• Nenhum resultado encontrado

Incentivo às medidas socioeducativas de meio aberto no Rio Grande do Sul: uma experiência intersetorial

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Incentivo às medidas socioeducativas de meio aberto no Rio Grande do Sul: uma experiência intersetorial"

Copied!
21
0
0

Texto

(1)

Incentivo às medidas socioeducativas de

meio aberto no Rio Grande do Sul:

uma experiência intersetorial

Resumo

Este artigo tem como objetivo contar a experiência inicial de implantação das ações de incentivo às medidas socioeducativas de meio aberto do Programa RS Socioeducativo no Estado do Rio Grande do Sul. É importante destacar que as medidas socioeducativas consistem em sanções estabelecidas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) aplicadas aos jovens em conflito com a lei. Tais sanções dividem-se em: medidas de remissão, advertência, obrigação de reparo do dano e medidas restritivas ou privativas de liberdade. O Programa, coordenado pela Secretaria da Justiça e do Desenvolvimento Social do RS, é de caráter intersetorial, envolvendo, portanto, as ações de outras Secretarias. Nos quatro eixos de sua constituição, o RS Socioeducativo busca, de modo geral, a qualificação do atendimento socioeducativo no Estado, a redução da reincidência criminal e a prevenção da violência. Nesse artigo, trabalharemos especificamente com o Eixo 1, articulado com a Secretaria Estadual de Saúde, denominado

Incentivo às medidas de meio aberto, cujas ações baseiam-se

no fortalecimento dos laços familiares e comunitários dos jovens em cumprimento de medidas socioeducativas de meio aberto, a saber, Liberdade Assistida e Prestação de Serviço a Comunidade. Pretendemos, ainda, no espaço desse texto, discutir a importância tanto da implantação quanto do fortalecimento das políticas públicas de atenção aos jovens que cumprem medidas restritivas de liberdade no Brasil e a relevância do conceito de intersetorialidade para a construção dessas ações.

Palavras-chave: violência - socioeducação - medidas de meio

aberto - adolescência - família - intersetorialidade.

Introdução

Lucia Delgado Capitão1

Roselene Gurski2

1Fundação de Atendimento Socieducatuvo; Secretaria da Justiça e Desenvolvimento Social do Estado do Rio Grande do Sul, Programa RS Socieducativo. 2Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul, Programa de Prevenção à Violência; Programa RS Socieducativo. Membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre

Autor para correspondência:

Roselene Gurski

Rua Dr. Florêncio Ygartua, 131/conj. 702 – Fone: 55 51 3395 3916 - Moinhos de Vento- 90430-010- Porto Alegre - RS Email: roselene-gurski@saude.rs.gov.br C a p it ã o & G u rs k i

(2)

Este artigo tem como objetivo contar a experiência inicial de implantação das ações de incentivo às medidas socioeducativas de meio aberto do Programa RS Socioeducativo no Estado do Rio Grande do Sul.

O Programa, coordenado pela Secretaria Estadual da Justiça e do Desenvolvimento Social do Rio Grande do Sul (SJDS-RS), é de caráter intersetorial, envolvendo, portanto, as ações de outras Secretarias. Nos quatro eixos de sua constituição, o RS Socioeducativo busca a qualificação da socioeducação no Estado, a redução da reincidência criminal e a prevenção da violência.

Nesse texto, trabalharemos especificamente com o Eixo 1, articulado com a Secretaria Estadual de Saúde (SES), denominado

Incentivo às Medidas de Meio aberto, cujas ações baseiam-se no

fortalecimento dos laços familiares e comunitários dos jovens em cumprimento de medidas socioeducativas de meio aberto, a saber, Liberdade Assistida (LA) e Prestação de Serviço à Comunidade (PSC).

Destacamos a importância da discussão tanto da implantação quanto do fortalecimento das políticas públicas de atenção aos jovens que cumprem medidas restritivas de liberdade no Brasil, bem como a relevância do conceito de intersetorialidade para a construção dessas ações.

Nesse diapasão, importa considerar que a história da socioeducação no Brasil é recente e remonta a ações reguladas por concepções centralizadoras, paternalistas e autoritárias. Segundo Pereira (2003), o conceito chave da construção das políticas públicas dirigidas à infância e juventude sempre foi a de situação irregular, ou seja, historicamente essas políticas eram tecidas à luz da noção de que a pobreza e o desvio de conduta apresentados pelas crianças e adolescentes eram traços que deveriam ser corrigidos e reprimidos pelo aparato judicial.

Na atualidade, a partir dos agravantes próprios do projeto neoliberal e de uma melhor organização dos dispositivos da sociedade civil, avançamos em uma série de discussões, sobretudo com relação à situação da infância e juventude no país. A sociedade, por intermédio de instâncias governamentais e não-governamentais, pode construir o denominado Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do

Adolescente1(SGD) que preconiza a promoção e proteção de direitos humanos, cuja legalização ocorreu através do ECA.

1

O Sistema de Garantia de Direitos para crianças e adolescentes, a partir dos marcos da Constituição Federal, de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente estabeleceu as diretrizes da execução de medidas protetivas e das medidas socioeducativas, entre elas a liberdade assistida e a prestação de serviço à comunidade.

(3)

É preciso dizer que a passagem para o modelo SGD encontra-se ainda em faencontra-se de consolidação, demandando por isso o fortalecimento e o cuidado, especialmente, pelo risco de retrocesso diante de concepções arcaicas, típicas do antigo Código de Menores, que infelizmente ainda caminham lado a lado com os avanços atingidos. O surgimento do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo2 (Sinase), em 2006, destacou o SGD em relação à política de atendimento ao adolescente autor de ato infracional e reforçou a concepção ético-pedagógica que vai além da dimensão sancionatória das medidas socioeducativas. O Sinase, portanto, foi instituído como parâmetro referencial com o objetivo primordial de desenvolver ações socioeducativas sustentadas nos princípios dos direitos humanos para adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa.

Programa de Prevenção da Violência: Uma

Estratégia Intersetorial

O Estado do RS, desde 2007, tem sido administrado na forma de Programas Estruturantes. Esses Programas, em número de doze, estão divididos em 3 eixos e têm seus focos baseados em problemas históricos do Estado gaúcho.

