• Nenhum resultado encontrado

Fragmentação metropolitana e desmembramentos municipais: a configuração territorial de Campinas a partir das diferenciações político-territoriais

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Fragmentação metropolitana e desmembramentos municipais: a configuração territorial de Campinas a partir das diferenciações político-territoriais"

Copied!
17
0
0

Texto

(1)

Fragmentação metropolitana e desmembramentos municipais: a configuração

territorial de Campinas a partir das diferenciações político-territoriais

Cláudia Gomes de Siqueira

Palavras-chave: fragmentação metropolitana; desmembramento municipal; composição da população; dimensão político-institucional

Este estudo tem como objetivo contribuir para a discussão sobre fragmentação metropolitana a partir de uma análise específica, que privilegia a dimensão político-institucional e a dimensão demográfica das reconfigurações político-territoriais do município de Campinas. Neste sentido, considera-se que a fragmentação metropolitana constitui-se como um produto do processo histórico de diferenciações político-territoriais, expresso por uma não identidade política e social entre populações de diferentes espacialidades, no interior do espaço municipal. Considera-se, ainda que, os desmembramentos municipais representam os “pontos críticos” das reconfigurações territoriais dos municípios, expressando, ao mesmo tempo, uma ruptura desse processo e o momento em que se concretiza o caráter fragmentado do espaço metropolitano. Para este estudo, são considerados os dados sobre a composição da população das diferentes espacialidades do território de Campinas, principalmente correspondente ao momento de ocorrência dos desmembramentos municipais.

Trabalho apresentado no XVI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxambu – MG – Brasil, de 29 de setembro a 03 de outubro de 2008.

(2)

Fragmentação metropolitana e desmembramentos municipais: a configuração

territorial de Campinas a partir das diferenciações político-territoriais

Cláudia Gomes de Siqueira

Apresentação

O objetivo deste texto é contribuir para o avanço do debate sobre a fragmentação metropolitana ou fragmentação do espaço urbano.

A inquietação que estimulou a realização dessa reflexão surgiu da primeira avaliação de uma bibliografia selecionada que aborda a fragmentação do espaço urbano, em especial o metropolitano, a partir da qual se pôde observar que os principais aspectos desse debate, ou aqueles mais discutidos, resumem-se, por um lado, aos impactos da globalização e da reestruturação produtiva na reestruturação dos espaços e, conseqüentemente, na sua fragmentação (Ribeiro, 2000a; Vainer, 2007; Manfredo, 2007; Marandola et al, 2006), e, por outro, aos obstáculos colocados pela fragmentação do espaço metropolitano na implementação de uma gestão metropolitana eficiente (Davanzo & Negreiros, 2006; Semeghini, 2006, Ribeiro, 2000b).

Embora se trate de um debate em curso e que envolve uma produção ampla que não pôde ser contemplada aqui, a breve literatura considerada foi suficiente para identificar um problema presente nesse debate e que, sustenta-se, deve estar embutido na maioria dos textos que tratam o tema, que se refere à própria idéia de “fragmentação”.

Assim, observa-se que, seja como objeto central de análise, seja como conseqüência de processos sociais mais amplos, a utilização do termo “fragmentação” não vem sendo acompanhada de uma definição explícita, dificultando uma avaliação mais acurada sobre os processos aos quais está associado.

Além disso, o fato de se tratar de um termo bastante empregado em diferentes campos acadêmicos e artísticos, sendo, neste último caso, associado a uma imagem facilmente cognoscível – contribuindo para que se mantenha a impressão de que uma definição clara do termo seja desnecessária – tem dificultado a identificação de um consenso a respeito do emprego do termo associado às diferentes configurações dos espaços urbanos. Mais ainda, esse estado de coisas dificulta reconhecer em que medida aquilo que o autor A entende por “espaço fragmentado” ou “fragmentação metropolitana” corresponde ou diverge do entendimento ou da imagem fornecida pelo autor B.

Trabalho apresentado no XVI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxambu – MG – Brasil, de 29 de setembro a 03 de outubro de 2008.

(3)

Para tornar mais complexo esse quadro, nota-se que, em alguns estudos sobre gestão e conformação do espaço metropolitano (Davanzo & Negreiros, 2006; Marandola et al, 2006; Manfredo, 2007) ou em estudos sobre outros processos de transformação do espaço, como o desmembramento municipal (Gomes & Mac Dowell, 2000; Simões, 2007), o termo “fragmentação” reveste-se de uma carga valorativa, assumindo uma conotação negativa, referindo-se a um “problema” a ser solucionado. Isso fica bastante evidenciado, por exemplo, nos estudos sobre criação de municípios, nos quais a associação ao termo “fragmentação” já é indicativo do próprio posicionamento do autor diante do processo – no caso, contrário ao processo – o que vai, provavelmente, favorecer uma tendência mais parcial da análise.

Diante disso, pretende-se, neste texto, apresentar o desenvolvimento de uma reflexão sobre alguns elementos presentes nos processos configuração do território municipal e sobre a configuração do espaço metropolitano que forneça elementos adicionais para o debate em questão. Não se pretende, com isso, solucionar toda a diversidade de questões a respeito do que se busca entender por “espaço fragmentado” ou “metrópole fragmentada”, mas tão-somente indicar algumas direções a partir das quais possa melhor se compreender a associação do termo “fragmentação” a processos de transformação do espaço.

Nesse sentido, considerando-se que o “espaço fragmentado” é aquele no qual diferentes “pedaços” do território se desenvolveram a partir de uma dinâmica própria em relação ao todo que compõem, defende-se, nesse trabalho, que a fragmentação do espaço metropolitano é um produto social, resultante de um processo historicamente construído a partir das transformações na configuração territorial, através do desenvolvimento de diferentes tipos de “diferenciações político-territoriais” e do desmembramento municipal, considerado como um “ponto crítico” do processo de transformação da organização territorial e da reorganização da população no espaço1.

Nas seções seguintes, serão apresentados os processos relacionados à transformação do território municipal, privilegiados neste estudo, e que fundamentam o significado da noção de “fragmentação metropolitana” sustentada aqui. Em seguida, o caso do município de Campinas será considerado para ilustração da discussão e, por fim, serão apresentadas algumas considerações sobre o estudo e seus desdobramentos.

