cENTRo
DE
CIÊNCIAS
DA
SAÚDE
cURso DE Pos-GRADUAÇÃO
EM ENFERMAGEM
PROGRAMA
DE
DOUTORADO
EM
FILOSOFIA
DE
ENFERMAGEM
O
QUOTIDIANO
PROFISSIONAL
DO
ENFERMEIRO:
das aparências às diferenças de gênero
Álvaro Pereira
Tese apresentada ao
Curso
de Pós-Graduação
em
Enfennagem
da UniversidadeFederal de Santa Catarina para obtenção
do
título de Doutor
em
Enfermagem.Área
de concentração: Filosofiada
Enfermagem.
Orientadora:
Ana
LúciaMagela
de
Rezende.FLORIANÓPOLIS
O
QUOTIDIANO
PROFISSIONAL
DO
ENFERMEIRO
das aparências às diferenças de gêneroFLORIANÓPOLIS
dessa cruzada
para
a
'desmitificação'a
potência fantástica
dá a
voltaà
exclusãoobjetivista
por
uma
dialética vingadora.A
objetividade,
a
'Ciência ',o
materialismo,a
explicação determinista, o positivismo instalam-se
com
as mais inegáveiscaracterísticas
do
mito:o
seu imperialismo eo
seu fechamento às ligações
da mudança
das coisas”À
Márcia, Isabel e Lúcia. “As três 'verdadeiras mulheres'da
minha
vida, esperança de
poder
viverem
buscado
CENTRO
DE
c1ÊNc1As
DA
SAÚDE
cURso DE
PÓSDRADUAÇÃO EM
ENFERMAGEM
PROGRAMA
DE
DoUToRADo
EM
ENFERMAGEM
O
QUOTIDLANO
PROFISSIONAL
DO
ENFERMEIRO
das aparências às diferenças de gênero
ÁLVARO
PEREIRA
Tese submetida ao processo de avaliação pela
Banca Examinadora
para a obtenção do título deDoutor
Em
Enfermagem,
aprovadaem
sua fomia finalem
9 de Fevereiro de 1999, atendendo àsnormas
da legislação vigente do Curso de Pós-Graduaçãoem
Enfermagem
-Programa
de Doutoradoem
Enfermagem
da Universidade Federal de Santa Catarina.«_
L
._
DE/êks
s
aco ue ini Erdrnann - Coordenadora do Curso
BANCA
EXAMINADORA:
Dra.
Ana
Lúcia
Magela
deRezende
- Presidente/Orientadora¿.iJ...,.,.,
Dra. Cláudia
Maria
deMattos Penna
-
Membro
/.
Dr
Míriam
M
lar ross'-
Membro
I I
"l _
Dr.
Wilson
DaniloLunardi
Filh-
'embro
Dr. Otávio
Muniz
da
C
taVargens
-Membr
Dra. Flávia
Regina
Souza
Ramos
- SuplenteDra.
Lygia
Paim
- SuplenteAos
26
colegasda
turma de 1977 da Escola deEnfermagem
Alfredo Pinto -UNI-RIO,
quesem
saber intrigaram-me e ajudaram a fazer das suas incertezas e angústias profissionais
meu
objeto deestudo.
Às
professoras Lygia Paim,Míriam
Grossi, Alacoque L.Erdmann,
FláviaRamos,
pelas sugestões e críticas amigas queajudam a
encontrar os verdadeiros caminhosa
trilhar.Às
colegasMaria
da Gloria Santana, Rosane Nitschke, Terezinha Gonzaga, Valmira dos Santos,que
cuidaram demim
por perto e à distância e queme
incentivarama
chegar aofim
destacaminhada
'Aos
colegas doNUPEQS-SC
eMG
porme
terern ajudado a definirminha
trajetória de pesquisador e pelas sugestões e colaboraçõesna
fase da elaboraçãodo
projeto de pesquisa.A
PEN
e aREPENSUL
pela possibilidade de terum
falso baiano na Rede, aprendendo,incomodando
e participando.Meu
agradecimento especial à professora Maria de Lourdes de Souza, pelo apoioamigo
sempre muito presente, sejana
Bahia, Santa Catarinaou
em
Paris, pelos etéreos caminhos do Cyberespaço.Aos meus
colegas doDEMCAE
na Escola deEnfermagem da
UFBa
pelo sacrificio de segurar asponta
nessemomento
de tantas baixas e descrédito na universidade._
A
todos os colegas e amigos especiais que conquistei nessapassagem
pelo doutorado e pelasinúmeras vivências compartilhadas, oportunidades de crescirnento vistas
em
cada encontro de discussãoe pelas possibilidades atuais e fiituras de enriquecimento mútuo.
Meu
agradecimento especial aos colegas Yolanda, Soledad, Agueda, Elioenai que, nosmomentos
dificeis,não
pouparam
palavras de esperanças.Aos
professores e funcionários da Pós Graduaçãoem
Enfermagem
e do Departamento deEnfermagem
da
UFSC,
pelas múltiplas oportimidades de troca e de experiência que cada eventome
proporcionou.À
CAPES-PDEE
ePICDT
pelo apoio financeiro, aqui eem
Paris, e pela possibilidade de minorar as dificuldades e privações longe de casa.A
todos que contribuíram paraa
construção deste trabalho.À
Dra.Ana
Magela
de Rezende, por suas orientações, disponibilidade e pelos sempre motivadoresmomentos
de encontros e criticas, queme
ajudarama
ultrapassar a dificil barreira do processo de construção e criação deste trabalho.À
Angela e Clóvis Ghiorzi, pelo apoio e amizade sincera que ajudarama
família Pereira a superar as grandes dificuldades ea
conquistar seus objetivosnuma
terra estranha.Ao
Professor Michel Maffesoli, pelasopommidades que
se apresentaram nos encontros de orientação e nas séances das quintas-feiras,à
tarde, no AnfiteatroRené
Descartes, queme
fizeram
descobrir,
no
quotidiano, o referencial deste estudo, compreendero
valor de convivercom
as diferençasde posições e pelo estímulo aos incertos caminhos
da
percepção edo
sensível.À
Professora Dra.Haydée
G. Dourado, pelo incentivo queme
auxilioua
decidir-me peloscaminhos desta pesquisa e por
minha
trajetória de investigação sobreo
gênero masculinona
profissão.RESUMO
vi.RÉSUMÉ
vii.‹›
APRESENTAÇÃO
01°
CAPÍTULO
1.A
MODERNA
EXPLORAÇÃO DA
“LIBIDO”
MASCULINA
04
1.1.A
Utilidadeda
“Energia da Libido” Masculina 05 1.2. Tangenciandoo
Universo das Apresentações Masculinas 081.3. Objetivos 21
Referência Bibliográfica do Capítulo 1. 22
1 u
‹›
CAPITULO
2
-
TRILHANDO
AS
HISTORIAS
DOS ENFERMEIROS
242.1
O
Contexto 252.2.
Buscando o Melhor
Caminho
262.3.
O
Cenário e os Atoresda
Investigação 272.4.
Opção
pela História dos Enfenneiros 292.5.
A
Entrevista eTestagem do
Instrumento29
2.6.
