seu momento de ocorrência, fornecem nova função às formas espaciais prévias com composição complexa de relações subsistem relações econômicas, político-ideológicos, simbólicas e afetivas (TUAN, 1983).

3 O Seridó Norte-rio-grandense é uma região que teve seu povoamento a partir da agropecuária, possui identidade histórica, política, econômica e cultural em comum. Seu clima é árido e seco pertencente ao semiárido brasileiro (MORAIS, 2005, p. 67). A região possui 25 municípios com população urbana de 225.066 e população rural de 70.660, totalizando 295.726 habitantes de acordo com o IBGE (2010).

(13)

Assim como as cidades, as festas também apresentam transformações socioespaciais e culturais em função do que é produzido, modificado e apropriado, seja para um fim econômico, seja para um fim ideológico. É no espaço que se desenvolvem as relações sociais, as trocas, os encontros, as festividades, a vida cotidiana. Um local onde as mais diversas atividades são possíveis e passíveis de serem realizadas. No entanto, essas transformações não são analisadas na perspectiva dos seus resultados causais que introduzem mudança complexa na ocupação socioespacial e cultural, visto que “as geografias materiais e as práticas espaciais moldam e afetam a subjetividade, a consciência, a racionalidade, a historicidade e a socialidade" (SOJA, 1996, p. 77).

Para a compreensão de como as geografias materiais e as práticas espaciais afetam as dinâmicas na cidade contemporânea, é necessário perpassar pela teoria da tríade de Henri Lefebvre. Para ele, a análise socioespacial deve ser compreendida em três planos (o concebido, o percebido e o vivido), em três formas de espaços (absoluto, histórico e abstrato) e em três condições (prática espacial, representações do espaço e espaços de representação).

A importância da religião na vida dos seres humanos é de muito tempo, de milhares de anos. “Ao longo da história subsequente, a religião continuou a ser um elemento central da experiência humana, influenciando o modo como vemos e reagimos ao meio que nos rodeia”, como afere Giddens (2008, p. 534). As festas religiosas contemporâneas são vistas como crenças culturais que variam de cultura para cultura com elementos partilhados pelos membros da sociedade, que revela a diversidade comportamental e as práticas humanas no espaço.

Concomitantemente ao entendimento do processo de transformações socioespaciais que ocorrem em festas religiosas tradicionais nas cidades brasileiras, um outro elemento é necessário para compreender a sua manifestação contemporânea: a prática organizacional que ao longo do tempo dá destaque à festa sociocultural profana.

Essas manifestações festivas de cunho religioso e cultural podem ser vistas no âmbito organizacional pelo conceito da “cidade criativa”, pois se atenta às possibilidades da promoção do local, da sua cultura, da sua história, assim como do uso do espaço público. A ideia da cidade criativa, segundo o pesquisador antropólogo Cruz (2017, p. 18), “é [...] caracterizada, sobretudo, pela dinâmica organizacional na promoção da cultura e das artes, pelos estímulos do ambiente criativo e pelo papel da história e da tradição na criatividade”.

(14)

As festas religiosas tradicionais não são diferentes das cidades e seus espaços, elas apresentam múltiplos códigos de apropriações que refletem a complexidade da sociedade e seus interesses que devem ser compreendidas. Ou seja:

As festas balizam [demarcam] o tempo se completando [se realizando] no espaço. Elas têm seus ‘objetos’ fictícios (místicos) e reais (práticos) que aparecem, sobem [ascendem], declinam, se ocultam para reaparecer: o Sol, o Cristo, os Santos e as Santas, a Grande Mãe Virgem. Com os lugares, os tempos sociais se diversificam. O tempo do comércio (ligado aos mercados abertos) não coincide com o da igreja; ele se laiciza como o espaço ao qual ele tem. (LEFEBVRE, 2000, p. 366).

A festa de Sant’Ana, padroeira de Currais Novos, representa há anos um período importante para a cidade, momento em que o espaço público se torna um ponto em comum entre o interesse do segmento privado, religioso e público, devido ao grande número de pessoas que passam a frequentar/ consumir a cidade no mês de julho.

Existem poucos estudos sobre a festa de Sant’Ana de Currais Novos. Há estudos sobre a formação espacial do Seridó do Rio Grande do Norte e sobre o desenvolvimento econômico regional. Há, também, pesquisas sobre festividades religiosas na região do Seridó, sobre a atividade turística, sobre o patrimônio cultural, mas nada que trate das relações socioespaciais e culturais, sobretudo em Currais Novos.

Portanto, observa-se que Currais Novos, como a maioria das cidades brasileiras, cuja urbanização e cultura cresceu sob influência da cultura do catolicismo4, segue ainda com os festejos da sua padroeira Sant’Ana como a principal festa da cidade, é a que ocupa mais seus espaços e que gera mais circulação de dinheiro e pessoas. Visto isso, o impacto que a festa religiosa apresenta, indaga-se: como as novas apropriações socioespaciais e culturais vem se apresentando. Essa é uma análise a ser feita em função da festa de Sant’Ana de Currais Novos ter se transformado em festa com ritos profanos.

A festa contemporânea de Sant’Ana é marcada pela diversidade de pessoas, seja pela sua distribuição e ocupação ou pelos seus credos, mas principalmente pela ocupação espacial de festa religiosa e profana. Não se sabe se os ritos da igreja foram sendo diluídos entre os não católicos, ou se o público da igreja católica foi diminuindo. Contudo, vê-se que o público continua a estar presente em grande número.

4 “[...] a povoação dispõe de dois ou três elementos que estruturam o espaço urbano nascente, uma capela, uma praça central diante da primeira ou o cemitério” (TEIXEIRA, 2009, p. 56).

(15)

Com a finalidade de compreensão do tema, a pesquisa iniciou com a revisão bibliográfica sobre espaço e a sua produção, as cidades contemporâneas para, em seguida, ir a campo iluminar a teoria com a prática e analisar as relações socioespaciais culturais de Currais Novos/RN. A literatura foca na conceituação de espaços, das tríades das práticas socioespaciais, das cidades contemporâneas e das cidades criativas, a partir dos seguintes autores: Charles Landry, Elsa Vivant, Fernando Cruz, Edward Soja e Henri Lefebvre.