Diferenciações político-territoriais e desmembramento municipal como “ponto crítico”

Considerou-se, inicialmente, na nossa discussão, a noção de “espaço fragmentado” como aquele onde os diferentes “pedaços” do território se desenvolvem a partir de uma dinâmica própria (Ribeiro, 2000a) – apropriada para se pensar a fragmentação do espaço metropolitano a partir das transformações na configuração territorial do espaço intra-municipal, ou seja, a partir das transformações internas aos limites político-administrativos do município. Com isso, destaca-se que a nossa concepção de “fragmentação metropolitana” ou “fragmentação urbana” está diretamente relacionado com os processos de organização territorial, ocorridos internamente

1

A noção de “diferenciações político-territoriais”, desenvolvida e empregada para o estudo do processo de transformação da organização territorial e da reorganização da população no espaço, foi desenvolvida na minha tese de Doutorado, defendida em fevereiro de 2008. Ver Siqueira (2008).

(4)

ao território municipal, incluindo também a seu ponto mais radical, representado pelo desmembramento municipal.

Essa perspectiva nos remete a considerar os momentos prévios de organização territorial e seus desenvolvimentos posteriores, expressos pelo processo de diferenciações político-territoriais, e o significado do desmembramento municipal nesse processo de transformação do espaço, conjugado pela dinâmica populacional e pela dinâmica político-institucional.

Por sua vez, a consideração do processo de diferenciações político-territoriais e o significado do desmembramento municipal para o nosso estudo já foi realizada de forma completa e bastante aprofundada em estudo anterior (Siqueira, 2008) – o que não será retomado em toda sua totalidade neste texto.

Basta-nos, nesse momento, destacar que o referido estudo desenvolveu-se a partir de um diálogo interdisciplinar entre a demografia, a ciência política e a economia urbana e regional, sendo que, no campo da demografia, foram considerados os processos gerais de distribuição e reorganização espacial da população (Martine & Camargo, 1984; Martine, 1994; Faria, 1991; Cunha, 2002 e 2001; Baeninger, 2000; Bassanezi, 1996); da ciência política, foi considera a perspectiva teórica do neo-institucionalismo histórico para definição teórico-metodológica (Pierson, 2004; Skocpol, 1995 e 1992; Jepperson, 1991; Immergut, 1998); e na economia urbana e regional, foram destacados os debates sobre uso e ocupação do solo urbano e sobre as escalas de análise (Singer, 1982 e 1968; Ribeiro, 1982; Vetter & Massena, 1982; Brandão, 2007).

Começaremos, pois, a abordar o primeiro item desta seção, referente ao processo de “diferenciações político-territoriais”. Para se entender o significado desse processo, torna-se necessário, primeiramente, considerar dois pontos relacionados, desenvolvidos em estudo anterior, a partir do diálogo apresentado acima: 1) o papel do Estado na configuração territorial do município; 2) o significado da ação de se criar distritos no município.

Assim, para se compreender o que se está denominando por “diferenciações político-territoriais”, deve-se, primeiramente, considerar que o Estado, através do governo executivo municipal, desde a primeira constituição republicana do país, de 1891, possui autonomia para dividir o território sob sua jurisdição para fins administrativos (durante o Império, esse papel era executado pelas câmaras de vereadores municipais). Trata-se da divisão do território do município em distritos, sendo o principal, onde se localiza a sede do governo, denominado “distrito-sede”2.

Considera-se, porém, que não se trata de uma função meramente jurídico-administrativa do executivo municipal. Trata-se, pelo contrário, de uma prerrogativa de forte revestimento político do executivo local, pois, considerando que o território de um município é composto por diferentes espacialidades, nas quais a população municipal se reorganiza de forma complexa, em função da sua composição social, sustenta-se que a elevação de um determinado povoado, dentro do espaço municipal, à categoria de “distrito”3 representa a desconcentração de parcela de poder político e de tomada de decisão, dentro dos limites municipais.

Em outras palavras, a criação de distritos dentro do território municipal representa, de forma geral, a redistribuição de poder político, na esfera local, em função da forma como se reorganiza a população nas diferentes espacialidades que compõem o território municipal.

Chegamos, assim, ao segundo ponto que se refere ao significado da ação de criação de distritos no município. Observa-se, antes de tudo, que o significado desse processo deve ser

2

Até o final do Império, essa divisão do território do município era expressa pela elevação das paróquias à categoria de “freguesia”. Em Siqueira (2008), esses temas são abordados de forma mais aprofundada.

3

(5)

captado a partir da sua contextualização espaço-temporal, considerando não somente fatores sociais, econômicos, políticos e demográficos, mas também o processo histórico de ocupação territorial. Isto significa afirmar que a criação de distritos em dois momentos distintos, como por exemplo, o estado de São Paulo na segunda metade do século XIX e no final do século XX, não vão se diferenciar somente porque se trata de contextos sócio-econômicos e políticos diferentes, mas porque se trata de dois momentos distintos no processo de ocupação populacional do território paulista.

Embora, como destacado acima, o contexto espaço-temporal influencie o significado que reveste a criação de distritos, considera-se que não houve mudanças significativas4 nas etapas de desenvolvimento pelas quais passa, em geral, um núcleo urbano brasileiro, desde, pelo menos, a segunda metade do século XIX: povoado, distrito e município.

Assim, conforme definição institucional, povoado refere-se aos “aglomerados que se encontram submetidos territorial e administrativamente a outros núcleos, não dispondo, assim, de autonomia e jurisdição própria”, por sua vez, distrito (ou freguesia) refere-se à “denominação da área correspondente a uma circunscrição que contém um núcleo urbano (anterior povoado), porém dependente da administração municipal”; e por fim, município (ou vila) constitui a “categoria em que o núcleo urbano e respectivo território, originalmente denominado termo, passam a ter autonomia territorial e administrativa, caracterizada pela existência de poder político, representado pelo poder público local”. (SEP, 1995, p.11)

Diante disso, considera-se que o espaço de um município pode ser formado por um ou mais distritos, sendo o núcleo urbano central do município denominado de “distrito-sede”, podendo existir também diversos povoados. Isso significa que, num determinado território, sob a jurisdição de um mesmo governo municipal, podem estar submetidos diferentes distritos e povoados, os quais, por sua vez, se diferenciam de acordo com o nível de poder político conferido a cada uma dessas categorias político-jurídicas do território e as suas respectivas populações.

Por sua vez, argumenta-se que o nível de poder político com que cada categoria político-jurídica do território, e sua respectiva população, se revestem corresponde à maior ou menor influência nos debates e participação nas tomadas de decisões na política municipal.