Um dos doze Programas, inserido no Eixo Finanças e Gestão

Pública, denominado Nossas Cidades, articula ações do governo do

Estado com as administrações municipais, priorizando a interlocução entre as diferentes políticas públicas e as comunidades. O foco do

Programa Estruturante Nossas Cidades é a qualidade de vida do

cidadão no espaço da cidade que habita. Entre os projetos que o compõe, situa-se a prevenção à violência através do Programa de

Prevenção da Violência (PPV).

O PPV, criado em 27 de fevereiro de 2007, através dos decretos 44.907 e 44.908, é monitorado e acompanhado pela Câmara Setorial das Políticas de Segurança e Prevenção da Violência e pelo Comitê Estadual para Prevenção da Violência no RS, dispositivos coordenados pela Secretaria Estadual de Saúde em parceria com a UNESCO por meio de Termo Cooperativo denominado PRODOC. O PPV propõe a articulação e a integração das diferentes políticas

2

Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo - é um sistema integrado que articula nos três níveis de governo, os princípios, regras e critérios de caráter jurídico, político, pedagógico, financeiro e administrativo, que envolve desde o processo de apuração de ato infracional até a execução de medida socioeducativa. CONANDA, 2006. o & G u rs k i C a p it ã o & G u rs k i

(4)

públicas relacionadas à prevenção da violência, alinhando em sua metodologia a proposta intra e intersetorial de trabalho em acordo com o que preconiza a Organização Mundial de Saúde (OMS).

Organizado de forma horizontal, com vistas à composição de uma rede social, através do entrelaçamentos das políticas públicas, o Programa pretende reduzir os índices de violência nos 50 municípios gaúchos que apresentam as maiores taxas de mortalidade por causas externas. O PPV inova ao estimular a operacionalização e articulação das ações desenvolvidas pelas secretarias estaduais, municipais, bem como pelas entidades da sociedade civil. Trata-se, acima de tudo, de uma proposta de prevenção primária que prioriza a abordagem da violência a partir de ações que visam à redução de riscos, a minimização de danos, o fortalecimento da cultura para a paz e a resiliência dos indivíduos, grupos e populações. Deste modo, compõe o programa ações das Secretarias de Cultura, Educação, Saúde, Justiça e Desenvolvimento Social, Ciência e Tecnologia, Turismo, Esporte, Segurança Pública, Casa Civil e Militar que, conjuntamente, propõem o enfrentamento da violência como um problema a ser tratado de modo intersetorial, conforme demonstra a figura 1.

A humanização dos cuidados no âmbito da saúde, da educação, da cultura e da assistência social visa, acima de tudo, atingir a violência como fenômeno social antes que aconteça de modo fático. Nesse sentido, acredita-se que a abertura das escolas nos finais de semana, o incremento das ações de lazer e cultura, a ampliação dos cuidados no campo da saúde, entre outras ações, ao auxiliarem na qualificação da vida do cidadão, podem contribuir para a redução dos índices de violência.

(5)

Fig. 1 - Secretarias envolvidas nas ações do PPV

Fonte: Governo do Estado do Rio Grande do Sul

Importa ainda sublinhar que o PPV funciona nos municípios através de dois dispositivos principais: o Grupo Técnico Gestor Municipal (GTGM), formado pelos representantes das secretarias municipais envolvidas e os Comitês Municipais, formados pelas entidades governamentais e não-governamentais dos municípios, cujas ações dirigem-se à prevenção da violência.

Segundo Minayo e Souza (1999), o tema da violência está incluído no campo da saúde há muitos anos. Tal inserção aparece na

Classificação Internacional de Doenças (CID) da OMS sob a

denominação de causas externas que englobam homicídios, suicídios e acidentes fatais. Esses indicadores de violência decorrentes de causas externas diferenciam-se das causas de morbidade, segundo conceitos da OMS.

Destacamos que, a partir da implantação do PPV, foi possível ampliar as ações de monitoramento das taxas de violência dos municípios gaúchos, especialmente por meio das notificações, denominadas RINAV3, emitidas pelos serviços de saúde dos

3

Relatório Individual de Notificação de Acidentes e Violência - RINAV.

C a p it ã o & G u rs k i

(6)

municípios. Importa lembrar que as notificações das situações de violência e de acidentes eram anteriormente realizadas apenas nas emergências dos hospitais que integravam o Observatório de Acidentes e Violência (CEVES/RS)4.

Atrelado à concepção de prevenção da violência, encontra-se a discussão da efetividade das medidas socioeducativas no Estado, tanto no âmbito das medidas já implantadas, quanto no que se refere à necessidade de aproximação da socioeducação gaúcha aos parâmetros nacionais a fim de que a responsabilização do ato infracional esteja em consonância com a garantia de direitos humanos dos adolescentes em conflito com a lei. Partindo dessas noções, o PPV acolhe, nas ações dirigidas aos jovens em conflito com a lei, o Programa RS

Socioeducativo, sancionado pela Lei nº 13.122 em janeiro de 2009,

ação da Secretaria da Justiça e do Desenvolvimento Social em sua interface com o PPV.

A Socioeducação no Estado do RS

As ações socioeducativas no Estado vislumbram a revisão da política socioeducativa, buscando de modo específico a sua qualificação e de modo geral a prevenção da violência. Modo pelo qual, estimula as implantações e/ou fortalecimento das medidas de meio aberto, amplia o número de Unidades de Semiliberdade, descentraliza as Unidades da Regional Porto Alegre, prevê a construção de Unidades nas regionais que ainda não dispõem do atendimento in loco e estabelece ações de acompanhamento de adolescentes egressos dos Centros de Atendimento da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase) e seus familiares integrando-os às políticas de atendimento no intuito de efetivamente contribuir para a convivência familiar e comunitária dos jovens. O Programa está organizado em quatro eixos:

1. Incentivo às medidas de meio aberto;

2. Inserção no mundo do trabalho e acompanhamento de egressos da Fase;

3. Ampliação das Unidades de semiliberdade; 4. Descentralização das Unidades da Fase.

Tais eixos estão em consonância com a Doutrina da Proteção

Integral à Infância e Juventude referendada pelo Sinase que, por sua

4

Para outras informações sobre o CEVES, ver: www.saude.rs.gov.br

C a p it ã o & G u rs k i

(7)

vez, foi implantado em acordo com as normativas nacionais e internacionais5, das quais o Brasil é signatário.