Para o alcance da análise dos espaços públicos de Currais Novos/RN na perspectiva das tríades de Lefebvre e Soja foi observado in loco a apropriação socioespacial da Festa de Sant’Ana de Currais Novos em 2018, entre os dias 23 e 26 julho, no que tange a Feirinha, a noite do Pavilhão de Sant’Ana e a procissão de encerramento da festa. Esses dias de festas foram escolhidos por apresentarem diferentes ocupações nos espaços públicos da cidade, a rua. Sendo o primeiro um momento festivo diurno, o segundo um evento noturno, e o terceiro que representa o principal rito religioso da Festa de Sant’Ana de Currais Novos, a procissão de encerramento. Esses momentos foram registrados por retratos fotográficos e anotações através de um diário de campo. Para dar continuidade ao entendimento das tríades de Soja e Lefebvre foi necessário realizar entrevistas com os atores sociais que fazem parte da concepção espacial da festa – representantes da Igreja e da administração pública – e dos atores que indiretamente pensam na concepção e ocupam os espaços públicos, os atores culturais – arquitetos, músicos, artistas plásticos e artesãos.

Para a percepção de como culturalmente os espaços públicos se inserem na dinâmica urbana de Currais Novos, foi realizado uma análise documental no Acervo Público da Prefeitura Municipal de Currais Novos sobre os espaços públicos que são ocupados continuamente na cidade por atividades e festas públicas e, também, através de entrevistas sobre cultura e espaço público com os principais atores da cultura e do planejamento da cidade – artistas, arquitetos e administradores públicos –, para compreender como o espaço público de Currais Novos se apresenta para os diferentes atores sociais da cidade.

A possível compreensão da relação social do espaço público foi concebida através de entrevistas com pessoas que participam da festa de Sant’Ana, e como a festa representa para a vida delas, assim como elas vão ocupando os espaços à medida que a festa vem possuindo concepções diferentes. A complementação desse entendimento se deu através da observação direta da Festa de Sant’Ana de Currais Novos entre os dias 23 e 26 julho, no que tange a Feirinha e à noite do Pavilhão de Sant’Ana.

(16)

O texto da dissertação é desenvolvido em cinco capítulos, sendo o primeiro capítulo “Metodologia”, o segundo “Conceituação do Espaço”, o terceiro “Cidades Contemporâneas”, o quarto “Historicidade da Festa de Sant’Ana” e o quinto “Representações Sociais sobre a Festa de Sant’Ana”.

O primeiro capítulo “Abordagem metodológica” trata de apresentar a metodologia e as técnicas de pesquisa utilizadas na pesquisa. Assim, conceitua-se a abordagem qualitativa e o método etnográfico e identificam-se as técnicas utilizadas, como a observação direta e a entrevista semiestruturada.

O segundo capítulo “A Conceituação do Espaço” corresponde ao desenvolvimento de análise da produção socioespacial a partir de elementos do espaço que são discutidas por autores clássicos que ajudam a leitura da realidade espacial do objeto. E, também, é discutido sobre as tríades de Lefebvre e Soja para a inserção das suas teorias no processo analítico discursivo para entender a realidade através da concepção e das práticas socioespaciais.

O terceiro capítulo “Cidades Contemporâneas” transcorre sobre os elementos que caracterizam tipologias de cidade e como elas estão presentes, juntas ou separadas, na cidade contemporânea. É desenvolvido a ideia da cidade moderna, da cidade pós-moderna e da cidade criativa, visto que são tipologias de cidades que se relacionam, mesmo com ideias particulares. O quarto capítulo “Subsídios para a história da Festa de Sant’Ana” trata do desenvolvimento de Currais Novos a partir de uma ideologia católica e o trajeto da inserção de eventos profanos a programação oficial da Festa de Sant’Ana registrada a partir de 1964 até 2018.

O quinto capítulo “Representações Sociais sobre a Festa de Sant’Ana” é a apresentação dos dados coletados através das entrevistas e observação enquanto resultado da pesquisa empírica, quanto aos fatores culturais e apropriações socioespaciais na cidade, os quais são debatidos nas Considerações finais.

(17)

1 ABORDAGEM METODOLÓGICA

O capítulo metodológico tem como objetivo apresentar a metodologia que melhor atende na presente pesquisa a percepção da realidade representada no objeto de estudo e sobre a interação de técnicas cruzadas que auxiliam a construção analítica da pesquisa.

A investigação realizada teve uma abordagem qualitativa para compreender, através do seu ambiente natural, a relação socioespaciais e cultural de Currais Novos/ RN a partir da Festa de Sant’Ana, e determinar se seus espaços contribuem para a ideia contemporânea de cidade criativa tendo em conta a tríade espacial de Lefebvre e Soja. A pesquisa qualitativa proporcionou a riqueza de informações dos fenômenos socioespaciais do objeto analisado envolvendo o raciocínio indutivo e dedutivo, que segundo Creswell (2014) tem como foco as perspectivas do observador e do observado.

Por pesquisa qualitativa entende-se a abordagem que analisa a experiência de indivíduos ou grupos relacionadas a histórias biográficas ou a práticas cotidianas. Também examinam interações e comunicações que estejam se desenvolvendo, baseado em observação e no registro dessas práticas, bem como na análise do seu material (ANGROSINO, 2009). Ela consiste “na escolha de métodos e teorias convenientes, no reconhecimento e na análise de diferentes perspectivas, nas reflexões dos pesquisadores a respeito de suas pesquisas como parte do processo de produção de conhecimento, e na variedade de métodos” (FLICK, 2009, p. 23).

Na busca de construir o significado latente das práticas socioespaciais e se aprofundar no conhecimento da realidade, a abordagem qualitativa, e seus métodos, se aproxima a possibilidade de compreensão da subjetividade e as interações sociais em um contexto atual onde a mudança social é acelerada devido a diversificação das esferas da vida.

A pesquisa teve início com a revisão bibliográfica no que tange à ideia clássica sobre espaço, a teoria socioespacial das tríades de Lefebvre e Soja e o tema cidades contemporâneas com ênfase na cidade criativa. Entre essas perspectivas conceituais de espaço, tríades e cidade criativa, identificou-se as categorias de análise para o objeto estudado, a festa de Sant’Ana de Currais Novos/RN. A posteriori, houve a ida a campo para coletar dados em perspectivas analíticas para confrontar a teoria com a prática das relações socioespaciais e culturais do objeto.

(18)

Para melhor atender os objetivos da pesquisa, houve sinergia entre os métodos etnográficos e análise documental que possibilitaram a identificação e preenchimento dos hiatos da ação humana projetada no espaço-tempo local da festa religiosa em estudo, já que “todos os métodos têm as suas limitações. Por esta razão, os investigadores devem combinar dois ou mais métodos no seu trabalho, sendo cada um deles usado para verificar e complementar o material obtido dos outros (GIDDENS, 2008, p. 662). Contudo, os métodos se diferenciam entre si por trazerem percepções diferente uma das outras de um mesmo problema, “cada método é uma linguagem e a realidade responde na língua em que é perguntada. Só uma constelação de métodos pode captar o silêncio que persiste entre cada língua que pergunta” (SANTOS, 2009, p. 77).