Considerando que os distritos secundários são criados por ação do governo municipal, sediado no distrito-sede, eles representariam a desconcentração administrativa e, em certo grau, política do poder local no espaço intra-municipal. Em função disso, o nível de poder político compreendido pelos grupos sociais circunscritos aos respectivos distritos secundários, onde são definidos seus papéis políticos, seriam definidos a partir da relação estabelecida com a dinâmica política estruturada no distrito-sede e com a elite política que a controla.

Soma-se a isso o fato de que a forma assumida pela relação entre o distrito-sede e os distritos secundários seria grandemente condicionada, por um lado, pelo contexto político e social no qual são criados esses distritos e, por outro, pelas motivações, no âmbito local, que levaram à criação de distritos secundários, sejam elas relacionadas a fatores econômicos, políticos ou sociais.

Isso acontece, argumenta-se, porque o distrito-sede é o espaço onde se concentra a participação política e a tomada de decisões das elites políticas e os demais atores políticos, pois é nessa porção do território municipal onde se dá a definição do papel, no jogo político municipal, de todos os atores políticos, e para onde estes acorrem para desempenhar esse papel.

4

Destacam-se as mudanças de nomenclatura a partir da República (de freguesia para distrito; de vila para

(6)

Quando povoados são elevados à categoria de distritos secundários, eles não são autônomos politicamente em relação ao distrito-sede, pois não passam a eleger representantes exclusivos e a definir objetivos separados do distrito-sede. Eles continuam sob a jurisdição política e administrativa do governo municipal, situado no distrito-sede, e continuam participando do jogo político aí estabelecido.

A novidade dos distritos secundários reside no fato deles se constituírem em novos espaços de definição de papéis dos atores políticos que passam a pertencer a uma nova circunscrição territorial no interior do espaço municipal. Com isso, esses atores políticos passam a ter de enfrentar o desafio de incorporar seu “novo” papel político ao jogo político já existente e atuante no distrito-sede do município.

Toda tensão, então, reside na capacidade dos atores políticos, cujo papel foi definido em função da lógica política atuante nos distritos secundários, em manter ou aumentar seu nível de poder político – poder de fazer com que sua agenda de prioridades seja total ou parcialmente atendida ou então inserida numa agenda mais ampla – no interior da dinâmica política atuante no distrito-sede, que corresponderia à dinâmica política do município como um todo.

Assim, afirma-se que o processo de “diferenciações político-territoriais” intra-municipais é aquele a partir do qual configuram-se novas espacialidades, dentro do território municipal, que correspondem a uma determinada localidade e a uma população específica.

O outro lado desse processo é que diferentes porções do território de um município, onde se situam aglomerações populacionais e povoados, ao serem diferenciadas em distrito-sede e distritos secundários passam a constituir diferentes espaços de participação e de tomada de decisão políticas, correspondendo a diferentes níveis de poder político no espaço municipal.

É como se passasse a existir diferentes “gradientes” de poder político no espaço municipal. Nesse sentido, considera-se que a organização do território municipal a partir de distrito-sede, distritos secundários e povoados corresponderia à formação de diferentes “gradientes” de poder político dentro do espaço municipal, sendo que no distrito-sede se concentraria o ponto máximo deste gradiente; nos distritos secundários, pontos intermediários deste gradiente; e, nos povoados, seu ponto mínimo.

Com isso, pode-se afirmar que o processo de “diferenciação político-territorial”, no espaço intra-municipal, através do qual se criariam diferenciais de poder político no território municipal, constitui-se uma forma de qualificação do território municipal.

Assim, considerando-se os elementos que constituem o processo de diferenciações político-territoriais, argumenta-se que a elevação de povoados à categoria de distritos pode ocorrer, basicamente, em duas situações:

1) Numa situação de identidade política e social entre as populações das diferentes espacialidades – o que nos leva a considerar que a elevação à categoria de distrito seria favorecida a partir de fatores internos, relacionados à dinâmica social, política e econômica da escala local;

2) Numa situação de não identidade política e social entre as populações das diferentes espacialidades, mesmo mediante às pressões dos diferentes grupos sociais, a elevação à categoria de distrito ocorre principalmente em função da influência de algum fator externo à dinâmica local, proveniente de escalas situadas acima da esfera municipal. Nesse sentido, destaca-se que a identidade ou não identidade entre as populações das diferentes espacialidades envolvidas no processo seria reconhecida através da sua composição

(7)

social. Por sua vez, a composição social das diferentes populações seria fruto de processos gerais de redistribuição espacial da população, em momentos anteriores, que, por sua vez, resultariam da distribuição das atividades econômicas no território nacional.

Assim, para se chegar ao reconhecimento da identidade ou não entre as diferentes espacialidades, deve-se considerar, primeiramente, os processo de redistribuição populacional que contribuíram para a composição social de determinadas populações.

Já no contexto intra-municipal, por sua vez, a reorganização da população no espaço se daria em função, por um lado, da identidade social e política ou não entre os diferentes grupos sociais, e, por outro, da forma como se constituíram as diferentes espacialidades no território municipal.

A partir dessa apresentação do processo de diferenciação político-territorial, pretende-se enfatizar que o elemento inicialmente destacado, caracterizador do espaço fragmentado, ou seja, a sua composição por diferentes “pedaços” do território que se desenvolvem a partir de uma dinâmica própria, já está presente nas diferentes espacialidades que compõem o espaço intra-municipal, principalmente quando se considera aquelas surgidas de processos de diferenciação, cujo tipo caracteriza-se por um nível desigual de poder político entre o distrito-sede e o distrito secundário originado5.

Destaca-se, ainda, que esses diferentes “pedaços” do território que passam a se desenvolver a partir de uma dinâmica própria, o fazem em relação ao todo do qual fazem parte. Ou seja, essa “dinâmica própria” é definida em relação ao todo, mais precisamente, de acordo com o que foi exposto acima, em relação à existência ou não de uma identidade política e social entre as populações das diferentes espacialidades que compõem um determinado território municipal.

Passamos, agora, a considerar o segundo item desta seção – o desmembramento municipal como “ponto crítico” do processo de transformação da organização territorial – que representa a etapa seguinte em direção à configuração da fragmentação metropolitana. Para tal, é necessário, primeiramente, entender o que significa considerar o desmembramento municipal como o “ponto crítico” de um processo em curso.