A
lntersubjetividadena
Relaçãocom
os Sujeitos 332.7.
A
Aproximação
com
o Fenômeno
34 Referência Bibliográfica do Capítulo 2 39‹›
CAPÍTULO
3
_
DA
IMAGEM
1‹¬oRMADoRA
À
FORMA
IMAGINADA
40
3.1.
O
Fortalecimentodo
Mundo
das Imagens 41 3.2.Fonnas
de Apresentação das Imagens 483.2.1.
Alrnagem FormadoraeaFormaImaginada
49 3.2.2.Da
Inteligência Figiuativa àComposição
das Imagens 55 Referência Bibliográfica do Capitulo 3 570
CAPÍTULO
4
-O
QUOTIDIANO DOS ENFERMEIROS
58
4.1.
Das
Diferenças deGênero à
Transposição dos Papéis paraa
Enfemagem
594.1.1.
A
(in)Úú1 Rigidez da condição Masculina ós4.2.
A
“Maquinização”do
Quotidianodo
Enfermeiro -A
Força doModemo.
684.2.1.
A
Pedra de Sísifo eo
Fardo do Enfermeiro 694.2.2.
O
Enfenneiro ea
Sensibilidade 80 4.3. Parando para Descansar e Sobreviver as Injunções 88 Referência Bibliográficado
Capítulo 4 1005.1.
A
Ótica Durandeana dosRegimes
das Imagens 5.2. Forjando aImagem
da
Competência5.2.1.
A
Apresentação naComposição
e Transposição das Imagens Profissionais5.2.2.
Em
Busca
do Sucesso edo
Prestígio Profissional..5.2.3.
A
Competência e as Confusõescom
aImagem
e o SaberMédico
eda
Clínica5.2.4.
A
Imagem
da Competência e Liderançaem
Decisõesna
Assistência. 5.3.De
“Super-homem” a
“Capitão Gay”: para queHomens
na
Enfermagem?
5.3.1.A
Imagem
do Respeito Impondo-seTambém
pela Força.5.3.2. Transposição das Condições dos Gêneros, das Imagens e “Status” Referência Bibliográfica
do
Capítulo5-
PERCEBENDO
As
NUANÇAS
DE
UM
CAMALEÃO
ó
BIBLIOGRAFIA
CONSULTADA
z
ANEXOS
Este trabalho apresenta
o
resultado das análises das histórias orais deum
grupo de enfermeiros do gênero masculino, da cidadedo Rio
de Janeiro (Brasil)em
1997.O
objetivodo
estudo foi o de compreendero
quotidiano,o
contexto imaginário e as questões de gênero no trabalho e nas relações inter-profissionais.O
grupo
entrevistado foi selecionado demodo
aleatório,num
universo de26
colegas do gênero masculino, graduadosna turma
de 1977,na
Escola deEnfermagem
da Universidadedo
Rio de Janeiro.Os
sujeitos deste estudo são 9 enfermeirosem
exercíciona
área hospitalar, ex-colegas declasse do autor.
A
perspectiva de análise do Quotidiano foifimdamentada
na obra de Michel Mafi`esoli ea do
Imaginário, pelas Estruturas Antropológicas do Imaginário, proposta por Gilbert Durand.A
partir desses depoimentos, emergiram categorias que parecem indicar a conveniência e participação desses enfenneiros
na
reproduçãodo modelo
produtivo, onde as exigências dostempos
modemos
transformam-nos
em
instrumento essencial.A
necessidade de buscar finalidade, de ser mais valorizado e de suplantar os desafiosna
profissão indicam que tais profissionais despendem energias, envolvendo-se excessivamente
com
o
seu trabalho. Esse modelo, de certa maneira, despreza sua sensibilidade e transfomia-osem
máquinas
de cuidar.Ao
mesmo
tempo, o sentido do sacrificio eda
missão apresentou-secomo
respostaa
esta ordem.A
imagem
da competência profissional emergiu nos relatoscomo
a
imagem
ideal desses enfenneiros e pareceu estabelecer relaçãocom
a aparência,a
apresentação, a incorporação do saber médico, clinico especializado,a
experiência profissional ea
capacidade deliderança nas sua decisões. Considerou-se relevante nesses testemunhos, as expressões
da
sensibilidade,as emoções,
a
subjetividade, as formas de exprimir suas queixas, protestar e desenvolver estratégias de enfientamentos contra as injunções,no
quotidiano repetitivo e desgastanteda profissão.Ce
travail presente le résultat des analyses des histoires orales, d°un groupe d”infirmiersdu
gente masculin,à
Rio de Janeiro (Brésil) en 1977. L°objectif de cette étude a été celui de comprendre le quotidien, le contexte imaginaire et les questions de genre dans le travail et les rapports interprofessionnelles.Le
groupe analyséa
été sélectionné de façon aléatoire, dansun
univers de26
collèguesdu
genre masculin, diplômés en 1977,à
l°École d”Infirmier de l°Universitédu Rio
de Janeiro.Les sujets de cette étude sont 9 infirmiers, ex-collègues de l”auteur qui exercent leurs fonctions dans des
hôpitaux.
La
perspective d'analysesdu
Quotidien a été fondée sur l'ouvre de Michel Maifesoli et celle de l”Imaginaire, sur Les Structures Anthropologique de L°Imagina.ire, proposée par Gilbert Durand.De
ce témoignages ont émergées difiérentes categories qui semblent indiquer la convenance et la participation de ces infirmiers dans la reproductiondu
modèle producüf,ou
les exigences des tempsmodemes
les transfonnent en instrument essentiel.Le
besoin de chercher finalité, d°être plus valorisé et de surmonter les défis dans la profession montrent que ces professionnells dépensent des énergies, ens°occupant trop de leur travail.
Ce
modèle d”ime certaine manière, méprise leur sensibilité et les transforme en machinesà
soigner.Au
même
temps, le sensdu
sacrifice et de la mission se sontprésentés
comme
une réponse à cet ordre. L'image de la compétence professiormellea émergé
des récitscomme
l°image idéale de ces infirmiers eta
établiun
rapport, il parait, avec Papparence, la presentation, Fincorporation du savoir médical clinique spécialisé, l°expén`ence proféssionnelle et la capacité d”êtreun
leader dans ses décisions.Dans
ces témoignages,on a
aussi considéré importantes les expressions de la sensibilité, les émotions, les impulsions, les manières d'exprimer leurs plaintes, de protester et de développer des strategies d°aEfrontementaux
injonctions dans leur quotidien de la profession, répétitif et fatigant.“Quanto mais a obra tende para a multiplicidade
dos possíveis mais se distancia daquele unicum que éo self de
quem
escreve, a sinceridade interior, adescoberta de sua própria verdade
Depois de quase quatro anos de investimento
no
doutorado avalio que esta foiuma
longa e efervescentecaminhada
rumo
a melhorcompreensão
do
profissional masculinona
profissão.Ao
fazê-lo reconheço que precisei descrever
uma
trajetória que se inicioucom
os estudos sobre as concepções de gênero e as teorias ferninistas, para añrstar-me das idéias preconcebidas sobre a masculinidade, os padrões de participaçãodo
homem
nos seus ambientes de relações, nas sociedades ocidentais, paradeste
modo,
poder buscaro
entendimentoa
respeito deste ser-enfermeiro, quecompõe
a
parcelamenor da
força de trabalho da enfermagem.Para aprofundar o conhecimento sobre sua vivência, compreender as percepções
a
respeitoda
profissão, ainda precisei caminhar pelos lirnites
do
real e imaginárioque
se estabelecemna
sua participaçãono
quotidiano profissional.Minhas
inquietações sobre otema
começam
ainda duranteo
curso de graduação e pela inusitada,
mas
instigadora situação de estarnuma
turma
que gradua-secom
59
enfermeiras e26
enfermeirosl. Talvez omaior número
de enfenneiros até hojena
antiga Escola deEnfemragem
Alfredo Pinto,uma
escola quetem
uma
história relacionadacom
o
inícioda
Psiquiatriano
Brasil e tradicionalmente ligadaa
área masculinas.Graduado
em
enfermagem,em
1976, terminominha
habilitaçãoem
licenciatura deenfermagem
em
1977,quando
deixei de convivercom
osmeus
colegas de turma, que,na
sua maioria, escolheu as tradicionais áreas médico-cirúrgicas eSaúde
Pública.