Ressaltamos a importância da revisão histórica por meio da digressão das políticas públicas nacionais dirigidas aos jovens em conflito com a lei, através da qual é possível compreender o ritmo dos avanços e construções até agora empreendidos.

A criança e o adolescente no cenário nacional:

primórdios das políticas públicas dirigidas à

infância e juventude no Brasil

É preciso dizer que as políticas públicas destinadas à infância e adolescência sempre tiveram uma certa dificuldade em seu estabelecimento, seja pela ausência do reconhecimento das particularidades do infantil e do juvenil, seja em função do não reconhecimento da criança e do adolescente como sujeitos de direitos. Por meio dos estudos de Philippe Áries (1991), sabemos que, além de recente, o reconhecimento do lugar conferido à infância sempre variou de acordo com as pautas de cada cultura em cada tempo sócio-histórico. Até a Idade Média, por exemplo, apesar da existência das crianças, a infância não era considerada em sua especificidade; as crianças misturavam-se aos adultos no dia-a-dia, não havendo nenhum saber particular acerca de sua constituição. Foi na passagem da sociedade medieval para a sociedade moderna que a infância ganhou um lugar de representação social, sendo a família o ente que passou a protagonizar seus cuidados.

Por volta do século XVII, a partir das noções sobre a importância da civilidade e dos primeiros ideais iluministas, surgiram críticas severas à educação familiar. Em 1762, com a publicação do tratado sobre educação, intitulado O Emilio, de Jean-Jacques Rosseau, fica clara a exigência de uma educação para a civilidade, proposta através de preceptores educativos e em seguida reconhecida como uma tarefa do Estado por meio da instituição escolar. Foi deste modo e gradativamente que a infância passou a ser vista como um período de preparação para a vida adulta.

5

Normativas nacionais: a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente e internacionais: Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, Sistema Global e Sistema Interamericano dos Direitos Humanos: Regras Mínimas das Nações Unidas para Administração da Justiça Juvenil – Regras de Beijing –, Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade C a p it ã o & G u rs k i

(8)

Tal quadro revela a construção da noção do Estado como ente protetor da infância. No que se refere aos meandros nacionais, esse processo parece ter se sedimentado com a chegada da família real ao Brasil, no começo do século XIX. A chegada da corte portuguesa, em 1808, trouxe importantes modificações na organização social da colônia. Novos hábitos, costumes e códigos sociais até então inexistentes passaram a repercutir no dia-a-dia das famílias, reposicionando o lugar e a importância das instâncias responsáveis pelos cuidados com as crianças e jovens.

Lasch (1991), com propriedade, diz que a necessidade da sociedade industrial de levar cultura e informação às massas, a partir do final do século XIX, início do século XX, fez com que o Estado se apropriasse da educação dos menores através da proliferação dos agentes de bem-estar social na vida familiar. Pelas descrições do período, podemos constatar que a República instalou o Estado na regulação familiar e nos direitos da criança, subtraindo dos pais a dose de livre arbítrio até então corrente (GURSKI, 2008a).

É preciso destacar que nesse tutelamento do Estado sempre estiveram presentes duas infâncias: a das classes abastadas e as das classes populares. Enquanto as primeiras eram preparadas para assumir o comando do Estado, o segundo grupo era preparado para servir ao país. Deduz-se daí a noção de que as políticas públicas direcionadas às crianças e adolescentes foram construídas para atender aos sujeitos de classes sociais menos favorecidas (PEREIRA, 2003). O Código de Menores criado em 1927 era o reflexo desses princípios, ou seja, ele procurava dar conta das questões da infância pobre, a infância deficiente do ponto de vista social. Em 1941, agregou-se, a essa estrutura, o Serviço de Assistência ao Menor (SAM) cujo objetivo era o de recuperar crianças e adolescentes abandonadas e/ou com grandes desvios de condutas. Este foi o período de apogeu dos internatos.

O SAM vigorou como órgão federal até a década de 50 quando faliu sob denúncias de abusos, corrupção e violência contra o menor por parte daqueles que eram encarregados dos cuidados com as crianças e jovens. O SAM então passou a ser conhecido como um depósito de menores. Na chamada Era Vargas, surgiu a Legião Brasileira de Assistência (LBA) cuja prerrogativa era cuidar de forma assistencial das crianças e famílias mais pobres.

Ao aproximar-se a década de 60, surgiram promessas sobre a implantação de uma nova política do chamado menor. Em 1964, em substituição ao SAM, é criada a Fundação para o Bem-Estar do Menor (Funabem)6 com a missão de formular políticas públicas adequadas às

6

Junto com a Funabem foram criadas as Febem (s), entidades correspondentes de caráter estadual. C a p it ã o & G u rs k i

(9)

necessidades dos menores infratores e menores em situação de risco, diga-se: os abandonados, maltratados e os portadores de deficiência.

A falência deste modelo mostrou que os métodos, desde o SAM, não haviam mudado muito. Em 1986, com muita militância e impulsionado pela abertura política, foi realizada uma grande análise das políticas de atendimento ao menor que culminou, no final da década de 80, com o documento Compromisso Político de Diretrizes

Técnicas, cujo efeito foi a extinção da Funabem em 1990 bem como a

garantia de defesa de direitos da criança e do adolescente na Constituição de 1988, o que gerou, em 1990, a Lei 8.069 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

O ECA: um novo conceito de assistência à

infância e juventude

A chegada do ECA inaugurou uma nova etapa nas políticas públicas de assistência à infância e juventude. Os fundamentos do novo paradigma, lançados na década de 80 com o Sistema da Garantia de Direitos às Crianças e Adolescentes, trouxeram a concepção de proteção integral que estabelecia modificações de metodologia e gestão das entidades ligadas a esse Sistema. Nogueira Neto (2005) afirma que o SGD potencializou a promoção e proteção dos direitos da infância e juventude nas políticas da educação, saúde, cultura e esporte e, de forma especial, das políticas sociais, tanto para crianças e adolescentes com seus direitos ameaçados ou violados, os credores

de direitos, quanto para os adolescentes infratores, ditos em conflito com a lei, constituindo-se assim em um sistema estratégico.