O conceito de “ponto crítico” provém da perspectiva teórica da ciência política denominada por neo-institucionalismo histórico e seu entendimento relaciona-se a outro conceito neo-institucionalista histórico, a “trajetória dependente” (ou path dependence).

De um modo geral, as várias vertentes do neo-institucionalismo enfatizam a importância de se considerar as “instituições” como importante elemento explicativo de processos sociais6. A vertente histórica, além disso, consideram relevantes o tempo e o espaço das instituições – ou seja, o quando e o onde determinadas decisões institucionais foram tomadas – como fatores importantes na explicação dos processos sociais.

Na perspectiva neo-institucionalista histórica, a noção de “trajetória dependente” refere-se a consideração de que uma determinada decisão ou escolha política-institucional, tomada num momento inicial da análise de um determinado processo, condicionará os seus desdobramentos posteriores, de forma que, uma vez feita a “escolha de um caminho”, torna-se mais vantajoso

5

No estudo prévio (Siqueira, 2008), foi elaborada uma tipologia das diferenciações político-territoriais, que se diferenciam em função da presença das diferentes categorias territoriais e em função do nível de poder político (equilibrado ou desigual) entre as espacialidades envolvidas no processo de diferenciação. Considera-se que um mesmo território municipal pode apresentar espacialidades resultantes de diferentes tipos de diferenciações político-territoriais.

6

Em Siqueira (2008) é realizada uma completa apresentação das diferentes vertentes do neo-institucionalismo, e uma discussão mais detida da vertente histórica.

(8)

continuar nesse mesmo caminho do que escolher outro. O “ponto crítico”, por sua vez, representa um momento onde se coloca a possibilidade de romper a “trajetória dependente” e alterar o desdobramento de um determinado processo social.

Diante disso, considerar o desmembramento municipal como o “ponto crítico” do processo de transformação da organização territorial e da reorganização da população no espaço cujo desdobramento, em alguns casos, como o de Campinas, vai culminar na configuração da fragmentação metropolitana, significa, ao momento tempo, uma ruptura do processo de organização territorial e de reorganização espacial da população em curso, e a possibilidade de alterar a forma assumida por esse processo.

Assim, tomando-se como exemplo ilustrativo o caso da relação entre o distrito-sede de Campinas e o distrito secundário de Sumaré, tem-se que esses dois distritos constituem espacialidades que, em função do seu respectivo processo de diferenciação político-territorial, caracterizam-se pelo nível desigual de poder político entre si, devido a não existência de uma identidade política e social das suas respectivas populações – o que vai marcar o desenvolvimento posterior deste “pedaço” do território em relação ao todo do qual faz parte.

Considera-se que o momento da emancipação político-administrativa de Sumaré em relação a Campinas representou um “ponto crítico” no processo de transformação da organização territorial de Sumaré, pois estava aberta a possibilidade de se estabelecer um novo tipo de relação entre as diferentes espacialidades que passaram a compor o novo município, marcado, por exemplo, por uma equilibrada distribuição de poder entre elas. Porém, o que se verifica é que isso não aconteceu e manteve-se o mesmo tipo desigual de distribuição de poder político.

No caso do município de Campinas, cujos distritos, aqueles caracterizados por um nível desigual de poder político em relação ao distrito-sede, se desenvolveram como diferentes “pedaços” do território municipal a partir de uma dinâmica própria, vivenciaram em algum momento o “ponto crítico” do processo de reorganização territorial e desmembraram-se de Campinas7. Parte desses municípios – Hortolândia, Sumaré, Nova Odessa e Americana – formam, juntamente com Campinas, a área conurbada da região metropolitana de Campinas, e todos eles compõem o espaço fragmentado da metrópole.

Com isso, observa-se que a fragmentação do espaço da metrópole campineira é inerente ao desenvolvimento histórico da organização territorial a partir do desenvolvimento dos diferentes “pedaços” que compunham, inicialmente, o território do município de Campinas.

Essas observações serão complementadas com a ilustração do processo de diferenciação político-territorial e de desmembramento municipal, envolvendo os atuais municípios de Campinas, Sumaré e Hortolândia, a partir da qual se pretende fazer considerações adicionais a respeito da fragmentação do espaço metropolitano.

Ilustração do processo: Campinas, Sumaré e Hortolândia

Entre 1870 e 1959 foram criados onze distritos no município de Campinas, conforme quadro 1, dos quais apenas cinco desmembraram-se e tornaram-se novos municípios: Valinhos, Americana, Cosmópolis, Sumaré e Paulínia.

7

Trata-se dos municípios de Hortolândia (1991), Sumaré (1953), Americana (1924), Valinhos (1953), Paulínia (1964) e Cosmópolis (1944) e Nova Odessa (1959), sendo que este último, em 1938, ainda distrito de Campinas, é transferido para a circunscrição de Americana e, em 1959, emancipa-se deste. Ver figura em anexo.

(9)

Quadro 1: Distritos criados no município de Campinas, 1870-1959

Distritos que se tornaram município Distritos que não se tornaram município ano de

criação Distrito

ano de

criação Distrito

1896 Criada a freguesia (distrito) de Valinhos 1870 Criada a freguesia (distrito) de Santa Cruz 1904 Criado o distrito de Vila Americana 1896 Criada a freguesia (distrito) de Sousas 1906 Criado o distrito de Cosmópolis 1934 Criado o distrito de Vila Industrial 1909 Criado o distrito de Sumaré 1934 Criado o distrito de Conceição 1944 Criado o distrito de Paulínia 1953 Criado o distrito de Barão Geraldo

1959 Criado o distrito de Joaquim Egídio

Fonte: SÃO PAULO (Estado), 1995; FUNDAÇÃO SEADE

Embora, os distritos existentes que não se tornaram municípios e continuam compondo o município de Campinas também sejam relevantes para melhor se compreender o processo de reorganização territorial do município e a sua contribuição na formação de um espaço urbano fragmentado, serão considerados somente o processo de diferenciação político-territorial envolvendo distritos que se desmembraram de Campinas.

No caso, serão abordados, aqui, o distrito de Sumaré, criado em 1909, e que se emancipou em 1953, e o distrito de Hortolândia, que foi criado em Sumaré, em 1953, e emancipado em 1991. Num primeiro momento, será considerado o distrito de Sumaré no contexto municipal de Campinas, entre os anos de 1900 e 1950, e, num segundo momento, o distrito de Hortolândia no contexto municipal de Sumaré, entre 1950 e 2000.