Nessa minha
opção pela docência, afastei-meda
convivênciacom
esse grupo significativamente maior de estudantes masculinos,num
curso de enfermagem, o quesem
dúvida, produziu nesses quase4
anos de convivência e aprendizagem,um
fecundocampo
de observação paraquem
seencaminhava
para a docência e pensavaum
dia podercompreender melhor que
paixõesaproximaram
este grupoda
enfermagem, qualo
imaginário que eles tinham sobre a profissão eo
nívelde participação e envolvimento destes
com
a
profissão.A
motivação inicial deste estudo, era fazerum
diagnóstico sobre a situaçãodo
gênero masculinona
enfermagem.A
reforma universitária ampliou a participação doshomens
em
várias áreas,também
na
enfermagem, de certa forma facilitandoo
acesso ea
aceitação destes, nos cursos reconhecidos para enfermeiros,no modelo
Nigthingaliano.Embora
no
discurso, algtms dos problemas relativos a participaçãodo
gênero masculinona
profissão, pareciam estar solucionados,
na
práticano
entanto, algumas formas de discriminação dentroda equipe multi-profissional e principalmente
no
relacionamentocom
a clientela,estavam
longe de serem somente mitos. Percebendoa
complexidade de estudar essa perspectiva e sinalizando para urna direção mais viávelna
construção deum
trabalho acadêmico, concentrei-me efetivamentena
investigação, desses
meus
ex-colegas deturma
e sua histórias de atuação profissional,na
tentativa devislumbrar a trajetória profissional de
um
grupo.1
Por entender que esse estudo está interessado nas relações de gênero na profissão, e que o sujeito de estudo é o representante masculino,e
por considerar enfadonha a repetiáo enfermeiro masculino, optei por utilizar doravante o termo enfermeiro, que será atribuído a todo
profissional graduado em enfermagem idennficado como do gênero masculino, distinguindo-se do termo enfermeira, que utilizarei quando
estiver me relacionando/ às componentes do grupo feminino, com o mesmo grau de formação profissional. Outras variantes dinâmicas do
Preocupado
com
a
expectativa de participação crescente doshomens
na enfemiagem
sobretudo nas décadas de70
e 80, e suamaior
aceitaçãono
meio
profissional, procurei dar voz ao dia-a-dia eao
imaginário desseshomens,
tendocomo
pano
defundo
as relações de gênero, nesse cenário profissional inegavelmente feminino.Remexer
nas tensões profissionais eracomo
magoar
uma
ferida aparentemente fechada, que parecia teruma
evolução normal,no
processo de cicatrização,mas
queno
subcutâneo ainda permaneciauma
coleção de secreção,à
espera da decisão de drenagem. Esseme
pareceuo
grande desafio, pois seria preciso“no
mínimo
tercoragem
de fazer sangrarum
terreno de aparente harmonia eminado
de resistências veladas...” [para então] “quebrarum
silêncio guardado nasexcludências “sutis”
ou
não, contribuindo parauma
história de formaçãoem
enfermagem onde a
eensmzçâe de
pluralidade se arrastehà
quaseum
séeule”. (Paim, 199õ)2Esta motivação
tem encaminhado minha
trajetóriaem
direção aotema
masculinidade ea
buscara
compreensão
sobrea
participação desteshomens
no
contexto profissional.Emerge
dai este estudo,que não
teve a pretensão de ser mais queuma
introdução ao conhecimento sobre o quotidiano eo
imaginário profissional,na
perspectiva masculina.Desse
modo,
o levantamento das histórias desses enfermeiros prestou-setambém
a
desvelar osmeandros
das relações de gênero nos ambientes sociais, profissionais, durantea
trajetória de construção profissional desses enfermeiros.Sob
esta ótica este trabalho foi divididoem
cinco capitulos.No
capítulo 1,que denomino
A
Moderna
Exploração
da
Libido Masculina, tento tangenciar as apresentaçõesdo
universo masculino,buscando na
sua virilidadea
explicação paraa
convergência das energias masculina parao
trabalho produtivo. Neste capítulo, façouma
retrospectiva dos meios de construção da masculinidade para, então, definira
questão norteadora e os objetivos a perseguir neste estudo.No
capitulo 2, intituladoTrilhando
as Histórias dos Enfermeiros, procuro estabelecer oscaminhos
metodológicos percorridos para tentar apreender e compreender os dadosda
vida quotidiana edo
imaginário deste grupo de profissionais. Pretendi, neste capítulo, caracterizar o método,o
contexto e os sujeitosida investigação e, assim,
fimdamentado
nas noçõesdo
quotidiano deMichel
Mafiesoli
e nas estruturasdo
imaginário de GilbertDmand,
estabelecer a categorização ecompreensão
dosmodos
de apresentação dasimagens
edo
quotidiano dos enfermeiros.No
capítulo 3,que
identifiqueicom
o
títuloDa
Imagem
Formadora
àForma
imaginada, procuro desenvolver e dar destaque ao irnaginário,como
referência na compreensão dosfenômenos do
dia-a-dia dos sujeitos destes estudo. Ele é aqui percebido
como
o esboço fimcionalda
imaginação e asimagens
como
formas apresentacionais,que
podem
ser evidenciadasno
simbolismo e nas metáforasda
vida quotidiana, identificadas nos depoimentos eno
contextoem
que
se inserea
própria históriadesses enfermeiros.