Segundo Sposito (2003), a década de 1990, caracterizou-se pelo investimento de jovens como capital humano, com capacitação para emprego, numa visão associada ao crescimento econômico. A autora pontua que nessa década iniciou-se o reconhecimento de problemas que afetavam os jovens, como saúde, violência e desemprego. A partir de 1997, os programas de inclusão com foco nos jovens pobres começaram. Todavia, eles ainda eram associados a problemas e as políticas para a juventude careciam de participação desses atores, chamados à cena sempre como coadjuvantes e à mercê da fragmentação, descontinuidade administrativa e deficiência na fiscalização dos recursos públicos desde a formulação das propostas até a execução de políticas.

Com a instituição do ECA, a política de atendimento a crianças e adolescentes vem sofrendo adequações. Desde sua implantação, foram sendo instituídas mudanças cujo eixo parte da Doutrina de Garantia de Direitos. O paradigma da Doutrina de Situação Irregular

C a p it ã o & G u rs k i

(10)

que definia crianças e adolescentes em situação de risco social como potenciais autores de ato infracional e na qual prevalecia a ideia de punição, sendo a família vista como perniciosa e permissiva aos desvios da conduta, passou a se alterar para uma visão na qual a criança e o adolescente constituem prioridade absoluta. A família, então, com a Constituição Federal de 1988, é vista como célula mater da sociedade, devendo ser cuidada e amparada em suas necessidades. Políticas públicas de proteção social reguladas pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS)7, passaram a evocar a família como núcleo do atendimento, estabelecendo a Política Nacional de Assistência Social (PNAS)8 e criando para executar a legislação o Sistema Único de Assistência Social (SUAS)9, organizado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Há ainda os Conselhos Nacional, Estaduais e Municipais de Assistência Social, instituídos a partir da LOAS, art. 30°, cujo foco de atenção também é voltado às famílias.

Em 2006, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, instituiu o Sinase como uma política pública destinada à inclusão do adolescente em conflito com a lei, do qual fazem parte os sistemas distrital, estaduais, e municipais, bem como todas as políticas, planos e programas específicos de atenção dirigidos a esse público. Segundo deliberação do Sinase, é fundamental a participação dos sistemas e políticas de educação, saúde, trabalho, previdência social, assistência social, cultura, esporte, lazer, segurança pública, entre outras para a efetivação da proteção integral de que são destinatários todos os adolescentes. O Sinase retoma discussões pertinentes desde a implantação do ECA e propõe a organização do atendimento definindo ações e competências, bem como especificando as diretrizes de como fazer para vislumbrar no país uma socioeducação cuja efetividade impulsione transformações sociais.

O Estado do Rio Grande do Sul vem se ajustando às normatizações de modo gradativo. Na década de 90, foram realizadas construções de novas Unidades de internação em cidades do interior, acompanhando a divisão estabelecida pelo Poder Judiciário que estabelece dez regionais visando, portanto, à regionalização do atendimento socioeducativo de privação de liberdade e atendendo ao

7

Lei 8.742 de 07/12/1993. 8

PNAS, 2004. Visa à proteção social, à vigilância social e à defesa de direitos socioassistenciais e tem como prioridade a matricialidade na família.

9

SUAS, 2005. Desenvolve os eixos da política de assistência: a gestão, o financiamento e o controle social. O SUAS propõe a execução através da Proteção Social Básica e a Proteção Social Especial dividida em média e alta complexidade. A média complexidade comporta as medidas socioeducativas de Liberdade Assistida e Prestação de Serviço a Comunidade e a alta complexidade os abrigos, república, casa lar. A Proteção Social Especial de Média complexidade deve prestar atendimento através dos Centros de Referência Especializados de Assistência Social. A alta complexidade através de atendimento em pequenos grupos com uma equipe de referência para atendimento psicossocial vinculada ao órgão gestor.

C a p it ã o & G u rs k i

(11)

ECA na determinação de que o adolescente permaneça próximo da sua família e da sua comunidade durante o cumprimento da medida socioeducativa.

No ano de 2000, iniciou-se o reordenamento institucional, posteriormente, em 2002, foi definida a extinção da FEBEM/RS10, criando-se então duas Fundações vinculadas à Secretaria do Trabalho, Cidadania e Assistência Social, Lei nº 11.800, de 28 de maio de 2002: a Fundação de Proteção Especial (FPE) para o atendimento das medidas protetivas a crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social e a Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase), responsável pelas medidas socioeducativas privativas de liberdade aplicadas aos adolescentes autores de ato infracional. Nesse período, iniciou-se a municipalização do atendimento socioeducativo quando alguns municípios começaram, então, a assumir as medidas de meio aberto.

Mais recentemente, no intuito de repensar a socioeducação no Estado, a SJDS estabeleceu diálogo com o Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Conselho de Direitos da Infância e Juventude, políticas públicas e sociedade civil propondo e acolhendo proposições de alguns passos em direção à reafirmação dos princípios e diretrizes da legislação nacional no âmbito da garantia de direitos humanos a adolescentes em conflito com a lei.

Assim, na esteira da qualificação da socioeducação, o Estado instituiu, em janeiro de 2009, o Programa RS Socioeducativo com a proposta de redimensionamento da socioeducação. O Programa constitui-se de eixos independentes que se complementam para a efetiva ação. Na sequência apresentamos a síntese de cada eixo já em andamento no Programa.

Eixo 1 – Incentivo às medidas de meio aberto - tem por objetivo buscar a efetiva implantação do ECA no Estado no que se refere ao incremento das sanções de restrição de liberdade em detrimento das medidas de privação de liberdade. Por intermédio de co-financiamento com o município, o Estado busca fortalecer e qualificar as ações do programa de atendimento daqueles municípios que já municipalizaram essas medidas socioeducativas, além de ampliar o número de municípios executores das medidas de liberdade assistida e prestação de serviço à comunidade.

Eixo 2 - Inserção no mundo do trabalho e acompanhamento de egressos da Fase - visa o apoio e acompanhamento dos adolescentes que cumpriram medidas socioeducativas privativas de liberdade, em seu desligamento institucional, assegurando-lhes possibilidades de retorno ao convívio familiar e comunitário de forma a construir, com

10

A FEBEM/RS, Lei nº 5.747, de 17 de janeiro de 1969, atendia, concomitantemente, crianças e adolescentes abandonados e autores de ato infracional sob a égide do Código de Menores.