Assim, com relação ao período 1900-1950, destaca-se que os processos gerais de redistribuição da população no espaço, no país, se caracterizavam fortemente pelas imigrações estrangeiras (Bassanezi,1996) e pelas migrações internas, expressas pelo êxodo rural, intra e interestadual, principalmente, no final do período (Martine & Camargo, 1984; Baeninger, 1996).

Em termos econômicos, destaca-se que as primeiras décadas do século XX, no estado de São Paulo, foram caracterizadas pela expansão da cafeicultura para o oeste paulista e pela diversificação da agricultura, e, a partir da década de 1930, iniciou-se o processo de industrialização, que se intensificou a partir de 1940 (Semeghini, 1991; Baeninger, 1996).

Campinas participaria intensamente desses dois momentos de desenvolvimento econômico do estado e de redistribuição espacial da população no país, sendo que, nas décadas iniciais do século XX – momento em que Sumaré torna-se distrito de Campinas – a expansão do café para outras regiões do estado e o conseqüente parcelamento das antidas fazendas, estão diretamente relacionadas com o momento em que surgem os núcleos coloniais espontâneos e oficiais no município8. As regiões onde se concentraram os núcleos coloniais, principalmente de italianos, no território campineiro, correspondem aos distritos de Sumaré, Valinhos e Vila Americana.

Com isso, afirma-se que a elevação do antigo povoado de Sumaré à categoria de distrito está diretamente relacionada com a formação de núcleos de colonização, espontâneas e oficiais, a partir do final do século XIX e início do XX. Os dados da tabela 1 ilustram a distribuição e a proporção da população estrangeira nos distritos de Campinas:

8

Em Siqueira (2008), esse tema é abordado de forma aprofundada, acompanhado de um diálogo com outros estudos sobre esses processos.

(10)

Tabela 1: População segundo nacionalidade Município de Campina, por distritos, 1920

Brasileiro Estrangeiro Ignorado Total

Distritos n % n % n % n % Campinas 63.070 80,0 15.729 20,0 6 0,01 78.805 100,0 Sousas 7.605 76,8 2.298 23,2 0 0,00 9.903 100,0 Sumaré 4.912 82,4 1.052 17,6 0 0,00 5.964 100,0 Cosmópolis 4.380 76,7 1.327 23,3 0 0,00 5.707 100,0 Vila Americana 7.369 81,1 1.714 18,9 0 0,00 9.083 100,0 Valinhos 4.743 77,2 1.396 22,7 1 0,02 6.140 100,0 Município Campinas 92.079 79,7 23.516 20,3 7 0,01 115.602 100,0

Fonte: Recenseamento de 1920. Apud BASSANEZI, 1998.

Observa-se que o peso da população estrangeira, em 1920, no município, era em torno dos 20%, correspondendo a um total de 23.516 imigrantes. Dentre os distritos, somente em Sousas (23%), Cosmópolis (23%) e Valinhos (23%), o peso dos estrangeiros foi maior que a média do município, enquanto Sumaré apresentava a menor proporção de imigrantes (18%), correspondendo a um total de, aproximadamente, mil imigrantes.

Embora Sumaré possua a menor proporção de imigrantes no interior do município de Campinas, a importância da sua elevação à categoria de distrito deve-se ao significado dos núcleos de colonização estabelecidos no território campineiro. Estudo sobre a colonização italiana no município (Gabriel, 1995) destaca que os imigrantes que constituíram a maior parte desses núcleos coloniais eram aqueles que chegaram ao país após 1886, quando predominou o fluxo de imigrantes pobres para o trabalho na lavoura cafeeira.

Considerando que a elite campineira não via com bons olhos o estabelecimento desses imigrantes no município, só foi facilitada a eles a aquisição de terras preteridas pela elite local. Assim, argumenta-se que não se havia entre as populações dessas duas espacialidades uma identidade política e social, contribuindo para que o processo de diferenciação político-territorial fosse caracterizado pelo nível desigual de poder político entre Sumaré e o distrito-sede.

Argumenta-se que, devido à pouca abertura política da elite campineira a outros grupos sociais, apesar da industrialização na região a partir das décadas de 1930 e 1940, alcançando inclusive a área do distrito de Sumaré, que contribuiu para um crescimento populacional, embora quantitativamente baixo (como mostra a tabela 2), mas qualitativamente significativo, a o nível de poder político continuou desigual entre o distrito-sede e Sumaré.

Tabela 2: População total e taxa de crescimento

Município de Campinas e distrito de Sumaré, 1920-1950

População Total Tx. cresc. (%a.a.)

Distritos 1920 1940 1950 1920-1940 1940-1950 Campinas 78.798 106.252 123.214 1,5 1,5 Sousas 9.903 5.786 6.150 -2,7 0,6 Sumaré 5.964 5.188 5.850 -0,7 1,2 TOTAL MUNICÍPIO 115.591 129.940 152.547 0,6 1,6

Fonte: Censos demográficos de 1920 (Bassanezi, 1998), 1940 e 1950 (IBGE)

Considerando os dados da tabela 2, observa-se que, apesar do decréscimo populacional entre 1920 e 1940, provavelmente relacionado à passagem da região de Nova Odessa para a

(11)

circunscrição de Americana, tornando-se distrito desse município em 1938, o crescimento populacional de Sumaré, entre 1940-1950, de 1,2% a.a., embora mais baixo que a média municipal, é condizente com o desenvolvimento econômico que atingia a sua região no período.

Isso é corroborado com os dados da tabela 3 que mostram a proporção da população urbana de Campinas e Sumaré nos anos de 1940 e 1950:

Tabela 3: População total, por situação de domicílio Município de Campinas e distrito de Sumaré, 1940-1950

1940 1950

Total Urbana Total Urbana

Distritos n % n % n % n % Campinas 106.252 100,0 84.055 79,1 123.214 100,0 99.156 80,5 Sousas 5.786 100,0 1.491 25,8 6.150 100,0 1.310 21,3 Sumaré 5.188 100,0 1.299 25,0 5.850 100,0 1.559 26,6 TOTAL MUNICÍPIO 129.940 100,0 90.331 69,5 152.547 100,0 106.834 70,0

Fonte: Censo demográfico de 1940, IBGE.