O método etnográfico seguido na pesquisa incluiu as técnicas de observação e de entrevistas, no qual colocou a investigadora de modo ativa observando os acontecimentos que depois de anotados e fotografados foram levados a questionar decisões, ações e comportamentos identificados em campo. Esse método forneceu informações ricas sobre a vida social na Festa de Sant’Ana de Currais Novos, como o aspecto do espaço existente e suas apropriações, onde a apreensão e compreensão acerca dos processos socioespaciais e culturais puderam ser feitos de forma a aprofundar a realidade estudada.

Por método etnográfico entende-se o processo científico em “descrever um grupo humano – suas instituições, seus comportamentos interpessoais, suas produções materiais e suas crenças. [...] coletam dados sobre as experiências humanas vividas a fim de discernir padrões previsíveis” (ANGROSINO, 2009, p. 31). Ele é baseado em pesquisa de campo, em contato face a face com as pessoas, é multifatorial por usar mais de uma técnica para coleta de dados, requer compromisso em permanência no local de estudo, é dialógico, e holístico por revelar o retrato mais completo possível do grupo em estudo, conforme afirma Angrosino (2009). Ele é um método que está subordinado à prática, “baseada na observação daquilo que está acontecendo no campo [...]. As entrevistas e as análises de documentos são integradas a esse tipo de plano de pesquisa participativa (FLICK, 2009, p. 217).

No intuito da pesquisa sobre as apropriações socioespaciais, o método etnográfico auxilia a refletir sobre as questões sociais comportamentais não claras e na obtenção do ponto de vista das próprias pessoas que fazem parte desse fenômeno.

A técnica da observação direta e participativa foi executada durante a festa de Sant’Ana de Currais Novos, entre os dias 23 a 26 de julho de 2018, na festa diurna da Feirinha, as noites

(19)

do Pavilhão de Sant’Ana e na procissão de encerramento, sobretudo na rua Escrivão Antônio Quintino, rua continua à Igreja. Nesse processo foi captado dos participantes da festa a perspectiva não verbal, identificando as condutas instituídas, os códigos da ocupação e organização espacial no local. Para complementar a observação foram feitas fotografias dos espaços ocupados, corroborando para os questionamentos e confrontos de dados coletados pelos outros métodos. Contudo, em 2017, já havia sido realizado um reconhecimento da festa de Currais Novos, onde se observou a organização e distribuição de pessoas com registro fotográfico.

A outra técnica aplicada foi a entrevista semidirigida ou semiestruturada por permitir captar informações e elementos de reflexão através de um contato direto entre o investigador e o interlocutor para uma análise de conteúdo sistemático dos dados obtidos. Desse modo, procurou-se compreender dos atores entrevistados as suas práticas e os acontecimentos – “seus sistemas de valores, as suas referências normativas, as suas interpretações de situações conflituosas ou não, as leituras que fazem das próprias experiências” (QUIVY, 2008, p. 22). Os atores são elementos essenciais para que a dinâmica das cidades funcione, “as organizações, instituições e grupos cruzam caminhos [...], encontram-se e formam elos nas áreas urbanas. Estes elos podem conduzir as ações coletivas e conjuntas nas quais as cidades atuam como agentes sociais nas esferas políticas, econômicas, cultural” (GIDDENS, 2008, p. 596).

As entrevistas foram realizadas com a finalidade de entender a importância cultural nos espaços públicos, seu planejamento, concepção e apropriação por diferentes atores sociais que fazem parte desse processo do objeto de estudo. Conforme Cruz:

Os lugares e os locais do espaço social reificado e os benefícios que eles oferecem são o produto dos conflitos no seio dos diversos campos. Já o valor das diferentes regiões do espaço social retificado resulta da relação entre a distribuição dos atores sociais e a distribuição dos bens no espaço (CRUZ, 2016, p. 16).

Os atores foram indagados entre os meses de novembro e dezembro de 2018 e nos meses janeiro e fevereiro de 2019, e as entrevistas registradas em áudio e posteriormente transcritas. Os entrevistados foram: o pe. Erivan – pároco de Sant’Ana de Currais Novos; Eliene – coordenadora do Pavilhão de Sant’Ana de Currais Novos de 2018; Ronaldo – coordenador da pasta cultura da prefeitura de Currais Novos; Socorro Góes – representante da secretaria de turismo da prefeitura de Currais Novos; Wescley Gama – poeta e músico de Currais Novos; João Antônio – artista plástico e professor de Currais Novos; Francisca Lima – bordadeira de Currais Novos; Kleyne Rondely – arquiteta atuante em Currais Novos; Luana Dantas – arquiteta

(20)

atuante em Currais Novos; Marina Nóbrega – arquiteta atuante em Currais Novos. O roteiro foi construído de maneira que os atores públicos e privados informassem os seus sistemas de valores, interpretação e leituras das suas próprias experiências no que tange a espaço público e cultura de Currais Novos.

Outra técnica adotada foram as entrevistas com pessoas que vivenciam a Festa de Sant’Ana, com o intuito de obter narrações individuais de pessoas a partir de 50 anos relatando suas vivências na Festa de Sant’Ana de Currais Novos do passado e hoje que puderam configurar elementos coletivos partilhados. Como entende Bosi:

Um mundo social que possui uma riqueza e uma diversidade que não conhecemos pode chegarmo-nos pela memória dos velhos [...]. A conversa de um velho é sempre uma experiência profunda: repassada de nostalgia, revolta, resignação pelo desfiguramento das paisagens caras (BOSI, 1994, p. 83).

Os relatos foram feitos entre os meses de novembro e dezembro de 2018 e nos meses janeiro e fevereiro de 2019. As entrevistas foram gravadas e aplicadas individualmente em 05 pessoas, sendo dois homens, um com mais de 50 anos e o outro com mais de 80, e em três mulheres, entre 70 a 90 anos. Em dois casos houve a participação dos filhos dos entrevistados, os quais deram seu testemunho como participante da festa, bem como auxiliando seus pais na rememoração.

As informações coletadas a partir das histórias orais partem do princípio que “o senso comum [...] reproduz-se colado às trajetóriase às experiências de vida de um dado grupo social e nessa correspondência se afirmar fiável e securizante” (SANTOS, 2009, p. 88). Outras não comuns, individuais, revelaram situações, ocupações que hoje não se apresentam da mesma maneira. Como Giddens elucida:

No entanto, os estudos baseados nas histórias de vida raramente dependem apenas das recordações das pessoas. Normalmente recorre-se a fontes documentais – cartas, relatórios contemporâneos ou descrições jornalísticas – para ampliar e verificar a validade da informação fornecida. [...] Consegue uma visão mais sensível e subtil da experiência da imigração do teria sido possível sem as entrevistas, cartas e artigos de jornais que recolheram (GIDDENS, 2008, p. 652).