Sob
esta ótica, pretendi valorizara
lógica dométodo
de investigaçãodo
imaginário e nas estruturas dos regimes noturno e diurno das imagens, propostona
obra de GilbertDurand
e as relações quefazem
da inteligência figurativa edo
simbolismo das imagens expressas nos depoimentos desses sujeitos, objetoproficuo
de investigação,que
não se encerracom
este estudo.No
capítulo 4,denominado
O
Quotidianodo
Enfermeiro, buscocompreender
os limitesda
exploraçãodo
potencial vin`l moderno, que parece estar determinandoa
sedução e os exagerosna
opção
dos enfenneiros por urnaordem
produtivano
seu trabalho e de outro lado, contrapondo-sea
esta,
a
emergência deuma
outraordem
que parece dar mais valor aos sentimentos, asemoções
coletivas,
à
sensibilidade,como
essência da existência quotidiana desses profissionais.Nesse
sentido,esse capítulo pretendeu desvelar alguns conflitos desses enfermeiros, que de
um
ladoparecem
estarconvivendo
com uma
ordem
racional, produtiva emecânica
e de outro,uma
ordem
emergente,possivehnente, mais emotiva, sensível e orgânica,
não
menos
essencial, que vaiganhando
espaços nas relações pessoais edo
trabalho quotidiano dos enfermeiros investigados.No
capítulo 5, intituladoDas
Aparências
às Diferençasde Gênero,
procurei reconstruir, atravésdos depoimentos
do
grupo de investigação,o
conjunto de imagens e valores que se evidenciaramno
seu quotidiano profissional.
A
competênciaassume
primeiro planona composição
daimagem
profissional e parece ajudara
forjar, referenciar e dar significação aos profissionais dentro deste grupo.A
imagem
foi analisadatambém
pela perspectiva das aparências e das relações de gênero. Neste contexto, identifiquei nos depoimentos, analogiascom
a
apresentação,o
respeito,a
força fisica, status, liderança, estereótiposs profissionais,como
componentes que, pensadosnuma
ordem
masculina,vêm
influenciando e diferenciandoa composição da
imagem
profissional neste grupo.No
capítulo 6,denominado Percebendo
asNuanças
de
Um
Camaleão,
procuro estabelecer identificação desses enfermeiros oracom
Lunaordem moderna
que relaciona sua virilidade e suas energiascom
o
trabalho euma
outraordem
pós-modema
que o feminiliza, valorizando suasensibilidade, as
emoções
coletivas,a
satisfação das vivências nos espaços coletivos, nos sentimentos decomunhão
desses encontros.Para finalizar esta apresentação, acredito que
a
importância de construirum
trabalho acadêmico, concentrando-me na problematizaçãodo
quotidiano edo
imaginário desses sujeitos é maisuma
tentativa de contribuir para os estudos
da
masculinidade e dessemodo
direcionar nossos esforços para iluminaro
contexto profissional, dar significação aocomportamento
ea
participação dehomens
nos diversos ambientes profissionais e, possivelmente, servir de subsídios para compreenderquem
é epor
que
estesáhomensvêm
ocupando
outros espaços profissionais.Embora
esse estudonão
tenha tidoa
pretensão de encontrar respostas para esta questão, reconheço que ele
pode
sugerirnovos
estudos profissionais. Estou consciente de que esse ainda éum
campo
importante de investigação para qualquer profissional que esteja interessadoem
aprofundar estudos acerca das relações de poder, gênero e de trabalho,no
ambiente profissional.enfermeiro- de Álvaro Pereira ” apresentado a pós-graduação em Enfermagem da UFSC, Florianópolis, Novembro 1996.
3 Para evitar deformação do
I.
A
MODERNA
EXPLORAÇÃO DA
“LIBIDO”
MASCULINA
“Ser
homem
pode
ser algobem
maishonrado
edigno
do que
rosnar diante dos indefesos e sacudira
cauda
diante dequem
tempoder”
1.1. Utilidade
da
“Energia
da
Libido”4 Masculina.Parece haver algumas coincidências entre
o
nascimento e a mortedo
idealda
masculinidade ocidentalea
modernidade.Uma
interdependência que ajudaa
compreendera
construção da ideologia da virilidadena
sociedade produtivamoderna
e a sua gradativa rejeição.Mosse
(1997)5, tratando de fazeruma
análise histórica sobre a masculinidade e a virilidademasculina, revela
que
o ideal masculino estabeleceu as regras de conduta, convenções morais damodernidadeqe que
éno
interior da classemédia
que a masculinidade estabelece sua ascensão,impondo
seus valores,também, na
aristocracia ena
classe trabalhadora.Embora
seja dificil definir, precisamente,quando
é que se deuo
nascimentodo
idealmoderno da
virilidade,afirma
o
autor, que estecomeçou
a desempenhar
seu papel histórico, redirecionandoa
“libido”do
trabalho, desde a segundametade
do
sec.XVIII
e o iniciodo
secXD(. Apoiado
na
virilidade, estabeleceu-seo
ideal damasculinidade,
que
passaa
impregnar toda cultura ocidental, tendo sido usado por todos os governantes,como
simbolo de regeneração pessoal e nacional, fortalecendo-se sobremaneirana
Revolução
Francesa e nas duas grandes guerras,dando
à sociedademoderna
a baseda
sua própria definição. Dessemodo, acompanhando a
mudança
dos valoresque
revolucionouo mundo,
também
assume
seu destaquena
alteração dos valores sobre o ideal masculinona
sociedade ocidental.A
inteligência mundial reconhecea
existência deuma
“crisena
modernidade”, desdeo
fim
do
século
XVII.
Esse fato é identificado poruma
reversão e gradativa “morte econômica”, “política”, “cultural”, quesegundo
Rouanet (1978, p.257)6 estariam propiciando condições para reflexão sobre determinados modelos, quenão têm
mais espaço nas diversascamadas
sociais. Essefenômeno
socialpode
ter influenciadotambém,
achamada
crisena
identidade masculina ocidental, estabelecendo-se condições para reflexão sobreo
papeldo
homem
na
sociedade. (Pereira, 1996)7. Decorrente desta crise, é possivel identificar que existe urna parcela dehomens que não
se adapta maisa
certos padrões de masculinidade emesmo
a
uma
“masculinidade hegemônica"(Almeida, 1995).*Incomoda
a
este grupo de homens,no modelo
vigente:“a necessidade de nos mostrarmos sempre fortes e capazes; de limitarmos a expressão de nossos sentimentos; de vivermos quase que exclusivamente
em
campos competitivos; de funcionarmoscomo
servidores da mulher, de sermos, permanentemente provedores; de nos ocupannos apenas de "coisas sérias",
como
o trabalho, política, etc.; e de perdermos o contato sensívelcom
o que nos rodeia, filhos,amigos, natureza; estando proibidas entre os homens expressões tais
como
°fracassei°, 'não sei”, “meequivoquei”, “não posso°.”( Hamawi, 1995, p.9)9
4
Utilizo essa expressão idemificada em Durand (Durand, Gilbert. As estruturas amropológzicas do imaginário. São Paulo: Martins Fontes,
1997. 55lp. p.l96) para sintetizar uma espécie de pulsão impelidora ao devir e ao desejo de eternidade, que acredito estar relacionada coma
virilidade masculina.
5 MOSSE,
George l. L'image de l'homrne. Uinvention de la virilité moderne. Paris: Abbeville, 1997. 225p.
6 ROUANET, Sérgio Paulo. As razões do iluminismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1978.
7 PEREIRA, Álvaro.
A
representação do gênero masculino na enfermagem. Rev. Enfermagem UERJ, Rio de Janeiro, v.4, n.2, p. 211-219,dez. 1996.