C a p it ã o & G u rs k i

(12)

o adolescente, estratégias de emancipação e cidadania. Tal inserção pauta-se na concepção da co-responsabilidade e do protagonismo, tanto do adolescente, quanto da família e da rede de políticas sociais.

Eixo 3 – Ampliação das Unidades de Semiliberdade – o Estado empreende esforços para reduzir o número de internações dos adolescentes autores de ato infracional. Trabalha na ótica da co-gestão para a implantação de novas Unidades de Semiliberdade. Dessa forma, a Fase determina as diretrizes da medida de Semiliberdade enquanto organizações não governamentais realizam o atendimento ao adolescente.

Eixo 4 - Descentralização das Unidades da Fase – o ECA determina que as Unidades de Atendimento Socioeducativo estejam próximas às comunidades de origem dos internos e condena a idéia de

complexos de atendimento. Nessa ótica, a discussão sobre a

reestruturação das Unidades de atendimento na capital do Estado, onde se concentram seis Unidades em um terreno da Fase, faz-se necessária visando tanto a adequação ao ECA quanto ao Sinase naquilo que diz respeito aos parâmetros socioeducativos e arquitetônicos dos Centros de Internação.

Após essa breve síntese acerca dos quatro eixos do Programa, passemos ao exame do Eixo 1 do Programa RS Socioeducativo, objeto principal deste artigo.

Adolescentes em cumprimento de medidas de

meio aberto e suas famílias: o resgate de uma

dívida social

O ECA preconiza que a internação é a medida socioeducativa mais gravosa a ser aplicada ao adolescente autor de ato infracional. Contudo, no Estado, assim como no país, passados dezenove anos de implantação da Lei, as ações preventivas e as garantias de direitos dos adolescentes autores de ato infracional têm que ser constantemente evocadas na busca da legitimidade da justiça social.

Deparamo-nos com o alto índice de internações de adolescentes e com condições físicas e de recursos humanos para atendimento desses internos ainda precárias. Tais internações geram superlotação na privação de liberdade e suscitam dúvidas quanto à eficácia na reinserção desses jovens. Essa medida vem sendo aplicada em detrimento de medidas socioeducativas mais brandas, como a semiliberdade e mesmo as medidas de meio aberto: LA e PSC. No quadro atual, os dados de reincidência, apesar de pouco estudados, são desestimuladores e a violência social é assustadora. Faz-se

C a p it ã o & G u rs k i

(13)

necessário, portanto, buscar outras formas de significar a medida para o interno, de co-responsabilizar a sociedade e, ainda, de os órgãos públicos oferecerem ao jovem e à família a possibilidade de construir uma trajetória de inclusão e cidadania (CAPITÃO, 2009).

O incentivo às medidas de meio aberto significa a qualificação das condições sociais e pessoais do jovem que elabora o conflito com a lei através das sanções de restrição de liberdade. Importa considerar a possibilidade de resgate do sujeito cuja sanção pelo ato infracional é praticada sem a segregação social, ou seja, o adolescente que não é retirado do seio de sua família e de sua comunidade. Portanto, para articular ações que possam qualificar as relações do jovem com sua família, o Programa RS Socioeducativo propôs a Secretaria Estadual de Saúde como parceira da construção do Eixo 1.

As ações desse eixo norteiam-se pelos princípios e marco legal do Sinase e, especialmente, observam o princípio da co-responsabilidade da família, sociedade e Estado pela promoção e pela defesa dos direitos da criança e do adolescente, conforme artigo 227 da CF e 4º do ECA, bem como pela necessária escolha de medida socioeducativa que fortaleça os vínculos familiares e comunitários, conforme artigos 100 e 112 do ECA.

O incentivo consiste na intervenção com as famílias, tendo por pressuposto que esta é a referência para os filhos e tem, na função protetiva, um papel fundamental para a reinserção social e comunitária de seus membros - nesse caso, os jovens em conflito com a lei - através da reconstrução dos vínculos afetivos e alteração da situação que levou ao cometimento infracional. Portanto, fomentar a potencialização das capacidades e dos recursos dos membros da família é um modo de ajudar no enfrentamento dos desafios inerentes às diferentes etapas do ciclo de vida. Também é um modo de auxiliar o jovem e a família na superação de condições adversas, entre elas, as situações de vulnerabilidade e violação de direitos, visando, sobretudo, a construção de alternativas para a cidadania desses sujeitos.

Partindo dessas noções, o objetivo maior desse eixo é a qualificação das condições de execução das medidas restritivas de liberdade LA e PSC, contribuindo para a redução do índice de reincidência dos adolescentes em conflito com a lei, através de ações de fortalecimento da competência familiar e do resgate dos vínculos entre o adolescente, a família e a comunidade. Nessa ótica, o delito é visto como um sinalizador, um pedido de socorro desses adolescentes diante de vivências individuais, familiares e sociais que levaram à estratégia de cometimento infracional.

A aposta no fortalecimento e no resgate dos vínculos, tanto dos membros do grupo familiar, quanto da comunidade na qual o jovem está inserido, objetiva melhores condições para lidar com as situações que produziram o conflito com a lei, bem como a prevenção

C a p it ã o & G u rs k i

(14)

dessas problemáticas. De modo específico, visa ainda aos seguintes objetivos:

a) Proporcionar à família apoio terapêutico através de visitas domiciliares, bem como encaminhamento à Rede de serviços para atendimento especializado, visando através dos cuidados sua reestruturação como suporte emocional para o jovem.

b) Estimular a família a participar de forma comprometida do acompanhamento ao processo de inserção social, pedagógico, profissionalizante e terapêutico do jovem.

c) Promover ações intersetoriais de caráter preventivo à cultura da violência através da articulação dos diferentes dispositivos da Rede de saúde e social.

Em acordo com essas disposições, o foco do atendimento na área da saúde será destinado às famílias dos adolescentes que estão em cumprimento de medidas de meio aberto e efetuado através da formação de equipes de saúde da família, denominadas Equipes

Socioeducativas..