De acordo com a tabela 3, observa-se que, embora predominasse, nos dois momentos, no distrito de Sumaré, a população rural, registra-se um crescimento da proporção da população urbana, entre os dois momentos. Assim, se em 1940, a população urbana do distrito de Sumaré correspondesse a 25% da sua população total, contrastando com os 69% da população urbana do município de Campinas, em 1950, a proporção da população urbana de Sumaré subiu para 26,6%, enquanto a de Campinas correspondia a 70%.

Assim, no momento do seu desmembramento municipal, em 1953, o distrito de Sumaré, embora com menos de 6.000 habitantes, situado numa área de desenvolvimento industrial, apresentava crescimento populacional positivo, com uma tendência a um crescente peso da população urbana. Apesar disso, estudos historiográfico e sociológico sobre Sumaré (Toledo, 1995; Ramos, 2003) destacam que a população do distrito não se sentia bem atendidos pela administração municipal de Campinas, sendo essa a principal razão pela emancipação municipal.

Isso corrobora a consideração de que, desde o momento de sua criação como distrito até o momento de sua emancipação municipal, Sumaré caracterizou-se por uma relação com o distrito-sede marcada pelo nível desigual de poder político, decorrente da permanência de uma inexistência de identidade política e social entre as populações das duas espacialidades, impedindo uma alteração na correlação de forças entre elas.

Como foi dito anteriormente, o desmembramento municipal corresponde a um momento em que surge a possibilidade de se alterar a “trajetória” percorrida até então no processo de configuração territorial. Essa mudança de trajetória poderia corresponder a uma mudança na forma de relação entre o distrito-sede e os distritos secundários, onde se pudesse ter um nível mais equilibrado de poder político entre eles, influenciando, com isso, a forma de configuração do território municipal.

Porém, considerando-se a relação entre o distrito-sede de Sumaré e o distrito de Hortolândia observa-se que essa mudança de trajetória não aconteceu, contribuindo para que se mantivesse também no território de Sumaré mesma distribuição desigual de poder político entre as populações das diferentes espacialidades, prevalecentes no município de Campinas.

No momento em que Hortolândia se torna distrito do município de Sumaré, em 1953, os processos gerais de redistribuição espacial da população são caracterizados pela intensificação

(12)

das migrações internas, principalmente, aquelas que saiam da região nordeste do país em direção à porção sudeste, particularmente o estado e o município de São Paulo, destacando-se também o a região de Campinas (Martine & Camargo, 1984; Baeninger, 1996). Trata-se de uma intensa migração para atender a crescente industrialização, concentrada nos estados da região sudeste.

A região de Campinas participa desse processo, com especial destaque para o município de Sumaré, que passa a sediar importantes plantas industriais de empresas multinacionais (Semeghini, 1991, Toledo, 1995). O principal componente do crescimento populacional do município de Sumaré, a partir desse momento passa a migração interna, porém a intensidade desse processo faz com que o espaço urbano do município assista a um processo de urbanização acelerado e a um processo desorganizado de assentamento da população migrante (Baeninger, 1996; Toledo, 1995), sendo que grande parte desses migrantes foram incentivados a ocupar o distrito de Hortolândia, onde o estabelecimento era mais barato devido à falta de infra-estrutura dos terrenos.

Devido à composição social da maioria desses migrantes que se dirigiam para as indústrias localizadas no município de Sumaré, caracterizada por migrantes interestaduais de baixa renda, principalmente do nordeste do país, argumenta-se que essa população, principalmente a parcela que se estabeleceu no distrito de Hortolândia, não possuía uma identidade política e social com a população do distrito-sede, cuja origem estava associada à imigração européia do início do século XX.

Com isso, argumenta-se que a relação entre o distrito-sede de Sumaré e o distrito de Hortolândia era caracterizada pelo nível desigual de poder político entre eles. Sustenta-se, ainda, que esse nível desigual manteve-se durante quase 40 anos em que Hortolândia foi distrito de Sumaré, não se alterando nem quando, na década de 1970, em função da atuação dos movimentos sociais, a população reivindicou, sem sucesso, a emancipação do distrito.

Os dados da tabela 4 fornecem a dimensão demográfica desse processo:

Tabela 4: População total

Município de Sumaré, por distritos 1960-1991

1960 1970 1980 1991 Distritos n % n % n % n % Sumaré (distrito-sede) 5.972 56,0 13.996 60,7 31.709 31,1 66.011 29,2 Hortolândia 2.661 25,0 4.630 20,1 33.044 32,4 78.011 34,5 Nova Veneza 2.030 19,0 4.440 19,2 37.081 36,4 82.203 36,3 TOTAL MUNICÍPIO 10.663 100,0 23.066 100,0 101.834 100,0 226.225 100,0

Fonte: Censos demográficos de 1970, 1980 e 1991, IBGE. Apud TOLEDO, 1995.

De acordo com os dados acima, o distrito de Hortolândia, principalmente a partir de 1970, assistiu a um aumento crescente da proporção de sua população na população total do município. Assim, em 1970, o distrito concentrava 20% da população de Sumaré, correspondendo a 4.630 habitantes, bem abaixo do distrito-sede, que concentrava quase 14 mil habitantes, correspondendo a 60% do total do município. Já em 1991, Hortolândia, com cerca de 78 mil habitantes, concentrava 34,5% da população de Sumaré – acima da população do distrito-sede, que concentrava 29% da população, correspondendo a 66 mil habitantes.

(13)

Tabela 5: Taxas de crescimento populacional (%a.a.) População total, segundo situação de domicílio Município de Sumaré, por distritos - 1960-1991

1960-1970 Distritos

Total Urbana Rural 1970-1980 1980-1991

Sumaré (distrito-sede) 8,9 10,8 2,4 8,5 6,9

Hortolândia 5,7 12,0 2,6 21,7 8,1

Nova Veneza 8,1 12,1 6,6 23,6 7,5

TOTAL MUNICÍPIO 8,0 11,1 3,9 16,0 7,5

Fonte: Censos demográficos de 1960 e 1970, IBGE. Para 1980 e 1991: Apud TOLEDO, 1995.

Observa-se que, no período 1960-1970, a população do distrito de Hortolândia cresceu 5,7% a.a., abaixo da média municipal, que foi de 8,0% a.a.. Porém, considerando-se a população urbana, Hortolândia cresceu a 12,0% a.a., acima da média municipal, que foi de 11% a.a. No período seguinte, 1970-1980, a população total de Hortolândia cresceu a 21,7% a.a., bem acima da média municipal de 16% a.a. Entre 1980-1991, por sua vez, Hortolândia apresentou a maior taxa de crescimento entre os distritos de Sumaré: 8% a.a.