Por fim, a análise documental permitiu a consulta de documentos localizados no Livro do Tombo da Igreja da Senhora Sant’Ana de Currais Novos, onde foram identificados registros da programação da Festa de Sant’Ana a partir de 1964. Foi colhido material no acervo do Arquivo Municipal de Currais Novos. E, também, foi feito levantamento nos arquivos da

(21)

Fundação Cultural José Bezerra Gomes, onde foi encontrado cópias dos Jornais “O Batel” e o “Porvir” que têm registros da vida cultural da cidade do início do século XX.

2 A CONCEITUAÇÃO DO ESPAÇO

O objetivo desse capítulo é analisar os conceitos espaciais que subsidiem a leitura socioespacial e cultural de Currais Novos na perspectiva da Festa de Sant’Ana. Tão quanto importante, também, para a compreensão do processo de produção e apropriação socioespacial, são os conceitos das tríades de Henri Lefebvre e Edward Soja.

2.1 O ESPAÇO PARA OS AUTORES CLÁSSICOS

A discussão proposta nesse subcapítulo diz respeito a uma análise espacial clássica dos espaços simbólico, coletivo, de memória, religioso, econômico e jurídico, por se acreditar que eles fomentam a leitura espacial de concepção, percepção e apropriação social do objeto em estudo – a Festa de Sant’Ana de Currais Novos/RN. Aqui buscamos categorizar os elementos para a leitura do espaço e suas práticas sociais, nomeadamente o espaço como lugar simbólico que tem na sua estrutura o elemento do signo - que induz à ação; a existência de um espaço coletivo, que configura a espacialidade de uma festa e de um lugar público; o espaço da memória que através da experiência induz apropriações; e o espaço implícito, ideológico religioso, econômico e jurídico.

Espaço simbólico

O princípio idealista de que o espaço é a representação sociológica, ou seja, “de que ele se origina de nossa atividade sintética, atravésda qual damos forma ao material sensitivo – se especializa aqui de tal modo que a figuração espacial que denominamos limite é uma função sociológica” (SIMMEL, 2013, p. 81). Se o espaço se dá pela função sociológica, a representação simbólica é inerente nesse processo espacial como afere Durkheim (1996) ao afirmar que a vida social inexiste sem o mecanismo da representação simbólica e, para tanto, seus signos se voltam às emoções que direcionam determinadas ações.

(22)

Se os signos determinam as ações da representação simbólica logo influenciam o espaço social. São, por isso, inerentes à cultura ideológica de produção da vida material do espaço, operando o pensamento coletivo. Ou seja, a representação simbólica possui signos que estão sob comando de alguns grupos organizados que os impõem à sociedade, como exemplifica Wirth:

Somente através de organizações às quais os homens pertencem, seus interesses e recursos podem ser recrutados para uma causa coletiva, pode-se inferir que o controle social na cidade deve tipicamente processar-se por meio de grupos formalmente organizados. [...] as massas de homens na cidade estão sujeitas à manipulação por símbolos e estereótipos comandados por indivíduos operando de longe, ou invisivelmente por trás dos bastidores [...]. O autogoverno, quer seja no reino econômico, político ou cultural, está nessas circunstâncias reduzido a uma simples figura de retórica, ou na melhor das hipóteses está sujeito ao equilíbrio instável de grupos de pressão (1967, p. 110-111).

A representação simbólica é uma relação de experiência inicial sempre medida pelo signo – “primeiro fundo de representações”, que atrai e repele, formando uma síntese, constituindo assim a consciência coletiva na qual se inserem as pessoas. Para tanto, o signo é o ponto crucial para perceber essa realidade, que tem na estrutura “uma dupla articulação entre a materialidade (significante) e a representação que dela fazemos (significado), onde os interesses são efetivados” (DURKHEIM, 1996, p. 23).

Um elemento importante para a compreensão da representação simbólica, nas relações sociais espaciais, é o espaço de cultura, como destaca Ortiz: “Se as representações simbólicas, sendo constitutivas da vida em sociedade, o espaço da cultura passa a ter papel crucial na articulação e na compreensão das relações sociais” (ORTIZ, 2012, p. 22-23). Ou seja, identifica as características culturais de uso e ocupação espacial dos lugares.

Já para Benjamin (2009), a realidade socioespacial deve ser estudada não somente através dos signos, mas, também, a partir do tempo, por meio de imagens analisadas dialeticamente, onde o passado é o possível do futuro no presente, ou seja, revelando a historiografia materialista - no espaço e tempo, onde ele identifica a cotidianidade capitalista na Paris do Século XIX5. O processo analítico de Benjamim é defendido por ele por ser possível identificar a cultura ideológica da produção da vida material do espaço, na ótica do seu desenho mental e concreto que muda hábitos de uma sociedade dentro do seu universo simbólico, como

5 Período marcado pela reforma urbana na cidade, com perspectiva progressista e de controle espacial. Houve desapropriações para ampliação de ruas. O projeto visava, também, o impedimento das Barricadas (manifestações contra o poder dominante).

(23)

o uso de signos de controle entre o público e o privado, a multidão e o indivíduo, resultando no estranhamento de todos no espaço produzido, como o ocorrido em Paris no século XIX:

Desse modo, a reprodução do capital consegue romper cada vez mais as barreiras espaciais da produção mercantil ao passo que decreta a extinção das barricadas – pelo alargamento das ruas e a proximidade que agora estabelecem entre o aparelho repressor do estado e os bairros operários – e fomenta a sustentação ideológica de suas práxis/discurso. [...] O lugar medieval de Paris ganha plano cartesiano, linha reta, ruas largas para a fluidez e passagem do trânsito, facilitando, também, possível repreensão policial. O capital encontrou em Haussman6 seu instrumento (DUTRA JÚNIOR, 2016, p. 369).

Na estrutura analítica de Benjamin frente às transformações de Paris do século XIX, a cidade passa a ter, então, novos significados. A rua passa a ser o espaço impessoal, do público, onde o indivíduo se dissolve quando as ruas são alargadas. O indivíduo se perde no meio da multidão, onde o espaço dialeticamente possibilita e impede a realização individual. O caminho que antes era marcado por ruas desencontradas do tempo medieval, a partir das transformações cartesianas urbanas de Haussman, direciona a um outro tempo: rápido, abstrato e controlado pelo capitalismo.

Portanto, o universo simbólico é particular de cada sociedade, organizado por categorias que introduzem princípios sociais de diferenciação e hierarquização, de modo que a morfologia social, introduzido através de símbolos domina uma consciência coletiva.