Essas equipes são compostas por profissionais de nível superior de ocupações não-coincidentes: psicólogo, assistente social, enfermeiro. As Equipes deverão desenvolver ações e/ou encaminhar os membros da família para atendimentos no âmbito da saúde física e mental. Tal apoio dar-se-á através de visitas domiciliares e encaminhamentos à Rede de serviços de saúde e sociais para atendimentos especializados. Parte-se da noção de que o atendimento dos adolescentes e familiares, em situação de risco psicossocial ou doença mental, deve ser prioridade para que se propicie, com brevidade, o acesso ao sistema de saúde. Devem ser estimuladas todas as ações de combate ao sofrimento subjetivo, associado ou não a qualquer doença e/ou questões emocionais, que impeçam a adesão a práticas preventivas ou à incorporação de hábitos de vida saudáveis.

A atenção em saúde mental deverá ser feita a partir da rede de cuidados já existente que inclui a rede de Atenção Básica/Saúde da Família, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), as residências terapêuticas, os ambulatórios, os centros de convivência, os clubes de lazer, entre outros.11 Este trabalho dar-se-á por meio das seguintes modalidades de ações com as famílias:

Visitas domiciliares: as famílias deverão ser visitadas sistematicamente pelos componentes da Equipe. As visitas iniciais devem servir para conhecimento e análise da saúde física e mental dos componentes da família do adolescente, com vistas à elaboração de um planejamento conjunto quanto às intervenções e encaminhamentos necessários.

11

Conforme Portaria n. 154 de 24 de janeiro de 2008.

C a p it ã o & G u rs k i

(15)

Grupos: as Equipes serão responsáveis por implantar e/ou encaminhar espaços de intervenção em grupos sistemáticos para os familiares e a comunidade, voltados à superação das dificuldades que surgirem a partir do diagnóstico da família. Entre alguns temas citamos: drogadição, doenças sexualmente transmissíveis, gravidez precoce, violência física e psicológica, planejamento familiar e DST/AIDS. Trabalho em rede: as Equipes serão responsáveis por otimizar o acesso à família do adolescente através da articulação da rede de serviços do município. Para tal, são propostas as seguintes ações: reuniões sistemáticas das equipes com os profissionais da comunidade para fomentar a articulação dos serviços da Rede, sensibilização dos integrantes da rede pública e privada, organização das ações intersetoriais e estabelecimento de fluxo de comunicação e monitoração/avaliação do atendimento às demandas encaminhadas. Reuniões sistemáticas da equipe socioeducativa: a Equipe deve ter uma interlocução sistemática com as outras Equipes que atendem os adolescentes em cumprimento de medidas de meio-aberto; devem também se reunir com as equipes de saúde que acompanham a região de moradia dos jovens.

A operacionalização dessa ação12 de qualificação e implantação de atendimento de medidas socioeducativas de meio aberto, LA e PSC, é estabelecida com o repasse de verbas da Secretaria Estadual de Saúde. Para o desenvolvimento da ação no ano de 2009 foram designados municípios de acordo com o cruzamento dos seguintes critérios: população com índice maior que 100 mil habitantes, municípios sedes das regionais do Juizado da Infância e da Juventude e municípios prioritários do Programa de Prevenção da Violência - segundo dados estatísticos relativos aos índices de violência -, não enquadrados no primeiro critério. Dessa forma, 18 (dezoito) municípios foram designados com a proposta de implantação de 1 (uma) equipe por município. Para o ano de 2010, estão previstos mais 5 (cinco) municípios considerando o número de habitantes e o levantamento do índice de violência, além da ampliação de mais sete equipes na capital do Estado onde se concentra o maior número de adolescentes em conflito com a lei.

12

Antes da operacionalização para os municípios, em dezembro de 2008, foi realizado um convênio entre a Secretaria Estadual de Saúde e o CEDEDICA - Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, organização não-governamental, criada em 1998 no município de Santo Ângelo, com larga experiência no trabalho com jovens em conflito com a lei. Essa ONG que desenvolve ações de execução de medidas socioeducativas de meio aberto – Liberdade Assistida (LA) e Prestação de Serviços à Comunidade (PSC) assumiu o acompanhamento de famílias com adolescentes em cumprimento de medida de meio aberto nos municípios pertencentes aos Juizados Regionais da Infância e Juventude de Santo Ângelo e Santa Maria.

C a p it ã o & G u rs k i

(16)

As equipes socioeducativas aqui designadas devem atuar juntamente com as equipes de atendimento aos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas de LA ou PSC fazendo articulação com a rede de atendimento. A ação com as famílias propõe a ampliação das equipes de atendimento e o fortalecimento da execução das medidas restritivas de liberdade. Propõe, ainda, contribuir para que o município, por meio de seu programa de execução de medidas, ao assumir essa ação, potencialize as políticas públicas municipais com vistas a acolher seus jovens munícipes em situação de conflito com a lei. A inclusão desses jovens, com certeza, alterará as estatísticas estaduais e nacionais, tanto dos atendimentos na socioeducação, quanto dos índices de violência.

Assim, almejamos que os municípios gradativamente se responsabilizem por seus adolescentes em conflito com a lei, evitando dar-lhes o corretivo da privação de liberdade como único antídoto aos atos antissociais. Vislumbramos também que a dimensão ética da vida social possa funcionar como o balizador das políticas públicas.

À guisa de conclusão

A proposta de incentivo às medidas de meio aberto - tanto no que se refere à implantação, quanto no que se refere ao fortalecimento das ações - constituem, ainda, parte da resposta ao que preconizam as premissas do ECA. A implementação do RS Socioeducativo no Rio Grande do Sul representa um passo a mais nesse processo.

É preciso dizer que a efetiva implantação do ECA e a qualificação do sistema de atendimento socioeducativo gaúcho carecem ainda do término da regionalização das Unidades privativas de liberdade, da ampliação do número de Unidades de Semiliberdade, da implantação do atendimento das medidas de meio aberto e, quando instituídas, de seu aprimoramento, da reestruturação das Unidades da Capital diante da estrutura atual do atendimento que potencializa o estigma e a segregação dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa privativa de liberdade. Não podemos esquecer também a necessidade urgente de elaborar um Plano Estadual de Atendimento Socioeducativo à luz do Sinase imprimindo, dessa forma, a revisão ou a instalação da proposta pedagógica da socioeducação que sobrepõe a ética ao sancionatório da medida socioeducativa.