8 ALMEIDA, Miguel Vale. Senhores de si: uma interpretação antropológica da masculinidade. Lisboa: Ed Fim de Século, 1995. cap. p.127-
155.
9
HAMAWI,
Rodolfo. Que querem os homens? ln: NOLASCO, Sócrates.(Organizador)A
desconstrugão do masculino. Rio de Janeiro:Começa
a emergirum
novo
indivíduo “polifônico19” que,na
percepção de Nolasco (1993) )“,parece ser
um
“novo
homem”
“desconstruído”,com
legítimos desejos e comportamentos, até entãoatribuídos à mulher.
Por outro lado, é possível compreender essa crise da masculinidade
como
fruto da revolução dos papéis sociais e sexuais nas sociedades evoluidas, quepode
ainda estar determinando dificuldades de definir-se, sejana
esfera pública, seja na esfera privada,o que
é mais masculino ou feminino,no
interior dessas relações sociais.
Parece que esse
“novo
homem”,
de queNolasco
nos fala, éna
verdadea
expressão emergente deuma
sociedade,que
deixa transparecero
seu interior eque
mostrao
fimdo
negro. Estamesma
sociedademodema
quis mitigar esse fato, porque era convenientenão
mostrá-lo,mas
agoratransparece,
vem
à
superficie,ganhando o
seu espaço merecido.É
possivel observar estehomem,
minuciosamente, e
compreender
o valor da expressão da suaimagem, do
seu sentimento.O
que estána
superficie deixou de ser sóum
simples adorno e passoua
compor o
conjunto, agora valorizado pelo sentimento que está ali expresso e que amodernidade
fez questão de desvalorizar.O
sentimento deste
homem
que esteve escondidoou que
não tinhanenhum
valorna
composiçãodo
seu papel social, passa agora a assumir sua devida importância.A
conveniênciado
homem
virilpode
sercompreendida
pelo poder que ele tinha, deempunar
a
máquina
produtiva moderna,com
a
sua energia parao
trabalho.Enquanto
que essenovo
homem,
mais
sensível, de certomodo
anapalharia esta dinâmica, pela possibilidade de exacerbação das suas emoções, dores e lirnites, quetêm pouco ou
nenhum
valornum
meio
competitivo'No
contexto atual, é possivel que estejamos vivendonão
sómudanças no comportamento do
homem, mas também
na
ordem
socioeconômica.“¡>
O
modelo
dehomem
produtivo,com
um
perfilmais
duro,menos
emocional, vai sendo aparentemente, substituido porum homem
cada vez mais sensível.A
emoção
vai emergindodo
interior
do
coração, substituindo a razão absoluta, mostrando sua forma,dando
a verdadeira aparência,desnudando-se para
além do
espaço familiar.As
mudanças
no
seu ambiente de relaçãoclamam
porum
homem
cada vez mais emocional.A
mesma
emoção
que agoraassume
lugar paraleloem
todas asesferas
da
ciência. Metaforicamente falando, éa
emergênciado
coraçãoque
se emparelhana
estradada
razão.Talvez seja
um
engano
pensar que tivemosmudanças
radicaisou
que esteja deixando de existirum
tipo dehomem,
para dar espaçoa
uma
nova
modalidade.Ao
contrário, é preciso refletir se aqueleW Nolasco atribui a Jane Flax (1990) a origem desta expressão que passo a utilizar neste trabalho, porque pareceu-me definir melhor aqueles
homens em transformação, que convivem com os conflitos entre a pluralidade de valores sobre a masculinidade e os padrões de
naturalização ou essencialização do gênero masculino, reconhecidos na sociedade moderna.
" NOLASCO, Sócrates Alvares.
A
desconsuução do masculino, uma comribuiáo critica. à análise de gênero. In:__.Mli~
velho
homem
não
éo
mesmo
que,no
processo dinâmico de vivência,assume
sua subjetividade e sentimentos,ganha
espaçono
domínio público, conseguindo mostrar¿sena
mídiaou onde
vê condições para sermelhor
aceito.i
Esse
novo
homem
mais
sensível, possivehnente, sempre esteve presente e,na
maior parte dascircunstâncias,
ao
incorporar papéis e sentimentos reconhecidamente masculinos,manteve
a
discriçãono
seucomportamento
no
dominio público.Em
algumas poucas circunstâncias, fez questão de mostrar suas habilidades para lidarcom
o
sentimento decompaixão
ou
escolheu trabalhar,em
determinadas áreas, mais especificamente
em
algumas profissões quepudessem
identificá-locom
essa personalidade aparentemente mais sensível.No
domicílio, na maioria das vezes, assumiu nutrir e cuidar dos filhos, dividir as tarefas domésticascom
a esposaou
expressar sua afetividade e seus sentimentos.A
evidência mais forte dessa condição está presenteno
campo
das artes,onde
conseguiu expressar seus sentimentos nas telas, esculturas,no
teatro,na
música e poesia, deixando contribuições de inestimável valorà
cultura, espalhadas por todos os continentes da teria.Na
tentativa de seu entendimento,em
alginnas circunstâncias, era mais fácil atribuir-lheo
apanágio de afeminado, sobretudo
quando
manifesta seu zelo pelo doméstico; exacerbação pública dos seus sentimentos e queixas;não
participação das bebericações epaqueras no
bar, apóso
horário detrabalho;
no
futebol de final de semana;quando
desenvolve tarefas forado domínio
reconhecidocomo
masculinoou quando
opta por profissões estereotipadascomo
femininas,como
éo
caso dosbailarinos, cabeleireiros, pedagogos, professores
do
ensino fimdamental, enfermeiros, entre outras.,
Pensando na
forçada
composição desses rnitos, ideologias e papéis sociais imaginados eou
identificados
com
a
masculinidade, destaco, nestemomento,
algumas categorias relacionadascom
o
universo das apresentaçõesdo
gênero masculino, queme
auxiliarama
fimdamentar os problemas e objetivos deste estudo. Procurei cotejara
questão da construção (desconstrução?) desse masculino, convergindo às posições das(os) estudiosas(os)em
direção àcompreensão
dos invariantes que, dealgum modo,
entre os enfermeiros investigados, parecem estar interferindo nas relações de gênero,no
âmbito da sua atuação.
Procuro apoio nas concepções de gênero, tentando identificar os
caminhos
para a compreensão das construções socioculturais que, dealgum modo,
estejam influenciandona composição ou
nosmodos
de identificação
do
comportamento, ora rígido, ora sensível, seja nas relações pessoais, sejano
quotidiano de trabalho destes enfermeiros. Senti necessidade de, inicialmente, fazer
uma
investidano
processo de construção
da
identidade masculinidade, para situá-los enquanto sujeitos deste estudo.Segundo
esta ótica,o
capítulo pretendeu fazeruma
retrospectiva panorâmica das apresentaçõesdo
universo masculino,
que
tantome
ajudaram a pensarna
fomia,como
referência destas construções. Opteitambém
por
esta incursão, para ajudar-me a compreendera
forçada
composição masculinano
sociedade ocidental e desse
modo
relacionar, mais adiante,com
o
sensoda
maquinização dos enfermeiros.4
1.2.