Espaço coletivo

Dentro do universo da representação simbólica identifica-se o instrumento que manipula ideologicamente a consciência coletiva, o signo. Essa consciência coletiva toma ação quando se depara, por exemplo, com momentos festivos onde grupos se aglomeram em determinados lugares pré-definidos, em espaços sem barreiras físicas, ou em algum elemento simbólico em comum. Uma significação sociológica mais especial da fixação no espaço pode serdesignada pelo termo simbólico de “ponto de rotação”, que corresponderia “a fixidez espacial de um objeto de interesse que provoca determinadas formas de relação que se agrupam emtorno dele” (SIMMEL,2013, p. 85)

Para Park:

A organização da multidão só é finalmente efetivada quando a atenção dos indivíduos que a compõem se concentra em algum objeto em particular ou em

(24)

algum objetivo particular. Esse objeto assim fixado no foco da atenção do grupo tende a assumir o caráter de uma representação coletiva. Torna-se a representação e o símbolo do que a multidão sente e deseja no momento em que todos os membros são inundados por uma excitação coletiva comum. [...] As excitações são chamadas coletivas porque são produto das interações dos membros da multidão. Eles não são produtos individuais, mas corporativos (PARK, 1969, p. 307).

Esse desejo criado para a multidão tem um poder de consumo coletivo, onde os indivíduos juntos são vistos como consumidores de produtos cabíveis à manipulação. Esses espaços são ocupados hierarquicamente e com diferenciação. Desse modo, contribuindo para a origem da separação espacial de indivíduos de acordo com a cor, status econômico e social, gostos e preferências, como infere Wirth (1969). Nas palavras de Halbwack:

Quando um grupo está inserido numa parte do espaço, ele a transforma à sua imagem, ao mesmo tempo em que se sujeita e se adapta às coisas materiais que a ele resistem. Ele se fecha no quadro que construiu. A imagem do meio exterior e das relações estáveis que mantém consigo passa ao primeiro plano da ideia que faz de si mesmo [...]. Não é indivíduo isolado, é o indivíduo como membro de grupo, é o próprio grupo que, dessa maneira, permanece submetido à influência da natureza material e participa de seu equilíbrio (HALBWACK, 1990, p. 133).

É observável a existência dessa diferenciação espacial de grupos contendo uma vida cultural e social similar. Contudo, é possível a proximidade entre polos de grupos numa visão ampla do espaço. A visão macro “dá ao ser humano um sentimento de liberdade de movimento, de poderalcançar o indefinido, [...] algoque em quartos estreitos fica decisivamente dificultado, em termos sensoriais (SIMMEL, 2013, p. 83-84). Nessa perspectiva da multidão reunida, sua impulsividade e euforia se deve com certeza em parte, também ao fato, deque ou ela se encontra ao ar livre ou, ao menos, em um espaço grande – em comparação com outros espaços de permanência. Porém coletivamente a multidão exaltada vai seguir alguma ordem de fluxo. Como Durkheim:

Uma vez reunidos os indivíduos, sua aproximação libera uma espécie de eletricidade que os transporta rapidamente a um grau extraordinário de exaltação. [...] É claro que, como um sentimento coletivo só pode se exprimir se observar uma certa ordem que permita a coordenação e os movimentos de conjunto (DURKHEIM, 1990, p. 222).

As características fundamentais da forma espacial com as quais as figurações no espaço coletivo apresentam é a de um espaço geral que possui pedaços individuais, singulares, sendo alguns deles sem analogias. Outra característica do espaço que opera de modo crucial sobre as interações sociais reside no fato de que o espaço se decompõe, para o nosso aproveitamento prático, em pedaços que valem como unidades e – como causa e como feito disso – são

(25)

emoldurados por limites. A moldura anuncia que em seu interior se encontra um mundo sujeito apenas às suas próprias normas, não envolvido nas determinações e movimentos do mundo circundante. Ao simbolizar a unidade autossuficiente da obra de arte, a moldura reforça simultaneamente por si própria a realidade e a impressão dessa mesmaunidade. Para Simmel:

O polo mais extremo dessa sequência é exemplificado pela Igreja, ao menos quando ela, como no caso da Igreja católica, reclama para si ‘onixtensão’ e liberdade em relação a qualquer barreira local. Não obstante, várias religiões dessa espécie podiam encontrar-se juntas na mesma cidade, por exemplo (SIMMEL, 2013, p. 78).

Para tanto, o que importa são as forças de tensão que estão no interior do grupo, chocando quando não há espaço suficiente no seu limite para expansão. Então, a moldura espacial é ampliada, mesmo que se una em seu interior muitas pessoas, apresentando justaposições. A indefinição da moldura espacial, quando seus limites são ultrapassados, torna o espaço sem controle, como ocorria nas cidades medievais. A polícia muitas vezes procurava impedi-las interditando becos à noite com correntes para ter controle. E, exemplifica Halbawack:

O lugar ocupado por um grupo não é um quadro negro sobre o qual escrevemos, depois apagamos os números e figuras. [...] o lugar recebeu a marca do grupo, e vice-versa. Então, todas as ações do grupo podem se traduzir em termos espaciais, e o lugar ocupado por ele é somente a reunião de todos os termos. Cada aspecto, cada detalhe desse lugar em si mesmo tem um sentido que é inteligível apenas para os membros do grupo, porque todas as partes do espaço que ele ocupou correspondem a outro tanto de aspectos diferentes da estrutura e da vida de sua sociedade, ao menos, naquilo que havia nela de mais estável (HALBAWACK, 1990, p. 134).

A cidade, consequentemente, tende a parecer um mosaico de mundos sociais, onde “a justaposição de personalidades e modos de vida divergentes tende a produzir uma perspectiva relativista e um senso de tolerância de diferenças”, como afere Park (1979, p. 30). Portanto, a sua estreiteza ou amplitude exerce assuas consequências conformadoras, com as respectivas modificações, onde querque um número de pessoas se ajunte socialmente, como revela Simmel (2013).

Espaço e Memória

São as memórias que determinam, em geral, os significados das diferentes apropriações do objeto. Park, Burgess e Janowtz (1972), afirmam que as experiências são armazenadas na memória fazendo relações com os objetos, como explicam:

(26)

Nossas percepções e nossas ideias incorporam nossas experiências de objetos e, assim, servem como sinais do que podemos esperar delas. Eles são os meios pelos quais somos capazes de controlar nosso comportamento em relação a eles. Por outro lado, se perdemos nossas memórias, temporária ou permanentemente, perdemos ao mesmo tempo nosso controle sobre nossas ações e ainda somos capazes de responder aos objetos, mas apenas de acordo com nossas tendências inatas (PARK; BURGESS; JANOWITZ, 1972, p. 468).