Tanto o município de Sumaré como o distrito de Hortolândia apresentaram um elevado ritmo de crescimento populacional, cuja intensidade foi traduzida numa ocupação desordenada e precária do espaço urbano, principalmente em Hortolândia que registrava e ainda registra um graves problemas urbanos, relacionados à saneamento habitação, principalmente (Ramos, 2003; Toledo, 1995).

Às vésperas da emancipação municipal de Hortolândia, em 1991, já no contexto da Constituição de 1988, a população do distrito apresentava o mesmo posicionamento de insatisfação diante da administração municipal que Sumaré apresentou diante de Campinas, na década de 1950, sendo essa também a principal motivação para a opção pela emancipação. Isso indica que, no caso de Hortolândia, também não se alterou a forma de relação entre o distrito-sede de Sumaré e o distrito de Hortolândia, baseado numa distribuição desigual de poder político, o que nos permite afirmar que também não deve ter se constituído, de forma significativa, um certo nível de identidade política e social entre as populações dos diferentes distritos.

Assim, o distrito de Hortolândia também se constituiu num “pedaço” do território de Sumaré que se desenvolveu a partir de uma dinâmica própria, definindo a sua identidade a partir da sua relação com o todo do qual faz parte e da sua inserção no cenário municipal. Uma vez desmembrada de Sumaré, Hortolândia também vai contribuir para a conformação de um espaço metropolitano fragmentado.

Com esse exercício, pretendeu-se demonstrar que o espaço metropolitano campineiro, especialmente a sua porção conurbada, desenvolveu-se a partir do processo de diferenciações político-territoriais, que incluem a criação de distritos, considerados a partir das dimensões populacionais e político-institucionais, e o desmembramento municipal como um “ponto crítico” na reconfiguração territorial da região.

A partir disso pode-se afirmar que no bojo da configuração desse espaço metropolitano atuam de forma significativa a forma como se relacionam as populações das diferentes espacialidades que a compõem, sendo que a existência ou não de uma identidade política e social entre elas exercerá importante influência nas transformações ocorridas na organização territorial do município.

(14)

Algumas considerações

Por se tratar de um estudo ainda bastante incipiente, as considerações colocadas aqui se revestem de um caráter ainda provisório, apontando mais para os caminhos e agendas de pesquisas posteriores do que para conclusões definitivas.

Assim, retomando-se que o objetivo deste texto era contribuir para o avanço no debate sobre a fragmentação metropolitana ou a fragmentação do espaço urbano, considera-se que o exercício apresentado anteriormente cumpre, em certa medida, esse objetivo uma vez que, a partir do estudo sobre Campinas foi possível demonstrar como diferentes “pedaços” do território, num momento inicial, que se desenvolveram a partir de uma dinâmica própria, contribuíram para a configuração de um espaço metropolitano fragmentado.

Com isso, observou-se que, ao invés de representar um efeito negativo, externo ao processo de configuração do espaço urbano e metropolitano, a fragmentação do espaço metropolitano é um elemento inerente a sua trajetória, constituindo uma característica do espaço metropolitano que deve ser levada em conta, principalmente quando se questiona as dificuldades de se efetivar uma gestão metropolitana.

Não se trata, portanto, de se adotar uma perspectiva da fragmentação como uma ruptura do espaço, o que contribuiria para revesti-la de caráter negativo, mas de considerá-la como condicionada e condicionante da própria formação metropolitana, uma vez que, em última instância, a fragmentação espacial é o histórico processo de diferenciações político-territoriais.

Destaca-se, no entanto, que se trata de considerações provisórias, que dependem de estudos posteriores para o aprofundamento das questões suscitadas nesse primeiro momento. Nesse sentido, como principais pontos de uma agenda de pesquisa são previstos, primeiramente, um balanço mais aprofundado de toda a literatura que trata a fragmentação do espaço, o que não pôde ser feito para esse trabalho.

Em segundo lugar, estender esse tipo de análise para outras regiões metropolitanas, preferencialmente que incluam áreas com distintos históricos de configuração territorial, onde os processos de criação de distritos e de desmembramentos municipais possam apresentar, em certa medida, significados diferentes daqueles identificados no estudo sobre Campinas.

Por fim, um ponto já evidenciado no estudo apresentado aqui e que norteará, pelo menos inicialmente, os estudos posteriores, refere-se à inversão na equação da fragmentação urbana. Ou seja, o que é característico da perspectiva desenvolvida aqui, e que contribui para o debate, é a consideração de que a fragmentação urbana ou metropolitana não representa algo negativo, ou um problema que deve ser solucionado, mas sim uma característica da configuração territorial das grandes cidades e regiões metropolitanas que deve estar presente desde o ponto inicial dos estudos envolvendo essas realidades.

(15)

Bibliografia

BAENINGER, R.. Espaços ganhadores e espaços perdedores na dinâmica migratória paulista. In: HOGAN, D.J. et al. (Org.). Migração e ambiente em São Paulo. Campinas: Nepo/Unicamp, 2000.

_____. Espaço e tempo em Campinas: migrantes e a expansão do pólo industrial paulista. Campinas: Centro de Memória da Unicamp/Unicamp, 1996.

BASSANEZI, M.S.C. Imigrações internacionais no Brasil: Um panorama histórico. In: PATARRA, N. (Org.).

Emigração e imigração internacionais no Brasil contemporâneo. 2a. ed. Campinas: FNUAP, 1996, vol.1.

BRANDÃO, C.A. Território e desenvolvimento – A dimensão espacial do subdesenvolvimento e as escalas

local, regional, nacional e global. 2007 (no prelo).

CUNHA, J.M.P. Urbanización, redistribución espacial de la población y transformaciones socioeconómicas en

América Latina. Santiago do Chile: CELADE-FNUAP, 2002. (Série Población y Desarrollo).

_____. Aspectos demográficos da estruturação das regiões metropolitanas brasileiras. In: HOGAN, D.J. et al. (Org.).

Migração e ambiente nas aglomerações urbanas. Campinas: Nepo/Unicamp, 2001.