Tangenciando
oUniverso
das ApresentaçõesMasculinas
A
composição masculina vinha sendo, ao longo dos tempos,na
sociedade ocidental, urnacomplexa
conjugação, determinada por expectativasou
exigências deformas ou
padrões de comportamentos sexuais, baseados,em
geral,na
cultura eno
imaginário dos indivíduos,do
seu povo,numa
determinada época,com
um
número complexo
de variáveis dinâmicas e intervenientes.-
'.
O
que nos faz acreditar, até hoje, que “serhomem
no
diaa
dia,na
interação social e nasconstruções ideológicas,
nunca
se reduz aos caracteres sexuais,mas
sim a
um
conjunto de atributosmorais de comportamento, socialmente sancionados e constantemente reavaliados, negociados, relembrados.
Em
suma,em
constante construção”.(Almeida, 1997, p.128)”
Mas
este estado dinâmicodo
processoda
sexualidade masculina parece ainda terpouca
aceitaçãoou
constatação nos nossos dias.A
sexualidade, tanto masculinacomo
feminina, esteve restritaa
padrões biológicos e sociais muito rígidos, durante todaa
modernidade.Guidens(l993)13
chama
a
atenção parao
fato deque a
sexualidade masculina está muitomudada
e que,há
atébem
pouco
tempo, prevaleceramalgumas
influências sociais, hoje destruídas, queincluíam o dominio
do
homem
na
esfera pública; padrão duplo de individuos divididos,exclusivamente,
em
macho
e fêmea;a
divisão e diferenciação sexual,como
urna obrada
natureza deDeus ou
da Biologia,que
identificava caracteres masculinos e femininos,com
os comportamentos específicos e a determinaçãoou
divisãodo
trabalho.7
Um
princípio universal exortava
a ordem da
natureza e esperavaque o
individuocom
o
gene ea
genitália masculina fosse
homem.
Parece que essa concepção defendida pelos naturalistasnão
foi, por si só, satisfatória para identificar oque
acontece.Há
algum
tempo,a
ciênciavem
mostrando quea
masculinidade é formatada,
mesmo
antesdo
nascimentodo
bebê.No
entanto,a
possedo cromossoma
Y
ou a
presença da genitália masculinanum
feto, hoje parece não mais caracterizar, definitivamente,o
macho
humano.
Essacomposição
vaialém do
dominio restritoda
Biologia.Graças
àsnovas
formas
de
diagnóstico, pelas radioimagens, já se identificaprecocemente
o
sexo dos bebês
e,ainda
na
barrigada
mãe,
esse fetopode
escutartodo
tipode comentário
sobreo
seu futurocomportamento,
sua virilidade, as possibilidades, predestinaçõesque
compõem,
em
geral,os sonhos e os
ideaisdos
seus familiares.De
algum
modo,
sobressaina
formação
destecomportamento
urna ideologiamasculina
fundamentada
na
condição
da
” ALMEIDA, Miguel vzle. op. cn, p. 12s.
ls GUIDDENS,
Anthony. Atr'ansf@g"o da intimidade: sexualidade, amor e erotismo nas sociedades modernas. São Paulo: Edit. UNESP,
sexualidade e
do
poder.(Ramirez,
1995)”
Acredita-se que a masculinidade sofre
também
a interferência,mesmo
nos dias atuais, deuma
ideologiaque
é própriada
masculinidade eque
ganharia reforço através decomportamentos
eda
virilidade, supostamente atribuídaao
“homem
autêntico”.Uma
espécie de padrão comportamentalque
obriga algunshomens
a
aceitarum
tipo exclusivo de composição,que
é frutoda
reafirmação doscomportamentos
reconhecidoscomo
masculinos e que se identificamcom
a
heterossexualidade,privilegiando, de certa forma,
a
sexualidade masculina, os órgãos genitais que ajudaram afimdir a
concepção fálica da sociedade.
Isso
pode
significar que,embora
ocomportamento machão
ea
virilidadenão
sejam maisconcebíveis após
o movimento
de reformas,o
qual devolveu às mulheres os seus direitos essenciais, já eratempo
de ter-se revertido sua condição tirana nas sociedades modernas.O
estereótipo masculino da virilidade, entretanto, mostraa
sua força e pregnânciano
imaginário popular, sobrevivendo a quedae as críticas
ao
patriarcado.Nolasco (1995, p.2l)15, estudando
homens
da classemédia do Rio
de Janeiro, revela que essescomportamentos
ainda estão presentes entreo
grupo dehomens
investigados. Parece que, nas sociedades contemporâneas, ainda existeum
padrão decomportamento
definido,onde o desempenho
de serhomem
está relacionado "às exigências viris, de posse e de poder,bem como
ser assertivo ecompetitivo sexualmente".
De
certa forma, são estes os componentes que vão tecendoo comportamento
positivo e assertivodo
homem
e fonnulando urna composição idealimdaou
imaginada pela sociedade,na
qual seconsidera a afinidade entre
o
êxito eo
poder,ou
seja, ohomem
melhor aceitona
sociedade seria aquele identificadocom
padrões de virilidade, de poder,da
posse eda
honra.A
ideologia masculina,segundo
Falconet&
Lefaucheur(l977)16, articulou-sea
partir de três “valores”: “vigor, posse e poder”. Esses componentes ajudariama
compreender o processo de fabricaçãodo
“verdadeirohomem”,
o
autênticomacho
da
espécieQuer
dizer,a
composiçãodo
homem bem
sucedido é alimentada pela competição e poruma
ordem
social injusta, desigual.Os
autoreschamam
a
atenção para o fato de que, ao concebera
luta pennanentenum
mundo
regido pela agressão, pela lei
do mais
forte, pela relação natural,a
burguesia projeta sua natureza sobre a natureza.O
mais forte seráo
maior, o mais belo terá dinheiro, mais mulheres e mais poder sobre os outros.“O
mais forteesmagará o
mais fraco”, “se não bater apanhará”, “se nãocomer
será comido”,se
não
mandar
serámandado,
senão
dorninar será dominado, “se não enrabar será enrabado”. (p.48) Por outro lado,a
culturado desempenho
sexual parece ter estreita relaçãocom
a
força, e mostra-se muito conveniente às sociedades capitalistas avançadas,
em
que seimpõe
aohomem
a
condição de " RAMIREZ, Rafael. ldeologias masculinas: sexualidade e poder. In: NOLASCO, Sócrates.A
desconsn-náo do masculino. Rio de Janeiro:Rocco, 1995. 165p. P.7S-82.
'5 NOLASCO, Sócrates Alvares.
A
deseonstrução do masculino, urna contribuição critica à análise de gênero. ln:_.A
desconstrugo domasculino. Rio de Janeiro: Rocco, 1995. 165p.
máquina.