Visto isso, fazemos uma analogia à apropriação espacial em eventos tradicionais. Assim, por exemplo, as vivências contínuas em determinados espaços armazenam informações na memória que faz repetir ou retrair essas experiências. Essa memória armazenada do lugar também pode ser ressignificada quando outros fatores são colocados ou surgem novas situações. Cabe ao sujeito escolher vivenciar o novo e comparar ao vivido, ressignificando o lugar.

Para tanto, podemos pensar em opiniões meramente representativas de um mecanismo psicofísico, que podemos chamar de “atitude de sentimento”. “Essas atitudes de sentimento devem ser consideradas, por sua vez, como organizações das tendências originais, as emoções instintivas, sobre alguma memória, ideia ou objeto que é, ou uma vez foi, o foco e o fim para os quais as tendências originais assim organizadas existem” (PARK; BURGESS; JANOWITZ, 1972, p. 468). Dessa forma, as opiniões acabam, ao longo do tempo, por se referenciar pelo instante original, embora aquele momento original tenha sofrido ressignificação pela experiência e tradição.

Por conseguinte, a memória coletiva se desenvolve em um quadro espacial – a realidade que dura, a sucessão de nossas impressões, onde “nada permanece em nosso espírito, e não seria possível compreender que pudéssemos recuperar o passado, se ele não se conservasse, com efeito, no meio material que nos cerca”, destaca Halbwachs (1990, p. 143). Para Silva:

A memória coletiva atrela as imagens de fatos passados a crenças e necessidades do presente. Nesta, o passado passa permanentemente por um processo de reconstrução, vivificação e consequentemente também de ressignificação. Possui como ‘característica’ transformar fatos do passado em imagens e narrativas sem rupturas, isto é, tende sempre para uma relação de continuidade entre o passado e o presente, busca reestabelecer a unidade de todos os aspectos, que com o passar dos tempos representou dentro do grupo, a ruptura. Se caracteriza também pela corrente contínua de pensamento, uma continuidade que não se atém no campo da artificialidade, pois não guarda nada do passado, senão o que está vivo, ou que se encontra na memória do grupo que a contém (SILVA, 2016, p. 162).

(27)

Os bairros de uma cidade possuem sentimentos característicos de sua população. “Como efeito disso, o que a princípio era simples expressão geográfica converte-se em vizinhança, isto é, uma localidade com sentimentos, tradições e uma história sua. Dentro dessa vizinhança a continuidade dos processos históricos é de alguma forma mantida" (PARK, 1979, p. 29). E, todavia, aos adventos contemporâneos que “um grupo [...] procura e tenta, em parte, encontrar seu equilíbrio antigo sob novas condições. Tenta se manter ou se adaptar a um quarteirão ou rua que não são mais para ele, mas sobre o terreno que já foi seu” (HALBWACHS, 1990, p. 137).

Espaços religiosos, econômicos e jurídicos.

O fenômeno religioso é caracterizado pelas crenças, ritos e pela suposição da dicotomia entre o sagrado e profano, não podendo se aproximar e conservar ao mesmo tempo as suas naturezas próprias, como revela Durkheim (1996). Já na perspectiva de Halbwachs (1990), o lado profano dessa dicotomia estaria implícito no espaço, espaço onde seria necessário fechar os olhos e ouvidos na visão religiosa.

Essas perspectivas são superadas em práticas contemporâneas quando temos programações de festas profanas fazendo parte da programação oficial de festas religiosas. Hoje, essas duas naturezas são continuidades de uma e de outra em festividades religiosas de algumas cidades brasileiras. Contudo, as celebrações são separadas espacialmente de acordo com a sua natureza e o que se encontra nas festas contemporâneas é o espaço explícito da festa profana, tanto na programação oficial religiosa, quanto nos espaços públicos e privados ocupados durante a festa.

O que se observa é que nas cidades que tiveram sua concepção a partir de um traçado sob influência da religião católica apostólica romana, acabam por o seu entorno imediato se tornar culturalmente o lugar mais ocupado pelas principais atividades da cidade7. E, continuamente permanece quando na cidade não existe outra centralidade, fato que rege muitas cidades pequenas e médias brasileiras. Essa cultura de ocupação é ainda mais ampliada quando as festas religiosas são as de maior impacto na localidade, predominantemente de praticantes da religião católica.

7 Historicamente as atividades se desenvolveram no entorno das Igrejas, os mercados, as casas, os prédios públicos, as festividades.

(28)

As lembranças de um grupo religioso estão inseridas pela percepção de certos lugares, localizações e disposições dos objetos. “A religião se expressa, portanto, sob formas simbólicas somente que asseguramos que ela sobreviva” (HALBWACHS, 1990, p. 155). A cidade possui uma “organização moral bem como uma organização física, e estas duas interagem mutuamente de modos característicos para se moldarem e modificarem uma a outra” (PARK, 1979, p. 27-28). Essa estrutura e tradição são aspectos dentro de um complexo cultural comum peculiar de cada cidade, onde a diversidade entre o profano e sagrado, por exemplo, parece se reconciliar. Lévi-Strauss entende que:

Toda paisagem se apresenta inicialmente como uma imensa desordem que nos dá liberdade de escolher o sentido que lhe queiramos dar. [...] de repente, o espaço e o tempo se confundem; a viva diversidade do instante justapõe [...], no seio da qual os séculos e as léguas se respondem e falam linguagens enfim reconciliadas (LÉVI-STRAUSS, 1996, p. 54).

É inevitável que indivíduos que buscam as mesmas formas de relaxamento, quer sejam proporcionadas por rituais religiosos ou pela festividade profana, devam de tempos em tempos se encontrar nos mesmos lugares. Para Park (1979), a população acaba por se distribuir não por interesse ocupacional ou condições financeiras, mas sim pelos seus gostos, “a população tende a se segregar não apenas de acordo com seus interesses, mas de acordo com seus gostos e seus temperamentos” (PARK, 1979, p. 63). No entanto, “a concorrência pelo espaço é grande, de tal forma que cada área geralmente tende a se dedicar à atividade que produza melhor retorno econômico”, desenvolve Wirth (1967, p. 102). Chega-se ao entendimento que existem pessoas interessadas no espaço para um retorno econômico, e que elas captam ou criam desejos para que outros consumam o espaço em troca da satisfação dos seus gostos.

Esse espaço representa um valor econômico que nem sempre corresponde ao aspecto e às propriedades físicas do objeto. Então, “de que modo a imagem do objeto evocaria a lembrança do preço, isto é, de uma quantia, se o objeto nos é apresentado tal como nos parece no espaço físico, isto é, desligado de toda relação com a vida do grupo?” (HALBWACHS, 1990, p. 148). Na verdade, pontualmente, os preços dos objetos são resultados de opiniões públicas em grupo, onde não se descarta que ela sejam manipuláveis pela memória coletiva. E continua Halbwachs:

[...] no pensamento coletivo, algumas partes do espaço se diferenciam de todas as outras, porque elas são o lugar comum de reunião dos grupos que têm por função se lembrar e lembrar aos outros grupos quais são os preços das diferentes mercadorias. É dentro do quadro espacial constituído por esses lugares que evocamos, para lembrar as ações de troca e o valor dos objetos,

(29)

quer dizer, todo o conteúdo da memória do grupo econômico (HALBWACHS, 1990, p. 150).