As medidas socioeducativas menos gravosas como LA, PSC e Semiliberdade contribuem para garantir aos adolescentes em conflito com a lei a possibilidade de cumprimento de uma medida socioeducativa que coadune aspectos de interação com a comunidade por meio da escolarização, de cursos profissionalizantes e da convivência familiar, além de buscar maior garantia de direitos

C a p it ã o & G u rs k i

(17)

humanos aos internos dos Centros de Atendimento Socioeducativo no Estado, diante da possibilidade real da redução da superlotação nas Unidades de internação.

É importante dizer que a parceria do governo do Estado com os municípios, em co-financiamento, indica uma nova possibilidade de gestão das medidas de meio aberto. Assim, o Estado, responsável pelas diretrizes da socioeducação, responsabiliza-se com os municípios. O co-financiamento poderá possibilitar o monitoramento conjunto dessas ações, o que certamente apontará necessidades e exigirá novas estratégias visando garantia de direitos humanos aos adolescentes em conflito com a lei e suas famílias.

Qualificar a medida socioeducativa de meio aberto através do acompanhamento ao adolescente e a sua família exige mudanças significativas na compreensão do ato infracional como expressão dos sintomas sociais. Exige, portanto, ação integrada, co-responsabilizada e intersetorial na dimensão do reforço às políticas já instituídas, evitando o paralelismo de ações e, sobretudo, evitando a fragmentação e a setorialização.

Nesse sentido, é preciso sublinhar que a viabilidade de um Programa como o RS Socioeducativo acontece, especialmente, pelo caráter intersetorial das intervenções. A intersecção das ações, entre os diferentes partícipes, governamentais e não-governamentais, implicados no Programa, outorga a complexidade necessária a uma ação na direção dos fenômenos de violência e no plano da socioeducação.

A própria OMS, ao propor o enfrentamento da violência como uma ação em Rede, privilegia o caráter preventivo presente no conceito de intersetorialidade. Isso porque sabemos que a violência na contemporaneidade se apresenta de diferentes modos, exigindo das entidades governamentais e dos dispositivos da sociedade civil uma leitura atenta e minuciosa de suas manifestações.

Nesse sentido, a violência juvenil deve ser analisada de modo especial. O aumento do índice de jovens infratores, especialmente, nas grandes cidades, constitui um dos modos de manifestação da violência endêmica presente na vida contemporânea. O sociólogo Spagnol (2005: 276), ao analisar a delinquência de jovens paulistas, diz que:

[...] o que mais impressiona é a crueldade com que os jovens tratam suas vítimas. Não é somente matar, atirar e esfaquear uma pessoa, mas torturá-la, cortar, furar, amassar, destruir seu corpo de maneira desumana, sem demonstrar nenhum sinal de arrependimento [...]. Parece haver prazer em matar, em destruir o outro de maneira bárbara e cruel.

No artigo, ele sugere que a raiva expressa pelos jovens deve ser tomada como a revelação de algo inquietante presente nas

relações sociais, ou seja, pergunta-se sobre o quê da fisiologia dessas

C a p it ã o & G u rs k i

(18)

relações retorna sob o manto de atos bizarros e violentos praticados pelos jovens da atualidade13. A pesquisa que realizou com jovens paulistas mostrou que a pobreza por si não explica a violência, pois ele relata ter encontrado índices de crueldade e desprezo pelo outro semelhantes nos jovens da periferia e nos de classe média.

De outra perspectiva, a psicanalista Maria Rita Kehl (2002: 10) sugere que a ausência do sentido da existência está na origem de muitos sintomas de violência contemporâneos. Isso porque o sentido é construído a partir do simbólico, ou seja, desde os códigos que a cultura na qual se está inserido indica como lugar de produção do sujeito. Segundo ela, ainda que o sujeito participe com um grão de

invenção, a função simbólica dessa produção deriva, exatamente, do

fato de os sentidos serem coletivos, inscritos na cultura.

Assim, devemos nos perguntar sobre as condições sociais da atualidade que levam às estatísticas alarmantes no que se refere à violência praticada e sofrida por jovens. Segundo Zaluar (1994 apud ADORNO, BORDINI e LIMA, 1999), o desmantelamento dos mecanismos tradicionais de socialização juvenil e das redes tradicionais de sociabilidade nos bairros foi acompanhado pelo distanciamento nas relações entre pais e filhos, questão que implicou uma reconfiguração nas funções sociais dos agentes de socialização, entre eles, a família e a escola. Nesse processo de transição, o lugar de tais agentes ficou vago, o que se supõe ter facilitado a captura dos jovens de periferia ao mundo do crime organizado e do narcotráfico. Esses novos agenciadores sociais não seduzem os jovens através do apelo por um mundo mais igualitário e justo, mas sim

[...] por meio dos atrativos oferecidos pela sociedade de consumo e pelas possibilidades de afirmação de uma identidade masculina associada à honra e à virilidade, modos concretos de inserção e de localização sociais em uma era caracterizada pelo cerceamento das opções de escolha pessoal (ZALUAR, 1994 apud ADORNO, BORDINI e LIMA, 1999, p.72).

O resultado desse processo não é o incremento da solidariedade, mas a explosão do individualismo, que, para os jovens, traduz-se no valor que adquire a arma, o fumo, o dinheiro, as roupas e a disposição para matar (GURSKI, 2008b).

No artigo de Spagnol (2005), anteriormente citado, o homicídio aparece como a maior causa de morte entre jovens na faixa de 15 a 24 anos, sendo que o número de óbitos é quase sete vezes maior do que o número absoluto de mortes na população em geral.

13

Michel Moore (2003), em Tiros em Columbine, busca entender as raízes sociais da violência dos cidadãos norte-americanos. Para tal, relata, por exemplo, que o porte de armas de países como Canadá ou Inglaterra é tão grande quanto nos EUA, mas nem por isso as estatísticas de assassinatos são tão expressivas quanto lá.

C a p it ã o & G u rs k i

(19)

Quer dizer, os jovens, como protagonistas ou como vítimas da violência, parecem ser um sinal inequívoco do quanto nosso laço social carece de múltiplas ações passíveis de ofertarem condições de cidadania a fim de que os adolescentes não capitulem a criminalidade como modo de representar-se no social.