O
que os estudos de Falconnet&
Lefaucheur (1977 op. cit.)Guidens(l993
op. cit.)Connel1(1987)" Connell (1995)'8
deixam
transparecer, éque
a composição da
masculinidade, soba
ótica tirânica dos sexos, alavanca
o
processo produtivoquando
transfere para esta ordem, suavirilidade, os
componentes
e expectativas positivas atribuídas aohomem
verdadeiro.Os
denominados
valores masculinos positivos, atribuídos à força, ao poder e
à
liderança,também
foram
destacadosentre os
homens
da
enfermagem, por Levine(l983)19. Este autor difere estes valores, dos considerados negativos, que seriam supostamente atribuídosa
padrões profissionais femininosdo
cuidado e da compaixão,o
que, entreo
grupo masculino, poderia estar assmnindo conotações pejorativas.Foi pensando
na
condiçãodo
homem
na
nossa sociedade brasileira, que procurei estabelecer oselos de ligação entre os padrões de .composição masculina e os
comportamentos
identificadoscomo
modemos,
queajudam
a embrutecer as atitudes dos elementos masculinos demodo
a
mecanizar suas ações.Minha
expectativa, neste estudo, foia
de compreender os contrastes, entre esses enfermeiros, que ora se identificamcom
a força,o
vigor, a rigidez, ora se exige que sejam, efetivamente maissensíveis, delicados e humanos.
Acredito que essa maquinização
do
masculino,emerge
no
processo de industrialização, pela exigênciada
força edo
máximo
deempenho
para alavancaro
crescimento econômico,mesmo
queo
expondo
aos riscos da exaustão edo
excesso de horas trabalhadas.Nesse
contexto, serhomem
éuma
obrigação, que se mostra desde cedo, pela expressão - Seja forte,
meu
filho!,o
que, dealgum modo,
pode
indicar quea
masculinidade é urna composição,que
se fortalece maiscomo
um
objetivoou
urna norma, que deve ser cumprida, sobpena da
marginalizaçãodo
infiator.Badinter (1993, p. 3)”
chama
a
atenção parao
fato de que serhomem
é urna imposição, urndever. "Ser
homem
se diz maisno
imperativodo que no
indicativo.A
ordem
sejahomem,
tãofreqüentemente ouvida [entre as crianças], implica que isso
não
é tão evidente eque a
virilidade não é,talvez, tão natural quanto se pretende." Essa condição imposta
ao menino
eo
pesado fardoda
composição
da sua identificaçãocom
o
masculino aindavêm
sendo muito discutida pelas correntes sociais e psicológicas.A
idéia da rejeição da contraparte femininana
teoria freudiana,pode
também
ser vistacomo
um
ponto de par1:ida, que explicaria
a composição
da identidade masculina dessehomem
que
desdepequeno ouve do
seu pai, que ele deve serhomem
Neste sentido, algrmsmeninos
só são capazes de definir-sehomens
pela negaçãoda
condição feminina. Eles sópodem
existir e diferenciar-se, opondo-se
à
condição feminina, à sua mãe, econvencendo
os outros deque
não
sãouma
menina ou
rejeitandoas atitudes de meninas, as brincadeiras de bonecas, de casinha, substituindo-as por soldadinhos de churnbo, e alguns super-heróis
como
Batman
e Robin, Jaspion,Rambo,
seus veículos earmas
de " CONNELL, Robert W. Masculiniües. Berkeley Los Angeles: University of California Press. l995.295 p.ls CONNELL, Robert W. Políticas da Rev. Edngçgo e Realidade. v. 20, n. 2, p. 185-206. jul. /dez. 1995.
19 LEVINE,
Ian. Machismo and the male nurse. Nursigg Times. p. 50-Sl, 25 May, 1983..
2° BADINTER, Elisabeth.
O
discurso médico herdado de Freud In:_
Um
amor cogggistado. o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. 266p.guerra, entre outros.
Em
princípio,a
opção por essas brincadeirasreafimia
oscomportamentos
dedisciplina e violência,
num
cotidiano repetitivo, que favorecea
incorporação dessas atitudes,como
essenciaisna
sua preparação paraa
vida,como
se existisseuma
guerra implacável forada
proteção dos seus pais.Sua
identificaçãono meio
familiar ena
sociedade é resultante deuma
série de variáveis culturaisque
o
ajudana
sua adaptação ao seu meio.A
composiçãoda
personalidade masculina é fruto deum
conjunto de regras que variatambém
em
firnção da cultura desses grupos sociais, nos períodos e locaisonde
sedesenvolvem
estas condicionantes.Dentro das sociedades primitivas e
mesmo
nas tecnologicamente avançadas, deum
modo
geral,têm-se observado
a manutenção
dessas condições.O
que parece indicar quea composição
da identidade dessemenino
foge ao controle dos pais, desdequando
ele nasceou
aparece para qualquer outromembro
da
sua comunidade, estando forçosamente condicionadoa
uma
ritualização, que fazcom
que
esse grupoo
reconheçacomo
maisum
membro
da parcela masculina daquele grupo socialou
clã.
Apesar
das diferenças culturais, esses meninos,na
maioria das sociedades patriarcais,passam
por rituais de iniciação que,em
certas circunstâncias,podem
transparecer aos observadores sociais, urnacruel afirrnação
da
masculinidade nesses jovens. Esse processo envolveum
conjunto de significações construídasno embate
com
as ações de outrosmembros
do
grupo social, que determinam run processo dialéticoda composição
de sua identidade a partirda
alternância, confronto e superação. Tal fatome
faz crer
na
masculinidadecomo
urna apresentação social, muitobem
definida entre osmembros
desse grupo,a
qual variaem
função das tradições e relações de poder ali estabelecidas.Parece-me que prevalece a opinião de alguns estudiosos da psicologia Junguiana, que identificam
esses ritos de iniciação
como
forças dinâmicas fundamentaisà
vida, quefizem
o
serhumano
tentar sair deum
nivel inferior de vivência, paraum
nível superior.Os
rituais de iniciação, para esta corrente, são essenciais para a construçãoda
identidade adulta,na
qual é preciso morrer omenino
para nascero
homem.
eA
composição da
identidade sexual,na
ótica de Jung (1964, 21 1993)” desenvolve-se durantea
fonnação
da
psique masculina.O
inconsciente ea
psique estariam assentadosem
comportamentos
padronizados instintivamente e
em
configurações energéticas, possivelmente de origem genéticas, que constróemo
que elechamou
de “inconsciente coletivo”.O
ser masculinomoderno maduro,
seriacópia dessas configurações energéticas potenciais masculinas, manifestas sob a
forma
de arquétiposza.A
existência dos arquétipos está doctunentadaem
grande quantidade decomprovações
clínicas,1* JUNG,
Carl G. Essai d'eQlor-ation de Pinconscient. Paris: Robert Lafibm, 1964. l8lp.
n JUNG, Carl G. Pszchologe de Pinconscient. 8. ed. Paris: Georg éditeur, 1993. 2l9p.
construídas a partir dos sonhos, devaneios dos pacientes de Jung;
na
observação dos padrões decomportamento
humano
etambém
nos estudosda
mitologia,no
mundo
inteiro.'