Os comerciantes aguardam seus clientes em seus balcões, mas antes é preciso que os clientes saibam onde encontrar o estabelecimento comercial, de modo a que o grupo comerciante se imobilize no espaço. As mercadorias e os compradores fazem parte da representação econômica do espaço. “Quanto a ideia de que o preço vem de fora, que não está no objeto, é aquela que o comerciante se esforça por afastar, persuadindo o comprador de que o objeto se vende por seu preço” (HALBWACHS, 1990, p. 153). E, aprofunda o mesmo autor:

Os grupos econômicos decorrem da posição dos homens não no espaço, mas em relação à produção, isto é, numa diversidade de funções, e, também diversos modos de remuneração, de distribuição de bens: no plano econômico os homens são diferenciados, agrupados conforme qualidade ligadas à pessoa e não ao lugar. Com maior razão se dá o mesmo nas sociedades religiosas: elas repousam numa comunidade de crenças que tem como objetivo seres imateriais; essas associações estabelecem entre seus membros laços invisíveis, e se interessam sobretudo pelo homem interior (HALBWACHS, 1990, p. 139).

As relações jurídicas estão fundamentadas sobre o fato de que os homens têm direito e podem contrair obrigações. Esse espaço está implícito porque não é suficiente considerar que os homens estejam reunidos num mesmo lugar, e guardar na memória a imagem desse lugar para descobrir e se lembrar a que sociedades eles se ligam. Todos esses grupos se sobrepõem seguindo regras em relação à configuração do espaço.

Elementos de análise do objeto em estudo

Para a compreensão da realidade socioespacial da Festa de Sant’Ana de Currais Novos/RN será levado em consideração a estrutura do espaço simbólico, cujos seus signos direcionam fixidez espacial e relações com os espaços vizinhos. As ações analisadas serão: agrupamento, dispersão, circulação e permanência em um espaço coletivo e de memória (Figura 1).

(30)

Figura 1- Proposta de leitura espacial.

Elaboração própria da autora (2019).

2.2 A TRÍADE ESPACIAL, EM LEFEBVRE E SOJA

O espaço tornou-se instrumental para diversos fins, seja para articular estratégias, seja para organizar os fluxos, seja para induzir determinado uso. Ele é o palco da festa, do lúdico, da reprodução social, do econômico. Ele é regido por representações simbólicas no qual deixou de ser neutro geograficamente e geometricamente. Visto isso, esse subcapítulo é desenvolvido a partir das representações das tríades da produção espacial social conceituadas pelo filósofo Henri Lefebvre e pelo geógrafo Edward Soja, que desenvolvem suas tríades a partir da obra de Lefebvre. Esse subcapítulo tem a finalidade de compreender o processo de análise da produção espacial, seus significados e apropriações. Por fim, procura-se conceituar as tipologias para entender o fenômeno contemporâneo do objeto em estudo nessa pesquisa, a Festa de Sant’Ana de Currais Novos/ RN.

Henri Lefebvre

Henri Lefebvre coloca a problemática do espaço como objeto da ciência, lugar onde a reprodução do espaço urbano, os espaços de lazer, os espaços ditos educativos e a dinâmica diária acontece.“Essa reprodução se realiza através de um esquema relativo à sociedade existente, cujo caráter essencial é ser conjunta-disjunta, dissociada, mantendo uma unidade, a do poder, na fragmentação”(LEFEBVRE, 2008, p. 49). A forma dialética de Lefebvre de apreender e refletir sobre as transformações socioespaciais é uma forma de distinguir o senso comum da filosofia, como destaca Ester Limonad (2003).

A espacialidade pode ser distinguida entre o espaço físico e o espaço mental, a cognição e a representação, cada um dos quais usado e incorporado na construção social da espacialidade,

(31)

ou seja, eles se relacionam, não podendo ser interpretados isoladamente. Definir as interligações do mental, físico e social, continua a ser um dos desafios da teoria social contemporânea, especialmente considerando que o debate histórico tem sido monopolizado pelo dualismo físico-mental.

A teoria do espaço social, defendida por Lefebvre (2008), é uma analogia crítica da realidade urbana e da vida cotidiana, do conjunto de atividades prático-sociais com a finalidade de sintetizá-las, mas não as reduzir. Para ele, “o espaço social é o resultado de um processo com várias variantes: significante e não-significante, percebido e vivido, prático e teórico” (LEFEBVRE, 2000, p. 160). O autor procura compreender qual a relação entre o espaço mental e o espaço social, entre o espaço de representação e representação do espaço e como ele está inserido na prática social, econômica ou política, industrial ou urbana, sua eficiência e limites. A prática espacial põe e supõe uma interação dialética entre dominação e apropriação. Assim, esta prática espacial de uma sociedade se descobre decifrando seu espaço. Para isso Lefebvre (2000) analisa a prática dominante capitalista:

Ela associa estritamente, no espaço percebido, a realidade cotidiana (o emprego do tempo) e a realidade urbana (os percursos e redes ligando os lugares do trabalho, da vida ‘privada’, dos lazeres). A competência e a performance espaciais próprias a cada membro dessa sociedade só se examinam empiricamente. Uma prática espacial deve possuir uma certa coesão, o que não quer dizer em coerência (intelectualmente elaborada: concebida e lógica) (LEFEBVRE, 2000, p. 65-66).

O espaço, para Lefebvre, é ao mesmo tempo:

abstrato-concreto, homogêneo e desarticulado, social e mental, teórico e prático, ideal e real - sendo um produto da sociedade constatado empiricamente antes de qualquer teorização, é resultado de normas e valores da sociedade burguesa, cuja reprodução das relações se efetua na cotidianidade (LEFEBVRE, 2008, p. 63).

Com uma voz profunda da “periferia” da espacialidade, Lefebvre desconstrói o dualismo com um outro termo e, ao fazê-lo, reconstitui uma ontologia social, da "dialética socioespacial" e através da interação problemática entre espaço e tempo, a criação de geografias históricas, conforme observa Soja (1996).