Acreditamos, portanto, que a intersetorialidade deve configurar-se em uma estratégia de ação dos entes públicos, pois traz em seu bojo a ousadia do diálogo, das estratégias conjuntas, do planejamento das ações com a responsabilidade compartilhada pelos resultados obtidos. Infelizmente, as práticas institucionais vêm demonstrando desarticulações frequentes, nas quais ações de uma mesma política social não se conversam, atendem paralelamente e de forma desarticulada as necessidades da população. Nesse sentido, pensamos que o melhor foco para as intervenções socioeducativas, antes de mais nada, situa-se na ênfase das condições de cidadania do jovem e de suas famílias. Tais condições, que podem ser viabilizadas através das melhorias na saúde, na cultura, no lazer, na educação e na segurança pública do jovem e de suas famílias, são o que podem garantir que nossa juventude acredite em um futuro possível diferente do caminho do tráfico e da vida do crime.

Abstract

This article aims at narrating the first experience of the implementation of the incentive actions to open environment socio-educational measures of the program called RS Socioeducativo (Socioeducational RS) in the state of Rio Grande do Sul. It is important to highlight that the Socio-educational Measures consist of sanctions established in the Estatuto da Criança e do Adolescente –

ECA (Statute for the Child and the Teenager) applied to youngsters

with illegal behavior. Such sanctions are divided in: remission measures, warnings, the duty of repairing damage and restrictive or freedom-restricting measures. The program, coordinated by the

Secretaria da Justiça e do Desenvolvimento Social do RS (Office of

Justice and Social Development of Rio Grande do Sul), has an intersectorial character, therefore it involves actions from other Offices. In its four constitutive branches, RS Socioeducativo aims, in general terms, at improving the socio-educational service in the state, reducing criminal relapse and preventing violence. This article focuses on Branch 1, which is connected to the Secretaria Estadual de Saúde (State Office of Health) and is named Incentivo às Medidas de Meio

Aberto (Incentive to Open Environment Measures). Its actions are

based on the strengthening of family and community bonds of the youngsters serving open environment socio-educational measures, namely, Liberdade Assistida e Prestação de Serviço à Comunidade (Assisted Freedom and Community Service Rendering). This text also

C a p it ã o & G u rs k i

(20)

intends to discuss the importance of both the implementing and the strengthening of public policies focused on attending to youngsters serving freedom-restricting measures in Brazil and the relevance of intersectoriality for the construction of these actions.

Key words: violence - socio-education - open environment measures

- adolescence - family – intersectoriality

Referências

ADORNO, S; BORDINI, E. B. T.; LIMA, R. S. de. O adolescente e as mudanças na criminalidade urbana. São Paulo em Perspectiva: Revista da Fundação SEADE. São Paulo, n. 4, p. 62-74, out./dez.1999.

ARIÈS, P. A história social da infância e da família. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e científicos, 1981.

CAPITÃO, L. Socioeducação: inserir é possível! Disponível em <http://www.sjds.rs.gov.br>. Acesso em 20 jul., 2009.

BRASIL. Presidência da República Casa Civil. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília, 1990. GURSKI, R. Pais ou mestres? Notas sobre as fronteiras da família e da escola na educação contemporânea. In: RODRIGUES, F.; GURSKI, R. Educação e função paterna. Porto Alegre: UFRGS, p. 11-29, 2008a.

______. Juventude e paixão pelo real: problematizações sobre experiência e transmissão no laço social atual. Tese (Doutorado). Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008b. KEHL, M.R. Sobre ética e psicanálise. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

LASCH, C. Refúgio num mundo sem coração: a família, santuário ou instituição sitiada? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.

MINAYO, M.C. de S.; SOUZA, E.R. É possível prevenir a violência? Reflexões a partir do campo da saúde pública. Ciências & Saúde

Coletiva, 4(1); p. 7-32, 1999.

NOGUEIRA NETO, W. Por um sistema de promoção e proteção dos direitos humanos de crianças e adolescentes. Serviço Social e

C a p it ã o & G u rs k i

(21)

Sociedade - criança e adolescente. São Paulo: Cortez, nº 83, p.

5-29,2005.

PEREIRA, N. N. Novas políticas na área da saúde mental da infância

e adolescência: práticas e concepções teóricas na reinserção

psicossocial. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro, Escola Nacional de Saúde Pública 227 f, 2003.

BRASIL. SINASE - Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Brasília: CONANDA, 2006.

SPAGNOL, A.S. Jovens delinquentes paulistanos. Tempo Social, São Paulo, v.17, n. 2, p. 275-299, nov. 2005.

SPOSITO, M. Trajetórias na construção de políticas públicas de juventude no Brasil. In: FREITAS, M.V.; PAPA, F.C. (Org). Políticas

públicas: juventude em pauta. São Paulo: Cortez, Ação Educativa,

Pesquisa e Informação: Fundação Friedrich Ebert, p. 57-75, 2003.

C a p it ã o & G u rs k i

Referências

Documentos relacionados

Ficou com a impressão de estar na presença de um compositor ( Clique aqui para introduzir texto. ), de um guitarrista ( Clique aqui para introduzir texto. ), de um director

29 Table 3 – Ability of the Berg Balance Scale (BBS), Balance Evaluation Systems Test (BESTest), Mini-BESTest and Brief-BESTest 586. to identify fall

Na Figura 4.7 está representado 5 segundos dos testes realizados à amostra 4, que tem os elétrodos aplicados na parte inferior do tórax (anterior) e à amostra 2 com elétrodos

The objectives of this article are as follows: (1) to describe the assessment protocol used to outline people with probable dementia in Primary Health Care; (2) to show the

Neste estudo foram estipulados os seguintes objec- tivos: (a) identifi car as dimensões do desenvolvimento vocacional (convicção vocacional, cooperação vocacio- nal,

O relatório encontra-se dividido em 4 secções: a introdução, onde são explicitados os objetivos gerais; o corpo de trabalho, que consiste numa descrição sumária das

Afinal de contas, tanto uma quanto a outra são ferramentas essenciais para a compreensão da realidade, além de ser o principal motivo da re- pulsa pela matemática, uma vez que é

Os resultados são apresentados de acordo com as categorias que compõem cada um dos questionários utilizados para o estudo. Constatou-se que dos oito estudantes, seis