Os
arquétiposdo
“Rei”, “Guerreiro”,“Mago”
e “Amante”, descritos por esta corrente,comporiam
a
psicologia domenino
aohomem
maduro. ParaMoore
&
Gillette (1993, p.l5)7”', cada potencialarquetípico, tanto as
formas
imaturascomo
as amadurecidas,possuem
urna estrutura de relação entreo
homem
eo
menino.As
formas
arquetipaisdo
“masculino imaturo”, estariam presentesna
psicologiado “menino
imaturo” e as arquetipaisdo
“masculino arnadurecido”, teriam relaçãocom
a
“psicologiado
homem”.
Nessa
concepção, os arquétipos seriam evidenciados,em
diferentes estágiosdo
desenvolvimentodo
homem.
Assim,o
primeiro arquétipo a ascender éa
“Criança Divina”. Juntocom
ele viriaa
“Criança Precoce” ea
“Criança Edipiana”.O
último estágioda
psicologia infantil seriagovemado
pelo “I-Ierói”. Essas influências aconteceriam demodo
natural e simplesao
logodo
caminho
da sua vida.Cada
um
desses arquétiposdá
origem às formas mais complexasdo
masculino amadurecido.A
“Criança Divina”, enriquecida pelas experiências, toma-seo
“Rei”.A
“CriançaPrecoce” vai dar origem
ao
Mago
e a “Criança Edipiana” seráo
“Amante”, enquantoque o
“Herói” ascende à condição de “Guerreiro”.Assim a
masculinidade amadurecidanão
serianem
agressiva,nem
dominadora,mas
sim, geradora, criativa e fortalecidaem
relaçãoa
si e aos outros.As
pesquisas antropológicas, por outro lado, estabelecemo
valorda
identidade,também
pelos ritos de iniciaçãoou
de passagem.Em
algims estudos sobre as sociedades primitivas,o
menino
precisa incorporar a identidade e as responsabilidades masculinas, para poder primeiro assrmiira
condição de guerreirona
tribo e depoisa
de chefe.O
significado social atribuido por esses grupos primitivosà
iniciação é muito mais
complexo do
que apenasum
ritual depassagem à
condição de púbere.Por
trásda
sacralimçãodo
ritualda
iniciação, na verdade, essas tribostêm
demonstrado dar muitopouco ou
quase
nenhmn
significado àsmudanças
fisiológicas, quedeterminam a
passagem à
dita puberdade, quea
Biologia levou tantotempo
para explicar.Pode
até haver coincidência,mas
a "puberdade fisiológica" e a "puberdade social" são doiscomponentes
essencialmente diferentes,que
seconvergem
raramente. Foio
que tentou demonstrarGennep,
(l977)25em
seus estudos sobre os ritos de iniciação, reforçandoa
posiçãode que
as “sociedades especiais” são, demn
modo
geral, organizadas sobre bases mágico-religiosas e apassagem
de urnaa
outraassume a
aparência deuma
passagem
especial,marcada
entre nós por determinados ritos, batismo, ordenação, entre outros.Há
uma
incompatibilidade entreo
mrmdo
profano e o sagrado, que faz
com
que essas sociedades supervalorizem estemomento
intermediário,entre
o
sermenino
eo
serhomem.
Esse parece serum
momento
decomposição
deum
novo
ser, que aM MOORE, Robert, GILLE'l`1'E, Douglas. Reg' ggerreiro, mago, amante: a redescoberta dos arquétipos do masculino. Rio de Janeiro:
Campus, 1993. 1S2p.
75 GENNEP,
partir dai
assume a
identidade adulta e se incorpora aiessa fase, pela construção e consolidação do seupapel masculino nessa sociedade. ~
Essa
diferenciaçãona
fomiaçãoda
personalidade masculina,pode
ser exemplificada pela etnografia da tribo Arapesh,em
estudo precursor, sobre as tribos daNova
Guiné, realizadopor
Margaret
Mead
(1988)2°.Os
rituais de iniciação nessa cultura,começam
quando
a criança atinge ossete
ou
oito anos e sua personalidade está formada.O
cultoa Tamberan
é a representaçãomais
dramática da preparação
na
composição masculina. Ele éum
patrono sobrenatural doshomens
adultosda
tribo,fiuto da
imaginação coletiva, que sópode
ser visto peloshomens
adultos e iniciados,nunca
pelas mulheres e crianças não iniciadas."Um
sistema dirigido contra as mulheres e as crianças,destinado a mantê-las
em
seus lugares ignominiosos e puni-las se tentar sair."( ibid. p.86)O
Tamberan
éuma
farsa representada por artificios produtores de ruídos, flautas, apitos, gongos, entre outros.O
segredo dessa farsa é cobrado aos iniciados, e o ritual de iniciação se convertenum
trotemalvado,
em
que os mais velhos sevingam
dosmeninos
recalcitrantes e dos ultrajes que elesmesmos
já sofreram.
O
ritual de iniciação dessejovem
adolescente, requer anosde
preparação e culminacom
a
sua segregação, porum
determinado período.No
ambientedo
cultoT
amberan, omenino
é incisado, fazuma
refeição riuializada, expressa pelo sacrificioda
ingestão de sangue dos mais velhos.Além do
sentido pactual desse rito, são enfatizados,
também, o
companheirismo, cumplicidade e reciprocidadeentre os meninos e seus padrinhos.
Os
mais
velhoscaçam
e alimentam muitobem
o iniciado,que
passa
a
partir dessemomento, a
ter as múltiplas obrigações de auxiliar seus pais e tiosna
velhice,cuidar da viúva e dos filhos dos irmãos, casar e ter esposas (a poligarnia é
um
dever e nãoum
privilégio), proteger seu progenitor e seuirmão
maisjovem
na
infância, criandotambém
a pequenaepré-adolescente esposa .
Outra etnografia desenvolvida por Stoller
&
Herdt (l993)27chama
a atenção paraa
composiçãoda
masculinidade entre os Sambias, tribo de guerreiros, caçadores, horticultores, que habita as
montanhas
do
leste daNova
Guiné.A
etnografia tenta mostrar, nesta sociedade,como
se impediu os efeitosda
feminização
na
consciência de homens,numa
tribo isolada.A
fomiaçãoda
masculinidade não se faz só nas lutasem
defesa militar e na sua preparação,mas
na condiçãodo
homem
na
vida sexual,na
família,no
vinculomãe-filho
ena
moldagem
rígidada
masculinidade e feminilidade.O
sistema familiar nestas tribos é patriarcal, os casamentos são arranjados entre os clãs,sem
namoro.
O
casamento éum
culto misógino, secreto.A
mulher
é consideradamn
ser inferior,que
corrompe
e esvaziao
poderdo
homem,
jáque
a matéria primada
existência e da vitalidade é o sêmen.No
entendimento dessas tribos,o sêmen
étambém
necessário às mulheres para desenvolver os seios e2° MEAD, Mzrgzmn
sem
etiene.
3.E¢ são Paulo;na
Pmpezúvz, was. 316 p.27 STOLLER., Robert, HERDT, Gilbert H.
O
desenvolvimento da masculinidade: uma contribuição cultural cruzada. In: STOLLER, Robert.Masculinidade e feminilidade: apresentações do gênero. Porto Alege:Artes Médicas, 1993. 283 p.cap.11.