A triplicidade espacial, defendida pelo filósofo, corresponde à tentativa de superação que a filosofia dificilmente conseguiu analisar além dos dois termos: o sujeito e o objeto (LEFEBVRE, 2000). Para o autor, o reducionismo em todas as suas formas, incluindo as versões marxistas, começa com a atração do binarismo, a compactação do significado em uma

(32)

oposição ou oposição fechada entre dois termos, conceitos ou elementos. Lefebvre introduziu um outro termo ao pensamento binário, uma terceira possibilidade. Não é, por isso, uma combinação simples, quizá, a mais importante para a transformação da lógica categórica e fechada dialeticamente, com a finalidade unir “campos” que geralmente são apreendidos separadamente. Quando a trialética do ser é reduzida às relações entre a historicidade e a sociabilidade, a espacialidade tende a ficar fora da reflexão. O tímido interesse em reativar o espaço de forma mais central, porém sem discussão detalhada da espacialidade, podem “ser encontrados nos escritos de muitos filósofos críticos, de Kant e Hegel a Heidegger e Sartre; e no trabalho de teóricos sociais críticos (Simmel, Kracauer, Benjamin, Giddens, Harvey, para citar apenas alguns)”, como destaca Henri Lefebvre (2000, p. 71-72).

A historicidade e a espacialidade/ geografia, se relacionam simultaneamente, onde o tempo se conhece e se realiza no espaço, fazendo emergir outro campo de interpretação na dialética espaço-temporal, a trialética do ser. Essa trialética gera, assim, três campos ontológicos da formação do conhecimento – história, sociabilidade e espacialidade.

Os três momentos da trialética ontológica, segundo Lefebvre, não podem ser entendidos isoladamente ou epistemologicamente privilegiados, separadamente, embora, normalmente sejam analisados em disciplinas compartimentadas, como exalta Soja (1996), pois eles juntos fornecem interpretação e conhecimento para a compreensão da produção do espaço vivido.

Lefebvre (2000) organiza a produção do espaço em torno da dialética do vivido e concebido, o "real" e o "imaginário", o mundo material e nossos pensamentos sobre isso. Desse modo, emergindo a tríade conceitual das práticas espaciais, das representações dos espaços e dos espaços de representações. Deixando claro que os espaços carregam em si simbolismos explícitos ou clandestinos da vida cotidiana, no qual transmitem mensagens de poder e dominação. Para tanto, o entendimento da semiologia se faz necessário para classificar as representações, as impressões e evocações do código dos sentimentos pessoais, o código simbólico (decifráveis), ou seja, identificar o discurso/ ideologia que está inserido no espaço.

A tríade de Lefebvre vai do espaço percebido - da percepção comum à escala do indivíduo e de seu grupo, a família, a vizinhança - aí compreendendo o que se chama “ambiente”, o espaço concebido (mental, geométrico) e o vivido (social). O espaço percebido e concebido é onde se encontra o espaço teórico e a teoria do espaço. Já o espaço vivido está vinculado à prática social, sendo a sua problemática um aspecto importante e talvez essencial de um conhecimento da realidade urbana. Assim, a partir dos três aspectos colocados, Lefebvre

(33)

aponta “a problemática do espaço pertencente à teoria do urbano e à sua ciência e, por seguinte, a uma problemática ainda mais vasta, a da sociedade global” (LEFEBVRE, 2008, p. 41).

O espaço percebido é a materialidade espacial rica em códigos, símbolos, caracterizado por uma prática espacial, onde estão as significações sócio-políticas. Os espaços concebidos são aqueles que estão armazenados nas teorias do espaço, no qual os arquitetos e políticos projetam a ideia de espaço, ou seja, a representação do espaço. Já os espaços vividos são os espaços marcados pelas práticas sociais, como a vida cotidiana se realiza, quando há uma apropriação contra uma dominação e o espaço se transforma. É o aspecto mais complexo de se desvendar, por ter várias significações subjetivas do sujeito que faz seu uso – esse é o espaço de representação.

Os espaços de representação, vividos mais que concebidos, possuem elementos simbólicos e imaginários, espaços reais e imaginados concomitantes. É o espaço dos “habitantes”. Trata-se do “espaço dominado, portanto, suportado, que a imaginação tenta modificar e apropriar”, como enfatiza Lefebvre (2000, p. 66). Esses espaços “incorporam os ‘simbolismos complexos’, às vezes codificados, às vezes não [...], que Lefebvre descreveu como uma codificação não do espaço de forma mais geral”, como relata Soja (1996, p. 67). Presume-se a inconsciência parcial, o sublime não-verbal dos espaços de representações, que deve ser decifrado para a transformação ativa do mundo que vivemos.

O espaço vivido é anterior ao espaço pensado, o espaço percebido, “antes que o espaço se desenhe como meio de possibilidades distantes, lugar das potencialidades, do intelecto analítico que separa, bem antes do saber, existe uma inteligência do corpo” (LEFEBVRE, 2000, p. 243). Ele é a prática social.

Lefebvre (2008) afirma que o sujeito, passivamente experiente, dominado, busca mudar o espaço a partir da sua apropriação. Nele podemos encontrar não apenas as representações espaciais do poder, o concebido, mas o espaço de resistência à ordem dominante de seu posicionamento subordinado, periférico ou marginalizado, como afirma Soja (1996).

As representações do espaço, ou seja, o espaço concebido pelos cientistas, planejadores, urbanistas, arquitetos, é o espaço dominante numa sociedade – um modo de produção. As concepções do espaço tenderiam, conforme Lefebvre, para um sistema de signos verbais, portanto elaborados intelectualmente (SOJA, 1996). Este espaço concebido também está ligado à ordem ou ao desenho, linguagem, discurso, textos, logotipos. Essa ordem é constituída através do controle do conhecimento, sinais e códigos: sobre os meios de decifrar a prática espacial.

Referências

Documentos relacionados

Ficou com a impressão de estar na presença de um compositor ( Clique aqui para introduzir texto. ), de um guitarrista ( Clique aqui para introduzir texto. ), de um director

6 Num regime monárquico e de desigualdade social, sem partidos políticos, uma carta outor- gada pelo rei nada tinha realmente com o povo, considerado como o conjunto de

segunda guerra, que ficou marcada pela exigência de um posicionamento político e social diante de dois contextos: a permanência de regimes totalitários, no mundo, e o

Com o objetivo de gerar as representações computacionais do espaço físico geográfico territorial de Botucatu-SP e de construir uma base de dados digital dos aspectos físicos

curso do Programa Trabalho Doméstico Cidadão e que conforme a exigência do Ministério da Educação (MEC), todas as educandas do PTDC deveriam fazer uma

Essa busca por ampliar uma audiência para seus trabalhos também é vista quando o grupo inicia incursões por bairros mais afastados, visitando também cidades próximas

Comparando as características do ambiente das empresas dos dekasseguis que tiveram sucesso e as que fracassaram constata-se que apesar de todos terem iniciado o negócio com