DAVANZO, A.M.Q. & NEGREIROS, R. A gestão das regiões metropolitanas do interior paulista: região metropolitana de Campinas e região metropolitana da Baixada Santista. In: CUNHA, J.M.P. (Org.). Novas

metrópoles paulistas. População, vulnerabilidade e segregação. Campinas: NEPO/UNICAMP, 2006

FARIA, V. Cinqüenta anos de urbanização no Brasil – Tendências e perspectivas. Novos Estudos Cebrap, n. 29, São Paulo, 1991.

GABRIEL, M.C.C. Além das fronteiras do colonato: O ajustamento da coletividade italiana à sociedade local campineira durante a grande imigração – 1886-1920. Campinas, 1995. Dissertação (Mestrado em História). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas.

IMMERGUT, E.M. The theorical core of the New Institutionalism. Politics & Society, Vol.26, no. 1, march, 1998. JEPPERSON, R.L. Institutions, institutional effects and institutionalism. In: POWELL, W.W. & DIMAGGIO, P.J. (Orgs.). The New Institutionalism in organizational analysis. Chicago anda London: The University of Chigado Press, 1991.

MANFREDO, M.T. Desigualdades e produção do espaço urbano: O caso de Hortolândia na Região Metropolitana de Campinas. Campinas, 2007. Dissertação (Mestrado em Sociologia). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas.

MARANDOLA JR., E., PAULA, F.C. & PIRES, M.C.S. Diários de campo: aproximações metodológicas a partir da experiência metropolitana (Campinas e Santos). In: CUNHA, J.M.P. (Org.). Novas metrópoles paulistas.

População, vulnerabilidade e segregação. Campinas: NEPO/UNICAMP, 2006.

MARTINE, G. A redistribuição espacial da população brasileira durante a década de 80. Texto para Discussão, no. 329, Brasília: IPEA, 1994.

MARTINE, G. & CAMARGO, L. Crescimento e distribuição da população brasileira: tendências recentes. Revista

(16)

PIERSON, P. Politics in time. History, institutions and social analysis. Princeton and Oxford: Princeton University Press, 2004.

RAMOS, M. Gestão urbana de Hortolândia após emancipação política. Trabalho de Conclusão de Curso (Monografia) – Faculdade de Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, 2003. RIBEIRO, L.C.Q. Cidade desigual ou cidade partida? Tendências da metrópole do Rio de Janeiro. In: _____ (org.).

O futuro das metrópoles: Desigualdades e governabilidade. Rio de Janeiro: Revan / FASE, 2000a.

_____. (org.). O futuro das metrópoles: Desigualdades e governabilidade. Rio de Janeiro: Revan / FASE, 2000b. _____. Espaço urbano, mercado de terras e produção da habitação. In: SILVA, L.A.M. (Org.). Solo urbano: tópicos

sobre o uso da terra. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982.

SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Economia e Planejamento (SEP). Coordenadoria de Planejamento Regional. Instituto Geográfico e Cartográfico. Municípios e distritos do Estado de São Paulo. São Paulo: Instituto Geográfico e Cartográfico (IGC), 1995.

SEMEGHINI, U.C. Gestão metropolitana, possibilidades e limites: a experiência de Campinas. Campinas, 2006. Tese (Doutorado em Economia). Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas.

_____. Do café à indústria – Uma cidade e seu tempo. Campinas: Editora da Unicamp, 1991.

SIMÕES, A. Fragmentação municipal e coordenação federativa no Brasil pós-Constituição de 1988. In: ENCONTRO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL, 2007, Pará. Anais..., ANPUR, 2007.

SINGER, P. O uso do solo urbano na economia capitalista. In: MARICATO, E. (Org.). A produção capitalista da

casa (e da cidade) no Brasil industrial. São Paulo: Alfa-Ômega, 1982.

_____. Desenvolvimento econômico e evolução urbana. São Paulo: Editora Nacional, 1968.

SIQUEIRA, C.G. Campinas, seus distritos e seus desmembramentos: diferenciações político-territoriais e

reorganização da população no espaço (1850-2000). Campinas, 2008. Tese (Doutorado em Demografia). Instituto

de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas.

SKOCPOL, T. Why I am an historical instituttionalist. Polity, vol.28, no.1, autumm, 1995.

_____. Understanding the origins of modern social provision in the United States. In: Protecting soldiers and

mothers: the political origins of social policy in the United States. Cambridge: Harvard University Press, 1992.

TOLEDO, F.A. Uma história de Sumaré – Da sesmaria à indústria. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado S.A. – IMESP, 1995

VAINER, C.B. Fragmentação e projeto nacional: desafios para o planejamento territorial. In: ENCONTRO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL, 2007, Belém. Anais..., ANPUR, 2007.

VETTER, D.M. & MASSENA, R.M.R. Quem se apropria dos benefícios líquidos dos investimentos do Estado em infra-estrutura urbana? Uma teoria de causação circular. In: SILVA, L.A.M. (Org.). Solo urbano: Tópicos sobre o

(17)

Anexo: Figura 1 – Região Metropolitana de Campinas, com destaque para os municípios surgidos a partir de desmembramentos territoriais de Campinas

Referências

Documentos relacionados

Os Kernels desse grupo s˜ao ´unicos para suas respectivas aplicac¸˜oes, uma das caracter´ısticas que definem a posic¸˜ao do grupo no gr´afico, no entanto o que os torna

Nos contos abordados, fica evidente a referência à força avassaladora e ―sua necessidade não somente de exibir seu poder, mas do prazer que tem em prolongar o sofrimento, a agonia

Segundo Cano (1977), o processo de urbanização promovido pela cafeicultura enquanto empresa capitalista, não se deu linearmente entre 1870 e 1929, nem tampouco depois da grande

Detectadas as baixas condições socioeconômicas e sanitárias do Município de Cuité, bem como a carência de informação por parte da população de como prevenir

Os interessados em adquirir quaisquer dos animais inscritos nos páreos de claiming deverão comparecer à sala da Diretoria Geral de Turfe, localizada no 4º andar da Arquibancada

Após a colheita, normalmente é necessário aguar- dar alguns dias, cerca de 10 a 15 dias dependendo da cultivar e das condições meteorológicas, para que a pele dos tubérculos continue

O presente trabalho tem como objetivo geral analisar como instrumentos interativos podem contribuir no processo de aprendizado e do desenvolvimento do indivíduo,

O CES é constituído por 54 itens, destinados a avaliar: (a) cinco tipos de crenças, a saber: (a1) Estatuto de Emprego - avalia até que ponto são favoráveis, as